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Psicologia Clínica

versão impressa ISSN 0103-5665versão On-line ISSN 1980-5438

Psicol. clin. vol.29 no.1 Rio de Janeiro  2017

 

SEÇÃO LIVRE

 

Transformações da conjugalidade em casamentos de longa duração

 

Changes of marital relationships in long-term marriages

 

Transformaciones de la conyugalidad en matrimonios de longa duración

 

 

Suzana Oliveira CamposI; Fabio Scorsolini-CominII; Manoel Antônio dos SantosIII

IPsicóloga graduada pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba, MG, Brasil
IIProfessor Adjunto da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba, MG, Brasil
IIIProfessor Associado da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP, Brasil

 

 


RESUMO

As experiências de passagem do casal pelas diferentes fases do ciclo de vida implicam em mudanças na individualidade e conjugalidade. O objetivo deste estudo foi compreender as principais transformações no casamento percebidas ao longo do tempo por cônjuges engajados em união de longa duração. Foram entrevistados 25 casais unidos, em média, havia 39,5 anos, com média de idade de 64,1 anos. Por meio da análise de conteúdo, na perspectiva da Psicologia Positiva, as transformações foram organizadas em três categorias: (a) sexualidade e intimidade; (b) autonomia e afastamento; (c) aprendizagens com o(a) companheiro(a). Constatou--se que as limitações decorrentes do avanço da idade e dos processos maturacionais e de adoecimento são possibilidades que promovem uma releitura acerca do desejo sexual, abrindo espaço para a manifestação de sentimentos de proximidade e experiências de reformulação do afeto, do companherismo e da presença do outro. A aceitação dessas transformações como parte natural do processo de amadurecimento pessoal e conjugal parece ser um traço comum aos casamentos longevos. Esses achados devem ser incorporados nas intervenções psicológicas com esses casais.

Palavras-chave: conjugalidade; casamentos de longa duração; Psicologia Positiva


ABSTRACT

The experience of passage of the couple by the different stages of the life cycle imply changes in individuality and conjugality. The aim of this study was to understand the major transformations in marriage perceived over time for spouses engaged in long-term marriage. Twenty-five couples were interviewed. Participants were aged 64.1 years old, on average, and they had been engaged on marriage for 39.5 years, on average. Through the content analysis, from the perspective of Positive Psychology, the transformations were organized into three categories: (a) sexuality and intimacy; (b) autonomy and remoteness; (c) learning with the partner. It has been found that the limitations arising due to advancing age, maturational processes and illness are possibilities that promote a reinterpretation about the sexual desire and facilitate the expression of feelings of closeness and experiences of reframing the affection, companionship and the presence of other. Acceptance of these changes as part of the personal and couple maturational process seems to be a common thread in long-term marriages. These findings should be incorporated into psychological interventions with these couples.

Keywords: conjugality; long-term marriage; Positive Psychology.


RESUMEN

Las experiencias de pasaje de una pareja por las distintas fases del ciclo de vida implican en cambios en la individualidad y conyugalidad. El objetivo de este estudio fue comprender las principales transformaciones en el matrimonio percibidas a lo largo del tiempo por cónyuges engajados en unión de longa duración. Fueron entrevistados 25 parejas unidas, en media, había 39,5 años, con media de edad de 64,1 años. Por el análisis del contenido, desde la perspectiva de la Psicología Positiva, las transformaciones fueron organizadas en tres categorías: (a) sexualidad e intimidad; (b) autonomía y apartamiento; (c) aprendizaje con el/ la compañero(a). Se encontró que las restricciones debido al envejecimiento, de los procesos de madurez y de enfermedad son posibilidades que promueven una reinterpretación acerca del deseo sexual, dando lugar a la expresión de sentimien-tos de proximidad y reformulación del afecto, del compañerismo y de la presencia del ser querido. La aceptación de estos cambios como siendo parte natural del proceso de maduración personal y de la pareja parece ser un rasgo común en los matrimonios de larga vida. Estos hallazgos deben ser incorporados en las intervenciones psicológicas con essas parejas.

Palabras clave: conyugalidad; matrimonios de longa duración; Psicología Positiva.


 

O casamento é um fenômeno histórico cuja permanência, em larga medida, é determinada por ser um mecanismo regulador e mantenedor da ordem social, da transmissão do patrimônio, dos valores morais e religiosos e das disposições afetivas. E também um fenômeno social, devido à transgeracionalidade, que pode ser definida como um processo inconsciente por meio do qual se dá a transmissão de aspectos psicológicos, culturais e históricos, que se mantêm ao longo da evolução da sociedade. Desse modo, são transmitidas certas disposições elementares que tendem a se perpetuar na sucessão das gerações. Não se trata apenas de um pacto nupcial celebrado pelo casal, mas de um legado que se renova em cada vínculo conjugal e que é transpassado por dimensões pessoais, sociais e familiares que refletem ideais, expectativas e construções acerca do que define um relacionamento amoroso (Scorsolini-Comin & Santos, 2012; Zordan, Falcke, & Wagner, 2005, 2009). A conjugalidade ocorre no contexto sócio-histórico e familiar no qual o indivíduo se insere e se inscreve em meio às relações psicossociais complexas que ele internaliza ao longo do processo de socialização. Nessa vertente, a relação conjugal caracteriza-se pela constituição de um espaço simbólico e, ao mesmo tempo, de um contexto singular em que as experiências sedimentam modelos de interação social que são significativos para o casal. É esse locus comum de entrelaçamento das individualidades que define a conjugalidade (Féres-Carneiro & Diniz Neto, 2010; Scorsolini-Comin, 2014).

