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Psicologia Clínica

versão impressa ISSN 0103-5665versão On-line ISSN 1980-5438

Psicol. clin. vol.33 no.3 Rio de Janeiro set./dez. 2021

https://doi.org/10.33208/PC1980-5438v0033n03A09 

SEÇÃO LIVRE

 

Habilidades terapêuticas interpessoais: A retomada de Carl Rogers na prática da psicologia baseada em evidências

 

Interpersonal therapeutic expertise: The re-establishment of Carl Rogers in evidence-based practice in psychology

 

Habilidades terapéuticas interpersonales: La reanudación de Carl Rogers en la práctica de la psicología basada en la evidencia

 

 

Lucia Marques Stenzel

Doutora em Psicologia. Professora Associada do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Porto Alegre, RS, Brasil. email: lstenzel@ufcspa.edu.br

 

 


RESUMO

A habilidade terapêutica interpessoal é um dos elementos centrais da expertise clínica para a prática psicoterápica baseada em evidências. Pesquisas recentes demonstram uma maior valorização dos fatores relacionais envolvidos no processo psicoterápico, como, por exemplo, o atual valor dado à compreensão empática como elemento facilitador da psicoterapia. Este trabalho tem por objetivo demonstrar a existência de uma convergência entre os pressupostos rogerianos e essas recentes evidências. Para tanto, propõe-se a análise dessa confluência a partir da retomada das condições necessárias para a psicoterapia postuladas por Carl Rogers, detalhadas em três elementos que envolvem a complexidade das habilidades terapêuticas interpessoais: a pessoa do terapeuta; a forma como o cliente percebe as atitudes do terapeuta; e a relação terapêutica em si. Por fim, aponta-se para o potencial da abordagem humanista e principalmente dos pressupostos rogerianos, que evidenciam uma proposta de alteridade e dialogicidade do processo psicoterapêutico, para compreensão e efetivação dos fatores relacionais na prática clínica, como passaram a endossar até mesmo as mais recentes evidências científicas de eficácia em psicoterapia, presentes nas últimas recomendações da APA, válidas, portanto, para toda a clínica psicológica, independentemente da abordagem teórica de escolha do terapeuta.

Palavras-chave: habilidades terapêuticas interpessoais; prática da psicologia baseada em evidências; expertise clínica.


ABSTRACT

Interpersonal expertise is one of the central elements of clinical expertise for evidence-based practice in psychology. Recent research shows a greater appreciation of the relational factors involved in the psychotherapeutic process, such as, the value currently given to empathic understanding as a facilitator of psychotherapy. This work aims to demonstrate the existence of a convergence between the Rogerian assumptions and these recent evidences. To this end, it is proposed to analyze this confluence based on the resumption of the necessary conditions for psychotherapy postulated by Carl Rogers, as detailed in three elements that involve the complexity of interpersonal therapeutic skills: the person of the therapist; the way the client perceives the therapist's attitudes; and the therapeutic relationship per se. Finally, it points to the potential of the humanistic approach and mainly of Rogerian assumptions, which show a proposal of alterity and dialogicity for the psychotherapeutic process, for understanding and effecting relational factors in clinical practice, as newly endorsed even by the most recent scientific evidence of effectiveness in psychotherapy, present in the latest recommendations of the APA, valid, therefore, for the entire psychological clinic, regardless of the theoretical approach of choice of the therapist.

Keywords: interpersonal therapeutic expertise; evidence-based practice in psychology; clinical expertise.


RESUMEN

La capacidad terapéutica interpersonal es uno de los elementos de la experiencia clínica central para la práctica psicoterapéutica basada en la evidencia. Investigaciones recientes muestran una mayor apreciación de los factores relacionales involucrados en el proceso psicoterapéutico, como, por ejemplo, el valor actual que se le da al entendimiento empático como facilitador de la psicoterapia. Este trabajo tiene como objetivo demostrar la existencia de una convergencia entre los supuestos rogerianos y esta evidencia más reciente. Para este fin, se propone analizar esta confluencia con base en la reanudación de las condiciones necesarias para la psicoterapia postulada por Carl Rogers, detallada en tres elementos que involucran la complejidad de las habilidades terapéuticas interpersonales: la persona del terapeuta; la forma en que el cliente percibe las actitudes del terapeuta; y la relación terapéutica en sí misma. Finalmente, señala el potencial del enfoque humanista y principalmente de los supuestos rogerianos, que evidencian una propuesta de alteridad y dialogicidad para el proceso psicoterapéutico, para comprender y afectar los factores relacionales en la práctica clínica, ya que incluso comenzaron a respaldar más evidencia científica reciente de efectividad en psicoterapia, presente en las últimas recomendaciones de la APA, válidas, por lo tanto, para toda la clínica psicológica, independientemente del enfoque teórico de elección del terapeuta.

Palabras clave: habilidades terapéuticas interpersonales; práctica de la psicología basada en la evidencia; experiencia clínica.


 

 

Introdução

No campo da prática psicoterápica, a expertise clínica vem sendo cada vez mais relacionada aos níveis de eficácia; ou seja, a habilidade e competência profissional dependem dos níveis de sucesso terapêutico (Hill et al., 2017). No entanto, percebe-se certa controvérsia na literatura quanto aos elementos e fatores que compõem tais habilidades e competências. Alguns autores defendem que o conhecimento técnico e racional do terapeuta são os critérios mais importantes (Hill et al., 2017). Em oposição a essa visão mais tecnicista da expertise clínica, Norcross e Karpiak (2017) advogam por uma expertise mais alinhada com a habilidade terapêutica interpessoal do que com o domínio intelectual de uma técnica psicoterápica ou método específicos. Eles defendem que o termo "expertise" deveria ser reservado para terapeutas que tenham habilidades para reparar alianças rompidas, respondam empaticamente às experiências do cliente, tenham competência para tratar com sucesso clientes difíceis e que possuam capacidade de gerenciar a contratransferência, demonstrando flexibilidade para lidar com as diferentes características e contextos de inserção dos clientes.

