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Journal of Human Growth and Development
versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598
Rev. bras. crescimento desenvolv. hum. v.19 n.2 São Paulo ago. 2009
PESQUISA ORIGINAL ORIGINAL RESEARCH
A questão social na frança contemporânea: uma experiência de pesquisa
The social matter in contemporary france: a survey experience
Fabiola Zioni
Socióloga. Professora Associada do Departamento de Prática em Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. fabiolaz@usp.br
RESUMO
A França passou por conflitos urbanos em seus bairros populares. Incidentes com a polícia marcados pela morte de um morador, geralmente jovem ou adolescente, são seguidos por manifestações violentas: quebra-quebras, incêndios de carros e/ou estabelecimentos públicos e privados, enfrentamentos com a polícia. Nos conflitos da "banlieue" francesa podem ser percebidos elementos comuns a eventos ingleses e/ou americanos de outras décadas.
OBJETIVO: consiste em identificar a percepção e as representações de moradores sobre suas condições de vida e saúde na França.
MÉTODO: pesquisa qualitativa realizada em Les Aubiers, bairro popular de Bordeaux, nos anos de 2002 e 2005. A população de moradores desse bairro e é composta principalmente por imigrantes ou fanceses de origem estrangeira, provenientes de diferentes locais: África do Norte, África Sub-Sahariana, Turquia, Portugal , Ilha de Reunião. Os indicadores sociais e econômicos apresentam níveis significativamente mais baixos do que os de outros bairros de Bordeaux, acompanhando as tendências encontradas nas outras "banlieues". Entre esses indicadores, a taxa de desemprego, principalmente entre jovens, é alarmante (40%).
RESULTADOS E DISCUSSÃO: as políticas sociais deveriam ser mais voltadas para os indivíduos do que para o território, pois este só poderá ser transformado pelos primeiros e não o contrário. Um bairro e uma população estigmatizados, estão contemplados por uma ampla política social. Ainda que passível de crítica, não se pode ignorar a existência de esforços sistematicos de integração, nem a existência de políticas sociais. Se elas são inadequadas, trata-se de ampliar o espaço de discusão para sua reforma. Trata-se de saber qual a disposição das sociedades contemporâneas, como um todo, para lutar contra as inequidades e segregações.
Palavras-chave: violência; jovens; escola; imigração; problemas urbanos; moradias populares.
ABSTRACT
France went over urban conflicts in its own popular quarters. Occurrences with the police sealed by the death of a resident, generally young or adolescent, are followed by violent public manifestations: strokes, car incendiary fire and/or on public and private settlements, police confrontments. In the conflicts at French "banlieue" can be apprehended common elements to the English and/or American events of other decades.
OBJECTIVE: consists in identify the perception and the residents representations about their life and health conditions in France.
METHOD: qualitative inquiry through in Les Aubiers, popular quarter in Bordeaux, at the years 2002 and 2005. The resident population in the quarter is composed mainly of immigrants or French foreigners, proceeding from different localities: North Africa, Sub Saharian Africa, Turkey, Portugal, Reunion. The social and economic indicators present significantly lower levels than the others Bordeaux quarters, following the dispositions found in others "banlieues". Among these indicators, the unemployment rate, mainly among youth, is alarming (40%).
RESULTS AND DISCUSSION: the social politics should turn more to the individual direction than to the territory, as it only will be transformed by the former one and not the contrary. A quarter and a population stigmatized are contemplated with an extensive social policy. Although liable to criticism, one may not disregard the existence of systematical integration efforts, nor the existence of social policies. If they are inadequate, it is about enlarging the space of discussion in order to reform it. It is about knowing which is the disposition of contemporary societies, as a whole, to fight against the iniquities and segregations.
Keywords: violence; young population; school; immigration; urban problems; popular conjoined.
INTRODUÇÃO
No final de 2005, a França passou por conflitos urbanos em seus bairros populares. Esses conflitos não podem ser considerados como algo inédito, mas sim como parte de um processo que remonta aos anos 80. Conflitos que aconteceram na periferia de Lyon (Minguettes, 1981,Vaux- em Velin, 1990), na periferia de Toulouse (Mirail em 1998) - para citar as mais célebres, repetiram-se em 2005: incidentes com a polícia marcados pela morte de um morador, geralmente jovem ou adolescente, são seguidos por manifestações violentas: quebra-quebras, incêndios de carros e/ou estabelecimentos públicos e privados, enfrentamentos com a polícia, etc.
As interpretações sobre esses processos na imprensa, nos meios científicos e políticos, giram em torno de três versões. A primeira delas explica o conflito (émeute) pelas dificuldades de caráter econômico e étnico vividas pelos moradores desses bairros. Essas dificuldades, ampliadas pela ação da polícia, representariam o fracasso de um modelo de integração .
A segunda interpretação apóia-se na figura dos "agitadores" ( políticos ou religiosos) que teriam a capacidade de mobilizar uma parte da população contra as instituições com o objetivo de destruir a ordem social.
Finalmente, a terceira explicação substitui a figura do agitador pela do "delinquente" (a "canalha" / "la racaille"), ou seja, os choques violentos nas "banlieues" seriam decorrentes de grupos minoritários, inadaptados, que, contra a vontade da maioria dos moradores, desenvolveriam esses atos violentos por interesses mesquinhos ou puro vandalismo.
