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Journal of Human Growth and Development
versão impressa ISSN 0104-1282
Rev. bras. crescimento desenvolv. hum. vol.21 no.1 São Paulo 2011
PESQUISA ORIGINAL ORIGINAL RESEARCH
Caracterização do desempenho de crianças com dislexia do desenvolvimento em tarefas de escrita
Characterization of performance of children with developmental dyslexia in writing tasks
Andréa Carla MachadoI; Simone Aparecida CapelliniII
IMestre e Doutoranda em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos - UFSCar; membro do Grupo de Pesquisa "Linguagem, Aprendizagem, Escolaridade" da Universidade Estadual Paulista - UNESP - campus Marília. Bolsista - FAPESP. Endereço: Rua Rui Barbosa, 416 - Centro - CEP: 15120-000 - Neves Paulista - SP. E-mail: decamachado@gmail.com
IIProfessora Livre-Docente em Linguagem Escrita do Departamento de Fonoaudiologia e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UNESP - Campus de Marília. Líder do Grupo de Pesquisa CNPq "Linguagem, Aprendizagem, Escolaridade"
RESUMO
INTRODUÇÃO: a dislexia do desenvolvimento é caracterizada pelo prejuízo em leitura e escrita de palavras simples, frequentemente envolvendo déficits na decodificação fonológica, soletração que acomete indivíduos sem deficiências sensoriais, isentos de comprometimento emocional significativo e com oportunidades educacionais adequadas.
OBJETIVO: caracterizar o desempenho em atividades relacionadas à escrita observadas em crianças com dislexia do desenvolvimento.
MÉTODO: participaram deste estudo seis crianças de ambos os sexos, do 3º ao 7º ano escolar, alunos de escolas públicas de uma cidade do interior do Estado de São Paulo, com idades de oito a treze anos. Os dados foram coletados no CEES - Centro de Estudos de Educação e Saúde da UNESP - Campus de Marília, SP em tarefas de escrita. Os resultados foram analisados de forma descritiva pela pontuação obtida em porcentagem de acertos.
RESULTADOS: as crianças com dislexia do desenvolvimento apresentaram alterações em relação às atividades: Escrita de palavras isoladas e Escrita de palavras ditadas, posicionando-se aquém do esperado para escolaridade, apresentando trocas fonológicas e ortográficas.
CONCLUSÃO: é importante que crianças com queixas escolares façam uma avaliação mais específica referente a essas tarefas.
Palavras-chave: dislexia; crianças; escrita.
ABSTRACT
INTRODUCTION: developmental dyslexia is characterized by impairment in reading and writing of simple words often involving deficits in phonological decoding and spelling. It affects individuals without sensory disabilities, free of significant emotional commitment and adequate educational opportunities.
OBJECTIVE: to characterize the performance in activities related to writing observed in children with developmental dyslexia.
METHOD: a total of six children (boys and girls) from 3rd to 7th grade from public schools in a city in the state of Sao Paulo, eight to thirteen years of age, participated in this study. Data were collected in CEES - Centro de Estudos de Educação e Saúde of UNESP - in Marília -SP in writing tasks. The results were analyzed descriptively by the score in percentage of correct answers.
RESULTS: children with developmental dyslexia presented alterations in relation to the activities: writing of isolated words and writing of dictated words were below expectations for the education level, presenting phonological and orthographic changes.
CONCLUSION: it is important that children with school problems make a more specific evaluation concerning these tasks.
Key words: dyslexia; children; writing.
INTRODUÇÃO
AA dislexia do desenvolvimento é caracterizada pelo prejuízo em leitura de palavras simples freqüentemente envolvendo déficits na decodificação fonológica, soletração que acomete indivíduos sem deficiências sensoriais, isentos de comprometimento emocional significativo e com oportunidades educacionais adequadas1.