Sem desprezar a complexidade do tema e os diferentes polos do debate, percebe-se que a clínica psicológica vem caminhando na direção de uma maior valorização dos fatores comuns implicados no processo psicoterápico (Elkins, 2019). Os fatores comuns referem-se às variáveis que transcendem as opções e orientações teóricas, bem como as prescrições psicoterápicas. São, portanto, em sua maioria referentes à relação terapêutica (como, por exemplo, a empatia, a aliança, a consideração positiva e a congruência), mas também fatores relacionados ao terapeuta (os chamados efeitos do terapeuta, como por exemplo fluência verbal, a capacidade de criar expectativas positivas e a persuasão) e ao cliente isoladamente (como, por exemplo, as expectativas do cliente com o tratamento) (Parrow et al., 2019; Wampold, 2015). Já os fatores específicos referem-se ao tipo de tratamento administrado, às diferentes abordagens, à aderência ao protocolo e às técnicas específicas; ou seja, concentram-se em prescrições de tratamento típicas de cada abordagem teórica.

Como será demonstrado neste trabalho, desde os anos 2000 percebe-se um enfraquecimento da valorização dos fatores específicos e um consequente enaltecimento dos fatores humanos e relacionais - os fatores comuns - como elementos que propiciam resultados terapêuticos mais efetivos (Elkins, 2019; Norcross & Lambert, 2018; Norcross & Wampold, 2018; Wampold, 2015). Em consequência dessa mudança de foco, a preocupação com as habilidades terapêuticas interpessoais passou a ser um importante eixo de pesquisa e treinamento de novos profissionais da psicologia (Barrett-Lennard, 2015; Parrow et al., 2019). No Brasil, entretanto, o investimento empírico e prático nesse campo ainda é incipiente se comparado aos estudos internacionais. Segundo Pieta e Gomes (2017), são poucos os estudos no país sobre a relação terapêutica; "a maior parte das investigações tem sido conduzida no exterior e é necessário examinarmos como a relação entre aliança e resultados se comporta no contexto brasileiro" (Pieta & Gomes, 2017, p. 136-137). Independentemente da abordagem teórica, os autores sugerem que o foco da pesquisa e da prática psicoterápica no Brasil deve também se voltar para o desenvolvimento de habilidades interpessoais, no sentido de estabelecer, manter, acompanhar, avaliar e redirecionar a aliança terapêutica.

Internacionalmente, o estopim para essa mudança de interesse na direção da valorização da relação terapêutica foi um relatório elaborado em 2005 por membros de diferentes correntes teóricas e divisões da Associação Americana de Psicologia (APA). Em 2005, a APA instituiu uma força-tarefa na elaboração de um documento que descreve o compromisso fundamental da psicologia com as evidências científicas, bem como serve de orientação para a prática profissional e a pesquisa em psicologia (APA, 2006). O relatório faz referência a três importantes elementos que exigem atenção por parte de pesquisadores e profissionais da psicologia no âmbito da clínica: a pesquisa; a expertise clínica; e as características, cultura e preferências do cliente (APA, 2006). Como será detalhado posteriormente, as habilidades terapêuticas interpessoais aparecem nesse relatório como um elemento central da expertise clínica; colocando o vínculo e a aliança terapêutica como focos prioritários do treinamento clínico de novos profissionais.

Dentre as habilidades terapêuticas interpessoais, fatores como empatia, congruência e consideração positiva incondicional vêm sendo apontados pelas pesquisas e recomendações da APA como habilidades fundamentais para bons desfechos em psicoterapia (Wampold, 2015). Como será demonstrado neste trabalho, tais habilidades foram postuladas por Carl Rogers já na década de 1950. Pioneiro na descrição das "atitudes facilitadoras", Rogers (1957) descreveu as condições necessárias para a relação psicoterápica, propondo um olhar sobre as questões relativas à interação da díade terapeuta-cliente - o que foi inovador no contexto da clínica da época.

Sugere-se, portanto, a partir da literatura internacional, que emerge uma convergência entre a obra de Rogers e a prática da psicologia baseada em evidências (PPBE), não somente na descrição e na pesquisa das atitudes facilitadoras, mas também no modelo relacional por ele proposto. Nas últimas décadas, o campo da PPBE vem se voltando para a obra do autor, produzindo uma confluência entre as abordagens humanistas e a prática baseada em evidências, mesmo entre teóricos que não se filiam originalmente ao campo humanista. No cenário internacional, diferentes pesquisadores de diversas correntes do campo humanista e existencial vêm colaborando de forma exponencial para a pesquisa em psicoterapia baseada em evidências, atualizando e ressignificando os pressupostos da teoria rogeriana (Barrett-Lennard, 2015; Bozarth, 2012; Elkins, 2019; Hoffman et al., 2012; Angus et al., 2015; Murphy & Joseph, 2016; Parrow et al., 2019).

Este trabalho tem por objetivo demonstrar essa convergência entre os postulados de Carl Rogers e as mais recentes orientações da APA para a investigação e prática psicoterápica baseada em evidências, especialmente no que concerne ao campo da expertise clínica, e mais especificamente às habilidades terapêuticas interpessoais. Apesar da Abordagem Centrada na Pessoa (ACP), criada por Rogers, ser considerada uma das mais conhecidas e influentes correntes psicoterápicas no Brasil entre pesquisadores humanistas (Branco et al., 2017), curiosamente a convergência entre a PPBE e os pressupostos rogerianos é uma discussão ainda rara entre pesquisadores brasileiros.