Essas abordagens apresentam sérias limitações: a primeira delas não permite compreender a lógica dos acontecimentos, as articulações possíveis entre a situação vivida e o momento que desencadeia a revolta, o desenrolar dos acontecimentos.
As duas últimas não correspondem aos fatos observados: em várias situações estudadas, em diferentes conjunturas geográficas visto que a maioria dos participantes é composta por jovens sem antecedentes policiais, que não pertencem a bandos ou grupos religiosos; em muitos casos a população, mesmo sem participar dos enfrentamentos, apóia os envolvidos. Finalmente, nos acontecimentos de novembro/2005, os grupos religiosos muçulmanos - ao contrário do esperado por quem via os conflitos como um problema cultural - manifestaram-se várias e incisivas vezes contra os acontecimentos e buscaram a pacificação. Além disso, nas "banlieues" em conflito, notava-se a presença de jovens de diferentes origens , etnias e credos, além de muitos de cidadania francesa.
Para Lapeyronnie1 esses acontecimentos podem ser explicados, principalmente, como um protesto " proto político" que surgiria quando uma parte da população - que se entende, de um lado, como vítima de mecanismos sociais segregadores e, de outro, como alvo do desprezo de outros segmentos - não dispõe de canais políticos para expressar suas reivindicações e se fazer participante na vida civil. " Détruire des biens privés ou publiques n ´obéit pas simplement à une motivation delinquante. Cela rend les choses plus claires" (p.8)1.
Nos conflitos da "banlieue" francesa podem ser percebidos elementos comuns a eventos ingleses e/ou americanos de outras décadas: os conflitos irrompem em zonas urbanas em que vive uma população marcada pela pobreza e discriminação racial; possuem, assim, origens histórico-sociais mais antigas; decorrem de incidentes violentos com a polícia, apontando para uma relação extremamente desgastada entre a população e a instituição policial. Os participantes, jovens, na grande maioria dos casos, não pertencem a uma única etnia ou a grupos marginais dentro do bairro . Finalmente, como expressão de grupos afastados do sistema político, não manifestam com clareza suas reivindicações, tornando-se objeto de interpretações no espaço público que passam longe de sua experiência concreta.
Em meio a todas as controvérsias não se pode negar a importância do processo de " formação de guetos nas banlieues francesas ...e o significado político de uma revolta que põe em cheque um modelo social e uma organização política incapazes de evitar o crescimento do desemprego e de lutar efetivamente contra o racismo" (p.2)1.
Assim, o objetivo consiste em identificar a percepção e as representações de moradores sobre suas condições de vida e saúde na França.
MÉTODO
Neste artigo, são apresentados os resultados de uma pesquisa realizada em Les Aubiers, bairro popular de Bordeaux, nos anos de 2002 e 2005. A população moradora desse bairro é composta principalmente por imigrantes ou fanceses de origem estrangeira, provenientes de diferentes locais: África do Norte, África Sub-Sahariana, Turquia, Portugal , Ilha de Reunião. Os indicadores sociais e econômicos apresentam níveis significativamente mais baixos do que os de outros bairros de Bordeaux , acompanhando as tendências encontradas nas outras "banlieues". Entre esses indicadores, a taxa de desemprego, principalmente entre jovens, é alarmante (40%). Em resumo, em Les Aubiers encontram-se muitas dos elementos que gerararam as revoltas de 2005 e que podem ilustrar como se apresenta a questão social na França contemporânea, assim como elementos comuns à realidade brasileira.
Para enfrentar o distanciamento existente entre uma pesquisadora estrangeira na situação estudada e uma população composta por cerca de 29 etnias, optou-se pela aproximação ao bairro através de uma enquete com um grupo - "Mana" - que desenvolve atividades de educação em saúde e organização de comunidade no bairro. As técnicas utilizadas foram entrevistas em grupo, observação de reuniões do "Mana", entrevistas individuais com trabalhadores sociais e de saúde do Mana e com moradores. O número de entrevistas e observações foi definido por critérios da pesquisa social de abordagem qualitativa (recorrência das falas), os dados obtidos foram analisados pelo processo de triangulação, análise essa apoida na literatura cietífica sobre o tema, processo consagrado nas Ciências Sociais de abordagem compreensiva e interpretativa.
LES AUBIERS
Les Aubiers é o nome de um conjunto habitacional construído em um bairro da periferia de Bordeaux - Bordeaux-Le Lac, cujas origens remontam aos anos 50. Nessa época a prefeitura da cidade investiu em obras de infra-estrutura ao norte da cidade porque, além do déficit de moradia, a municipalidade tinha problemas com bairros centrais - como Mériadec - cujos edifícios estavam degradados e com sérios problemas de insalubridade.
Em meados dos anos 60 essas obras terminaram e a construção de Les Aubiers foi entregue a um urbanista - Xavier-Arsène Henri, admirador de Corbusier e seguidor dos princípios do urbanismo modernista, consagrados na Carta de Atenas.
O projeto de Arsène Henry, como os de outros modernistas, visava criar um bairro que ampliasse os limites da cidade, recusava a idéia de se criar outra cidade, buscava sua ampliação através da edificação de um espaço que traria a marca do século XX, como os outros bairros traziam as marcas dos séculos precedentes.
