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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598

Rev. bras. crescimento desenvolv. hum. v.19 n.1 São Paulo abr. 2009

 

PESQUISA ORIGINAL ORIGINAL RESEARCH

 

Validade de medidas autorreferidas de massa e estatura e seu impacto na estimativa do estado nutricional pelo índice de massa corporal

 

Validity of self-reported measures of weight and height and its impact on nutritional status prediction by body mass index

 

 

Thais da Silva Pregnolato; Laís Moura Mesquita; Palmira Gabriele Ferreira; Mariana Moreira Santos; Cíntia Carminhoto dos Santos; Roberto Fernandes da Costa

Centro de Estudos e Pesquisas Sanny - CEPS; Grupo de Pesquisa em Disfunção do Movimento Humano - UNISANTA; Santos - SP - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Introdução: medidas autorreferidas de massa e estatura têm sido utilizadas para avaliação do estado nutricional em estudos epidemiológicos. Objetivo: verificar a validade da massa e da estatura autorreferidas, bem como do índice de massa corporal (IMC) obtido com estes valores. Método: participaram 395 homens e 549 mulheres . Os dados foram coletados entre estudantes da Universidade Santa Cecília - Santos. Todos os sujeitos referiam a sua massa e estatura, para a realização das medidas em seguida.Utilizou-se o teste t de Student para amostras dependentes para comparação das médias, a correlação linear de Pearson (r) e Coeficiente de Correlação Intraclasse (R) entre as duas formas de obtenção dos resultados. Resultados: os homens autorreferiram de forma válida tanto sua massa (p=0,125; r=0,963; R=0,912) quanto sua estatura (p=0,058; r=0,974; R=0,921), validando a avaliação do estado nutricional. Já as mulheres tenderam a subestimar sua massa corporal (p=0,000; r=0,882; R=0,888) e superestimar sua estatura (p=0,000; r=0,854; R=0,814), causando subestimativa no valor de IMC. Conclusão: para o grupo estudado não seria válido utilizar as medidas autorreferidas de massa e estatura das mulheres para estimativa do seu estado nutricional pelo índice de massa corporal.

Palavras-chave: validade; medidas; peso corporal; estatura; estado nutricional.


ABSTRACT

Background: Self-reported measures of weight and height have been used for assessment of the nutritional status in epidemiological studies. Objective: To verify the validity of self-reported weight and height, as well as the body mass index (BMI) obtained from these values. Method: This study involved 395 men and 549 women. The data were collected among students of Santa Cecília University (Santos, state of São Paulo). All the subjects reported their weight and height, and the measures were taken right after that. Student’s t test for dependent samples was used to compare means of the measured and self-reported variables; Pearson linear correlation (r) and Intra-class Correlation Coefficient (R) were calculated between the two forms of results obtention. Results: Men accurately self-reported weight (p = 0.125; r = 0.963; R = 0.912) and height (p = 0.058; r = 0.974; R = 0.921), validating the assessment of the nutritional status. Women, in turn, tended to underestimate weight (p = 0.000; r = 0.882; R = 0.888) and to overestimate height (p = 0.000; r = 0.854; R = 0.814, underestimating the value of BMI. Conclusion: In the studied group, it would not be valid to use the women’s self-reported measures of weight and height for the estimate of their nutritional status by the body mass index.

Keywords: validity; measures; body weight; height; nutritional status.


 

 

INTRODUÇÃO

Estudos epidemiológicos têm utilizado com frequência as medidas de massa e estatura autorreferidas para estimativa do estado nutricional, por ser uma técnica de baixo custo operacional e por simplificar o trabalho de campo.1,2

Nessa estratégia, os próprios avaliados relatam os valores das suas medidas de massa e estatura, sem que o profissional realize a tomada das medidas utilizando-se de balança e estadiômetro.

Os valores autorreferidos apresentam bons níveis de concordância em relação aos valores mensurados diretamente, porém a validade das medidas pode ser alterada conforme o sexo, idade, condições socioeconômicas, culturais e psicológicas dos grupos estudados.3 No autorrelato das medidas antropométricas há uma tendência de as pessoas alterarem os valores em busca de uma estética corporal socialmente valorizada, observando-se a subestimação da massa de forma mais marcante entre as mulheres e indivíduos obesos e superestimação da estatura entre os homens e indivíduos de baixa estatura.4

Além disso, a estratégia usada para a coleta de dados também interfere na validade das medidas antropométricas autorreferidas, de forma que os questionários de autopreenchimento implicam na superestimação dos valores baixos e subestimação dos valores altos de massa em maior frequência do que quando os dados são coletados diretamente por entrevistadores.5,6

Em vista das divergências entre as medidas autorreferidas e mensuradas a prevalência de sobrepeso/obesidade baseada no IMC obtido por meio de valores autorreferidos pode ser subestimada em até 15%.7-9

Em nosso país, a validade das medidas autorreferidas tem sido pouco estudada, portanto o objetivo é verificar a validade da massa e da estatura autorreferidas e o índice de massa corporal obtido com estes valores.