Nas décadas de 1940 e 1950, a obra de Rogers abalou a autoridade do terapeuta, questionou o modelo médico tecnicista hegemônico na psicologia, desviou a atenção dos sintomas e das categorias diagnósticas para um modelo humano, relacional e igualitário. Suas ideias atravessaram culturas e diferentes gerações em distintos momentos históricos da psicologia e ainda hoje têm um potencial que transcende abordagens teóricas específicas (Bozarth, 2012). Neste momento em que a APA se volta para um modelo relacional, o que vem acontecendo nos últimos 25 anos, ao incentivar uma postura de alteridade na psicologia, alertando para a necessidade de uma relação terapêutica baseada no diálogo e na valorização das diferenças existentes, é urgente a retomada do referencial teórico rogeriano, já que sua maior contribuição foi a de alertar para os riscos de uma prática da psicologia pautada na hierarquia, no tecnicismo e na objetificação do outro.

Antes do debate mais específico sobre a convergência da obra de Rogers e a PPBE - a descrição de pressupostos e conceitos que perfazem essa confluência - faz-se necessário um breve apanhado histórico sobre o ressurgimento das habilidades terapêuticas interpessoais como importante eixo de interesse e de compreensão do processo psicoterápico.

 

A valorização da relação terapêutica pela PPBE: contribuições dos teóricos humanistas

O movimento da prática baseada em evidências começa nos Estados Unidos no início do século XX, mas só se instaurou com força no campo da psicologia nas últimas décadas. O debate polêmico e controverso entre Eysenck e Strupp na década de 1950 questionava a eficácia das intervenções psicológicas e a possibilidade da psicologia demonstrar, mediante evidências científicas, "o que efetivamente funciona" em psicoterapia (Wampold, 2013). Eysenck e Strupp estavam preocupados em defender cada um suas posições teóricas: terapia comportamental e terapia psicodinâmica, respectivamente. Porém, segundo Wampold (2013), mesmo que o centro da discussão estivesse restrito à luta de cada um em evidenciar a superioridade de sua abordagem, o debate acabou por motivar pesquisadores na busca por uma maior sofisticação das pesquisas sobre processos e resultados psicoterápicos.

Segundo Hoffman et al. (2015), até há bem pouco tempo, os métodos específicos de avaliação psicoterápica que objetivavam evidenciar a eficácia da prática da psicoterapia estavam muito associados à investigação de técnicas específicas para transtornos específicos; ou seja, durante um longo tempo a preocupação com o tipo de técnica que funciona para qual paciente foi o foco central das investigações em psicoterapia. Na virada dos anos 1990 para os anos 2000, essa ênfase na técnica enfraqueceu; percebeu-se que não são os fatores específicos que determinam bons desfechos psicoterápicos, mas sim os fatores comuns (humanos e relacionais) que levam o tratamento a resultados efetivos (Elkins 2019; Jardim et al., 2009; Norcross & Lambert, 2018; Norcross & Wampold, 2018; Wampold, 2015).

Foi então, em 2005, que, numa tentativa de integração entre ciência e prática, uma força tarefa de membros da APA elaborou o relatório que descreve o compromisso fundamental da psicologia com a PPBE (APA, 2006). Quase dez anos depois, em agosto de 2012, o Conselho de Representantes da APA, órgão de formulação de políticas, votou por adotar uma resolução sobre o reconhecimento das pesquisas que evidenciam a eficácia da psicoterapia. Nesse documento foram indicadas sugestões quanto à pesquisa, às políticas de saúde e à necessidade de considerar as diversidades sociais e culturais nas práticas psicoterápicas (APA, 2012).

Desde a publicação desses documentos, há pouco questionamento sobre a afirmação de que os fatores humanos e relacionais são mais capazes de influenciar os resultados clínicos em psicoterapia se comparados aos fatores específicos (Mourato, 2019; Norcross & Wampold, 2018; Norcross & Lambert, 2018; Wampold, 2015). Segundo Mourato (2019) e Pieta e Gomes (2017), é inegável a associação positiva entre a qualidade da relação terapêutica e os benefícios para a psicoterapia; entretanto, "as técnicas específicas de cada abordagem têm um impacto consideravelmente menor nos resultados psicoterapêuticos, representando cerca de 15%, o que reforça a ideia de que os fatores comuns poderão explicar melhor estes resultados" (Mourato, 2019 p. 14).

A qualidade da relação terapêutica depende em grande parte de uma postura empática e respeitosa do terapeuta para com o cliente. Norcross e Wampold (2018), membros da APA, afirmam que não é mais possível uma postura de autoridade do terapeuta que prescreva uma forma específica de psicoterapia para um cliente passivo. Ao contrário, é preciso ter como modelo um terapeuta empático que crie colaborativamente um relacionamento ideal com um cliente ativo, tomando como base sua singularidade, sua cultura, seus valores e suas crenças. Segundo os autores, os terapeutas devem se esforçar para oferecer um tratamento que, para além do diagnóstico, se adapte às características da pessoa, além de levar em conta suas tendências e visão de mundo. A emergência de um mundo contemporâneo cada vez mais complexo e plural parece estar servindo de base e estímulo a uma postura mais preocupada com a alteridade nas orientações para a pesquisa e prática psicoterápica da própria APA.

