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Aletheia
versão impressa ISSN 1413-0394
Aletheia n.22 Canoas dez. 2005
ARTIGOS DE PESQUISA
Da adivinhação à dedução: os processos inferenciais em psicoterapia cognitivo-comportamental
From guessing to deduction: the inferential processes in cognitive behavioral psychotherapy
Ricardo Wainer1, I ; Jorge Castellá Sarriera2, I ; Neri Maurício Piccoloto3, II, III ; Luciane Benvegnu Piccoloto4 ; Giovanni Kuckartz Pergher5 ; Márcio Englert Barbosa6, I; Vinícius Guimarães Dornelles7, I
I Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - Faculdade de Psicologia
II Universidade Luterana do Brasil - Curso de Psicologia. Torres – RS
III Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Curso de Pós-Graduação em Psicoterapia Cognitiva
RESUMO
Este artigo apresenta os principais resultados de uma pesquisa que objetivou verificar a validade e viabilidade de aplicar modelos lógico-pragmáticos da Lingüística Cognitiva ao entendimento dos processos inferenciais nos diálogos de díades paciente-psicoterapeuta em Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC). Também objetivou investigar a existência de padrões inferenciais e comunicacionais de indivíduos com depressão. O método utilizado consistiu na aplicação do cálculo do Modelo Ampliado das Implicaturas a 6 blocos de 5 sessões psicoterápicas sucessivas de 6 díades terapêuticas distintas. Todos os pacientes apresentavam diagnósticos de Transtorno Depressivo Maior, confirmados pelos critérios da Breve Entrevista Internacional de Neuropsiquiatria Modificada. Fizeram-se análises estatísticas e análises qualitativas (análise de situação) dos dados. Os principais resultados indicaram a viabilidade e significância da utilização das teorias pragmáticas para o entendimento dos conteúdos implícitos na comunicação e que só podem ser acessados pela inferência das implicaturas conversacionais e convencionais. Também foram verificados padrões característicos da comunicação em amostra depressiva que se constituem, prioritariamente, no uso significativo de implicaturas conversacionais particularizadas pela quebra da máxima da quantidade por falta de informação.
Palavras-chave: Terapia Cognitivo-Comportamental, Processos inferenciais, Pragmática cognitva.
ABSTRACT
This article presents the main results from an investigation that was aimed at verifying the validity and feasibility of applying Cognitive Linguistics’ logical-pragmatic models to understand the inferential processes in the pacient-psycotherapist dialogues in Cognitive-Behavioral Psychotherapy (CBP). Furthermore, the present research investigated the existence of inferential and communicational patterns in depressive individuals. The method employed consisted in the application of Grice’s Amplified Implicature Model to six blocks of five consecutive psychotherapy sessions of 6 different therapeutic pairs. All the patients showed clinical pictures of Major Depression Disorder. Statistical and qualitative (analysis of the situation) analyses of the data were done. The main results indicated the viability and the significance of the employment of the pragmatic theories to understand the implicit contents in communication which may only be accessed by the inference of the conversational implicatures. The characteristic patterns of depressive communication were also verified which were primarily established in the frequent use of conversational implicatures characterized by the lack of information despite its quantity.
Keywords: Cognitive-Behavioral Psychotherapy, Inferencial process, Cognitive pragmatics.
Introdução
Acessar o universo psicológico do outro é a tarefa privilegiada e de singular responsabilidade e complexidade dos profissionais da área saúde mental. Há anos os teóricos discutem como obter métodos e técnicas para empreender tal desafio de modo sistemático, claro e eficaz, não permitindo a redução da psicoterapia a uma mera adivinhação. Na grande maioria dos estudos, o caminho para determinar tais instrumentos clínicos é a pesquisa quanto à eficiência de práticas clínicas para os mais diferenciados transtornos psíquicos (APA, 1998). Estes estudos fornecem os valiosos algoritmos de tratamento. Entretanto, a proposta apresentada, neste artigo, foca-se numa outra possibilidade para alcançar um procedimento objetivo de interpretação dos discursos psicoterápicos. Este procedimento é a elaboração de uma metodologia objetiva para explicar e predizer os processos inferenciais que ocorrem no conjunto cérebro-mente das díades terapêuticas (paciente e terapeuta) durante os processos de Terapia (Psicoterapia) Cognitivo-Comportamental (TCC).
Desde seu surgimento, a Psicologia Clínica tem evoluído, indo de meras sofisticações da técnica até mudanças radicais concernentes a inserção de novos paradigmas explicativos das psicopatologias no cenário clínico. Dentre estes avanços nas últimas décadas, as Psicoterapias Cognitivo-Comportamentais (TCCs) ocupam lugar de destaque. Isto em decorrência de diversos fatores, dentre os quais se podem destacar a eficácia comprovada de suas técnicas no tratamento de diversas psicopatologias bem como a retomada do psiquismo humano em toda sua complexidade como objeto de estudo, e entendido como responsável pelo comportamento humano normal e patológico (Spangler, Simons, Monroe & Thase, 1997).
Nas TCCs, o terapeuta busca identificar as estruturas de conhecimento do paciente, sobretudo as estruturas organizadoras como os esquemas mentais, os conceitos, as crenças e as regras, assim como corolários destes, como os pensamentos automáticos (Willner, 1984 e Wainer, Madeira & Piccoloto, 1999).
Embora não tenha sido uma tendência no seu surgimento, a busca de bases de compatibilidade dos achados clínicos com achados de pesquisas experimentais, inclusive no âmago de outras disciplinas como a Ciência Neural Cognitiva, Psicologia Experimental Cognitiva e/ou a Lingüística Cognitiva, tem estado, na atualidade, como um dos mais profícuos caminhos de desenvolvimento desta modalidade de psicoterapia (Van Gelder, 1998), ao gerar técnicas e procedimentos de intervenção mais robustos e eficientes. Tal tendência explicita-se na construção multidisciplinar de Modelos Psicopatológicos, bem como na avaliação da eficácia da aplicação das técnicas decorrentes destas modelizações (Dodge, 1993; Coryell, Endicott, Winokur & Akiskal, 1995; Marcus, 1998; Lichtenberg, 1999).
Nesta pesquisa, a metodologia teórica e procedural para a compreensão dos processos inferenciais inerentes ao processo psicoterápico foi trabalhada através da verificação da viabilidade de uma análise lógica não-trivial dos diálogos psicoterapêuticos, através de algumas teorias do campo da Pragmática. Entre elas, a Teoria das Implicaturas de Grice (1975, 1978, 1981), o Modelo Ampliado da Teoria das Implicaturas (Costa, 1984) e a Teoria da Relevância de Sperber e Wilson (1986 e 1995).