Essa política urbana e de habitação era sustentada por uma série de leis datadas da época da Segunda Guerra Mundial que estabeleciam, de maneira bastante centralizadora, condições para o desenvolvimento urbano, entre elas a criação de moradias, questão central no Pós-Guerra, devido tanto à destruição causada pelo conflito como pela explosão demográfica que se esperava . Do final dos anos 40 até o final dos anos 60 do século XX, os programas de habitação popular - HLM - Habitacions de Loyer Moderé - eram finaciados pelo Tesouro Nacional.
No momento da construção de Les Aubiers, porém, a fase áurea dessa política de habitação já havia passado. Concebidos como respostas à crise de moradia, esses conjuntos construídos na periferia das cidades, sem continuidade formal, estética e histórica com a cidade original, estavam começando a se tornar ultrapassados2
"Trinta anos depois de sua criação, o bairro Le Lac não está terminado, mesmo se boa parte dos objetivos inciais tenha sido realizada: parque de exposições, centro de congressos, criação de um setor de habitação... Depois que o poder público deixou, a partir de 1974, a lei do mercado instalar-se nesse setor, outras orientações foram desenvolvidas - principalmente no setor hoteleiro, no setor de atividades secundárias e terciárias"3.
Bordeaux-Le Lac ou Quartier du Lac , onde se localizam os conjuntos habitacionais Les Aubiers e Lausan, tem um peso econômico significativo, visto que cerca de 100 mil pessoas trabalham nos diferentes empreendimentos existentes no local, principalmente grandes supermercados, pois aproximadamente 900 mil metros quadrados são utilizados para comércio. Desde o término da construção da Ponte da Aquitânia (ponte sobre o Rio Garone que banha a cidade de Bordeaux) em 1967, integrada ao anel perimetral [Rocade], há uma grande facilidade de comunicação e transporte entre o centro da cidade e Les Aubiers, assim como com o restante da aglomeração bordelense .
Os moradores dos conjuntos habitacionais, no entanto, não gozam de uma boa reputação. Os edifícios modernistas destacam a falta de integração ao tecido social e urbano existente, falta essa devida tanto a questões como preconceito social e racismo como às suas formas urbanas obsoletas3. Lembre-se, ainda, que o transporte urbano, nos fins de semana, feriados e à noite, costumava ser bastante "rarefeito", ou quase inexistente, até cerca de 2007.
Les Aubiers foi ocupado por alguns destinatários originais dos HLM, pessoas de rendas modestas ou baixas, geralmente de mais idade, antigos moradores das áreas centaris deterioradas sobre os quais pesavam tantos problemas reais como acusações exageradas e preconceitos, assim como população imigrante e populações com problemas - desempregados, famílias monoparentais, egressos de tratamentos médicos, beneficiários das alocações da CAF - [Caisse d´Allocation Familiale] - pessoas dependentes de proteção social.
A essa origem problemática vão se associar os acontecimentos dos anos 80, marcados por crises econômicas e sociais, aumento do desemprego, violência urbana. Paulatinamente, esses grandes conjuntos passarão a ser vistos como locais que devem ser evitados. Les Aubiers constitui-se, assim, como um exemplo do que, no debate francês atual, corresponderia a um "quartier sensible", ou seja, área de concentração de problemas socioeconômicos que, a partir dos anos 80, passa a ser vista como perigosa.
Desde o início da década de 80 (séculoXX) quando um jovem imigrante é assassinado por um grupo racista, em Paris, a França vem sendo palco de várias manifestaçãoes organizadas e politizadas como a Marcha dos Beurs (manifestação de protesto dos imigrantes da Africa do Norte - mangrebinos - e seus descedentes) até incidentes violentos e dessorganizados nos quais se carros e equipamentos públicos são dstruidos.
"Não são delinqüentes, mas cometem pequenos delitos... consumidores de drogas, com baixo nível educacional, desempregados ou com ocupações precárias, voltam-se contra os grandes conjuntos habitacionais freqüentemente degradados em que vivem, suas cóleras voltam-se para agentes públicos: professores, assistentes sociais, principalmente para a polícia, em um ativismo sem reivindicações"4.
Essa série de eventos contribuiu, portanto, ao entendimento dos bairros periféricos ["banlieues"], como o local onde se concentra todo o mal estar social: desemprego, conflitos de rua [émeutes], incivilidades, fracasso escolar, população imigrante, exclusão. Os grandes conjuntos habitacionais, por sua vez, são apontados como os locais mais problemáticos das "banlieues": "depois de 15 anos de política social urbana [Procedure Habitat et Vie Sociale], temos mais de 6 milhões de franceses em grandes conjuntos que concentram as populações desfavorecidas tanto no plano econômico como no cultural, social e simbólico: anomia, desculturação, fracasso escolar, dessocialização. Quando foram construídos, eram destinados aos operários (anos 60); depois foram ocupados por sub-operarios que não interessavam aos poderes públicos, começando, então, a passar por processos de degradação.5-6
Les Aubiers, junto com o conjunto Lausan, compõe o bairro Quartier du Lac, onde também estão instalados grandes centros comerciais. Vivem no bairro 4.500 moradores (a maior parte reside em Les Aubiers) e, apesar da presença de comércio e serviços, pelas características sociais e econômicas de seus moradores, é definido como Zona Urbana Sensível (ZUS), pela lei de 1998 que se caracterizam por serem constituidas por uma população jovem, com menos de 25 anos (a faixa etária mais crítica em termos de integração), apresentarem uma taxa elevada de casais com número de filhos maior do que a média francesa, contarem com indivíduos de origem estrangeira em número três vezes maior do que em outras áreas.