Este modelo terapêutico pautado no diálogo e na postura de alteridade tem sido o grande foco das abordagens humanistas ao longo de sua história e tradição. Hoje os pesquisadores humanistas têm sido reconhecidos como tendo uma importância singular para a construção de uma prática clínica pautada na relação e na alteridade (Angus et al., 2015). Até mesmo pesquisadores originalmente não filiados à abordagem reconhecem o potencial de contribuição dos teóricos humanistas para a construção de uma base sólida de pesquisa que passou a evidenciar o papel e a importância da relação terapêutica em termos de eficácia clínica (Elkins, 2019). Entretanto, nem sempre foi assim; a história científica e acadêmica retrata momentos em que as abordagens humanistas foram por vezes menos ou mais valorizadas. De uma crescente ascensão entre os anos 1950 e 1970, perderam força nos anos 1980, quando a pesquisa em psicoterapia se voltava para transtornos e diagnósticos específicos (Elkins, 2016; Murphy & Joseph, 2016). Quando as técnicas terapêuticas passaram a ser largamente valorizadas e os fatores relacionais foram considerados secundários às técnicas, o campo humanista passou a ocupar um lugar marginal nas pesquisas e práticas psicoterápicas. O domínio do modelo tecnicista e biologicista priorizou determinadas abordagens em detrimento de outras, o diagnóstico tomou lugar de destaque e os fatores produzidos pela díade terapeuta-cliente foram considerados coadjuvantes no tratamento. A partir dos anos 1980, a produção científica de todo o mundo, inclusive a brasileira, concentrou-se na pergunta sobre "quais técnicas terapêuticas funcionam para quais transtornos". Foi somente nos anos 2000, alavancados pelos trabalhos da APA, e mais especificamente pela valorização dos fatores comuns pela PPBE, que o cenário se modificou. Desde então, teóricos humanistas voltaram das sombras para recuperar a credibilidade de sua abordagem tanto no campo da pesquisa como da prática clínica.

A seguir será abordado como as contribuições da obra de Carl Rogers repercutem mais especificamente na PPBE. A pesquisa internacional demonstra que a convergência entre os pressupostos rogerianos e as evidências de eficácia psicoterápica se deve a dois movimentos que aconteceram de forma concomitante, intensificando a confluência entre esses dois campos: de um lado, o aumento de evidências científicas que reforçam e reafirmam o modelo terapêutico relacional postulado pela abordagem humanista rogeriana; e, por outro lado, a participação e o investimento crescente de teóricos humanistas em pesquisas sobre os fatores relacionais em psicoterapia (Angus et al., 2015).

 

Habilidades interpessoais: convergência da PPBE com os postulados rogerianos

A APA (2006) define três grandes eixos centrais de reflexão: (1) pesquisa; (2) competência ou expertise clínica; e (3) características, cultura e preferências do cliente. Neste trabalho dar-se-á maior atenção à expertise clínica e, mais especificamente, às habilidades terapêuticas interpessoais. A expertise clínica é definida como a competência alcançada pelos psicólogos por meio de formação, treinamento e experiência, resultando numa prática eficaz. Para a PPBE, o treinamento em psicologia deve promover um conhecimento clínico baseado em pressupostos científicos, permitindo que o psicólogo entenda e integre também a literatura científica para enquadrar e testar hipóteses e intervenções na prática, agindo como um "cientista clínico local" (APA, 2006).

É importante ressaltar que a expertise clínica definida pela PPBE não está vinculada a uma abordagem terapêutica específica; ao contrário, propõe-se a explorar e definir competências terapêuticas que se mostrem apropriadas e eficazes para qualquer abordagem teórica, dando maior atenção a fatores comuns da psicoterapia - fatores transversais a qualquer abordagem terapêutica em psicologia (Hoffman et al., 2015).

A expertise clínica, de acordo com o documento da APA (2006), refere-se a uma série de competências que promovem resultados terapêuticos positivos. Essas habilidades terapêuticas incluem, entre outros itens, a avaliação, o julgamento diagnóstico, o planejamento de tratamento, o monitoramento do progresso do cliente e o uso adequado de evidências de pesquisa. As habilidades terapêuticas interpessoais compõem o terceiro item da expertise clínica definida pela PPBE e vêm se destacando entre os pesquisadores contemporâneos, mesmo os não filiados à abordagem humanista, em função das evidências de eficácia psicoterápica (Campbell et al., 2013; Elkins, 2019; Mourato, 2019; Norcross & Lambert, 2018; Norcross & Wampold, 2018; Wampold, 2015). Os autores mencionam que as potencialidades produzidas pela relação terapêutica podem se tornar um importante elemento de auxílio no exercício dos outros fatores que compõem a expertise clínica. Segundo o documento da PPBE (APA, 2006), estas habilidades interacionais envolvem a capacidade do terapeuta de codificar e decodificar as respostas verbais ou não verbais e responder empaticamente às experiências e preocupações explícitas ou implícitas do cliente. A competência interpessoal está relacionada à flexibilidade para lidar com clientes de diversas origens, dando atenção à singularidade de cada pessoa.

As habilidades interpessoais são extremamente complexas, pois não dependem apenas do conhecimento intelectual, nem do esforço exclusivo do terapeuta. Por serem habilidades provocadas pela interação - e "cada relação é uma relação" -, exigem do terapeuta uma capacidade de lidar com a imprevisibilidade característica dos encontros interpessoais. Este é um item da expertise clínica que impõe ao terapeuta competência para suportar, por exemplo, situações de resistência do cliente com relação ao processo psicoterápico, e sua resposta a tal desafio influenciará o desfecho clínico.

Os estudos de Carl Rogers sobre a complexidade da relação terapêutica convergem com essas preocupações e orientações da APA para a expertise clínica. Para a compreensão da prática psicoterápica, Rogers (1957) sugeriu tanto o estudo sistemático da pessoa do terapeuta, que chamou de atitudes facilitadoras, quanto o estudo dos sentimentos do cliente com relação ao processo psicoterápico - uma compreensão e investigação da forma como o cliente percebe a interação e as atitudes do terapeuta para com ele.