Tais modelos indicam que, no processo de compreensão da linguagem, utilizam-se todos os tipos de raciocínio (dedutivo, indutivo e abdutiv0o), de modos diferenciados. Salienta-se que, de modo geral, o raciocínio dedutivo tem certa prevalência sobre os demais.
A questão investigada por esta pesquisa foi como, com universos de esquemas mentais (com todas as suas crenças e regras) distintos, a dupla terapêutica consegue eficazmente se comunicar. Buscaram-se, pois, as relações entre a semântica do que é explicitamente dito e a pragmática do que é comunicado explicita e/ou implicitamente. A possibilidade de determinar uma sistemática de obtenção das intenções comunicativas (que vão muito além do que é dito) se deu pela utilização do conceito de Implicaturas Conversacionais, desenvolvido por Grice (1975) e revisados por Costa (1984) e Sperber e Wilson (1986, 1995).
A introdução da teoria cognitivista no universo da Psicologia Clínica representou uma importante evolução sobre os paradigmas psicanalítico e comportamental, na medida em que ultrapassou os reducionismos via inconsciente positivo e via influência do ambiente, respectivamente, na explicação da gênese e do desenvolvimento das psicopatologias. Isto ocorreu porque as TCCs investigam os processos cognitivos psicopatológicos que gerenciam o comportamento. Portanto, seu objetivo é a mudança comportamental, mas, prioritariamente, a reestruturação cognitiva dos processos representacionais que estão subjacentes a estes comportamentos.
Neste intuito, elas fazem uso de inúmeras estratégias terapêuticas com técnicas específicas, tanto comportamentais quanto cognitivas. Quanto às técnicas cognitivas, estas têm avançado consideravelmente e um dos aspectos mais almejados é procurar compreender como há a mudança terapêutica na relação dialógica que ocorre entre paciente e terapeuta.
É justamente neste ponto que esta pesquisa teve sua justificativa principal, ou seja, na tentativa de entendimento dos processos inferenciais utilizados por paciente e terapeuta na relação psicoterápica e que permite que haja uma comunicação eficaz, no sentido de cada um deles conseguir captar a intenção comunicativa do outro, sem, necessariamente, ambos terem o mesmo nível de conhecimento e mesmo sem utilizar-se de um teoria específica que forneça uma explicação a priorística dos fenômenos. O entendimento dos conteúdos implícitos comunicados em diálogos psicoterápicos se deu através da aplicação do Modelo Ampliado da Teoria das Implicaturas (Costa, 1984), que representa uma sofisticação sobre a Teoria das Implicaturas de Grice (1975) ao incorporar o Princípio da Relevância advindo da Teoria da Relevância de Sperber e Wilson (1986, 1995).
A proposta também se justifica por mostrar a necessidade de Teorias Pragmáticas da Comunicação para a abordagem da comunicação psicoterapêutica, bem como do papel crucial do raciocínio não-trivial e não-demonstrativo nos diálogos psicoterápicos. São processos inferenciais não-demonstrativos, por não poderem ser demonstrados através de passos lógicos e, não-triviais, pois não produzem inferências mecânicas (como nas regras Aristotélicas), sem acréscimo de informações novas.
Por fim, o presente trabalho se justifica pela sua proposta de gerar um maior grau de formalismo lógico-pragmático no campo das TCCs, tornando a prática psicoterápica mais científica e objetiva, minimizando seu caráter adivinhatório. De um lado, pela especificação de procedimentos lógicos advindo das teorias da Pragmática utilizadas para a análise dos discursos psicoterápicos e, de outro lado, pela geração de novos axiomas sobre as características discursivas verificadas em indivíduos com Transtorno Depressivo Maior, amplificando, assim, o modelo axiomatizado da depressão desenvolvido por Wainer (1997).
No presente artigo, é proposto um procedimento para o de acessamento objetivo ao mundo das crenças de pacientes e de terapeutas. Propõe-se que, a partir do estudo da semântica dos enunciados (do que é explicitamente dito) da díade terapêutica, pode-se chegar a um elevado nível de precisão quanto à pragmática do que os indivíduos desejam realmente comunicar e que o fazem através do que é chamado, em Pragmática, de implicaturas.
Grice (1975) diferencia o que é dito do que é implicado, chamando de “implicaturas” o conteúdo que é implicado (implicitamente transmitido) pelos falantes, de forma não-demonstrativa, a partir do que é explicitamente dito (Siqueira, 1999).
A noção de implicatura conversacional é uma das idéias mais importantes na área da pragmática, colocando-se como um exemplo paradigmático da natureza e do poder das explanações pragmáticas dos fenômenos lingüísticos. Tal conceito é fundamental para o entendimento de como falantes e ouvintes se comunicam em situações em que aquilo que o falante quer comunicar difere do significado literal da sentença (Siqueira, 1999). De fato, as perguntas a respeito de como nossas falas podem transmitir mais do que aquilo que dizemos explicitamente e como nosso ouvinte entende o que estamos dizendo, mesmo quando seu significado não está estritamente no que foi dito, foram respondidas pela noção de implicatura. Assim sendo, as implicaturas tem a propriedade de comunicar mais do que aquilo que vem explicitamente dito no enunciado.
Fazendo-se uso dos cálculos propostos pelo Modelo Ampliado da Teoria das Implicaturas (Modelo Clássico), de Costa (1984) e pelas considerações advindas da Teoria da Relevância, de Sperber e Wilson (1986, 1995), determinou-se os processos inferenciais associados à comunicação verbal entre pacientes depressivos e seus terapeutas cognitivo-comportamentais.
Costa (1984) estudou, em detalhes, as considerações críticas feitas por outros grandes nomes da Lingüística à teoria de Grice. Entre os principais críticos pode-se citar, Levinson (1983), Gazdar (1979), Sadock (1978), Karttunen e Peters (1975) e Sperber e Wilson (1981). A partir dos aspectos pontuados como críticos na Teoria das implicaturas, Costa desenvolveu uma ampliação do modelo clássico de Grice.
Costa propõe, em 1984 (pode-se dizer concomitantemente ao surgimento de Relevance, em sua primeira edição, em 1985, de Sperber & Wilson), a reformulação do modelo de Grice. Segundo Freitas (2000), o modelo de Costa (1984) tem como pontos principais a reformulação das máximas de quantidade e de qualidade, a redução da noção de pressuposição à de implicatura e a elevação da máxima de relevância à condição de supermáxima, ligada diretamente ao princípio de cooperação. A categoria de relação é mantida com a máxima “seja adequado” substituindo “seja relevante”, que passa a supermáxima geral como “seja o mais relevante possível” (p. 38).
Assim sendo, para Costa (1984), “a relevância é a propriedade pragmática por excelência” (p. 129).
