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Journal of Human Growth and Development
versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598
Rev. bras. crescimento desenvolv. hum. v.18 n.2 São Paulo ago. 2008
ARTIGO DE OPINIÃO OPINION ARTICLE
Asthma and exercise
Iara Nely Fiks
Médica Pneumologista. Doutora em Medicina. Professora Assistente da Disciplina de Pneumologia da Faculdade de Medicina do ABC. E-mail: ifiks@uol.com.br
RESUMO
De acordo com os dados brasileiros publicados em 2006, a asma atinge 24% das nossas crianças e adolescentes, sendo uma das doenças mais freqüentes nessa idade. Mesmo assim, todos os anos, centenas de atletas asmáticos participam com sucesso de eventos esportivos das mais variadas modalidades. Crianças que praticam atividades esportivas competitivas desde muito cedo passam muito mais tempo com seus técnicos do que com seus pais. E é também durante o exercício que os sintomas da asma são mais observados. Portanto, cabe ao técnico a responsabilidade de saber reconhecer tais sintomas e também auxiliar no tratamento. A asma não deve ser um obstáculo ao bom desempenho esportivo. Atletas asmáticos bem controlados competem em igualdade com os demais.
Palavras-chave: Asma; Competição; Exercício; Prevenção.
ABSTRACT
According to Brazilian data published in 2006, asthma affects 24% of our children and adolescents, being one of the most frequent diseases in that age. Even so, every year, hundreds of asthmatic athletes successfully participate in sport events of varied modalities. Children who practice competitive sport activities since early childhood spend more time with their coaches than with their parents. And it is also during the exercise that the asthma symptoms are more frequently observed. Therefore, the coach is responsible for knowing how to recognize such symptoms and also for helping with treatment. Asthma should not be an obstacle to good sport performance. Well-controlled asthmatic athletes compete in equal terms with the others.
Keywords: Asthma; Competition; Exercise; Prevention.
INTRODUÇÃO
A asma é uma doença inflamatória crônica que se caracteriza por hiperreatividade das vias aéreas e por uma limitação ao fluxo de ar que é reversível espontaneamente ou com o uso de broncodilatadores. O quadro clínico é manifestado por episódios repetidos de tosse, chiado no peito e falta de ar, principalmente noturnos. Resulta de uma interação entre genética e exposição ambiental a diversos fatores desencadeantes, sendo os mais freqüentes: poeira, ácaro, mofo, irritantes químicos, mudanças climáticas, infecções e exercício físico (1).
A idéia do exercício como fator desencadeante da asma é muito antiga, porém não mereceu muita atenção da literatura médica até recentemente, quando na década de 60 vários estudos demonstraram que o exercício físico era desencadeante comum da asma na criança e no adolescente e que a intensidade do broncoespasmo induzido por exercício relacionava-se com a gravidade da doença (2).
"Doutora, meu filho é alérgico a ginástica?"
Por mais estranha que possa parecer, esta dúvida existe e é extremamente comum. Muitas mães e professoras notam que algumas crianças apresentam crises de tosse, falta de ar e cansaço após realizarem esforço físico. Nem sempre o sintoma combina com a intensidade do esforço realizado. Algumas crianças são obrigadas a interromper somente as brincadeiras mais agitadas. Outras se afastam de tudo que exige desempenho físico. Arrumam desculpas para faltarem na aula de educação física, preferem atividades "intelectuais".
Infelizmente não é tão fácil identificar a asma por esforço. Nem mesmo as crianças entendem os sintomas. Acham que não nasceram para serem atletas e pronto. Podem até passar por preguiçosas ou "fiteiras". Os meninos são sempre goleiros. Isso quando não são simplesmente excluídos das brincadeiras ou jogos. Acabam "apaixonados por computadores" e odeiam futebol ou tudo que represente competição esportiva. As meninas só brincam de bonecas ou gostam de leitura. Nelas é ainda mais difícil perceber, pois são meninas comportadas e quietas.