A partir daqui serão exploradas as características desses dois agentes - terapeuta e cliente - que constituem a relação terapêutica per se e que representam importantes eixos de convergência entre a PPBE e os pressupostos rogerianos: (a) o terapeuta, suas características e esforços no exercício das habilidades terapêuticas interpessoais; e (b) o cliente, sua colaboração para o processo psicoterápico e principalmente sua percepção sobre as habilidades interpessoais do terapeuta.

O terapeuta no exercício das habilidades interpessoais

A variável do terapeuta, e a forma como ele pode influenciar o processo e os resultados terapêuticos, ainda é pouco estudada pela literatura; porém, a constatação de que existem psicoterapeutas melhores que outros não pode ser ignorada (Mourato, 2019). Isso se deve ao fato de que existe uma maior variabilidade dos resultados terapêuticos entre psicoterapeutas do que, comparativamente, entre psicoterapias. Ou seja, "é mais importante ter em conta quem está a fazer terapia e como a faz, do que propriamente a intervenção ou modelo teórico desse mesmo terapeuta, até porque esta diferença se encontra em terapeutas com a mesma orientação teórica" (Mourato, 2019, p. 15). Sabe-se que a variabilidade dos resultados terapêuticos entre terapeutas não está relacionada a características pessoais como idade, gênero e etnia, nem tampouco a características relacionadas ao tempo de formação, supervisão ou mesmo orientação teórica. Conforme Mourato (2019), que faz uma extensa revisão teórica de estudos internacionais sobre "os efeitos do terapeuta" no processo e resultados da psicoterapia, as variáveis do terapeuta que predizem melhores resultados são justamente aquelas que se referem às capacidades interpessoais facilitadoras do processo psicoterápico.

Essas constatações levaram pesquisadores contemporâneos a um resgate dos pressupostos rogerianos, pois o modelo terapêutico proposto por Rogers se concentra justamente na função do terapeuta em "promover o desenvolvimento do cliente em uma atmosfera desprovida de ameaça, isto é, sob condições facilitadoras" (Moreira, 2010). Em 1957, quando Rogers buscava respostas para a eficácia da psicoterapia, deparou-se com a importância das atitudes terapêuticas que ele chamou de atitudes facilitadoras. Partindo de um interesse bastante pragmático e operacional, ele se questionava: "É possível afirmar, em termos claramente definidos e mensuráveis, as condições psicológicas necessárias e suficientes para gerar uma mudança de personalidade?" (Rogers, 1957, p. 95). Quando Rogers se questionou sobre as condições necessárias para a psicoterapia, acabou encontrando e desenvolvendo elementos majoritariamente relacionados à pessoa do terapeuta. Esses elementos, porém, estavam sempre ligados ao exercício dialógico, à expressão da alteridade e a como eles eram percebidos pelo cliente, o que é exposto pelo autor em um de seus textos mais importantes sobre as condições necessárias para a psicoterapia: (1) que duas pessoas estejam em contato psicológico; (2) que a primeira (o cliente) esteja num estado de incongruência (vulnerável); (3) que a segunda pessoa (terapeuta) esteja congruente ou integrada na relação; (4) que o terapeuta experiencie uma consideração positiva incondicional pelo cliente; (5) que o terapeuta experiencie uma compreensão empática do esquema de referência interno do cliente e se esforce por comunicar essa experiência ao cliente; e (6) que a comunicação com o cliente da compreensão empática e da consideração positiva incondicional seja efetuada num grau mínimo.

No primeiro item, Rogers (1957) refere-se à condição básica para a relação terapêutica, a presença de duas pessoas em contato psicológico; no segundo item, o teórico faz referência ao estado de vulnerabilidade do cliente que o predispõe à relação de ajuda; do terceiro item em diante, Rogers (1957) dedica-se a apresentar as habilidades terapêuticas interpessoais, que ele chamou de atitudes facilitadoras: congruência, consideração positiva incondicional e empatia.

A primeira atitude facilitadora definida por Rogers (1957) refere-se à habilidade do terapeuta em ser, dentro dos limites do relacionamento terapêutico, uma pessoa congruente, genuína e integrada. Isso significa que na relação com o cliente, o terapeuta deve sentir-se livre para "ser o que é"; o oposto de uma apresentação sob fachada, fingindo "ser o que não é" ou "sentir o que não sente". Não é necessário (nem possível) que o terapeuta seja um modelo ideal que demonstre esse grau de integração em todos os aspectos de sua vida. É suficiente que ele seja "exatamente ele mesmo" no contexto da relação terapêutica.

Quando o terapeuta experimenta uma aceitação calorosa de cada aspecto da experiência do cliente, está experimentando uma consideração positiva incondicional - segunda atitude facilitadora postulada por Rogers (1957). Isso significa que o terapeuta não impõe condições para a aceitação do outro. Não se trata de uma aceitação seletiva condicionada a algo; ao contrário, envolve sentimentos de aceitação pela expressão do cliente diante de qualquer atitude ou sentimento. Por exemplo, o terapeuta aceita o cliente quando ele expressa sentimentos negativos, ruins, dolorosos, medrosos e defensivos, na mesma medida de quando expressa sentimentos bons, otimistas e alegres. Segundo Rogers (1957), a consideração positiva incondicional significa cuidar do cliente, mas não de maneira possessiva ou simplesmente para satisfazer as necessidades do próprio terapeuta; significa cuidar do cliente como uma pessoa separada, com permissão para ter seus próprios sentimentos e suas próprias experiências.