Uma das contribuições deste modelo é a robustez teórica associada a uma metodologia descritiva bastante poderosa, o que favorece a geração de uma tensão ideal entre explicação e descrição, aspecto tão valorizado pela epistemologia contemporânea, nos moldes propostos por Karl Popper (1959,1975). Esta tensão é obtida na medida em que se faz necessária a explicitação dos contextos (muitas vezes gerados implicitamente pelas implicaturas) que permitem as interpretações dos ditos.
O Modelo Ampliado pode, então, ser sintetizado, conforme Costa (1984, p.132-133), como aparece no Quadro 1:
Pela utilização deste modelo da pragmática lingüística, crê-se que o processo de comunicação, dentro da psicoterapia, atingiria um nível de explicação e descrição muito mais elevado, fazendo com que o processo de interpretação dos enunciados seja mais fundamentado e passível de comprovação lógica. Passar-se-ia de uma postura prioritariamente abdutiva de entendimento dos ditos, tanto dos pacientes quanto dos terapeutas, para uma postura mais dedutivista e, portanto, muito mais compatível com o próprio funcionamento inferencial da mente humana.
Método
Este artigo tem um caráter fundamentalmente interdisciplinar, por apresentar um estudo em Ciências de Interface. Embora se creia valioso tal empreendimento, este não é atingido com baixo custo. Isto porque um dos aspectos cruciais para este tipo de pesquisa é que a metodologia utilizada pelo cientista seja, no mínimo, compatível com os pressupostos epistemológicos, teóricos e também metodológicos de cada uma das áreas do saber que buscam sua coalizão. Assim sendo, a metodologia adotada teve de interseccionar metodologias qualitativas e quantitativas, típicas das áreas da Lingüística e da Psicologia Experimental Cognitiva (e das Psicoterapias Cognitivo-Comportamentais), respectivamente.
Abordagens metodológicas
Para o alcance dos objetivos e metas propostos, foram utilizadas três abordagens metodológicas principais, quais sejam, aplicação de Modelo Lógico-Pragmático à comunicação psicoterapêutica, estudo de caso e pesquisa comparativa. Cada uma é descrita em maiores detalhes a seguir.
Aplicação de Modelo Lógico-Pragmático à comunicação psicoterapêutica
O cálculo das implicaturas proposto no Modelo Ampliado de Costa (1984), que possui um caráter fundamentalmente qualitativo, apresenta a seguinte estrutura descritiva simbólica:
(A) = componente da dupla dialógica
B) = componente da dupla dialógica
(C) = o contexto, que se configura no conjunto de proposições (crenças) potenciais conhecidas por (A) e por (B) ou que, pelo menos, podem ser aceitas de maneira não-controvertida.
(E) = Enunciado (explicitamente dito)
(I) = Implicaturas (inferências pragmáticas)
Num exemplo:
(EA) João está com uma depressão severa?
(EB) Ele foi internado numa clínica, mas não teve ideação suicida.
As implicaturas geradas foram as segintes:
(I1) O estado de João é sério, pois que teve que ser internado numa clínica. (Implicatura Conversacional particularizada por quebra da máxima de adequação)
(I2) Em casos de Depressão severa geralmente há ideação suicida. (implicatura Convencional, pelo uso do conetivo “mas”)
Os contextos que serviram como base para geração das implicaturas foram
(C1) Ambos estão falando de João, que é conhecido de ambos.
(C2) Depressão é um transtorno mental.
(C3) Depressão pode ter níveis de gravidade.
(C4) Pessoas com transtornos mentais graves podem vir a ser internadas em clínicas.
O Cálculo que permite chegar a estas implicaturas é:
(1) A perguntou a B pelo enunciado EA
(2) B respondeu a A pelo enunciado EB
(3) B não respondeu adequada e objetivamente a pergunta de A
(4) B ainda assim, deve estar cooperando
(5) B provavelmente infere que A saiba C1, C2, C3 e C4
(6) B estará sendo relevante dizendo EB se pretender que A pense I1 e I2
(7) B disse EB e implicou I1 e I2
Foi com base neste Modelo que parte significativado Método desta pesquisa foi organizada. Embora caracterize-se essencialmente como uma metodologia qualitativa, esta poderia ser considerada híbrida, também possui componentes quantitativos. Quanto aos componentes qualitativos, estes dizem respeito à interpretação das implicaturas por parte de quem gera os cálculos lógicos a partir dos enunciados das entrevistas. Mesmo respeitando uma organização lógica prevista pelo cálculo, como este é não-trivial, não tendo uma demonstração padronizada, pode haver algumas diferenças nas interpretações das implicaturas geradas. Entretanto, como é um cálculo lógico, a coerência geral dos significados dos ditos (enunciados) da díade paciente-terapeuta acaba por se manter a mesma, na medida em que a seqüência de enunciados faz com que o implícito das falas acabe aparecendo.
Os elementos quantitativos, por sua vez, referem-se a possibilidade de enquadramento das proposições em tipos de implicaturas. Em outras palavras, cada enunciado pode ser categorizado de acordo com o tipo de implicatura gerado, permitindo, assim, uma quantificação objetiva, cujos dados são passíveis de análises estatísticas.
Esta metodologia, que permeia todas as demais utilizadas neste trabalho, foi essencial para que se pudesse atingir todos os objetivos propostos. É, portanto, complementar aos outros dois procedimentos metodológicos utilizados, vistos a seguir.
Estudo de caso
Mais especificamente, uma Análise de Situação (Yin, 1994/2001). Diz respeito a análise de um dos 6 casos de psicoterapia com pacientes com Transtorno Depressivo Maior. Cada um dos casos consistia em 5 entrevistas sucessivas com o paciente, da segunda à sexta sessão. O caso escolhido diferenciou-se dos outros 5 casos, pois se realizou todo o cálculo, na forma lógica proposta por Costa (1984). A escolha deste bloco, em detrimento dos outros, se deu por ser do psicoterapeuta mais treinado entre todos os componentes do grupo normativo e pela riqueza de técnicas típicas das TCCs para casos de Depressão Maior, utilizadas por este profissional. Salienta-se, entretanto, que seria perfeitamente possível respeitar um critério probabilístico de aleatoriedade na seleção deste bloco ilustrativo, o que ficou evidente pelas análises estatísticas e qualitativas feitas nos materiais. Já nos demais 5 casos, fez-se somente a determinação do tipo de implicatura gerada, assim como uma interpretação mais livre, embora baseada nas 3 teorias pragmáticas já apresentadas. O caso escolhido, para o cálculo completo, proporcionou a apresentação de uma situação ilustrativa da aplicação dos cálculos lógicos, propostos pelas teorias de Grice (1975), de Costa (1984) e de Sperber e Wilson (1986 e 1995) aos discursos psicoterapêuticos em TCC.