No que diz respeito ao emprego, entre 1990 e 1999, na França como um todo, a taxa de desemprego cresceu de 11% a 13%, enquanto que nessas regiões crescia de 19% para 25%. Os postos de trabalho precário correspondem na França inteira a 12% do total: nesses bairros, 20%.
Nesses locais, a porcentagem de pessoas com nível de escolaridade superior é de 3%, enquanto nos outros bairros atinge cerca de 22%. O nível de renda, por sua vez, corresponde a 920 euros, contra 1.260 na média francesa. Finalmente, um dos maiores indicadores da dificuldade social, usado como critério para definição de pobreza e/ou exclusão social7-8 e que consite na dependência à assistência pública, tem, nesses bairros, a maior porcentagem de dependentes desses benefícios: 50% recebem alocações familiares ou ajuda moradia.
Os indicadores de Les Aubiers acompanham essas tendências constatadas nas ZUS: 50% dos moradores têm menos de 20 anos e, cerca de 12%, mais de 60. Em termos de organização familiar, apresenta uma proporção elevada de famílias monoparentais; em termos de origens étnicas, concentram-se no bairro 29 etnias. Em relação a Bordeaux, tem-se 22% de moradores de origem estrangeira: três vezes mais do que a média da cidade. Destes habitantes, quase 20% provêm de países de fora da União Européia; as nacionalidades predominantes são argelina, marroquina, tunisiana, turca e de países da África Subsaariana. Anote-se, ainda, que 29% vivem de salário mínimo (mais que o dobro dos que vivem com esse rendimento em Bordeaux como um todo) e deste total 40% recebem auxílio por serem portadores de deficiências mentais ou físicos.2
A ASSOCIAÇÃO MANA
A MANA, associação que foi a porta de entrada para o trabalho de campo nos Aubiers, desenvolve uma série de atividades com mulheres do bairro, imigrantes ou de origem estrangeira . No início de suas atividades a Associação prestava atendimento psicológico a puérperas de um hospital de Bordeaux. Diante do número cada vez maior de pacientes que apresentavam problemas ou sofrimento psicológico após o parto, percebeu-se a necessidade de se começar um trabalho preventivo. Esse grupo é composto por pessoal da saúde, obstetras, enfermeiras, psicanalistas e por trabalhadores sociais com formação em Sociologia e Serviço Social. Além do atendimento no hospital, individual e em grupo, de caráter terapêutico, o grupo desenvolve um trabalho de intervenção social no bairro que recebeu o nome de Escola de Mulheres.
Essa intervenção, em forma de projeto financiado pela prefeitura, adotou, desde o início, uma dimensão participativa, ou seja, foi elaborada após uma série de contatos e entrevistas com as moradores, que participaram e participam da elaboração do projeto.
O projeto Escola de Mulheres consiste no desenvolvimento de variadas atividades que são definidas pelos grupos nas sessões de "causeries", conversas. Tem como objetivo apoiar as moradoras do bairro, visando especialmente aquelas de origem estrangeira. Um subproduto dessa iniciativa foi a contratacão - pela prefeitura - de moradoras para servir de intérpretes junto à população magrebina e turca.
De acordo com V., socióloga congolesa responsável pelo projeto:
Nesse trabalho, já foram observados muitos problemas de comunicação: veja o caso de uma jovem africana, instruída e diplomada. Essa moça não fez a "declaração de gravidez", instrumento que lhe dá direito ao Pré Natal e a cinco meses de ajuda financeira, porque o pai da criança não havia assumido a paternidade e ela pensava que precisava de seu nome na declaração. No Congo, não existe a figura da criança sem pai, alguém sempre assume, um tio, por exemplo. Por isso a moça pensava que não teria nenhum direito.
Além disso, [continua] a lógica institucional é muito diferente, é dificil lidar com barreiras linguísticas, isso faz as pessoas abandonarem os mecanismos de inserção e muitos os desconhecem. Se muitas pessoas abusam do programa de renda mínima de inserção - RMI - outras nem sabem que têm direito ou têm vergonha de reivindicar, têm muito medo do desprezo.
Daí a importância do mediador para explicar as duas culturas, as pessoas chegam de zonas rurais, não sabem ler francês, desconhecem a lei, devem ser acompanhadas até ficarem autônomas. Por isso, a Mana conseguiu criar dois postos de intérpretes. Empregaram duas mulheres para acompanharem as pesssoas no bairro e fora. (Depoimento de V, socióloga congolesa)
O trabalho da Escola de Mulheres começou com observação e entrevistas não diretivas para saber como as moradoras cuidavam de seus bebês; buscavam manter o respeito às praticas e conhecimentos [savoir faire]; identificar o percurso migratório. Daí, começaram as "causeries" - sessões de conversa, bate-papo. Cada uma fazia um prato da sua nacionalidade, criou- se um espaço de diálogo. Dado esse primeiro passo, foi perguntado às mães que temas seriam de seu interesse para discussão. O tema escolhido dizia respeito a uma grande preocupação das moradoras: o que fazer quando as crianças deixarem de nos ouvir, de nos obedecer?