Torres (2004) define três formas de conjugalidade. A conjugalidade institucional, que apregoa uma visão do casamento como destino natural dos indivíduos em processo de desenvolvimento, com cumprimento de papéis e como instituição a qual se deve preservar acima de tudo, privilegiando a relação parental em detrimento do vínculo conjugal. A conjugalidade fusional caracteriza-se por ser uma modalidade romantizada, na qual os cônjuges se unem porque gostam um do outro e querem estar juntos, havendo, portanto, uma fusão entre as relações parental e conjugal. Por fim, a conjugalidade associativa é aquela na qual dois indivíduos autônomos e com projetos próprios de realização pessoal se “associam” em prol do bem-estar conjugal e familiar; nesse caso, não há um esgotamento das identidades individuais pelas dimensões familiares e conjugais, como ocorre nos dois primeiros tipos de conjugalidade.

Até a Idade Média, eram os pais que arranjavam o casamento dos filhos, guiados pela conveniência e interesses econômicos e políticos. Desse modo, o enlace não era fruto de um relacionamento amoroso, mas de um contrato familiar, cuja principal função era ser um instrumento de manutenção de um sistema de dominação econômica e política (Zordan et al., 2005). Na sociedade ocidental, o casamento apoia-se nos princípios do cristianismo, sendo considerado uma união legítima entre homem e mulher. Respeitado como instituição divina e celebrada como um sacramento, o casamento tornou-se uma prática social comprometida com a criação e educação dos filhos, transmissão de valores e formação de alianças políticas (Munhoz, 2001).

A partir do século XX é possível perceber uma transição da estrutura patriarcal para um modelo individualista. Com isso, também houve mudanças estruturais na instituição do casamento, apesar da manutenção de alguns costumes e ritos. É nesse contexto que o amor, o prazer e a felicidade passaram a ocupar um lugar central no matrimônio – não só para seu início, como também para sua manutenção. O casamento passa a ser um âmbito de relações marcadas por respeito mútuo e projetos de envelhecimento compartilhado. Nesse momento também há uma diminuição das diferenças de gênero, com a crescente escolarização e emancipação feminina, alavancada pela revolução sexual, o aperfeiçoamento dos métodos contraceptivos e das técnicas de reprodução e, sobretudo, com a entrada da mulher no mercado de trabalho (Amorim & Stengel, 2014; Coutinho & Menandro, 2010; Torres, 2004; Zordan et al., 2005, 2009).

Apesar das mudanças produzidas pela modernidade no casamento, a transgeracionalidade social aponta para a coexistência de permanências e mudanças, reconfigurando a bagagem de modelos familiares e sociais experimentados historicamente. No novo cenário que emerge na modernidade tardia, as relações conjugais deixam de ser instauradas por interesses externos para serem cada vez mais definidas por afinidades afetivas e sexuais, mantendo-se o conceito de amor romântico como base para a união conjugal (Zordan et al., 2009).

Nesse sentido, a conjugalidade passa a caracterizar a união de duas subjetividades que resulta em um terceiro “eu”, ou seja, uma identidade compartilhada pelos cônjuges (Borges, Magalhães, & Féres-Carneiro, 2015). Para essas autoras, a coexistência e interação de duas individualidades e uma conjugalidade representa tanto o fascínio quanto a dificuldade de ser casal, principalmente diante dos ideais contemporâneos que pregam a supremacia de valores como autonomia e satisfação pessoal em detrimento da dependência conjugal. Por outro lado, o triunfo da ideologia individualista prejudica a construção de um espaço de diálogo comum entre as duas forças – individualidade e conjugalidade – que constituem esse “terceiro” que designa o lugar do casal na dinâmica das relações afetivas. Então, é tão necessária a manutenção da individualidade e das possibilidades de desenvolvimento pessoal, quanto a vivência de uma realidade comum do casal, com o compartilhamento de desejos e projetos conjugais.

Esquematicamente, entende-se que há três grandes etapas evolutivas pelas quais as famílias passam ao longo do seu desenvolvimento. A primeira refere-se aos dez primeiros anos da relação ou fase de aquisição, na qual o casal busca encontrar o equilíbrio, a partir da adaptação e construção do sistema conjugal, enquanto se distancia da família de origem. Normalmente, é nessa fase que nascem os filhos, que muitas vezes abrandam os conflitos iniciais decorrentes da adaptação e garantem uma fusão mais definitiva da individualidade dos cônjuges na estrutura familiar. A segunda fase, compreendida entre os dez e 20 anos da união conjugal, é a fase adolescente, marcada pelo crescimento e conquista gradativa da independência dos filhos, o que permite o movimento de recuperação da autonomia e individualidade dos cônjuges, podendo acarretar também um receio de dissolução dos laços familiares. Por fim, na terceira etapa – ou fase madura – há um reinvestimento na relação do casal, em consequência da saída dos filhos de casa, com quem os pais passam a se relacionar em um novo patamar, como adultos (Cerveny, 1994).

Ao longo dos anos, a conjugalidade evoluiu, gradualmente, de uma unidade de sobrevivência econômica e pertencimento identitário para um local de vivências afetivas e de busca pela felicidade pessoal. Os relacionamentos se tornaram mais flexíveis, a despeito da conjugalidade continuar sustentando sua posição estratégica na manutenção da organização social (Aboim, 2006). Considerando essas transformações recentes, a conjugalidade contemporânea apresenta-se mais flexível, fugaz e efêmera, uma vez que os ideais de autonomia e satisfação individual se sobrepõem ao ideal de preservação do espaço compartilhado pelo casal, o que justifica a maior frequência do rompimento conjugal em detrimento da busca de alternativas para a resolução dos desencontros de interesses (Zordan et al., 2009).