Pesquisa comparativa
Lançou-se mão desta abordagem metodológica no intuito de comparar os grupos normativo (psicoterapeutas) e comparativo (depressivos) quanto aos tipos de processos inferenciais associados à comunicação psicoterápica e obtidos a partir da aplicação dos Modelos Lógico-Pragmáticos propostos pelas teorias já mencionadas. Fizeram-se análises comparativas, tanto estatísticas (quantitativas), quanto qualitativas.
As análises estatísticas buscaram investigar possíveis diferenças com relação a quantidade de implicaturas geradas, ao passo que as análises qualitativas foram lançadas no intuito de compreender os motivos pelos quais as implicaturas foram produzidas.
Participantes
A pesquisa foi realizada com participantes adultos, de ambos os sexos, com idades entre 19 e 45, e nível de escolaridade entre nível médio incompleto e nível superior completo. A amostra foi distribuída em duas categorias: o grupo normativo e o grupo de comparação.
O grupo normativo foi composto por 5 psicoterapeutas cognitivo-comportamentais com prática clínica de, no mínimo, dois anos e de uma estagiária de psicologia clínica que estava no nono semestre do curso de Psicologia de uma universidade particular do Rio Grande do Sul, e que tinha pelo menos seis meses de prática supervisionada em atendimentos psicoterápicos individuais dentro da abordagem cognitivo-comportamental.
O grupo de comparação foi constituído por 6 pacientes adultos em início de atendimento psicoterápico de orientação cognitivo-comportamental, que apresentavam diagnósticos de Transtorno Depressivo Maior, obtido tanto pelo diagnóstico clínico do terapeuta pelos critérios do DSM-IV (APA, 1994), quanto pelo preenchimento de critérios para o transtorno pela Breve Entrevista Internacional de Neuropsiquiatria Modificada (M.I.N.I.).
A amostra utilizada foi de 30 entrevistas clínicas transcritas de gravações realizadas nos atendimentos psicoterápicos de 6 diferentes díades terapêuticas. Foram gravadas cinco sessões semanais sucessivas de psicoterapia de cada díade. A primeira sessão considerada para o trabalho foi a segunda, pois que, na primeira sessão, o profissional de saúde mental realizava a triagem dos pacientes do grupo comparativo que se enquadravam no perfil determinado pela pesquisa, bem como realizava as combinações iniciais e ainda verificava o consentimento do paciente em participar da pesquisa. A escolha da amostra se deu por cotas.
Instrumentos
Em relação ao instrumento de pesquisa, este se constituiu na transcrição das entrevistas de sessões psicoterápicas de pacientes com quadro de Depressão Maior, realizadas nos consultórios dos psicoterapeutas cognitivo-comportamentais e na clínica universitária na qual a estagiária de Psicologia Clínica conduzia os atendimentos. O uso destas entrevistas mostrou-se válido para a investigação dos problemas de pesquisa estipulados, através do estudo piloto anteriormente realizado.
Para a gravação das entrevistas, utilizou-se gravadores portáteis e fitas cassetes.
A M.I.N.I. (Breve Entrevista Internacional de Neuropsiquiatria Modificada), utilizada no sentido de corroborar o diagnóstico clínico dos terapeutas, constitui-se em uma entrevista breve, estruturada de acordo com os principais quadros psicopatológicos. Este instrumento leva aproximadamente 15 a 20 minutos para ser aplicado e seus algoritmos diagnósticos são consistentes com os algoritmos do DSM-IV e CID-10 A M.I.N.I. já foi traduzida para mais de 20 idiomas, sendo que, para esta pesquisa, foi utilizada a versão em português.
Procedimentos
A coleta dos dados foi realizada através da gravação das sessões semanais de psicoterapia cognitiva.
O primeiro passo consistiu em um contato com os psicoterapeutas cognitivo-comportamentais e com a instituição de treinamento em Psicologia Clínica Cognitiva para verificar a possibilidade de colaboração na pesquisa através da permissão em gravar cinco sessões semanais consecutivas com um mesmo paciente com Depressão Maior.
Na primeira sessão, que era aquela de triagem dos pacientes com sintomatologia depressiva, além do diagnóstico clínico realizado pela observação da sintomatologia prevista para o Transtorno Depressivo Maior pelo DSM-IV, o psicoterapeuta aplicava também a Entrevista M.I.N.I. até obter, ou não, o diagnóstico de Depressão Maior, não se atendo, necessariamente, a possíveis comorbidades que pudessem existir, tanto em termo de Eixo I, quanto dos Eixos II e III.
Tendo a aceitação dos psicoterapeutas / instituições, repassou-se o Termo de Consentimento Livre Informado que foi apresentado ao paciente, onde este último consentiu por escrito que suas sessões fossem gravadas e que o material gravado de sua sessão fosse utilizado para pesquisa e publicação. Frisou-se, neste termo, o caráter totalmente anônimo dos dados, tanto para a pesquisa quanto para publicações futuras.
De posse de cada fita, fizeram-se as transcrições das mesmas. Houve aproximadamente 23 horas de diálogos psicoterápicos gravados e transcritos. Transcrições feitas, efetuaram-se os cálculos lógico-pragmáticos propostos pelas teorias lingüísticas utilizadas em cada uma das 5 entrevistas de cada um dos seis blocos de entrevistas.
O cálculo lógico completo, conforme o Modelo das Implicaturas Ampliado, de Costa (1984), foi realizado em um dos blocos. Este bloco de entrevistas é o que foi utilizado para ser o caso ilustrativo do poder da aplicação deste Modelo lógico-pragmático ao entendimento dos diálogos em TCC. Nos demais 5 blocos (totalizando 25 entrevistas), utilizou-se uma forma reduzida do Modelo Ampliado, o qual mantinha os princípios do Modelo de Costa (1984), determinando para cada enunciado dos terapeutas e dos pacientes o tipo da categoria da implicatura que pudesse estar acontecendo, bem como a interpretação do implícito (implicado) pela implicatura gerada e os contextos presentes para geração de tais implicaturas.
A primeira entrevista, já analisada, de cada uma das 6 díades terapêuticas foi submetida a avaliação de duas juizas doutoras em lingüística. Esta avaliação teve o intuito de verificar a coerência/precisão dos cálculos lógicos realizados nas entrevistas. Ambos os pareceres das juízas indicaram a coerência e precisão dos cálculos lógico-pragmáticos realizados.