Para as técnicas do Mana, essa questão seria decorrente da própria situação de população migrante, desprovida do cenário conhecido para a socialização das novas gerações e desconhecedora das instituições francesas: Pensou-se, então, em discutir com a escola. (Afirmação de V.)
L, argelina, moradora de Les Aubiers, organizou a primeira reunião; o diretor da escola se interessou e enviou quatro representantes ao encontro; depois, ele mesmo pediu para participar. Depois que ele veio, a escola de mulheres deslanchou, elas perceberarm que a equipe da escola tinha se deslocado para falar com elas, houve uma discussão muito positiva e as mulheres se sentiram muito valorizadas. Isso vai ao encontro de nosso objetivo: valorizar seus conhecimentos, seu savoir-faire, trabalhar sua auto-estima, não é porque uma pessoa muda de continente que ela passa a não saber mais nada, a pessoa pode não ter capacidade de comunicação, mas tem de reflexão. Assim, prometeram que iam fazer uma visita à escola: estávamos em pleno dom, a situação de troca de Marcel Mauss. (Explicação de V.)
Nós, do Mana, temos como filosofia procurar nos adaptarmos à população, mas a maioria das associações não faz isso, a Associação X sempre reproduz as mesmas coisas, sem se perguntar se estão adaptadas ao bairro, por isso as pessoas não aderem a essas propostas. (Depoimento de M, dona de casa e intérprete da Associação Mana, moradora no conjunto Lauzan)
Outra moradora presente faz um tímido aparte: As necessidades não são consideradas: por exemplo, os cursos de alfabetização em francês são muito poucos para todo mundo que precisa.
A proposta da Escola de Mulheres vai ao encontro da discussão travada ainda nos anos 90 por Genestier9. Para esse autor, já na época era necessário refletir sobre as intervenções e políticas sociais, principalmente aquelas referidas ao meio urbano, às questões da cidade, que não respondiam aos problemas da "banlieue". Perguntava-se, mesmo, se estar-se-ia entrando em um processo de "guetização", se os grandes conjuntos teriam-se tornado um entrave ao urbanismo, entendido como espaço de inclusão.
Sobre as iniciativas de inserção, note-se que as inúmeras experiências de organização e mobilização social ou individual de combate à exclusão foram deflagradas pelos administradores que atribuem vagas de Habitação de Interesse Social ou por técnicos e trabalhadores sociais. Assim, na maioria das vezes, não corresponderiam aos interesses da própria população. Seria muito ingênuo, afirma o autor, acreditar que poderiam ter alguma eficácia: tanto a observação como a experiência mostram que as associações funcionam melhor quando se constituem como sistemas de reciprocidade, unindo atores dotados de uma forte capacidade social e cultural.
A esse respeito, é interessante destacar algumas frases obtidas nas entrevistas realizadas em Les Aubiers.
Os animadores do Centro Social não conhecem as pessoas, não saem do escritório, como vão fazer o social se não gostam das pessoas?. Eles não querem ver os jovens pelo bairro. O diretor do Centro não nos dá informações em tempo hábil para apresentar projetos e conseguir financiamentos. Eles dizem, reclamam que o bairro não se mexe, mas quando a gente quer fazer alguma coisa eles dizem não, já não querem outra festa, não existe nenhum projeto para pessoas entre 18 e 25 anos, por que não fazer alguma coisa com internet? (Depoimento de um jovem senegalês, morador em Les Aubiers.)
Genestier9 recomenda que se preste mais atenção às aspirações dos moradores, a seus modos de vida, organização familiar e coexistência entre gerações. Observando as "banlieues", o autor considera que muitos dos problemas parecem mais decorrentes de dificuldades para se apropriar do equipamento do que falta dos mesmos, mais falta de condições psicológicas para mobilidade do que afastamento das regiões centrais, menos problema de origem econômica do que isolamento social. Em termos objetivos, o problema estaria concentrado na falta de empregos para os jovens, assim como no desemprego de longa duração.
A participação nas reuniões do grupo MANA permitiu o acesso a jovens moradores assim como a outros trabalhadores sociais - como o diretor do Centro Social do bairro. Neste artigo serão apresentadas algumas experiências vividas no trabalho de campo e reflexões teóricas sobre os problemas relatados pelos atores locais.
OS JOVENS E A QUESTÃO RACIAL
Para Avenel6 os "quartiers sensibles" concentram os principais indicadores de dificuldade social na França, além de serem localizados, na maioria das vezes, em pontos distantes dos grandes aglomerados urbanos. De acordo com esse autor o problema de bairros como o estudado em Bordeaux seria produzido no cruzamento de fatores coletivos e individuais. Dado o impacto das mudanças tecnológicas e econômicas dos anos 70, as décadas posteriores passaram por problemas de desemprego de massa. A integração via mercado de trabalho, estratégia do pós-guerra tornou-se difícil para as novas gerações de origem estrangeira ou para os novos imigrantes.