 

MÉTODO

Estudo descritivo, com delineamento transversal, que contou com a participação voluntária de estudantes da Universidade Santa Cecília - Santos. A coleta de dados foi realizada nas salas de aula da universidade após assinatura de um termo de consentimento livre e esclarecido.

Foram avaliados 944 sujeitos, sendo 395 homens (28,4 ± 9,8 anos de idade) e 549 mulheres (28,3 ± 11,0 anos de idade), que inicialmente autorreferiram as suas medidas de massa e estatura, seguindo-se da mensuração das mesmas utilizando-se, para tanto, uma balança digital da marca Techline®, com resolução de 100 gramas, e um estadiômetro da marca Sanny®, com resolução de 0,1cm.

A realização das medidas seguiu a padronização proposta por Gordon et al.10 e o índice de massa corporal foi obtido dividindo-se a massa em quilogramas pela estatura em metros ao quadrado, com base nos valores relatados e nos mensurados.

Após a verificação da normalidade de distribuição dos dados pelo teste não-paramétrico de Kolmogorov-Smirnov, a média e o desvio padrão foram calculados para as variáveis massa, estatura e índice de massa corporal (IMC), comparando-se os valores autorreferidos aos valores medidos por meio do teste t de Student para amostras dependentes. Além disso, foram calculados a correlação linear de Pearson (r) e o Coeficiente de Correlação Intraclasse (R) entre as duas formas de obtenção dos resultados. A significância estatística adotada foi para p < 0,05. Para a confirmação da validade é necessário que os valores autorreferidos atendam a três critérios em relação aos valores medidos, simultaneamente: p > 0,05 no teste t, r > 0,80 e R > 0,90.

A realização deste estudo obedeceu aos princípios éticos para pesquisa envolvendo seres humanos, conforme a resolução do conselho nacional de saúde (CNS) 196/96, após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Santa Cecília sob número 04/2008.

 

Resultados

Os sujeitos do sexo masculino referiram de forma válida a sua massa e estatura, não promovendo diferença estatisticamente significante quando comparados aos valores mensurados, com p>0,005; r >0,80 e R>0,90 para todas as variáveis. Consequentemente o índice de massa corporal (IMC) obtido por meio das medidas auto referidas não gerou alterações na estimativa do estado nutricional (tabela 1).

 

 

Antagonicamente, as mulheres tenderam a subestimar a massa e superestimar a estatura, ocasionando um IMC subestimado, invalidando assim, a estimativa do estado nutricional com base em medidas antropométricas autorreferidas. Todos os valores autorrelatados apresentaram diferença estatisticamente significante ao serem comparados aos valores mensurados, o que foi evidenciado pelo p<0,05, e R < 0,90 (tabela2).

 

 

Discussão

A utilização de medidas autorreferidas de massa e estatura tem sido adotada em estudos para estimar o estado nutricional de grandes amostras, como forma de diminuir o tempo gasto com a coleta de dados e o custo operacional1,2: entretanto, ainda há discrepância entre os estudos quanto à concordância dos resultados autorreferidos e medidos11-14. Tal fato sugere a necessidade de estudos que identifiquem a validade desta técnica em diferentes grupos populacionais, como entre estudantes universitários.

As medidas autorreferidas pelas mulheres não apresentaram validade, sendo que estas subestimaram a massa e superestimaram a estatura, fato semelhante ao ocorrido no estudo com adolescentes de Florianópolis, realizado por Farias Junior11, entretanto os adolescentes de ambos os sexos apresentaram discordância entre o que referiram e o que foi medido, não apenas as moças. Antagonicamente a outros estudos realizados no Rio de Janeiro3 e em Goiânia4, e em acordo com um estudo realizado nos Estados Unidos12, houve diferença estatisticamente significante entre as medidas relatadas e mensuradas no presente estudo. Entretanto as diferenças entre as informações referidas e aferidas só foram evidenciadas no grupo feminino, mostrando-se estas não válidas para avaliação do estado nutricional dos indivíduos deste grupo.