Resultados
A partir da transcrição de todas as falas presentes em cada uma das entrevistas com pacientes depressivos previstas no projeto, o levantamento dos dados centrou-se nos enunciados constantes de cada um dos seis blocos de cinco entrevistas, contendo as falas de pacientes e terapeutas. Estes blocos, após serem processados pela metodologia proposta pelo Modelo Ampliado de Costa (1984), geraram todo um sistema de interpretação de cada enunciado de cada uma das entrevistas, a partir da categorização do tipo de implicatura conversacional e convencional possível de estar ocorrendo, categorização esta realizada com base nos contextos produzidos no decorrer dos diálogos psicoterápicos.
Tratamento e análise dos dados
Os tratamentos e as análises dos dados desta pesquisa são apresentados em conformidade com a seqüência das etapas constituintes do Método, ou seja:
a) Aplicação de Modelo Lógico-Formal à comunicação psicoterapêutica, verificando a adequação da aplicação deste modelo ao entendimento dos processos inferenciais que ocorrem na comunicação em psicoterapia cognitivo-comportamental.
b) Estudo de Caso Qualitativo, mais especificamente, uma Análise de Situação. Tal análise foi realizada no caso do primeiro bloco de entrevistas, a qual possui todo o formalismo dos cálculos lógicos, propostos pelas teorias de Grice (1975), de Costa (1984) e de Sperber e Wilson (1986 e 1995).
c) Pesquisa Comparativa, onde comparou-se os grupos normativo (psicoterapeutas) e comparativo (depressivos) quanto aos tipos de processos inferenciais associados ao processo de comunicação psicoterápica e obtidos a partir da aplicação dos Modelos Lógico-pragmáticos.
Aplicação de modelo lógico-formal / Estudo de caso qualitativo
Optou-se por agrupar os resultados provenientes das metodologias de estudo de caso e aplicação de modelo lógico-formal na medida em que estas oferecem informações complementares, que podem, portanto, serem sintetizadas.
Realizou-se, inicialmente, a análise qualitativa dos dados provenientes do bloco de entrevistas do paciente Y. Concomitantemente, efetuou-se a busca de consistência e coerência interna do conjunto das categorizações e definições de implicaturas conversacionais geradas nos diálogos psicoterápicos dos demais cinco outros blocos de entrevistas das demais díades terapêuticas. Com isto, teve-se o intento de se concluir a viabilidade e validade da aplicação dos Modelos lingüísticos em questão ao universo psicoterápico.
Esta análise qualitativa também objetivou verificar a possibilidade de acessamento do mundo das crenças e a existência de padrões característicos nos processos inferenciais de cada um dos componentes da díade terapêutica.
Para favorecer o entendimento do processo de análise qualitativa dos dados, que permitiram concluir-se que a aplicação dos modelos lingüísticos aqui utilizados são viáveis e válidos para o entendimento dos processos comunicacionais em TCC, é apresentado a seqüência inicial de enunciados da entrevista do caso com todo o cálculo lógico a fim de viabilizar a compreensão do leitor da dinâmica pragmática da comunicação em TCC, bem como da estrutura do cálculo do Modelo de Costa (1984), na prática.
Legenda: T: Terapeuta; P: Paciente; E: Enunciado; C: Contexto; I: Implicatura
ET1: Y, você me falou na sessão anterior que estava sentindo inútil e sem prazer em praticamente todas as coisas que antes gostava de fazer. Me disse também que estava disposto a abandonar teu Mestrado, tuas aulas na Faculdade e, inclusive, tua noiva. Correto?
C1: T e P sabem que estão num processo psicoterápico.
C2: T e P sabem que em psicoterapia T deve abordar, prioritariamente, as dificuldades de P, de modo de este último possa superá-las.
C3: T e P sabem que os assuntos conversados em sessão anterior (1a sessão) serão retomados e/ou reconsiderados, já que são as queixas de P.
TI1: Estou lembrado do que conversamos na sessão anterior, e devemos retomar daquele ponto nossa conversa.
(1) T disse ET1
(2) T fez toda uma retomada das queixas de P na primeira sessão, sendo bastante meticuloso (Implicatura Conversacional Standard)
(3) T, ainda assim está cooperando
(4) T supõe que P contextualize: C1, C2 e C3
(5) T só estará sendo relevante se quer que P pense TI1
(6) T não faz nada para impedir que P pense TI1
(7) T disse E1 e implicou TI1
EP1: Isto mesmo.
C4 (gerado pela implicatura TI1): T e P sabem que a conversa deve versar sobre a anedonia, e a possibilidade de P largar o mestrado e a noiva.
PI1: Estou com pouca disposição para falar ou não acho o assunto relevante.
(1) P disse EP1
(2) P falou muito pouco sobre o assunto referido por T, (implicatura conversacional particularizada por quebra da máxima de quantidade por falta de informação)
(3) P, ainda assim deve estar cooperando
(4) P sabe que T sabe: C1, C2, C3, C4
(5) P só estará sendo relevante se quer que T pense PI1
(6) P nada faz para impedir que T pense PI1
(7) P disse EP1 e implicou PI1
ET2: Falou também que queria voltar para o interior onde teus pais moram. Como é que tu achas que esta decisão fará tu te sentir melhor?
C5: T e P sabem que outro assunto a ser conversado é a idéia de P de voltar para o interior.
C6 (gerado pela implicatura PI1): T e P sabem que P tem dificuldade de falar sobre sua anedonia.
C7 (gerado pela implicatura PI1): T e P sabem que P tem dificuldade de falar sobre sua vontade de largar o mestrado.
C8 (gerado pela implicatura PI1): T e P sabem que P tem dificuldade de falar sobre sua vontade de largar a noiva.
TI2 É realmente importante retomar a conversa da sessão passada e retomar os assunto que você têm dificuldade.
(1) T disse ET2
(2) T abordou mais uma vez o conteúdo visto na 1a sessão, e que já havia sido falado em ET1(implicatura conversacional particularizada por quebra da máxima da quantidade por excesso de informação)
(3) T ainda assim deve estar cooperando
(4) T sabe que P conhece que: C1, C2, C4, C5, C6, C7, C8
(5) T só pode estar sendo relevante se quer que P pense TI3
(6) T nada fez para impedir que P pense TI2
(7) T disse ET2 e implicou TI2
EP2: Sei eu. Sei é que do jeito que está não estou mais agüentando. Agora, para piorar, nesta semana comecei a arrancar os cabelos. Pode? Devo estar ficando realmente louco.
C9: P supõe que arrancar os cabelos não é comportamento usual.
C10: Ambos sabem que P está arrancando os cabelos.
PI2a: Não consigo entender o meu comportamento de arrancar os cabelos, não acho outra explicação a não ser estar ficando louco.