"...a universalidade da cidadania francesa neutraliza as diferenças étnicas e assegura o princípio de não-discriminação... no entanto, as conclusões de numerosas pesquisas se unem para mostrar o problema da cor da pele como uma variável, senão autônoma, pelo menos determinante da participação social" (...) tanto o desemprego como a segregação pela discriminação racial compõem, de maneira importante, a problemática dos quartie/r sensibles" (p.30)6.
Costa-Lacoux10 mostra que a situação vivida pelos imigrantes nos "quartiers sensibles" pode ser explicada pelo desemprego, mas também pela discriminação racial que se efetua por meio dos direitos e das instituições republicanas, assim como pelo preconceito racial de parte da sociedade. A autora argumenta que a nacionalidade e os direitos de cidadania são de difícil acesso na legislação francesa, o que implica dificuldades para a integração do imigrante e seus filhos.
Sobre a cidadania francesa e a integração dos imigrantes, vale destacar o percurso acidentado e controvertido pelo qual a França tornou-se um dos países mais abertos em relação ao direito à nacionalidade, na Europa , de acordo com Well12, posição que contraria a defendida por Costa-Lacoux10.
Em 1983, após um longo e acirrado debate instaurou-se uma política mais aberta para concessão de vistos de permanência, política essa que garantia estabilidade para o imigrante legal. No entanto, além do problema dos imigrantes clandestinos, restava o problema da nacionalidade para os filhos de imigrantes. Esse foi o tema incorporado pelos setores racistas da sociedade francesa que, em 1986, elaboraram uma proposta de lei que visava a supressão do jus soli, existente no direito francês desde o Século XIX, e a instauração do jus sanguinis, que obrigaria todas as pessoas nascidas na França de pais estrangeiros a pedir a naturalização aos 18 anos.
Após 15 anos de debates e projetos de lei, com a volta da esquerda ao poder, em 1998, restabeleceram-se os mecanismos vigentes desde 1889, segundo os quais uma criança, filha de estrangeiros, nascida na França será francesa desde que resida, de maneira contínua ou não, alguns anos no país.
Segundo Weil11, a quase totalidade das crianças filhas de estrangeiros acabaram por adquirir, nos últimos anos, a nacionalidade francesa. Noventa por cento dos cônjuges que pedem naturalização conseguem-na facilmente; dos estrangeiros que pedem naturalização mais de 70% a conseguem. O autor lembra também que a França não se opõe à dupla nacionalidade, facilitando a naturalização.
Apesar desses dados quantitativos, ele considera também que a polêmica em torno da questão provocou um sentimento de rejeição, um "malaise", que se junta ao problema econômico de boa parte dos imigrantes. Lembra, também, que essa realidade
"...não pode esconder o fato de que, mais uma vez, diante da diversidade, parte da sociedade francesa quis romper o princípio da igualdade, uma tradição secular de direito de solo, que significava integração na nacionalidade, independentemente de sua origem. Esta recusa da diversidade, esta incapacidade de perceber a sensibilidade particular de futuros franceses marcados pela experiência colonialista da França republicana, certamente contribuíram para interromper um processo de identificação que estava em curso e para provocar uma rejeição fundada no sentimento de se sentir rejeitado de ser francês só no papel, de se ter sido admitido a contragosto" (p. 64 - 65).11
A democracia, democracia local, é um nome bonito. Mas racismo, pobreza, desemprego é o que existe: as pessoas querem que isso permaneça, não querem que nós cheguemos aos empregos que pertencem à sua classe. Eu precisva de um estágio gratuito para validar meu diploma, não consegui. Me vesti corretamente, não consegui. Não acredito mais em nada. Ficaram com um portugês que falava muito mal o francês, mas era branco.
Só aceitei falar com você porque você tinha recomendação. Não é uma verdadeira democracia, as indicações para qualquer coisa são de apadrinhamento, é uma guerra, a realidade é violenta, e nós sofremos muito preconceito, há uma "malaise" constante, uma má vontade, isso provoca o ódio. Meu avô lutou na Segunda Guerra, no batalhão dos senegaleses, todo ano tem uma festa, eu não vou, nessa hora só que eu sou francês? (Depoimento de A, jovem senegalês)
Esse depoimento lembra uma colocação de Costa-Lacoux10 que remete à questão escolar. Segundo a autora, os jovens explicam sua falta de sucesso escolar pela discriminação sofrida na escola. Esse discurso vai ao encontro, prossegue, de pesquisas e casos denunciados à justiça. Existiria, assim, uma desigualdade social pela qual a distância entre a lei e a experiência vivida é muito grande.
Nos anos 90, de acordo com Wieviorka12, um estudo da Comissão Nacional Consultiva dos Direitos do Homem mostrava que 70% dos franceses consideravam suas posições em relação ao preconceito racial como não muito racista, pouco racistas e racistas, ou seja, somente 30% da população francesa não se considerava racista. Em 1993 e 1994, 62% e 56% respectivamente confessavam ter tido princípios ou atitudes racistas excepcionalmente, de vez em quando e muitas vezes.
Wieviorka12 lembra que a persistência do racismo pode estar ligado à crise do mundo do trabalho, do mundo industrial. Entre o pós-guerra e meados dos anos 70 (séculoXX), época denominada "trinta gloriosos" - houve uma integração pelo trabalho; à medida que o imigrante é cada vez menos definido como força de trabalho, o racismo de inferiorização (desqualificação ou exclusão de um grupo por razões naturais) é substituído por um tipo de sentimento racista que vê o outro como fator de desintegração cultural.