Chamamos de asma induzida por exercício (AIE) ou mais recentemente broncoespasmo induzido por exercício (BIE) o aumento transitório da resistência das vias aéreas que ocorre após exercício vigoroso não somente em uma grande parcela de asmáticos, mas também em alguns indivíduos sem história prévia de asma. Cada vez mais observamos que, principalmente nas crianças, a AIE pode ser muito intensa e nem sempre de diagnóstico fácil. Este quadro leva ao afastamento das brincadeiras, atividades físicas e esportivas tão fundamentais para um bom desenvolvimento da criança em todos os sentidos.
A prevalência de AIE na literatura varia muito de acordo com a região estudada e critérios usados no diagnóstico. Muito importante é a presença de AIE em aproximadamente 10% dos indivíduos sem história de asma, podendo elevar-se até 35% em populações jovens e atletas de alto rendimento.
A AIE varia de acordo com o tipo e intensidade de exercício, assim como com a temperatura e umidade do ambiente, não existindo um consenso na literatura de qual seria o melhor exercício nem o ambiente ideal. A AIE varia paralelamente ao quadro da asma, piorando nos períodos de maior exposição aos gatilhos habituais e melhorando quando a doença está sob controle.
A sensação de dispnéia aos esforços físicos é considerada normal para a maioria das pessoas que não estão treinadas. Em atletas amadores ou profissionais, a dispnéia é logo explicada pela falta de treinamento, o que leva a um aumento da carga de trabalho. Quando esse caminho não se mostra eficaz, logo se investigam doenças cardíacas. Poucas vezes a asma é lembrada como causa de baixo rendimento esportivo.
A asma induzida pelo esforço é reconhecida quando tosse, chiado, aperto no peito e falta de ar ocorrem durante ou após a realização de esforço físico. Geralmente piora nos dias frios e secos. Pode refletir simplesmente a falta de controle da asma. É mais comum em crianças, mas pode ocorrer em qualquer idade. Nos idosos, pode ser facilmente confundida com problemas no coração.
Quando devo suspeitar de asma induzida por esforço?
A maioria das crianças, atualmente, passa mais tempo com seus professores e técnicos esportivos do que em companhia dos seus pais. Portanto, devemos dividir com esses profissionais a responsabilidade de diagnosticar a asma induzida por esforço. Aparecimento de tosse seca ou aperto no peito durante brincadeiras agitadas, crianças que repetidamente abandonam os jogos que necessitem maior vigor físico são sinais de asma induzida pelo esforço. Por vezes, os sintomas não são típicos e o broncoespasmo pode se apresentar como dor torácica ou abdominal. Em crianças que praticam atividades esportivas regulares, além dos sintomas citados acima, o baixo rendimento do treinamento em relação aos colegas pode ser um sinal de broncoespasmo induzido por esforço. Estes sintomas costumam se acentuar em épocas de clima frio e seco. Nos atletas de alto rendimento, o broncoespasmo induzido por esforço é mais comum, mesmo em não asmáticos. Quando não diagnosticado e tratado pode contribuir para a perda de performance durante os treinos e maus resultados.
Muitos médicos fazem atestados para piscinas ou avaliações físicas para iniciar atividades esportivas, mas, pouco pesquisam a presença de doenças respiratórias. Em adultos, a preocupação cardiológica é evidente e nos casos de natação, o exame dermatológico é o foco.
A história de doenças respiratórias prévias ou de antecedentes familiares de asma ou alergias são dicas importantes para o diagnóstico. Seguem algumas perguntas que podem ser realizadas pelos médicos ou mesmo por técnicos e professores.
1- Por que escolheu esta modalidade esportiva?
2- Alguma vez na vida apresentou sibilos ou chiado no peito?
3- Alguma vez na vida teve crises de espirros, coriza, coceira no nariz ou obstrução nasal?
4- No último ano, teve algum episódio de sibilos ou chiado no peito?
5- No último ano teve o sono interrompido por chiado ou aperto no peito?
6- Costuma ter o sono interrompido por ronco, obstrução nasal ou tosse?
7- No último ano, teve tosse seca durante a noite, sem estar gripado?
8- Já apresentou chiado no peito ou tosse desencadeado por esforço?
9- Já faltou ou abandonou o treino por chiado no peito, tosse ou cansaço para respirar?