PI2b: Estou preocupado com a gravidade do meu caso e quero falar sobre o fato de eu estar arrancando meus cabelos e não retornar aos assuntos da 1a sessão.
(1) P disse EP2
(2) P falou menos que o esperado já que compreendeu a implicatura TI2, mudando o rumo da conversa (implicatura conversacional particularizada por quebra da máxima de quantidade por falta de informação e por quebra da máxima de adequação)
(3) P ainda assim deve estar cooperando (4) P sabe que T conhece que: C1, C2, C6, C7, C8, C9, C10
(5) P só pode estar sendo relevante se quer que T pense PI2(5) P só pode estar sendo relevante se quer que T pense PI2
(6) P nada fez para impedir que T pense PI2
(8) P disse EP2 e implicou PI2
ET3: Calma Y. Me fale melhor sobre isto de arrancar os cabelos.
C11 (gerado pela implicatura PI2b): T sabe que P associa o fato de estar arrancando os cabelos com a loucura.
C12 (gerado pela implicatura P12a): T sabe que P tem dificuldade de falar sobre sua vontade de voltar para o interior.
TI3: Entendi que você está preocupado com o fato de estar arrancando os seus cabelos. Vamos investigar melhor este assunto antes de se chegar a uma conclusão tão exagerada.
(1) T disse ET3
(2) T solicitou mais informações sobre o assunto que preocupava o paciente (implicatura conversacional standard)
(3) T ainda assim deve estar cooperando
(4) T sabe que P conhece que: C1, C2, C6, C7,C8, C9, C10, C11, C12
(5) T só pode estar sendo relevante se quer que P pense TI3
(6) T nada fez para impedir que P pense TI3
(7) T disse ET3 e implicou TI3
EP3: É. Quando vejo estou arrancando os cabelos.
PI3: Não sei exatamente o que falar a respeito que possa ser de relevância.
(1) P disse EP3
(2) P falou menos do que o solicitado em ET3 (implicatura conversacional particularizada por quebra da máxima de quantidade por falta de informação)
(3) P ainda assim deve estar cooperando
(4) P sabe que T conhece que: C1, C2, C9, C10, C11
(5) P só pode estar sendo relevante se quer que T pense PI3
(6) P nada fez para impedir que T pense PI3
(7) P disse EP3 e implicou PI3
ET4: Em grande quantidade, sem parar, ou só alguns fios? Quando te dás conta, consegue parar?
C13 (gerado pela implicatura PI3): T sabe que P não sabe o que é relevante de ser falado sobre arrancar cabelos.
TI4a: Existem várias formas de ocorrência do comportamento de arrancar os cabelos e gostaria de saber qual é o seu caso.
T14b: O diagnóstico apropriado é importante.
(1) T disse ET4
(2) T especifica o tipo de informações que ele deseja e que não ficaram claras em EP3, implicando a possibilidade de várias formas do comportamento de arrancar cabelos, através da implicatura convencional pelo uso do conetivo “ou”.
(3) T ainda assim deve estar cooperando
(4) T sabe que P conhece que: C1, C2, C9, C10, C11, C12
(5) T só pode estar sendo relevante se quer que P pense TI4
(6) T nada fez para impedir que P pense TI4
(7) T disse ET4 e implicou TI4
Análise de fragmentos: Nos enunciados ET1 a ET3, pode-se perceber como o desenvolvimento da conversação vai fazendo com que o conhecimento da díade terapêutica aumente, na medida que, cognitivamente, vão compartilhando contextos novos. Isto aparece no aumento sistemático do conhecimento mútuo, representado no passo (4) do cálculo. Também se pode observar que muito dos contextos utilizados nos processos dedutivos conversacionais são completamente implícitos, ao serem captados através das implicaturas. Nestes fragmentos considerados, o terapeuta modifica o rumo da conversação ao perceber a preocupação do paciente com o fato de estar arrancando os cabelos.
Pela ilustração representada por esta seqüência da entrevista do paciente Y., pode-se elencar os critérios que regularmente foram identificados, tanto nesta sessão, como em todas as outras de todos os blocos de sessões analisadas nesta pesquisa, e que permitiram inferir que a aplicação dos modelos lingüísticos, já citados, é viável e válida para o entendimento dos processos comunicacionais em nível de TCC. São eles:
Em primeiro lugar, é proporcionada uma sistemática da interpretação. Como o Modelo Ampliado (Costa, 1984) oferece uma seqüência de passos lógicos encadeados, a dedução dos conteúdos das interpretações desenvolvidas na cognição da dupla terapêutica, tornava-se muito mais acessíveis à inferência probabilística.
Um aumento do nível explicativo também é observado. O nível de explicação alcançado durante as análises dos enunciados das entrevistas psicoterápicas, no que diz respeito às crenças e regras, bem como aos processamentos da informação efetuados na mente de paciente e terapeuta, foi significativo, ou seja, as pressuposições de onde decorrem as inferências tornaram-se mais claras. Tanto, que, ao levar a cabo as interpretações pragmáticas dos enunciados, o tempo de prática já fazia com que se conseguisse predizer muito da forma e do conteúdo do que a amostra depressiva e a amostra normativa iria dizer e/ou estaria pensando.
Em terceiro lugar, a aplicação dos modelos propicia um aumento do nível descritivo. O cálculo lógico proposto pelo Modelo Griceniano (Grice, 1975), com a evolutiva inserção do Princípio da Relevância (Sperber & Wilson, 1986, 1995) encontrada no Modelo Ampliado de Costa (1984), impõe que a descrição dos contextos seja feita sempre, para que se possa inferir as intenções comunicativas dos interlocutores. Sendo assim, o pesquisador que utiliza estes modelos para suas análises, vê-se obrigado a protocolar todos as pressuposições que poderiam ficar implícitas no ato de raciocinar.
Por fim, há uma compreensão do modo como há o aumento do conhecimento entre a díade (formação dos contextos). Ao analisar a quantidade de contextos gerados ao longo de cada bloco de cinco entrevistas das seis díades terapêuticas, observa-se que na medida em que o processo psicoterápico avança, há um aumento do número de contextos utilizados por ambos componentes da dupla para uma captação dos conteúdos implícitos. Isto leva à compreensão da forma como o conhecimento avança nas relações dialógicas. Ela evolui na medida que, pelos processos inferenciais não-triviais e não-demonstrativos, os seres humanos vão acrescendo a seus bancos de memória o conteúdo das deduções advindas do que não é dito, mas sim, implicado na comunicação.
Estes critérios ilustram como a aplicação dos modelos lingüísticos da Pragmática à psicoterapia gera uma forma de compreender as falas dos pacientes em TCC sem se recorrer a entendimentos teóricos fundamentalmente abdutivos.