Assim como os autores citados, os moradores de Les Aubiers estão conscientes desse problema:
Não amo Bordeaux porque são racistas, aceitam todas as "conneries" do Le Pen, ele veio ontem para Bordeaux, já vai "'emerder" tudo, tudo estava calmo... Veio por causa do referendum, não falou da Europa, só falou dos imigrantes. Quer fechar a França.
Uma estratégia importante para combater o desemprego ou a precariedade, entre a população migrante ou de origem estrangeira, consiste na potencialização das relações familiares. Villechaise-Dupont13 mostra como essas famílias articulam essa estratégia com os recursos assistenciais, alcançando níveis de renda mais elevados ou padrões de consumos mais altos que os franceses "pobres", que não contam com redes familiares. A autora mostra como esse fato pode criar problemas de relacionamento entre esses grupos étnicos.
De acordo com observações de pesquisa, Lapeyronnie1 diz que um tema recorrente na fala dos jovens entrevistados é o do sacrifício dos pais. Esse sentimento, em termos da construção de um projeto de vida, coloca questões complexas e seria uma explicação mais adequada para dificuldades ou recusas de inserção do que aspectos culturais. Isso porque os jovens sofrem uma pressão forte, ainda que não explicitada: "se eu não ascender socialmente, se eu não der certo, o sacrifício deles terá sido inútil".
Por outro lado, dar certo pode significar, também, a negação da vida dos pais, ou seja, a valorização e a manutenção da tradição e da cultura podem significar somente essa relação ambígua com o sacrifício dos pais e não uma determinação cultural.
Diante dessa ambigüidade de sentimentos e sensações de culpa, os jovens estariam duplamente pressionados: pelo mundo externo - normalmente hostil - e pelo sacrifício dos pais. Construiriam, então, um espaço próprio: o espaço do grupo primário, do bando, que permite não só a integração pessoal, mas também a fuga da culpa advinda do sentimento de não fazer jus ao sacrifício familiar.
"Nós temos relações amigáveis e associativas, nós nos conhecemos desde pequenos, temos dez membros fixos: três senegaleses, quatro franceses de origem européia, dois congolenses e um argelino. Nossa cultura é aquilo que vivemos no bairro. Antes de ser senegalês, francês, eu sou dos Aubiers, é a cultura do bairro que conta. Nós não podemos nos misturar com outros jovens, nós não entramos nos lugares que esses jovens frequentam: somos barrados, não adianta fazer queixa, dura quase quatro anos um processo desses, nada muda, não adianta". (G, jovem argelino)
No caso das jovens de sexo feminino, o suporte familiar é mais forte, elas são mais presas dentro de casa do que os rapazes. Esse suporte lhes permite um maior sucesso escolar que, em médio prazo, pode servir para sair do bairro ou do controle familiar.
Para Avenel6, o investimento na escolaridade não significa, necessariamente, uma ruptura com o bairro; muitos jovens com diplomas são empregados como animadores culturais, continuam em seus bairros como militantes ou atuam em outros locais semelhantes como trabalhadores sociais. Reconhece, porém, uma grande tendência para a procura da saída do bairro como coroamento do processo de integração social.
OS JOVENS E A VIOLÊNCIA
Vários são os documentos e registros que apontam para o aumento dos casos de delinqüência juvenil, desde os anos 60. Observando-se dados sobre Les Aubiers, não se pode deixar de concordar com o diagnóstico de Jacquemin2: ainda que superiores em relação aos outros bairros, as incivilidades, a delinqüência juvenil ou mesmo os indicadores de violência estariam sob controle, não se justificando o preconceito - tendendo ao estigma - de que sofreria o bairro.
Vale lembrar, ainda, que em novembro de 2005 ocorreram tumultos em várias cidades médias francesas, além daqueles registrados na "banlieue" parisiense. O mesmo, porém, não aconteceu em Bordeaux.
De acordo com Avenel6, para as "banlieues", como um todo, o essencial das infrações seriam casos de roubo, furto e, principalmente, incivilidades, mesmo que a probabilidade de ser vítima de atos violentos em bairros pobres seja três ou quatro vezes maior do que em outros locais. O autor define como incivilidade a negação de regras elementares da vida em sociedade, que implicam destruição de recursos públicos o que, por sua vez, aumenta a sensação de degradação e, em decorrência, do sentimento de insegurança.
Identifica, ainda, dois tipos de delinqüência: a expressiva, representada por tumultos e as brigas coletivas com a polícia, e a de apropriação, que visa bens materiais.
Apesar de não se ter conseguido depoimentos significativos sobre esse problema, em Les Aubiers, vale lembrar as considerações de Jacquemin2 sobre o bairro. De acordo com a autora existiria uma lei de silêncio , entre os moradores, para que não se fale de assuntos mais delicados. Assim, casos como o incêndio no posto de polícia, de brigas entre vizinhos, de roubos de carro, aparecem de maneira muito superficial e sempre acompanhados da afirmação: "Isso acontece em todos os lugares"...