Por fim, a empatia, ou compreensão empática, refere-se à capacidade do terapeuta de experimentar uma compreensão precisa e empática da consciência do cliente sobre sua própria experiência (Rogers, 1957). Seria como sentir o mundo privado do cliente como se fosse o seu, mas sem nunca perder a qualidade de "como se". Por exemplo, sentir a raiva, o medo ou a confusão do cliente "como se" fosse seu, mas sem sua própria raiva, medo ou confusão. Segundo Barrett-Lennard (2015), existem dois aspectos que envolvem a compreensão empática: o reconhecimento e a inferência empática. O reconhecimento experiencial empático envolve a percepção dos sentimentos comunicados de forma mais direta pelo cliente; já a inferência empática envolve a capacidade de detectar ou inferir o conteúdo implícito ou indiretamente expresso pelo cliente. Segundo o autor, em geral, esses dois aspectos ocorrem juntos no processo empático, mas seu equilíbrio varia de um relacionamento para outro.

É nesses postulados rogerianos sobre a relação terapêutica que encontramos sua maior convergência com a PPBE. As chamadas habilidades terapêuticas interpessoais da expertise clínica giram em torno desses elementos, que Rogers identificou nos anos 1950 e que ainda hoje orientam a pesquisa e a prática profissional da abordagem humanista. Wampold (2015), pesquisador e membro da APA não filiado à abordagem humanista, bem como Parrow et al. (2019), ao constatarem os fatores de interação terapêutica que possuem maior relevância científica em termos de eficácia, chegam justamente às atitudes facilitadoras postuladas por Rogers (1957) anteriormente descritas. Parrow et al. (2019), em consonância com a classificação de Wampold (2015), identifica oito fatores diretamente relacionados à interação terapêutica que têm maior relevância científica em termos de eficácia, denominados "fatores relacionais baseados em evidência" (Evidence-based Relationship Factors - EBRFs): (1) congruência; (2) consideração positiva incondicional; (3) compreensão empática; (4) humildade cultural; (5) aliança; (6) ruptura e reparo; (7) transferência; e (8) monitoramento de progresso.

Embora todas as atitudes facilitadoras postuladas por Rogers venham ganhando reconhecimento empírico em termos de eficácia, a que se mostra mais relevante é a compreensão empática (Parrow et al., 2019; Norcross & Wampold, 2018; Wampold, 2015). São vários os benefícios provocados pela compreensão empática no processo psicoterápico. Elliott et al. (2011), num estudo de meta-análise sobre empatia, citam alguns elementos que funcionam como potentes mediadores para o bom desfecho terapêutico. Para os autores, sentir-se compreendido empaticamente aumenta a satisfação do cliente com a terapia, a adesão ao processo psicoterápico e facilita a abertura do cliente, intensificando os sentimentos de segurança com a relação, proporcionando uma menor resistência para abordar áreas pessoais de mais difícil acesso e reconhecimento pelo cliente. Também existem evidências de que a empatia está correlacionada à permanência na terapia, em oposição ao término prematuro.

Wampold (2015) também conduziu um estudo de meta-análise para a identificação e compreensão das evidências de eficácia psicoterápica, encontrando um conjunto de elementos que se relacionam a bons desfechos em terapia. Tal estudo corrobora a conclusão de que os fatores comuns (humanos e relacionais) são importantes para produzir benefícios diversos em psicoterapia. Wampold (2015) demonstra que os construtos rogerianos - consideração positiva incondicional e congruência - demonstram fortes evidências de eficácia, junto a construtos como aliança e empatia, os quais para o autor são os mais significativos.

Em consonância com esses estudos, a APA (2006) reafirma a importância de tais habilidades interpessoais para o exercício da expertise clínica; no entanto, acrescenta: não basta que o terapeuta possua tal competência de interação, é preciso saber comunicá-la. Assim também pensava Rogers. No texto intitulado A prática das atitudes, Rogers e Kinget (1965/1977) retomam as condições relativas ao terapeuta, ressaltando a preocupação com o diálogo e a expressão da alteridade, por meio de orientações sobre como essas atitudes deveriam ser comunicadas ao cliente. Eles então sugerem alguns pontos a serem perseguidos pelo terapeuta: buscar sempre o ponto de referência interno do cliente ao invés do externo (não se guiar pelos seus próprios interesses e sim pelos interesses do outro/cliente); deter-se nos sentimentos e não nos fatos; abordar a pessoa e não o problema; e exercer a consideração em vez da perspicácia. Todo esse rol de preocupações com a forma de comunicar está relacionado à tentativa de fazer com que o cliente perceba as intenções do terapeuta, para que, assim, possa sentir-se aceito e respeitado por ele. Essa forma de comunicar desenvolvida por Rogers pode ser relacionada às recentes recomendações da APA aos terapeutas: humildade cultural (cultural humility); não autoridade; atenção à experiência do cliente; e valorização da pessoa em vez da técnica e do diagnóstico (APA, 2006; Norcross & Wampold, 2018). O documento da APA é bem claro ao declarar: "é importante conhecer a pessoa que tem o distúrbio além de conhecer o distúrbio que a pessoa tem" (APA, 2006, p. 279).