A Psicologia Positiva apresenta-se como uma abordagem que se debruça sobre os aspectos positivos do indivíduo, relacionados ao bem-estar e aos recursos de enfrentamento, em detrimento dos aspectos de adoecimento e mecanismos desadaptativos (Csikszentmihalyi, 2008; Proyer, Wellenzohn, Gander, & Ruch, 2015; Reppold, Gurgel, & Schiavon, 2015; Scorsolini-Comin, Fontaine, Koller, & Santos, 2013). Nesse sentido, o casamento é compreendido como um elemento que está diretamente associado à promoção do bem-estar, ao reforçar a autoestima e intimidade dos indivíduos por meio das relações duradouras e de apoio. Portanto, para a Psicologia Positiva, a conjugalidade pode assumir uma feição potencializadora dos relacionamentos interpessoais positivos, possibilitando a manifestação de emoções positivas e, consequentemente, a manutenção do bem-estar dos indivíduos (Scorsolini-Comin, 2014).

O casamento faz parte do repertório de relacionamentos interpessoais considerados importantes para a construção do bem-estar, uma vez que envolve elementos significativos da dimensão humana. Os relacionamentos duradouros permitem que o sistema conjugal constitua um mecanismo de refúgio e apoio às situações estressoras. Sendo assim, apresentam algumas características, elencadas por Fennel (1987): compromisso com a relação; respeito pelo outro como melhor amigo; lealdade para com o parceiro e expectativa de reciprocidade; abertura mútua; valores morais fortes e compartilhados; compromisso com a fidelidade sexual; desejo de ser um bom pai/mãe; fé em Deus e compromisso espiritual; espírito de camaradagem entre os cônjuges (Norgren, Souza, Kaslow, Hammerschmidt, & Sharlin, 2004).

As experiências de passagem do casal pelas diferentes fases do ciclo de vida implicam em mudanças tanto no âmbito da individualidade quanto da conjugalidade. Considerando os casamentos longevos, ou seja, com mais de 20 anos de convivência do casal, essas experiências de transição pelas diversas etapas do relacionamento implicam em mudanças tanto no âmbito da individualidade quanto da conjugalidade, que devem ser devidamente consideradas e analisadas (Alves-Silva, Scorsolini-Comin, & Santos, 2016; Bryant & Conger, 1999; Grizólio, Scorsolini--Comin, & Santos, 2015; Norgren et al., 2004; O’Leary, Acevedo, Aron, Hu-ddy, & Mashek, 2012). Essas mudanças são desencadeadas pelo nascimento dos filhos e netos, por possíveis crises experienciadas ao longo do desenvolvimento, processos de adoecimento e envelhecimento, além de questões relacionadas especificamente à díade, tais como a manutenção do desejo sexual nas diferentes fases de amadurecimento dos cônjuges e de realização ou não das expectativas construídas no início do relacionamento (Landis, Peter-Wight, Martin, & Bodenmann, 2013). A partir desse panorama, o objetivo do presente estudo foi compreender as principais transformações ocorridas no casamento, tais como percebidas ao longo do tempo por cônjuges engajados em uniões de longa duração.

 

Método

Tipo de estudo

Trata-se de um estudo amparado na abordagem qualitativa de pesquisa, de corte transversal, a partir da perspectiva teórica da Psicologia Positiva, que evidencia os aspectos positivos do ser humano, em um enfoque apreciativo, destacando as potencialidades dos casais para a manutenção do casamento (Scorsolini--Comin, 2014; Scorsolini-Comin & Santos, 2012).

Participantes

Foram entrevistados 25 casais heterossexuais, unidos consensualmente (união civil ou estável) há, no mínimo, 30 anos, sem terem se separado e sem estarem em processo de separação conjugal, e com pelo menos um filho. Esses casais são provenientes de cidades do interior dos Estados de Minas Gerais e São Paulo. Em termos de perfil da amostra, os casais estavam unidos havia 39,5 anos em média. Os cônjuges tinham em média 64,1 anos e 3,5 filhos.

Instrumentos

Foram empregados os seguintes instrumentos: (a) técnica da história oral de vida com cada cônjuge em separado, para permitir uma livre expressão da memória, que valoriza o modo singular de construção das histórias e das experiências de cada indivíduo (Meihy, 2006); (b) entrevista semiestruturada com cada cônjuge e (c) entrevista semiestruturada com o casal, para obter informações básicas tais como idade, escolaridade, religião e número de filhos, além de englobar questões como a transição da vida de solteiro para a vida de casado, a construção da intimidade do casal e as estratégias utilizadas para enfrentar os desafios e as dificuldades de convívio; e (d) diário de campo, um modo complementar de observar a interação e o comportamento dos cônjuges no momento da entrevista.

Procedimento

Coleta de dados

Os potenciais participantes foram abordados a partir de contatos da rede social dos pesquisadores. Após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, deu-se início às entrevistas, realizadas uma única vez com cada casal. Inicialmente entrevistou-se cada cônjuge separadamente, com a aplicação da técnica da história de vida e, em seguida, realizou-se a entrevista com ambos, resultando em um total de três entrevistas por casal, totalizando 75 entrevistas. A proposta desses três momentos de entrevista, a partir de roteiros idênticos para cada cônjuge e de um específico para o casal, visou a permitir que tanto elementos da individualidade quanto da conjugalidade pudessem ser expressos e amplamente explorados. Também elementos da interação da díade puderam ser melhor observados, ainda que não tenha sido realizada uma análise sistemática desses comportamentos. Todas as entrevistas foram transcritas na íntegra e literalmente para a composição do corpus deste estudo.