Lembre-se, ainda, Lapeyronnie14, que faz algumas obervações sorre o comportamento de jovens de bairros populares de cidade próxima a Bordeaux. No relato dos jovens, evidencia-se a dificuldade em se sair do bairro, de se viver fora de um espaço conhecido, enfim, fala-se da dependência ao bairro que pode gerar comportamentos agressivos e mesmo violentos.
Trabalhar ou viver longe dos limites da "cité" onde se nasceu, na qual todos os rostos são conhecidos, parece ser impossível. Mesmo aqueles que conseguem um emprego e são obrigados a sair do bairro para mantê-lo, acabam desistindo e voltando para lá. Essa posição é encontrada também na fala dos profissionais da Associação Mana e na entrevista do Diretor do Centro Social do Lac, no que se refere aos jovens de Les Aubiers.
Essa proximidade constante e a ambigüidade de sentimentos por ela provocada podem inculcar entre os jovens um comportamento agressivo. Todos se desafiam violentamente o tempo todo. Esses desafios, o tráfico de droga sempre presente, um universo mais interpessoal e segmentado do que comunitário - ao longo do território não é difícil perceber categorias e hierarquias muito nítidas - podem explicar, junto com questões mais amplas, como a segregação e a desigualdade, o crescimento da violência nas "banlieues".
Para Lapeyronnie14, não se pode entender a violência como uma patologia, mas como uma forma de regulação maior do que a solidariedade. Entender a violência urbana em suas diferentes formas de expressão como fenômeno vinculado exclusivamente a questões econômicas ou como o resultado de frustrações causadas pela distância entre aspirações individuais e meios legítimos de aquisição, parece limitante. Muitas vezes os conflitos eclodem após uma arbitrariedade policial ou por questões raciais. Avenel6 acredita também que a desigualdade, mais do que a pobreza, explicaria a violência urbana, uma vez que a verificação empírica desses fenômenos mostra que os mesmos ocorrem em menor freqüência em regiões mais homogêneas.
O autor refere-se, também, à violência como resultado de uma crise do controle social, exposta no crescimento da frustração escolar, no confronto e na tensão constantes entre a escola e a cultura da rua.
Lembre-se, ainda, a interpretação de Lapeyronnie15 sobre a violência como forma de reação a um sentimento de injustiça e desprezo Esse autor discorre, também, sobre o papel da crise da masculinidade, da definição social do masculino no que se refere a ocorrência de comportamentos violentos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A grande crítica dos pesquisadores franceses em relação à política de inserção ou de integração, de luta contra a exclusão, foi, até recentemente, o fato de ela não ser automática, universal, depender de um contrato no qual o solicitante precisa provar suas condições precárias, elaborar um projeto, submeter-se à aprovação e supervisão de agentes públicos, etc. Além da dificuldade de expressão e de relacionamento institucionais que as pessoas necessitadas apresentam, esse tipo de prática costuma agir negativamente sobre as representações que as pessoas têm de si mesmas, sobre a auto-estima e identidade. Com a promulgção da Lei Borloo, de 1º de agosto de 2003, as críticas têm sido dirigidas contra o fato de que, a partir dessa data, a ênfase passa a ser a reconstrução, a reforma, o investimento na infra-estrutura urbana. Se já era considerado insuficiente o apoio às pessoas, com essa nova lei o investimento parece dirigir-se para os imóveis.
De acordo com Maurin16, com o desenvolvimento de um debate percebeu-se, também, que os mecanismos de segregação espacial atravessam toda a sociedade, não somente suas margens.As tentativas e estratégias de isolamento e separação começam pelos grupos mais privilegiados e conformam um quadro relativamente estável há 20 anos; as pessoas mais educadas, por sua vez, preferem os lugares que lhes garantam não só boas condições de moradia, mas também um ambiente social propício em termos de oportunidades para a manutenção do próprio status e garantia para as novas gerações.
Considera, também, que as políticas sociais deveriam ser mais voltadas para os indivíduos do que para o território, pois este só poderá ser transformado pelos primeiros e não o contrário. O autor enfatiza a necessidade de atenção e prioridade para crianças e adolescentes com menos recursos familiares, prioridade essa que não estaria sendo garantida nem pelos dispositivos da Politique de la Ville nem pelos que compõem as Zonas de Prioridade Escolar (Política Social Urbana integrada por programas de inclusão social em ZUS - zonas de urbanização sensível - e ZEP - zonas de educação prioritárias, desenvolvidas a partir dos conflitos deflagrados nos anos 80).
Para finalizar, lembre-se que Les Aubiers, um bairro e uma população estigmatizados, estão contemplados por uma ampla política social. Ainda que passível de crítica, não se pode ignorar a existência de esforços sistematicos de integração, nem a existência de políticas sociais. Se elas são inadequadas, trata-se de ampliar o espaço de discusão para sua reforma. Trata-se de saber qual a disposição das sociedades contemporâneas, como um todo, para lutar contra as inequidades e segregações.
REFERÊNCIAS
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16. Maurin E. Le guetto français, Paris, Editions Seul set La republique des idées, 2004.Recebido em: 16 de janeiro de 2008. [ Links ]
Recebido em: 16 de janeiro de 2008
Modificado em: 10 de março de 2009.
Aceito em: 02 de junho de 2009.