Apesar da ampla gama de evidências científicas apontando para a prática das atitudes interpessoais como fundamentais para o bom desfecho psicoterápico, Angus et al. (2015) ressaltam que a maioria dos programas de treinamento concentram-se no aprimoramento exclusivo da avaliação diagnóstica: como melhor identificar "o que o cliente tem". Segundo os autores, a formação ainda está bastante voltada para a doença e pouco conectada com as mais recentes evidências científicas, pois não parecem estar dando prioridade aos aspectos humanos e relacionais que envolvem o processo psicoterápico. Se a investigação empírica vem demonstrando que a presença de um terapeuta empático, atento e genuíno, independentemente da técnica que utiliza, produz efeitos psicológicos mais significativos, é preciso dar mais atenção a essas competências na formação do clínico (Barrett-Lennard, 2015; Elliott et al., 2018; Wampold, 2015). Por essa razão, o treinamento de habilidades terapêuticas interpessoais vem ganhando um crescente interesse de pesquisa, pois sabe-se hoje que terapeutas mais eficazes são os mais capazes de promover uma boa ligação emocional com diferentes tipos de clientes (Baldwin et al., 2007).

Até aqui foi possível descrever as habilidades terapêuticas interpessoais mais relevantes em termos de eficácia psicoterápica e da importância do terapeuta em saber como comunicá-las, ambas postuladas por Rogers e endossadas pelas mais recentes pesquisas ligadas à PPBE. Resta ainda um elemento a ser discutido: a forma como o cliente percebe essa comunicação e a expressão de atitudes de empatia, consideração e respeito para com ele. Como foi dito anteriormente, as habilidades interpessoais não dependem do esforço exclusivo do terapeuta; por serem habilidades provocadas pela interação, dependem também da colaboração ativa do cliente e da forma como ele percebe e responde ao contexto de interação.

A percepção do cliente sobre a relação terapêutica

Historicamente, a percepção do cliente sobre o terapeuta e a terapia eram consideradas suspeitas e distorcidas pela crença de que ela estava submetida a psicopatologias subjacentes. Hoje essa visão mudou radicalmente; estudiosos da PPBE passaram a valorizar a percepção do cliente em função de recentes descobertas que demonstram a forte correlação entre a percepção do cliente e os resultados terapêuticos (Bohart & Tallman, 2010).

O nível e a qualidade da participação do cliente no processo psicoterápico têm sido apontados como determinantes nos resultados clínicos, mais do que atitudes, comportamentos ou técnicas do terapeuta (Pieta & Gomes, 2017; Norcross & Lambert, 2018). Conforme Bohart e Tallman (2010), o cliente não é um sujeito passivo, tampouco submisso à intervenção; ele opera ativamente no processo psicoterápico, transformando as informações e experiências em mudanças efetivas. Por essa razão, a necessidade de monitorar a forma como o cliente percebe a aliança, bem como a necessidade de encorajá-lo a expressar sentimentos sobre a terapia, devem ser objetivos centrais do processo psicoterápico (Pieta & Gomes, 2017).

A percepção do cliente sobre as atitudes do terapeuta sempre foi uma preocupação presente nos trabalhos de Rogers e vem sendo, ao longo de várias décadas, endossada por pesquisadores humanistas. No entanto, com as novas recomendações da APA, todo e qualquer terapeuta, independentemente da abordagem teórica, vem sendo estimulado a dar atenção à percepção e à colaboração ativa do cliente no processo psicoterápico (APA, 2006, 2012). Essas recomendações vêm alavancando o retorno aos pressupostos rogerianos, que já nos anos 1950, na contramão de outras abordagens teóricas, colocavam o cliente - e sua percepção sobre a relação e o processo psicoterápico - no centro da análise dos efeitos da psicoterapia.

O interesse de Rogers não se concentrava somente na prática das atitudes do terapeuta, apesar de esse elemento ser altamente relevante para o autor, como foi visto anteriormente, mas também na compreensão de como o cliente experimenta a relação com o terapeuta. Para avaliar o efeito da congruência, da consideração positiva incondicional e da empatia, Rogers (1957) sugeria a inclusão da percepção do cliente acerca dessas atitudes facilitadoras do terapeuta, dando origem, inclusive, a instrumentos de medida para a avaliação dessa percepção. A criação do Barrett-Lennard Relationship Inventory (BLRI), desenvolvido por Barrett-Lennard em 1962, totalmente inspirado nos postulados rogerianos e aprimorado ao longo das últimas décadas, é um exemplo de medida para avaliação da percepção do cliente sobre a relação terapêutica (Barrett-Lennard, 2015). A versão OS-40 da escala do BLRI, que avalia a percepção do cliente sobre a interação com o terapeuta, tem sido reconhecida como uma das melhores escalas de avaliação das habilidades terapêuticas interpessoais e uma das poucas que investigam a percepção do cliente sobre o processo psicoterápico no que tange à avaliação do vínculo e aliança terapêutica (Elliot et al., 2011). Segundo Barrett-Lennard (2009), a importância da atenção empírica à percepção do cliente sobre a relação é fundamental, pois, se a relação for percebida pelo cliente como genuína e respeitosa, ele sentir-se-á livre e capaz de se autoexplorar e se tornar mais aberto à sua experiência, resultando assim em melhores desfechos terapêuticos.

As recentes recomendações da APA aos profissionais da clínica os incentivam a monitorar rotineiramente a satisfação e o conforto dos pacientes com a relação terapêutica, pois esse monitoramento conduz a resultados mais efetivos no tratamento (Norcross & Wampold, 2018). Ao descreverem o resumo das conclusões da força tarefa da APA (2006) sobre psicoterapia, Norcross e Wampold (2018) revelam o valor da evidência de cada elemento que compõe a interação terapeuta-cliente, salientando os elementos mais e menos efetivos em termos de eficácia. Dentre esses elementos, a colaboração e o feedback do cliente encontram-se entre os itens de maior evidência, junto a fatores como a aliança terapêutica, a empatia e a consideração positiva.