Os componentes da rede funcional envolvidos no processamento fonológico e atribuídos ao giro inferior frontal direito e esquerdo e cerebelo foram comparados em bons leitores e disléxicos. Para os leitores disléxicos, as conexões funcionais entre o giro frontal inferior esquerdo com as regiões direitas do frontal, occipital e cerebelar estavam interrompidas, estando relacionadas à falha de decodificação de palavras2.
A dislexia é uma herança familial, portanto hereditária e de causa neurobiológica. Uma história da família é um dos mais importantes fatores na identificação da dislexia, pois entre 23 e 65% das crianças com pais disléxicos apresentaram dificuldades em leitura, evidenciando que a identificação pode ser realizada precocemente Os genes ligados à dislexia estão localizados nos cromossomos 2, 3, 6, 15 e 18, indicando uma herança poligênica, deixando ainda incertas as diferentes manifestações cognitivas pelo fenótipo ou os subtipos de dislexia3,4.
Além do prejuízo no processamento fonológico também estão comprometidos elementos subjacentes a leitura e escrita, como por exemplo, atenção, habilidade narrativa, velocidade de leitura em razão da dificuldade em lidar com símbolos gráficos, capacidade de desenvolver temática textual e coerência o que influenciam na contagem, recontagem e compreensão de histórias, bem como estratégias inadequadas de interação com o texto e inferências5.
As falhas na escrita das crianças disléxicas compreendem, na maioria, estruturas lingüísticas similares àquelas encontradas em crianças de desenvolvimento típico: no entanto, mostram-se persistentes, aparecendo com mais freqüência e prevalência6.
No entanto, os reflexos das dificuldades ortográficas7 vividas pelas crianças disléxicas costumam ser mais extensos do que na leitura, já que, além da exigência cognitiva imposta pela própria escrita, o português é menos transparente para escrita do que para a leitura8.
Provavelmente9, o processo de conversão fonológico-ortográfica, isoladamente, seja insuficiente para a obtenção da correta ortografa de palavras. Assim, os erros podem indicar a presença de déficits no processamento ortográfico, pois certamente, as características psicolingüísticas (como freqüência, regularidade, por exemplo) das palavras interferem no aprendizado e desempenho ortográficos. Sabe-se, também que a escrita de transparência ortográfica pode ser caracterizada pela correspondência direta entre o fonema e o grafema, independentemente das regras de contexto.
Portanto, a análise da escrita pode fornecer importantes informações sobre a real capacidade da criança em associar a letra ao som correspondente. Estas informações, analisadas separadamente daquelas que se referem ao uso de outras regras ortográficas, podem ser úteis para a compreensão do aprendizado da leitura e da escrita.
Com base no exposto, este estudo teve por objetivo caracterizar o desempenho de crianças com dislexia do desenvolvimento em tarefas de escrita.
MÉTODO
Este estudo foi realizado após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade Filosofia e Ciências da UNESP - campus de Marília -SP, sob o protocolo nº 1589/2008.
Participaram deste estudo seis escolares com diagnóstico de dislexia do desenvolvimento com idade de 8 a 13 anos e ambos os sexos, cursando a 3º a 7º ano de escolas públicas municipal de uma cidade de médio porte situada no interior do Estado de São Paulo. Os dados foram coletados no CEES - Centro de Estudos de Educação e Saúde da UNESP - campus de Marília- SP, onde os participantes foram diagnosticados por uma equipe interdisciplinar. As tarefas de escrita Foram: Conceito de escrita, Escrita livre de palavras, Escrita ditadas de palavras.
A coleta de dados teve início após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelos responsáveis das crianças. Os resultados foram analisados de forma descritiva pela pontuação obtida em porcentagem de acertos em cada tarefa. Ressalta-se que, para a análise da porcentagem das tarefas de escrita representadas nos gráficos da figura 1 foi adotada um escala de conceitos, os quais estão descritos a seguir.
80-100 = muito satisfatório;
60-80 = satisfatório;
40-60 = conceito razoável;
20-40 = insatisfatório
0-20 = muito insatisfatório
Os requisitos para os Critérios de inclusão foram: Crianças com acuidade visual e auditiva e desempenho cognitivo dentro dos padrões da normalidade - descritos em prontuários do CEES; crianças com risco para dislexia do desenvolvimento comprovada pela avaliação do CEES; Nunca terem participado de programas de intervenção fonoaudiológica, pedagógica ou neuropsicológica.