Esta constatação vai ao encontro das principais teorias cognitivas quanto ao funcionamento do raciocínio humano (Sternberg, 1996, 2000), que afirmam que são os raciocínios do tipo dedutivo aqueles mais típicos em nossa espécie. Por outro lado, os dados permitem a verificação de que a questão de maior prioridade no funcionamento mental é o Princípio da Relevância, onde se busca o maior ganho cognitivo com o menor custo. Assim sendo, entende-se porque muitas das verbalizações dos pacientes, se analisadas sob um prisma meramente semântico, pouco ou nada comunicam. A compreensão passa, obrigatoriamente, por um processo de comunicação ostensivo-inferencial (Sperber & Wilson, 1995) onde a formação e a captação dos contextos psicológicos (cognitivos) mútuos é peça essencial.
Análises comparativas
Complementando as análises qualitativas, implementou-se uma série de tratamentos estatísticos aos dados levantados. O primeiro passo para as análises estatísticas consistiu no levantamento da freqüência de cada uma das categorias e subcategorias de implicaturas, tanto dos depressivos quanto dos terapeutas, para cada uma das cinco entrevistas componentes de cada díade terapêutica. Posteriormente efetuou-se o levantamento das médias das tipologias de implicaturas ocorridas por bloco de entrevistas. Em seguida, realizou-se a comparação destas variáveis entre os dois grupos (pacientes e terapeutas). Para este tratamento estatístico utilizou-se o teste não-paramétrico de Wilcoxon para duas amostras relacionadas. Com isto, pode-se perceber em quais tipos de implicaturas os dois grupos se diferenciavam significativamente.
As análises quantitativas foram compreendidas em termos qualitativos, ou seja, buscou-se uma compreensão das razões pelas quais houve diferenças entre pacientes e terapeutas, ou seja, objetivou entender os motivos que levaram um grupo a gerar uma maior quantidade de determinadas implicaturas específicas.
As diferenças significativas entre os grupos aparecem na tabela 1.
Na tabela 1, pode-se observar uma quantidade expressiva de implicaturas em relação ao número de enunciados. Se tantas implicaturas são geradas, sua interpretação, ou seja, a interpretação do implícito da comunicação, é essencial para se compreender as intenções comunicativas dos sujeitos dos diálogos psicoterapêuticos, solidificando a validade de se utilizar os modelos lingüísticos pragmáticos na compreensão da comunicação psicoterápica.
Pela análise da Tabela 1, observa-se uma significativa diferença no uso de imPela análise da Tabela 1, observa-se uma significativa diferença no uso de implicaturas conversacionais (em muito maior escala) em comparação com o uso de implicaturas convencionais, tanto pelos pacientes quanto pelos terapeutas. Também fica evidente uma maior utilização de implicaturas particularizadas standard pelo grupo normativo. Análises subsequentes de cunho qualitativo indicaram que esta diferença deu-se em função de os terapeutas cognitivos procurarem comunicar-se da maneira mais clara possível, não violando, desta forma, as máximas de conversação.
Pela leitura da Tabela 2, vê-se o uso maciço, por parte dos depressivos, da implicatura conversacional particularizada por quebra da máxima de quantidade por falta de informação. A utilização em maior grau de tal tipologia de implicatura na amostra de participantes depressivos usualmente mostrou-se associada com uma dificuldade deste grupo para abordar suas problemáticas. Assim, pela violação da máxima de quantidade por falta de informação, os pacientes transmitiam aos seus terapeutas suas idéias acerca de desmotivação e/ou incapacidade para tratar efetivamente de suas dificuldades.
O grupo de depressivos igualmente evidenciou uma maior produção de implicaturas pela quebra da máxima de modo por obscuridade, as quais usualmente estavam relacionadas a uma dificuldade em abordar de forma clara e objetiva os assuntos levantados pelos terapeutas.
Também foi percebida a maior utilização das implicaturas por violação da máxima de qualidade por parte dos psicoterapeutas, o que parece ter ocorrido em função de algumas características das TCC´s. Quando um terapeuta cognitivo trata de casos de depressão, evita oferecer respostas prontas aos seus pacientes, uma vez que isso pode não ajudar no esperado desenvolvimento das habilidades de resolução de problemas. Os pacientes, por sua vez, solicitam tais respostas, levando os terapeutas a violarem as máximas de qualidade para implicar que o processo de busca por estas respostas deve se dar conjuntamente, e não unilateralmente.
Conclusões
A principal questão respondida a partir dos dados foi que é possível fazer uma análise descritivo-explanatória dos processos inferenciais que ocorrem na comunicação em Psicoterapia Cognitivo-Comportamental. Tal afirmação se sustenta nas análises qualitativas das falas dos pacientes e psicoterapeutas, após a aplicação do Cálculo proposto pelo Modelo Ampliado de Costa (1984) aos 6 casos utilizados.
A aplicabilidade das teorias lingüísticas da pragmática explicita que a interpretação dos enunciados em TCC ocorre por processos de insights abdutivos, uma espécie de adivinhação por dedução. Entretanto, tais insights podem ser sistematizados e checados pela utilização dos cálculos lógicos-pragmáticos. Portanto, as teorias pragmáticas, em especial a concepção do Princípio da Relevância da Teoria da Relevância e o conceito de implicatura de Grice (1975), tem o propósito de sistematizar as abduções (teorizações) que terapeuta e paciente constroem durante as sessões de psicoterapia.
Além disso, o número significativo de implicaturas conversacionais em relação ao número de enunciados, solidificam a importância de se utilizar os modelos lingüísticos pragmáticos na compreensão da comunicação psicoterápica. Se tantas implicaturas são geradas, sua interpretação, ou seja, a interpretação do implícito da comunicação, é essencial para se compreender as intenções comunicativas dos sujeitos dos diálogos psicoterapêuticos.
Outro objetivo desta pesquisa foi verificar a possibilidade de se gerar novos axiomas para ampliar, desta forma, o modelo axiomatizado da depressão proposto pelo primeiro autor (Wainer, 1997). Obteve-se alguns dados sobre o funcionamento comunicacional de pacientes com Transtorno Depressivo Maior quanto às características e forma de seus processos comunicacionais e de seus processos inferenciais quando no processo de psicoterapia.
Os dados indicaram que os pacientes com Transtorno Depressivo Maior utilizam sistematicamente e, de maneira significativamente diferente dos indivíduos do grupo normativo, implicaturas conversacionais por quebra da máxima de quantidade por falta de informação. Tendem a gerar este tipo de implicatura a fim de comunicar suas dificuldades e/ou aversões em abordar alguns assuntos.