Análise dos dados

O corpus de pesquisa foi submetido à análise de conteúdo na modalidade temática, recurso amplamente empregado em estudos qualitativos. Trata-se de um conjunto de técnicas de pesquisa cujo objetivo é a busca dos sentidos presentes em um dado discurso ou enunciado (Turato, 2003). Especificamente neste estudo, tal análise se pautou pelos seguintes passos, delimitados em função do objetivo: (a) leitura flutuante de todo o corpus, buscando expressões e sentidos mais recorrentes; (b) leitura com vistas a destacar os momentos nos quais os cônjuges mencionavam as principais mudanças observadas no casamento ao longo dos anos; (c) leitura integrativa, buscando pontos de concordância, discordância e de maior recorrência nas falas; (d) recorte dos momentos nos quais as transformações eram mencionadas, com posterior análise dos eventos mencionados ou das situações descritas nesses trechos; (e) extração dos temas que propiciaram a construção de categorias integradoras da análise; (f) leitura dos trechos e análise a partir do referencial teórico da conjugalidade e da Psicologia Positiva.

Considerações éticas

Em relação às exigências éticas para as pesquisas que envolvem seres humanos, este estudo faz parte de uma investigação maior, aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição de origem dos autores (Processo 2011/1936).

 

Resultados e discussão

A análise de conteúdo resultou em três eixos temáticos, a partir de sua recorrência na amostra: (a) sexualidade e intimidade; (b) autonomia e afastamento;

(c) aprendizagens com o(a) companheiro(a). Tais eixos serão descritos e analisados a seguir.

Sexualidade e intimidade

Tendo em vista a importância da sexualidade para a manutenção da vida conjugal (Bozon, 2003), nesse eixo serão discutidas as transformações ocorridas no âmbito das vivências da sexualidade relacionadas à idade, aos pontos negativos do relacionamento que tendem a decrescer com o tempo e à possibilidade de se libertar da premência de gratificação do desejo sexual, resultando em incremento do companheirismo, que instaura novas possibilidades de intimidade do casal. Esses aspectos serão exemplificados pelos excertos de falas extraídas das entrevistas.

A maioria dos casais percebeu a idade como um fator limitador para o exercício da sexualidade no âmbito do matrimônio. As perdas se referem tanto à frequência como à qualidade das relações sexuais. Esse decréscimo é percebido como um reflexo natural do desenvolvimento e do declínio funcional experimentado na passagem para as etapas do ciclo vital que caracterizam o processo de envelhecimento. Uma ilustração típica dessa percepção está presente na fala do Marido 6, ao declarar que, até os 50 anos, tinha uma vida sexual ativa, porém, com o envelhecimento, começou a sentir um “enfraquecimento” na “força do homem”, porém, o efeito negativo desse declínio da resposta sexual é atenuado porque ocorre, simultaneamente, uma “acomodação” na dinâmica conjugal.

Ah, mudou por causa da idade, né. A idade vai aumentando, né, vai chegando... Então, é o que eu falo, que a pessoa, quando é mais novo, ele é bão em tudo o que cê pensar, é pra trabaiá, é pra tudo quanto é coisa, né. Nessa parte aí [sexual] é sensacional, né, na moda do outro, até os 50 ano, 55, é sensacional. Depois, aí vai acabando, acabando, né. Então, na moda do outro, né, enfraquece tudo [risos]. Mas só que enfraquece, mas a pessoa já se acostumou com aquilo, com aquele tipo de casamento, com aquela esposa e tal, né, então, na moda do outro, continua normal (Marido 6, 68 anos).

Segundo Simões e Both (2013), é comum que a ação do tempo, da repetição desgastante da rotina e da familiaridade com o parceiro sejam causas da diminuição do desejo sexual, acompanhada do aumento da intimidade afetiva. Isto também está presente na declaração da Esposa 13, que considera o esmaecimento da necessidade sexual sob um outro ponto de vista, o da diversificação da forma de demonstração de carinho e afeto no par conjugal.

E vai chegando uma idade, quando você passa dos 50, você vai tendo uma... um, não tem mais essa necessidade toda, as demonstrações de carinho e de afeto são diferentes, né? Eu acredito que tudo, assim, dentro do que é normal e esperado mesmo, né? Eu acredito que tudo na vida da gente seja pra gente se preparar pra cada etapa, e viver cada etapa. Eu sempre lembro da minha vida assim (Esposa 13, 52 anos).

É importante ressaltar que os dois recortes de falas destacados apontam para a diminuição da atividade sexual como um fenômeno natural, decorrente do avanço de ambos os cônjuges nas etapas do desenvolvimento, e não de fatores específicos relacionados ao relacionamento conjugal. Como apontam Simões e Both (2013), a meia-idade é a fase na qual se vislumbra o envelhecimento, que é um processo dinâmico e progressivo no qual ocorrem diversas mudanças que influenciam a vida do casal, inclusive na expressão da sexualidade, tanto no plano individual como conjugal. O envelhecimento também é acompanhado por questões específicas em relação à vida sexual, como no caso das mulheres. A Esposa 20, em seu relato, destaca não só a diminuição, mas o fim da sua atividade sexual após a menopausa, e revela que ela foi substituída por um novo tipo de relação conjugal, que é marcada pelo companheirismo que, em alguns casos, chega a ter um caráter fraternal. Segundo Simões e Both, isso se dá pela consolidação da relação baseada em respeito, tolerância e cumplicidade.