10- Observou dificuldades de acompanhar o ritmo do treino por limitações na respiração?
11- Já teve um chiado foi tão forte a ponto de impedir de falar uma frase inteira?
12- Alguma vez na vida teve asma ou bronquite diagnosticada?
13- Alguma vez na vida teve rinite e ou sinusite diagnosticada?
14- Alguém na sua família tem asma, bronquite ou outro problema respiratório?
A história clínica é sugestiva, mas tem baixa sensibilidade e especificidade para o diagnóstico da asma por esforço. Estudos mostram que somente 50% dos pacientes e também seus pais percebem o broncoespasmo induzido por esforço. Portanto, sempre que houver a suspeita, ela deve ser confirmada através de testes de função pulmonar.
O primeiro passo é checar se nos pacientes asmáticos a doença está sob controle. A grande maioria dos pacientes não está usando a medicação corretamente. Pequenos ajustes nas doses ou na técnica de inalação podem resolver os sintomas durante o exercício.
Nos pacientes sem diagnóstico prévio de asma, com espirometria normal em repouso, deve ser realizado o teste de broncoprovocação. Existem vários protocolos de broncoprovocação bem padronizados com fármacos (metacolina, carbacol) ou com o próprio esforço físico. Quando não há um laboratório de função pulmonar acessível, o teste pode ser realizado com auxílio de um espirômetro ou mesmo monitor de pico de fluxo. O esforço pode ser corrida ou bicicleta, atingindo-se uma freqüência cardíaca de 80 a 90% da máxima por seis minutos, que guarda boa correlação com a ventilação. Na literatura, há consenso de que uma queda igual ou maior que 10% é bastante sugestiva de asma induzida por esforço. Se for maior que 15% é diagnóstico, sendo classificada como leve se 10 a 20%, moderada de 20 a 30% e grave se maior de 30%. A reversão com broncodilatador ainda reforça o diagnóstico.
Os testes de provocação com exercício devem ser realizados em todos os asmáticos que apresentem sibilância e dispnéia ao esforço, principalmente quando os sintomas persistem apesar do tratamento adequado da asma. Atletas de alto rendimento devem ser submetidos a espirometria e teste de provocação, mesmo sem histórico prévio de asma, pois o diagnóstico e prevenção desta condição podem contribuir para a melhora dos resultados. Nestes casos, uma segunda avaliação é necessária para conferir o grau de proteção do broncoespasmo atingido pelas medidas adotadas.
Tratamento da asma induzida por esforço
A melhor forma de tratar a asma induzida por esforço é saber reconhecê-la. É fundamental que pais, professores, técnicos e médicos esportivos sejam bem informados da existência dessa condição e suas conseqüências e quais medidas de diagnóstico, prevenção e tratamento devem ser adotadas. Treinadores não alertados podem presumir que o atleta não esteja se empenhando adequadamente e impor atividades mais intensas, piorando o quadro e gerando atritos.
Nos casos onde ocorre broncoespasmo agudo durante o exercício, este deve ser interrompido e administrado broncodilatadores ß2 adrenérgicos por inalação ou spray.
Nos pacientes asmáticos, muitas vezes o tratamento e monitoração adequados da doença são suficientes para inibir o aparecimento dos sintomas ao esforço. Cabe lembrar que o tratamento da asma induzida por esforço obedece às mesmas diretrizes estabelecidas para a asma.
Nos pacientes com asma intermitente, prova de função pulmonar normal e sintomas desencadeados ao esforço a administração de ß2 adrenérgicos de ação curta é suficiente para prevenir o broncoespasmo. Podem ser usados também os ß2 adrenérgicos de longa ação, salmeterol ou formoterol, sendo este último mais indicado pelo seu rápido início de ação e efeito prolongado (8 a 12 horas).
Se a asma estiver adequadamente controlada com medicamentos antiinflamatórios, porém realmente piora com o exercício escolhido, então se deve adicionar doses extras de broncodilatadores 15 a 30 minutos antes de inicar a atividade. Alguns pacientes mostram grande benefício com o uso dos inibidores de leucotrienos. A vantagem é uma tomada noturna.