Na Austrália, estudo realizado com adolescentes do sexo feminino, de 11 a 18 anos de idade, mostrou que as moças que tinham maior IMC tendiam a subestimar mais a sua massa corporal. Além disso, aquelas que já haviam tido a menarca há mais de três anos tendiam a superestimar mais significativamente a sua estatura. Assim, quanto mais próximas da fase adulta maior a tendência de uma subestimação mais acentuada do IMC calculado com os valores autorreferidos de massa e estatura.14

Muitos estudos3,15-17 têm observado tendência a superestimação da estatura e/ou subestimação da massa tanto entre os homens quanto entre as mulheres, o que não se evidenciou em nossa casuística, pois os homens referiram de forma válida sua massa e estatura, sem discrepâncias consideráveis entre os valores aferidos e referidos, com p>0,005 no teste t de Student, r>0,80 e R>0,90 para todas as variáveis. Desta forma, não houve divergência entre IMC obtido pelas medidas autorreferidas e aferidas.

Com relação à estatura autorreferida, a superestimativa observada no sexo feminino foi de 1,0cm, aproximando-se da observada por Fonseca et al.2 (1,05cm).

Oliveira et al.18 obtiveram em seu estudo elevada concordância entre os valores medidos e relatados demonstrados pelo coeficiente de correlação linear de Pearson e o coeficiente de correlação intraclasse. Isto foi verdadeiro para o sexo masculino participante do presente estudo.

Ao contrário do estudo desenvolvido por Peixoto et al.4, observamos subestimativa da massa pelas mulheres, e não foi encontrada superestimativa da estatura entre os homens, sendo subestimado o IMC com base em medidas autorreferidas somente para o sexo feminino.

As subestimativas de IMC em ambos os sexos tais como as encontradas em amostra de funcionários de banco, com elevado nível educacional1, no Rio de Janeiro; entre funcionários de uma companhia de energia e gás na França17 (0,29kg/m2 em homens e 0,44kg/m2 em mulheres); em um estudo populacional em adultos maiores de 35 anos na Nova Zelândia19; e na coorte EPIC-Oxford (European Prospective Investigation into Cancer and Nutrition)20, contrapõem-se aos achados do presente estudo, no que se refere ao sexo masculino.

Chor et al.1 observaram diferenças irrelevantes em relação à estatura autorreferida e aferida para os sexos masculino e feminino, o que no grupo estudado ocorreu apenas entre os homens.

Em concordância com o que foi descrito por Nawaz et al.12, para as mulheres houve diferença estatisticamente significante entre o IMC médio medido e obtido por meio de valores autorreferidos.

Em um estudo realizado somente com mulheres, independente da idade, educação, raça/etnia ou estado civil, assim como no estudo apresentado, foi observada subestimação da massa e superestimação da estatura.21

Dois estudos recentes mostraram resultados antagônicos quanto à comparação entre valores medidos e autorreferidos de massa e estatura e seu impacto na avaliação do estado nutricional. No primeiro, realizado com 943 adultos da população mexicana22, as medidas autorreferidas mostraram-se válidas para a avaliação do estado nutricional, quando comparadas às aferidas, em ambos os sexos. No segundo, realizado com 379 adultos da população italiana23, tanto os homens quanto as mulheres superestimaram a estatura e subestimaram a massa corporal, produzindo valor médio de IMC significantemente menor que o obtido com a aferição das medidas.

Embora não haja consenso na literatura, a maioria dos estudos demonstra o observado nesse estudo realizado na Itália23, entretanto, é preciso considerar aspectos sociais, culturais, étnicos, etários e de gênero, antes de se optar pelas medidas autorreferidas como estratégia para avaliar o estado nutricional de grupos populacionais.

O modelo de magreza social e culturalmente valorizado pode ter influenciado o resultado encontrado no presente estudo, visto este fator normalmente representar maior relevância para as mulheres do que para os homens. Além disso, as discrepâncias de achados na literatura podem ser provenientes dos diferentes tratamentos estatísticos utilizados, grupos estudados e estratégia de coleta de dados, uma vez que a validade dos valores autorreferidos sofre interferência de uma gama enorme de fatores.

Portanto, ao eleger o autorrelato das medidas antropométricas para estimativas do estado nutricional é preciso ter cautela, analisando-se a população a ser estudada e não visando apenas a economia de recursos e simplificação do trabalho de campo.

 

CONCLUSÃO

Para o grupo masculino as medidas autorreferidas de massa e estatura, bem como o índice de massa corporal (IMC) calculado com estas medidas, apresentaram-se válidos quando comparados às medidas aferidas. Já no grupo feminino, as medidas autorreferias subestimaram a massa corporal e superestimaram a estatura, causando subestimativa do IMC.

 

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Endereço para correspondência
Roberto Fernandes da Costa
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Recebido em: 15/11/2008
Modificado em: 20/11/2008
Aceito em: 17/12/2008

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