Então, a gente sempre teve uma vida mais ativa até próximo da menopausa. Aí, depois, praticamente vai acalmando, vai passando, sabe? E depois dos 50 e poucos anos, aí praticamente cessou. Sabe, aí a gente vive assim, praticamente companheiros, irmãos, amigos, né? [risos] (Esposa 20, 72 anos).

É interessante notar que a Esposa 20 significa como natural o término de sua vida sexual por volta dos 50 anos. A Esposa 25 também considera a idade como fator determinante para a manifestação da sexualidade, porém, diferentemente de outros relatos, refere-se a essa vicissitude como algo extremamente positivo. Essa participante destaca o amadurecimento como propiciador de maior liberdade e intimidade no relacionamento do casal, por contribuir para melhorar a qualidade das manifestações da sexualidade com o decorrer dos anos.

Eu acho que agora é melhor... [risos] tá muito mais amadurecido, né? [risos] no início é muito assim, de novidade... que de primeiro a gente levava muito a sério esse negócio de virgindade... de tudo, né. Eu acho que agora tá mais, sei lá, tá melhor [risos] (Esposa 25).

Considerando que esses casais longevos encontram-se na Fase Madura, pode-se perceber essa etapa de transição para a maturidade como um momento de reestruturação conjugal. Uma vez que o vínculo já está bem estabelecido e que as responsabilidades com o cuidado da prole já foram em larga medida superadas, o casal pode se voltar para si e ressignificar sua relação conjugal como um todo, inclusive no âmbito da sexualidade (Simões & Both, 2013). Segundo Rodrigues (2008), é possível que haja manutenção ou melhora na qualidade das relações, apesar da diminuição em termos quantitativos, devido às vivências passadas que propiciam maior autoconhecimento e conhecimento do parceiro. É importante mencionar que esses casais por vezes compreendem a sexualidade de um modo restrito, associada essencialmente à prática sexual, à frequência e ao desempenho. No entanto, também se permitem operar uma releitura acerca de sua afetividade, de modo que esta passa a ser considerada também como expressão da sexualidade. Desse modo, as vivências da sexualidade podem ser ampliadas e relacionadas ao processo de amadurecimento e envelhecimento físico e emocional, mantendo sua marca distintiva no relacionamento a dois.

Atualmente é plenamente reconhecido que a atividade sexual está associada à saúde dos indivíduos. A experiência de adoecimento pode interferir no exercício da sexualidade (Lindau, Schumm, Laumann, Levinson, O’Muircheartaigh, & Waite, 2007). Isso é abordado pelo Marido 12 que, além de perceber as transformações ocorridas na sexualidade com o avanço da idade, considera o estado de saúde como fator determinante na atividade sexual. Esse participante destaca ainda que o entendimento mútuo e a intimidade desfrutada pelo casal permitem solucionar as desavenças e outros problemas de relacionamento que podem aparecer na trajetória dos casais.

Não é porque eu quero fazer sexo. Se ela tiver com problema de saúde, eu vou ter que entender. Se ela também quer e eu também tenho um probleminha de saúde, você tem que buscar solucionar. Em conjunto, sabe? E é a abertura, porque não adianta também você ficar escondendo. Aí você tem que entender, sabe? Os dois, sabe? Isso não importa, porque, aí eu volto a dizer: “32 anos [juntos], quantas vezes vocês fizeram sexo”, não importa! Sabe, “durante esse período de 32 anos, faz sexo todo dia?” Isso não é uma questão fundamental (Marido 12, 64 anos).

A dimensão física é novamente mencionada, mas agora em termos dos processos de adoecimento, que tendem a se intensificar com o avanço da idade, interferindo negativamente na expressão do desejo e desempenho sexual. Nessas situações, o casal deve dialogar e compreender possíveis indisposições e até mesmo impedimentos para o exercício da atividade sexual. No entanto, em uma visão mais ampliada, a sexualidade envolve a troca de carinhos e afetos, a proximidade compartilhada, o cuidado de um cônjuge com o outro, de modo que não se pode afirmar que haja, simplesmente, uma diminuição da sexualidade, e sim da frequência da prática sexual. Manter-se sexualmente ativo não se refere exclusivamente à frequência com que se pratica o ato sexual, como destacado por alguns entrevistados, mas a um processo de abertura para a fruição da afetividade de um modo mais amplo, o que permite entender a sexualidade como um campo muito além de questões de desempenho e regularidade. Rizzon, Mosmann e Wagner (2013) ressaltam a importância da intimidade para oportunizar a proximidade, contentamento e sentimento de cumplicidade e união entre os parceiros, visto que é esse fator que concretiza o vínculo entre o casal ao possibilitar, por exemplo, o revigoramento da confiança no parceiro, quando necessário, e o entendimento mais pleno que resulta da comunicação íntima. Para Simões e Both (2013), sexualidade e afetividade são dimensões que podem ser vivenciadas e desfrutadas pelo casal a partir do momento em que se alcança uma compreensão genuína acerca das diferenças e das inevitáveis transformações experimentadas ao longo do tempo, abrindo-se para importantes descobertas que podem enriquecer e colorir a vida emocional de cada cônjuge.