Pesquisas que envolvem a avaliação da percepção do cliente sobre o processo de tratamento também são comuns no âmbito da saúde. Estudos sobre autonomia e empoderamento do paciente têm sido cada vez mais incentivados em outras profissões, como na medicina e enfermagem (Castro et al., 2016). A autonomia em saúde está relacionada ao exercício ativo de si, e vem sendo considerada um dispositivo promotor não só da saúde emocional, mas também física. A autonomia do paciente em contextos de saúde implica uma valorização maior do sujeito, da sua singularidade e de suas impressões não só sobre o processo saúde/doença, como também sobre o processo de tratamento ao qual está sendo submetido, promovendo melhores desfechos (Damion & Moreira, 2018).

Por um lado, conhecer a percepção do cliente sobre o processo psicoterápico contribui para o aumento do vínculo e da aliança terapêutica, pois o cliente sente-se valorizado e compreendido. Por outro lado, como consequência dessa valorização e compreensão por parte do terapeuta, o cliente experimenta uma maior autonomia e motivação com a psicoterapia, auxiliando, portanto, o terapeuta na condução do processo. Isso demonstra como os fatores comuns se "retroalimentam": tanto fatores relacionados ao terapeuta, como fatores relacionados ao cliente - e o produto dessa interação, que é a relação terapêutica - contribuem na direção de um melhor desfecho psicoterápico. Conforme Scheel (2011), clientes motivados e autônomos são mais colaborativos com seus terapeutas, e a colaboração, por sua vez, gera níveis mais altos de autonomia e motivação. Na prática, a qualidade da aliança terapêutica influencia a motivação e autonomia do cliente, e essa motivação e autonomia, por sua vez, influenciam a formação da aliança. É preciso abordar esses fatores como interdependentes; o grande desafio, porém, segundo Scheel (2011), é promover uma maior valorização da percepção e colaboração do cliente no processo psicoterápico, pois, mesmo diante das recomendações da APA, esse é um fator geralmente negligenciado nas pesquisas e na prática clínica.

 

Considerações finais

A consolidação de uma prática clínica que se volte para as habilidades terapêuticas interpessoais do terapeuta se mostra urgente, como bem sugere a APA ao se referir à expertise clínica (2006). Neste trabalho foi possível demonstrar que o desenvolvimento dessas habilidades depende de uma clara compreensão de todos os elementos que envolvem a díade terapeuta-cliente: a variável do terapeuta no exercício de sua prática; a participação ativa do cliente no processo psicoterápico; e, como resultado dessa ação colaborativa entre ambos, a constituição de condições necessárias para uma relação psicoterápica promotora de suporte e mudança terapêutica.

Nessa direção, foi demonstrada a necessidade de uma convergência entre os pressupostos rogerianos e a PPBE. Como foi apontado no artigo, a literatura internacional demonstra que na obra de Carl Rogers estão contidos muitos elementos considerados fundamentais para a pesquisa e desenvolvimento das habilidades terapêuticas interpessoais. As chamadas atitudes facilitadoras, postuladas por Rogers nos anos 1950, ganham cada vez mais o reconhecimento empírico-científico em termos de eficácia. Tal reconhecimento reforça e reafirma o valor do modelo terapêutico relacional postulado pela abordagem humanista rogeriana, evidenciando a necessidade de as atitudes facilitadoras servirem como condições fundantes de uma relação terapêutica propulsora de bons desfechos clínicos.

Contudo, neste artigo foi explorada a confluência entre a PPBE e o campo humanista exclusivamente sob a perspectiva rogeriana, o que pode ser legitimamente considerado como uma importante limitação deste estudo, já que, como dizem Hoffman et al. (2015), a PPBE pode convergir com outras abordagens. Segundo o autor, a recente abertura da pesquisa científica dominante em psicoterapia para a temática da relação terapêutica permitiu um maior engajamento nessa discussão não só de pesquisadores humanistas, mas também daqueles ligados às perspectivas fenomenológicas e existenciais. Sugere-se, portanto, que futuros estudos explorem não só a tradição da escola rogeriana, mas também escolas psicoterápicas de bases epistemológicas fenomenológicas e existenciais. Ainda com relação a propostas de estudos futuros, revisões sistemáticas recentes, como a de Pieta e Gomes (2017) revelam uma escassez na produção empírica brasileira no que tange à relação terapêutica. Assim, sugere-se também a realização de pesquisas empírico-formais que explorem, por meio de estudos sobre o processo psicoterápico, evidências de eficácia dos elementos ligados à relação terapêutica.

Por fim, julga-se que colocar a relação interpessoal no centro da discussão sobre a prática clínica rompe radicalmente com a polarização que caracterizou a tradição investigativa da ciência psicológica por longas décadas. A tradicional prioridade colocada no polo das habilidades técnicas do terapeuta - e não nas habilidades interpessoais - acabou por afastar também o cliente de um papel ativo no processo, enfraquecendo a possibilidade de uma relação efetivamente intersubjetiva e dialógica e fortalecendo, assim, uma postura psicoterápica tecnicista, prescritiva e objetificante. Como afirma o documento produzido pela APA (2006) sobre a PPBE, cada participante na relação terapêutica exerce influência sobre o processo e o resultado psicoterápico; portanto, a relação intersubjetiva estabelecida entre terapeuta e cliente é particularmente importante. Por essa razão, estudos que visem a estimular as habilidades terapêuticas interpessoais como parte da formação e aperfeiçoamento do profissional da psicologia restauram as bases de uma relação terapêutica fundada na alteridade e no respeito mútuo, tal como preconizado por Carl Rogers em sua contribuição decisiva para a compreensão do processo psicoterápico e o desenvolvimento da clínica psicológica.

 

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Recebido em 28 de julho de 2020
Aceito para publicação em 11 de março de 2021

 

 

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