O exercício é um fator desencadeante da asma que não deve ser afastado do paciente. Em todas as idades, atividades esportivas são instrumentos de convívio social, participação de grupos e formação de novas amizades.
O paciente asmático pode realizar qualquer atividade, desde que a asma esteja sob controle. Portanto, esportes mais comuns, como corrida, bicicleta, jogos de quadra ou campo, enfim, qualquer modalidade esportiva pode ser escolhida. A natação sempre foi apontada como a melhor escolha para o asmático e sempre ganhou a fama de "curar a bronquite". A prática regular de esportes sempre deve ser encorajada, mas nunca como forma isolada de tratar a asma. Algumas crianças podem piorar ou desencadear a asma após a natação, seja pelo próprio exercício, inalação de cloro ou ainda alta freqüência de rinite e sinusite em nadadores. Por outro lado, muitos campeões olímpicos de natação começaram suas carreiras tentando a cura da asma nas piscinas.
Como proceder para medicar atletas de alto rendimento com asma
Com o aumento da comunicação da presença de asma em atletas olímpicos e conseqüente uso indiscriminado de broncodilatadores, o Comitê Olímpico Internacional estabeleceu a partir de 2002, novas regras para os medicamentos de controle da asma, visando o controle do uso indevido para melhorar a performance, porém sem interferir no bom controle da doença. A partir desta data, somente o relatório médico não é suficiente para a autorização do uso dos medicamentos. Foi solicitado aos atletas asmáticos que comprovassem sua condição através de exames de função pulmonar (4).
As novas regras exigem que o atleta providencie a seguinte documentação:
· Relatório médico detalhado sobre a história da asma, com medicamentos usados, relatos de consultas de rotina, visitas não agendadas e necessidade de atendimentos em pronto socorro ou internações. Para os atletas que tem BIE, relatório sobre os sintomas e condições desencadeantes, assim como resultado clínico do uso do broncodilatador.
· Prova de função pulmonar com teste positivo para broncodilatador, mostrando aumento do VEF1 de 12% ou mais após administração de broncodilatador permitido (salbutamol)
· Teste de broncoprovocação com exercício positivo.
· Teste de broncoprovocação com agentes farmacológicos (metacolina) também são aceitos.
· Medidas de pico de fluxo não são aceitas como critério de asma ou BIE.
Todos estes relatórios são anexados aos formulários apropriados (anexo 1) (5) e enviados aos representantes das confederações de cada esporte. Pela alta freqüência e necessidade de utilização de medicação, existe um formulário resumido especial para atletas asmáticos. Uma vez recebido pelas autoridades competentes, o atleta já está autorizado a iniciar a medicação enquanto seu processo está em análise. Neste período, ele não ficará sujeito às sanções do controle anti doping.
É extremamente importante ressaltar que todas as regras acima são necessárias apenas para os atletas olímpicos ou sujeitos a exames de controle de doping. As normas não devem ser encaradas como obstáculo para o tratamento adequado da asma. Nenhum atleta deve ser encorajado a suspender seus medicamentos. Os remédios de asma não são proibidos, mas sim controlados. Técnicos devem estar muito conscientes sobre as conseqüências sérias da suspensão da medicação para o controle da asma.
REFERÊNCIAS
1- III Consenso Brasileiro no Manejo da Asma. Jornal de Pneumologia, vol. 28, S1. junho, 2002. [ Links ]
2- Asma e exercício. Jose Ângelo Rizzo e cols. Em Asma: Um grande desafio. Álvaro Cruz. Editora Atheneu. 2004, pg 268. [ Links ]
3- Asma. Superando Mitos e Medos. Iara Nely Fiks. Editora Claridade. 2004. [ Links ]
4- Why must olympic athetes prove that they have asthma to be permitted to take inhaled beta 2 agonists? JACI, vol 111, n 1, Janeiro 2003. [ Links ]
5- Site da Agência Mundial Anti Doping www.wada-ama.org. [ Links ]
Recebido em: 16/06/2008
Modificado em: 28/07/2008
Aprovado em: 09/08/2008