Pode-se compreender, a partir das falas dos participantes, que a sexualidade envolve ingredientes sutis da interação do par amoroso. Para aumentar o sentimento de plenitude e satisfação, é necessário que cada cônjuge possa se sentir à vontade para expor suas vontades, aspirações, desejos, indisposições, e também seus temores e limitações. O exame dos relatos acerca da conjugalidade de longa duração dos casais entrevistados no presente estudo nos permite compreender que as transformações na sexualidade envolveram tanto a contração da frequência da prática sexual quanto a modificação nos aspectos do viver a dois que os cônjuges valorizavam como ideal a ser perseguido na construção do espaço de intimidade conjugal. As limitações decorrentes do avanço da idade e de processos maturacionais e de adoecimento são significadas positivamente como possibilidades que promovem uma releitura acerca do desejo sexual, abrindo espaço para a manifestação de sentimentos de proximidade e experiências de ressignificação dos afetos, do companheirismo e da presença do outro. Os casais demonstram não se preocupar tanto com essas perdas sofridas ao longo do tempo, mas consideram tais mudanças no bojo de diversas outras transformações que também ocorreram em função da idade.

Os dados obtidos corroboram a assertiva de que o exercício da sexualidade do casal está diretamente relacionado à passagem pelos estágios do ciclo de vida pessoal e conjugal e, por essa razão, as mudanças são percebidas e significadas pelos cônjuges como naturais e esperadas. Essa interpretação encontra apoio na literatura, que descreve a fase nascente, na qual a atividade sexual é frequente, marcada pela inexperiência e reciprocidade dos parceiros e dedicada à construção do casal; e a fase estável, que se caracteriza pelo exercício da sexualidade como um ritual privado, habitual e consolidado, que mantém e materializa o laço conjugal, porém com frequência reduzida em comparação com a etapa anterior, ao passo que aumentam as divergências de desejo e necessidades de cada parceiro (Bozon, 2003).

Há que se considerar que as limitações percebidas não foram relatadas como centradas no casamento, mas decorrentes de eventos físicos que não têm relação direta com a conjugalidade, o que também foi percebido no estudo de Meston (1997) e Lindau et al. (2007). O relacionamento a dois, nesse sentido, permitiu que a sexualidade fosse modificada sem prejuízo do envolvimento na relação a dois. Pode-se postular que esses processos advindos da idade podem incidir sobre quaisquer pessoas ao longo do ciclo vital e interferir na expressão de sua sexualidade, mas o fato de os casais estarem engajados em um relacionamento amoroso estável parece permitir que esses reveses tenham seu impacto atenuado pelo valor afetivo atribuído ao vínculo conjugal, sendo ressignificados de modo positivo como uma forma de fortalecer e preservar o laço com o(a) parceiro(a) e incrementar formas de intimidade mais baseadas na valorização do companheirismo e do convívio doméstico.

Autonomia e afastamento

Esse eixo temático trata de questões como a percepção de um certo afastamento do casal ao longo do tempo e da fruição de maior autonomia e independência em relação aos pais/família de origem após o casamento. Essas dimensões são recorrentes nas falas dos cônjuges entrevistados. O esfriamento da relação e o afastamento entre os membros do casal foram aspectos salientados como transformação percebida pela Esposa 16:

O que mudou? Eu acho assim, que o que mudou é que... depois dos 32 anos [de casados], o que mudou foi mais assim... afastado. O afastamento entre nós dois [fala em tom mais baixo]. Assim, não é que nem aquele... que quando nós se conheceu. Realmente, que quando chega mais de 32 anos e vai só aumentando, né [o distanciamento]. Assim, eu acho que, assim, nós... sei lá, fica mais afastado. Desliga mais do que quando era mais jovem. O que eu vejo é isso (Esposa 16, 53 anos).

Esse afastamento pode estar relacionado à falta ou diminuição da intimidade e da paixão inicial, que reduzem a satisfação conjugal, caracterizando a manutenção do casamento apenas pelo compromisso (Rizzon et al., 2013). A esposa 16 parece compreender que esse tipo de distanciamento é algo aceitável em um relacionamento longo, mas relata insatisfação com essa condição. Na perspectiva dessa participante, o início do relacionamento é compreendido como uma fase na qual há maior proximidade e envolvimento do casal, o que tende a decrescer com o decorrer do tempo.

Um outro ponto percebido como evidência de mudança foi a maior independência que os cônjuges experienciaram em relação às suas famílias de origem com o matrimônio. Tanto o Marido 17 quanto a Esposa 20 relataram que, com o casamento, sentiram-se mais livres para viverem a vida, em comparação com suas experiências anteriores, que eram de total subordinação aos pais. Carter e McGoldrick (2001) sugerem que o distanciamento e a independência da família ampliada devem-se muito à capacidade do casal de sustentar-se economicamente. Pode-se aventar, ainda, a suposição de que esse sentimento de estar mais independente pode ocorrer em famílias nas quais há muito controle por parte dos pais, com restrições e mesmo cobranças excessivas acerca do que é viver em casal e de como os filhos devem direcionar a própria vida conjugal. Considerando a idade dos participantes e os aspectos de seu contexto de vida mencionados nas entrevistas, também pode-se pensar em modelos de família de origem centralizados em padrões rígidos e tradicionais acerca do matrimônio e da vida em família. Assim, o casamento acaba sendo significado como um convite para a ruptura com modelos considerados controladores e promotores de conflitos, oportunizando a transição para um espaço privado no qual os cônjuges podem expressar suas próprias ideias com liberdade e gerir seu cotidiano com autonomia, conforme suas necessidades e desejos.