Os tratamentos estatísticos realizados a fim de investigar se o formato comunicacional de informar menos do que é requerido, modificava-se ao longo das cinco sessões, não geraram dados significativos. Acredita-se, contudo, que, com a remissão do quadro psicopatológico pelo efeito da psicoterapia, a forma comunicacional possa vir a ser modificada, assemelhando-se mais ao formato do grupo normativo.
Quanto ao padrão comunicacional dos psicoterapeutas cognitivos, constatou-se um número elevado de violações da máxima de quantidade por excesso de informação. Nas sessões iniciais de TCC, preconiza-se que o terapeuta ensine o paciente a respeito do modelo cognitivo de psicoterapia, do modelo cognitivo da psicopatologia do paciente e da própria dinâmica metodológica do tratamento e das sessões. Sendo assim, o terapeuta acaba atuando como professor no início do processo psicoterapêutico, tendendo, portanto, a falar em demasia. Quanto ao uso dos terapeutas de implicaturas por violação da máxima de qualidade, esta segue estável ao longo das cinco sessões. Interpreta-se tal ocorrência, ao fato de muitas vezes o terapeuta utilizar desta forma pragmática de comunicação para informar o paciente sobre as interpretações que ele faz do caso, com base no seu banco teórico (teoria cognitiva).
Através da aplicação de Teorias da Pragmática, e em especial do Modelo Ampliado (Costa, 1984) à interpretação dos enunciados de sessões psicoterápicas, comprovou-se a viabilidade e grande valor de tal prática. O valor encontra-se nos mais diversos níveis da Teoria do Conhecimento, conforme será discutido pormenorizadamente a seguir.
No âmbito da Filosofia da Ciência, a integração de diferentes saberes através de uma linguagem lógica, crê-se inviabilizar ou, pelo menos, dificultar, a imposição de verdades pelo uso da retórica ou mesmo dialética.
Epistemologicamente, a proposta assume uma posição Realista, dentro das concepções Bachelardianas. Assim sendo, ao buscar o “Real”, como uma construção dependente de uma tensão ideal entre a imaginação (heurística do cientista) e o empírico – para que este saber não se constitua num mero devaneio – o uso da lógica como ferramenta central é básico. A validação do Real se dá pela capacidade do Modelo Teorético criado de descrever, explicar e predizer os fenômenos da empiria. Foi justamente este o principal avanço representado pela aplicação de Teorias Lingüísticas da Pragmática ao campo da psicoterapia.
Teoricamente, as principais conclusões alcançadas pela pesquisa foram da ampliação da área de validade dos axiomas das Teoria das Implicaturas (Grice, 1975), do Modelo Ampliado (Costa, 1984) e da Teoria da Relevância (Sperber & Wilson, 1986, 1995), ao ser compatível com o universo das TCCs, bem como da necessidade de se pensar, tanto as teorias da Pragmática, quanto às TCCs, a partir de um enfoque mental-cerebral. Isto porque as teorias aplicadas no presente trabalho, consideram também a exigência de compatibilidade dos processos inferenciais e comunicacionais com os substratos orgânico-psíquicos inerentes ao processamento de informação dos seres humanos. Além disso, há a geração de uma prática clínica mais fundamentada, seja pela busca incessante de validações empíricas, seja pela coerência interna imposta pela estrutura dos cálculos lógicos utilizados para a compreensão das intenções comunicativas do que paciente e terapeuta querem informar.
Em termos metodológicos, os resultados da pesquisa permitem afirmar que, ao estudar os processos inferenciais envolvidos no processo de comunicação psicoterápica em TCC, pela Pragmática, tem-se ganhos importantes. Estes ganhos dizem respeito a geração de uma prática psicoterápica mais robusta, no sentido de que o próprio processo de interpretação dos enunciados não pode derivar de um adivinhação ou da utilização de proposições abdutivas, típica de diversas teorias psicológicas que, absolutamente, não se comprometem com os pressupostos Popperianos. O modelo do cálculo é de lógica não-trivial, ou seja, é semelhante ao dedutivo, mas não está a serviço de uma demonstração, servindo, então, para corroborar (ou falsear) as hipóteses sobre os implícitos (implicaturas).
Em nível prático, várias são as conclusões e contribuições que se deslumbram a partir deste estudo. A primeira conclusão é que se pode fazer a geração do significado não mais pelo semântico, mas sobretudo, pelo pragmático, ou seja, na dependência da captação mental dos contextos gerados na comunicação dialógica. Impõe-se ao terapeuta, portanto, o primado do lógico-dedutivo e não do abdutivo. A segunda conclusão prática é relacionada a uma nova maneira de entender a neutralidade do psicoterapeuta. Esta neutralidade seria gerada pelo distanciamento do profissional no momento da realização da metanálise do cálculo. Assim, a aplicação dos cálculos pragmáticos das Teorias Lingüísticas a determinação do significado dos enunciados de sessões psicoterápicas de TCCs, pode contribuir numa nova metodologia, mais sistemática e menos intuitiva de supervisão clínica.
Quando o psicoterapeuta analisa o material das sessões, coloca-se numa posição eqüidistante dele mesmo e do paciente. Quando ele infere algo sobre o paciente, ele (terapeuta) deve ter condições de descrever e explicar seu raciocínio sobre o paciente de maneira mais objetiva. Pode, também, descrever o raciocínio utilizado por seu paciente durante o processo psicoterápico, fornecendo valiosas contribuições para a conceitualização do caso. É isso que os modelos pragmáticos oferecem ao campo da psicoterapia.
Concluiu-se, por fim, que a Psicoterapia pode ser entendida como o mando do significado, gerado pragmaticamente.
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Endereço para correspondência
E-mail:ricardowainer@brturbo.com.br
Recebido em junho de 2005
Aceito em setembro de 2005
Autores: 1 Ricardo Wainer – Doutor em Psicologia pela PUCRS; Professor da Faculdade de Psicologia da PUCRS.
2 Jorge Castellá Sarriera – Doutor em Psicologia pela UAM (Espanha); Professor do Pós-Graduação em Psicologia da Faculdade de Psicologia da PUCRS.
3 Neri Maurício Piccoloto – Médico Psiquiatra; Professor do Curso de Psicologia da ULBRA/Torres – RS; Professor do Curso de Pós-Graduação em Psicoterapia Cognitiva da UNISINOS.
4 Luciane Benvegnu Piccoloto – Psicóloga; Especialista em Psicologia hospitalar pela ULBRA; Mestre em Psicologia clínica pela PUCRS.
5 Giovanni Kuckartz Pergher – Mestre em Psicologia Social e da Personalidade pela PUCRS.
6 Márcio Englert Barbosa – Graduando em Psicologia pela PUCRS.
7 Vinícius Guimarães Dornelles – Graduando em Psicologia pela PUCRS.