Os requisitos para os Critérios de exclusão foram: Crianças que apresentaram acuidade visual e auditiva e desempenho cognitivo abaixo dos padrões da normalidade - descrição em prontuários; síndromes genéticas ou outras síndromes; Deficiência auditiva; Deficiência visual; Deficiência Mental.
Procedimento realizado com tarefas relacionadas à escrita
Na tarefa de conceitos de escrita, foi solicitado a criança identificar dezesseis conceitos (a frente do livro, onde ler, onde começa a ler, para que direção seguir, o significado dos sinais de pontuação, entre outros). Na tarefa de escrita livre de palavras, era solicitado para a criança escrever o maior número de palavras que conhecesse em uma folha em branco durante o tempo de cinco minutos. Na tarefa de escrita das palavras ditadas, era solicitada a criança que escrevesse quatro palavras (uma monossílaba, uma dissílaba, uma trissílaba e uma polissílaba), escolhidas de uma lista de palavras e duas frases simples.
RESULTADOS
A figura 1 apresenta as porcentagens de acertos das crianças disléxicas nas tarefas de escrita.
Observa-se que na tarefa Conceito de escrita as crianças apresentaram um conhecimento prévio sobre essa tarefa. Pois, as escolares com dislexia DL1, DL2, DL3 apresentaram 85% de acerto na tarefa de Conceito de escrita indicando um domínio muito satisfatório.
No entanto, as crianças disléxicas DL5 e DL6 apresentaram um domínio muito satisfatório na tarefa Conceito de escrita com porcentagem de acerto de 93%, no qual a criança DL4 também obteve um domínio satisfatório
Na tarefa Escrita de palavras isoladas verifica-se que há uma porcentagem razoável de acertos em todas as crianças avaliadas. É importante ressaltar que tal resultado pode estar relacionado com a evidência no déficit na memória de trabalho e na atenção dessas crianças.
Observa-se que 50% das crianças avaliadas na tarefa Escrita de palavras isoladas obtiveram porcentagens de acertos diferenciadas. A criança DL1 teve um domínio insatisfatório. A criança DL2 obteve 56% tendo um domínio razoável da tarefa. Já a criança DL3 apresentou na mesma tarefa de Escrita livre de palavras um domínio 65% indicando um domínio razoável da tarefa.
Em relação ainda a tarefa Escrita de palavras isoladas as crianças com dislexia que DL5 e DL6 obtiveram acertos de 87% e 72%, respectivamente, um domínio muito satisfatório e satisfatório em relação à tarefa. O aluno DL4 obteve uma porcentagem acima de 90% indicando domínio muito satisfatório em relação à tarefa.
Na tarefa escrita de palavras ditadas as crianças DL2 e DL3 obtiveram acerto de 50 e 60% indicando um domínio razoável diante da tarefa. No entanto, observamos que a criança DL1 na tarefa de Escrita palavras ditadas apresentou um acerto de 90% indicando um domínio muito satisfatório para essa tarefa.
As crianças DL3, DL4 e DL5 apresentaram acerto de 90% indicando um domínio muito satisfatório da tarefa Escrita de palavras ditada.
Observamos também que as crianças com dislexia do desenvolvimento apresentaram alterações em relação às atividades: Escrita de palavras isoladas e Escrita de palavras ditadas posicionando-se aquém do esperado para escolaridade, apresentando trocas fonológicas e ortográficas.
DISCUSSÃO
Nas tarefas de escrita Conceito de escrita, Escrita de palavras isoladas e Escrita ditada, as crianças avaliadas apresentaram resultados diversos dentro da mesma condição.