Pra mim, pra mim, mudou que eu fui ter liberdade pra viver, porque eu não tinha antes, porque eu tinha de viver atrás do meu pai, da minha mãe, trabalhando obrigado. Se eu trabalhasse e ganhasse dinheiro, eu não tinha aquele dinheiro, que o dinheiro era pra eles, então eu fui construir a vida devagarzinho e construí minha vida.

Porque, se eu não fosse casado hoje, talvez eu não tava hoje sossegado, tranquilo, minha família criada, meus filho tudo educado. Cada um tem seu cantinho de morar, tem sua casinha, tem suas coisas (Marido 17, 71 anos).

Eu acho, assim, primeiro, assim, uma certa independência em relação a pai e mãe, porque, quando a gente é... vive com eles, tá com eles, principalmente da maneira como eu fui criada, então a gente fica muito subordinada a eles, muito dependente deles, a gente num faz nada sem autorização deles, né? [...] parece que, depois que a gente casou, a gente se sentiu um pouco mais independente, né? (Esposa 20, 72 anos).

Essa concepção de ter conquistado maior independência com o casamento aproxima-se da conjugalidade associativa, na qual o casal adapta-se para suprir as necessidades individuais e conjugais, principalmente os anseios das mulheres, que desejam ocupar um espaço para si e realizar-se profissionalmente. Nesse sentido, a valorização da individualidade não leva a um menor investimento na relação conjugal, pois é em si mesma um mecanismo de manutenção da qualidade da relação (Aboim, 2006). Porém, não é possível afirmar que essa conjugalidade associativa seja colocada em prática, em sua plenitude, pelos participantes, visto que seus relatos de valorização da independência se referem às suas famílias de origem e não à sua concepção de casamento.

A transição para a conjugalidade promove nos cônjuges uma possível ruptura com os modelos anteriormente experienciados e aprendidos, e exige a adoção de posturas que deverão ser dialogadas e compartilhadas com o cônjuge, que por sua vez possui outro background de experiências, tradições e costumes. As famílias de origem ocupam um papel importante nessa transição, pois serão responsáveis pelos elementos herdados e transmitidos pelos recém-casados, como também pelos modelos que serão recriados e reafirmados – ou, então, escamoteados e colocados à prova – a partir dos processos de remalhagem e desmalhagem do vínculo conjugal (Benghozi, 2010). Assim, a conjugalidade pode ser considerada um fator de promoção do desenvolvimento justamente por apresentar a possibilidade de ressignificação de experiências consideradas negativas ou desadaptativas. Sendo assim, o casamento pode representar um espaço saudável no qual os cônjuges são capazes de dialogar e mediar seus conflitos, mas possibilitando criar uma dinâmica própria, que busque romper com aspectos por vezes disruptivos observados nas famílias de origem.

Aprendizagens com o(a) companheiro(a)

Esse último eixo temático trata das aprendizagens dos cônjuges ao longo dos anos de casamento, tanto dos aspectos externos ao casamento (trabalho, vida social), quanto dos aspectos da própria relação (lidar com as diferenças e valorizar a prática do diálogo), além da concepção de aprendizado como um processo constante e cumulativo. Aboim (2006) atenta para o fato de que o aprendizado é mútuo e assegura o crescimento conjunto no decorrer do desenvolvimento do casal. Com o relato do Marido 12, percebe-se que a mudança decorrente da aprendizagem com sua esposa se deu no âmbito do trabalho.

Isso aí ela me ensinou demais, sabe? E esse, esse sair do meu comodismo, isso aí foi fundamentalmente dela. Ela que me tirou, né? Eu trabalhei 15 anos numa empresa, fazendo contabilidade, sabe? Não tinha expectativa de crescimento. Ela que me arrancou desse marasmo e falou: “Não, você tem que mudar”, sabe, assim? (Marido 12, 64 anos)

Por compartilhar a rotina profissional do cônjuge, a esposa teve condições de opinar com assertividade sobre os rumos adotados pelo marido em sua carreira profissional. A esposa ocupou a posição de incentivadora do parceiro, que buscou um novo emprego após 15 anos acomodado em uma mesma posição e organização. Esse apoio oferecido apresenta a conjugalidade como um espaço no qual não apenas os afetos são partilhados, mas também as experiências individuais são acolhidas e refletidas, tornando-se, eventualmente, propulsoras do desenvolvimento individual. Na perspectiva humanista, posteriormente incorporada pela Psicologia Positiva, Rogers (1985) afirmava que o casamento deveria pro-porcionar espaço para que os cônjuges desenvolvessem seus recursos individuais. Um casamento bem-sucedido deveria permitir que cada cônjuge mantivesse seus próprios projetos e desejos ao longo do tempo, não necessariamente desenvolvendo propostas na perspectiva da díade. Na Psicologia Positiva considera-se que o bem-estar pessoal não depende apenas do fato de os cônjuges manterem um relacionamento amoroso considerado satisfatório, mas de se permitir que o bem-estar seja cotejado e experienciado em outros momentos e situações da vida, como no trabalho (Seligman, 2011). O que se percebe na fala do Marido 12 é que a conjugalidade ofereceu um ponto de apoio emocional para que ele pudesse alcançar uma mudança significativa em sua carreira profissional.