Esses achados do estudo apontam para diferenças individuais compensatória das crianças com dislexia, pois é sabido que na ausência dos tipos de códigos fonológicos - seu déficit, outras estratégias de compensação são desenvolvidas.10,11
Outro ponto importante que merece ser destacado nos achados das tarefas escritas é em relação a uma visão qualitativa sobre esses resultados. Em uma maioria, as crianças disléxicas obtiveram uma média no domínio satisfatório perante as tarefas, ou seja, considerando os critérios na análise não apresentaram dificuldades ponderando os déficits encontrados nesse distúrbio.
Esses resultados vão ao encontro dos estudos que indicam os fatores interlingüísticos12 como responsáveis pelas diferenças encontradas em pesquisas realizadas em algumas línguas - diferenças na regularidade ou transparência da sua ortografia. Até certo ponto, as abordagens didáticas refletem a natureza da tarefa a ser aprendida, e existem evidências crescentes de que as demandas da aprendizagem da leitura e escrita diferem entre os idiomas, português (considerado um idioma transparente) e inglês (idioma opaco), por exemplo. No entanto, hoje se sabe que existem diferenças na facilidade com a qual as crianças adquirem as habilidades de aptidão entre os idiomas. Assim, leitores disléxicos que falam o português (um idioma transparente) obtêm sucesso no uso de algumas habilidades alfabéticas com palavras regulares, como encontradas nesse estudo, por exemplo.
Os estudos nessa vertente nos lembram que, embora o principal sinal da dislexia seja, freqüentemente, um problema de leitura, o déficit na escrita é mais adequadamente considerado uma das várias manifestações comportamentais possíveis de que um déficit cognitivo subjacente. Obviamente, uma importante fonte de variação nestas manifestações comportamentais é a natureza da ortografia que a criança disléxica está aprendendo. 8,9,13
No entanto, também observamos nos resultados do presente estudo discrepâncias no acerto das tarefas escritas. Nessa perspectiva, deve-se considerar que a apropriação do sistema de escrita é um processo evolutivo no qual o aprendiz vai elaborando hipóteses ou idéias a respeito do que é a escrita, as quais revelam diferentes graus de conhecimentos que estão sendo constituídos. Isto significa que não se aprende a escrever de imediato e que "erros" estão implícitos em tal processo 6.
De acordo com a literatura13 crianças com dislexia apresentam problemas no processamento da memória de trabalho, ou seja, um conjunto de habilidades cognitivas que permite que informações novas e antigas sejam manipuladas com o objetivo de realizar determinada tarefa.
Dessa forma, as crianças com dislexia do desenvolvimento apresentam dificuldades freqüentemente no controle da atenção cujo componente pode ser evidenciado nos resultados da presente pesquisa.
CONCLUSÃO
A proposta do estudo foi caracterizar o desempenho de crianças com dislexia do desenvolvimento em tarefas de escrita. Foram encontradas alterações fonológicas e ortográficas, nas tarefas de escrita de palavras isoladas e escrita de palavras ditadas.
A partir dos aspectos apontados, podemos considerar que os resultados deste estudo têm implicações práticas para prevenção, principalmente, focando o as tarefas de escrita como atividades importantes para auxiliar na preparação de intervenções que visem diminuir o fracasso de crianças que apresentarem dislexia do desenvolvimento. Pois, a literatura sugere que a experiência escolar das crianças com dislexia do desenvolvimento, quando enriquecidas com atividades propícias ao desenvolvimento de estratégias podem possibilitar uma aprimoramento substancial no desenvolvimento dessas habilidades. Dessa forma, é importante que crianças com queixas escolares façam uma avaliação mais específica referentes às essas tarefas.
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Correspondência para:
Andréa Carla Machado
Endereço: Rua Rui Barbosa, 416 - Centro
CEP: 15120-000 - Neves Paulista - SP
E-mail: decamachado@gmail.com
Recebido em: 10/ago./10
Modificado em: 09/dez./10
Aceito em: 28/dez./10
Pesquisa realizada no Centro de Estudos de Educação e Saúde - CEES/FFC/UNESP - campus- Marília - SP.