A aprendizagem também apareceu nos relatos como uma ferramenta de manutenção ou melhoria nos níveis de satisfação conjugal, no sentido de o casal adaptar-se às necessidades mútuas. Mosmann e Wagner (2006) sustentam a necessidade de os casais se adaptarem a eventos estressantes e às circunstâncias adversas que surgem no decorrer do casamento. E salientam que a acumulação dessas experiências resulta na estabilidade da união. Isso é exemplificado pela fala da Esposa 14, que ressalta a importância de exercitar a compreensão do outro.

Nós tivemos que aprender a lidar um com o outro, assim, ele com o jeito dele. Eu aprender a lidar com o jeito dele, ele aprender a lidar com o meu jeito, com minhas ignorâncias, e eu com as ignorâncias dele, que a gente tem, né, que a gente não é perfeito. A gente foi trabalhando isso, nós fomos trabalhando isso. (Esposa 14, 53 anos)

Wagner, Mosmann e Falcke (2015) ressaltam a importância do diálogo no casamento para a construção da reciprocidade que se espera existir entre os cônjuges, o que leva à ampliação do conhecimento e ao fortalecimento da confiança. A Esposa 23 destaca a relevância da prática do diálogo como ferramenta para a manutenção ou melhoria da satisfação conjugal.

Aprender eu não sei, mas praticar... o diálogo, eu tenho certeza que é uma arma! Como eu falei, trabalhávamos no mesmo lugar e ainda chegava em casa, conversava e conversava... e até hoje, né? Eu acho... o diálogo... é... praticar, porque não é aprender, né? Praticar o diálogo é uma arma. (Esposa 23)

Percebe-se, tanto na fala da Esposa 14, quanto na da Esposa 23, que esses recursos não se encerram em si mesmos, mas devem ser trabalhados e aperfeiçoados continuamente. Corroborando tal aspecto, a Esposa 18 salienta, em sua fala, que o aprendizado é constante: “Não, se você morrer hoje, você ainda... de cem anos, ainda ficou coisa que você tinha que aprender ainda” (Esposa 18, 67 anos).

Considerando que o casamento passa por estágios nos quais há diferentes desafios, é importante que haja constantemente uma boa comunicação para a resolução construtiva dos conflitos (Fonseca & Duarte, 2014). Essas estratégias podem ser fomentadas em programas de intervenção com casais, que ofereçam espaço tanto para a expressão das individualidades e modos particulares de gerir o conflito, quanto da própria conjugalidade e do compartilhamento de ações (Proyer, Wellenzon, Gander, & Ruch, 2015; Scorsolini-Comin, 2014). Há que se considerar que essa comunicação não depende apenas da disponibilidade dos parceiros, mas também de características individuais e da própria relação conjugal. Aprender a se comunicar dentro do casal foi apontado como um recurso e também como algo que foi se transformando ao longo do tempo, o que deve ser considerado nas intervenções psicológicas realizadas com casais (Scheeren, Vieira, Goulart, & Wagner, 2014; Wagner et al., 2015). Na medida em que há maior convivência e intimidade, espera-se que os casais estejam mais aptos e dispostos a se abrir entre si e compartilharem seus problemas e dificuldades. Esses aspectos não se mostraram lineares nas entrevistas, de modo que as transformações narradas ao longo do tempo permitiram não apenas consolidar aprendizados considerados significativos, como deflagraram a necessidade de um diálogo permanente para a adequação e equilibração do relacionamento ao longo dos anos.

Em termos das limitações deste estudo, há que se considerar a dificuldade de comparar os resultados da presente investigação com intervenções e pesquisas (Norgren et al., 2004), tanto pelo fato de a conjugalidade de longa duração ainda ser pouco investigada, quanto pela evidência de que são complexas as intervenções com casais, notadamente no que se refere ao acompanhamento de resultados de estudos e intervenções ao longo do tempo, quer sejam na Psicologia Positiva, como em outras abordagens psicológicas (Proyer et al., 2015; Wagner et al., 2015). As pesquisas em psicoterapia, por exemplo, podem se abrir a essa necessidade. Apesar disso, os dados discutidos no presente estudo podem ser balizadores não apenas de intervenções futuras, como também contribuir para a maior visibilidade da conjugalidade como fenômeno em constante mudança. Intervir na conjugalidade deve acompanhar o desenvolvimento dos relacionamentos ao longo do tempo, o que equivale a considerar tanto o processo de amadurecimento dos cônjuges e do próprio relacionamento como uma das estratégias de resolução de conflitos.

A análise dos relatos dos casais mostrou que, apesar de as transformações ocorrerem em alguns âmbitos específicos do casamento, elas são percebidas de maneiras diversas pelos entrevistados, que constroem sua própria visão acerca dos aspectos da conjugalidade de acordo com suas vivências e seu retrospecto de relacionamentos na família de origem. As transformações e adaptações às vicissitudes da vida emergem nas falas como motivos para a manutenção da união por longo intervalo de tempo, como no caso do aprendizado a partir do outro. A aceitação dessas vivências como parte natural do processo de amadurecimento pessoal e conjugal parece ser um traço comum aos casamentos longevos, um aspecto crucial que pode ser incorporado nas intervenções psicológicas com esses casais. De maneira geral, apesar da singularidade de cada experiência de casamento, os casais consideram a união como uma estrutura em constante construção, possibilitada pela aprendizagem mútua e contínua.

 

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Recebido em 29 de outubro de 2015
Aceito para publicação em 15 de fevereiro de 2017

 

 

1 Este estudo contou com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, por meio da concessão de bolsa de iniciação científica para a primeira autora e de pós-doutorado para o segundo (Processo 501391/2013). Também recebeu apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).

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