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Aletheia
versão impressa ISSN 1413-0394
Aletheia n.23 Canoas jun. 2006
ARTIGOS DE PESQUISA
Estudo sobre as categorias de interpretação das Matrizes Coloridas de Raven e DFH-Escala Sisto*
Study of the Raven Colored Matrices interpretation categories and DFH-Escala Sisto
Fabián Javier Marín Rueda1, I; Fermino Fernandes Sisto2, I, II
I Universidade São Francisco, Campus Itatiba-SP
II Unicamp
RESUMO
O objetivo do estudo foi verificar evidência de validade simultânea para o Desenho da Figura Humana-Escala Sisto. Mais especificamente se o DFH-Escala Sisto diferencia as categorias de interpretação fornecidas pelo manual das Matrizes Progressivas Coloridas de Raven. Participaram 279 crianças do Ensino Fundamental, com idades variando de 7 a 10 anos. Os resultados mostraram que as crianças classificadas em função do seu desempenho e da interpretação fornecida pelo manual do Raven são diferenciadas no DFH-Escala Sisto nas idades de 8, 9 e 10 anos. Com base nisso, discutiu-se que o DFH-Escala Sisto pode ser utilizado como um instrumento de classificação dos níveis intelectuais dessas crianças, de acordo com as orientações oferecidas pelo manual do Raven. No entanto, isso não pode ser sugerido para a idade de 7 anos, na qual essa diferenciação não foi evidenciada, o que poderia ser justificado pela baixa precisão relatada no manual do Raven.
Palavras-chave: Inteligência, Evidência de validade, Testes psicológicos, Avaliação psicológica.
ABSTRACT
The present study aimed to verify evidence of concurrent validity for the Human Figure Drawing-Escala Sisto. More restrictly whether the DFH-Escala Sisto differs the interpretation categories provided by the Raven Colored Progressive Matrices. Subjects were 279 children (ages between 7-10 years old) from fundamental schools. The results showed that the children, aged from 8 to 10 years old, classified in terms of their achievement and interpretation provided by Raven manual, are differed in the DFH-Escala Sisto. Based on these results, the assumption that the DFH-Escala Sisto can be used as an intellectual level classification tool was argued, according to the instructions provided by Raven manual. However, this assumption can not hold for the age of 7, in which that differing was not observed, what could be justified by the low accuracy related in the manual of Raven.
Keywords: Intelligence, Validity evidence, Psychological tests, Psychology evaluation.
Introdução
Pesquisas mostram que dentre os instrumentos psicológicos mais conhecidos e utilizados no contexto brasileiro estão as Matrizes Progressivas Coloridas de Raven (CPM) e o Teste do Desenho da Figura Humana (Noronha e colaboradores, 2002; entre outros). Ao lado disso, com a resolução n°025/2001, na qual o Conselho Federal de Psicologia regulamentou a elaboração, comercialização e o uso dos instrumentos psicológicos, se fazem necessários novos estudos que possam contribuir para o aprimoramento da avaliação psicológica. A resolução determina que sejam atingidos alguns critérios considerados básicos para a elaboração de instrumentos, tais como a apresentação da fundamentação teórica do instrumento; apresentação da validade e da precisão, justificando os procedimentos específicos adotados na investigação; apresentação de dados sobre as propriedades psicométricas dos itens do instrumento; e apresentação do sistema de correção e interpretação dos resultados. Com base nessas afirmações foi possível cogitar a possibilidade de estudar o CPM junto ao Desenho da Figura Humana.
O Desenho da Figura Humana (DFH) foi desenvolvido por Florence Goodenough na primeira metade do século passado. É um teste de fácil aplicação que tem por objetivo a avaliação do desenvolvimento cognitivo. Para aplicação, é necessário apenas uma folha de papel, lápis e borracha. O tempo demandado para aplicação é de no máximo 10 minutos, sendo que muitas crianças desenham a figura em menos de dois minutos.
Goodenough (1926) não partiu de considerações teóricas nem de generalizações feitas por estudos anteriores a respeito de desenhos para criar o teste. Começou com uma análise empírica de milhares de desenhos de crianças de ambos os sexos dos 2 até os 15 anos de idade. Segundo Goodenough, quando uma criança desenha, ela não representa o que vê, mas o que sabe a seu respeito e, portanto, não realiza um trabalho estético, e sim intelectual. Nesse sentido, sugeriu que o teste conseguiria captar a evolução do repertório conceitual das crianças no decorrer dos anos, mais precisamente dos 5 aos 10 anos. Goodenough defendeu que o repertório conceitual seria um indicador confiável da inteligência de crianças.
Pesquisas posteriores foram desenvolvidas com o intuito de verificar se o DFH estaria medindo, de fato, a inteligência ou desenvolvimento cognitivo. Assim, pode-se fazer referência a Koppitz (1967), que concluiu que os escores no DFH poderiam servir como um meio rápido para avaliar o nível de desenvolvimento mental. Seguindo essa linha cognitiva, Jegede e Bamgboye (1981) concluíram que o DFH pode ser aplicado como uma boa medida de maturidade mental.
Num estudo desenvolvido por Chappell e Steitz (1993), os autores investigaram a relação idade-estágio entre os Desenhos da Figura Humana e os estágios de desenvolvimento cognitivo piagetianos em crianças de 4 a 6 anos. Os resultados sugeriram que o DFH foi uma ferramenta simples para uma avaliação rápida de níveis cognitivos em crianças pequenas. Nessa mesma linha de pesquisa, o DFH de Goodenough foi relacionado ao desenvolvimento cognitivo de acordo com as tarefas piagetianas por Sisto (2000). Os resultados alcançados mostraram a possibilidade de encontrar padrões para avaliar tendências de desenvolvimento cognitivo. Simultaneamente, forneceria um modo de interpretar o significado psicológico do Desenho da Figura Humana. Esse estudo mostrou que o DFH poderia ser um instrumento de escolha quando uma idéia rápida sobre o nível de operatoriedade ou desenvolvimento cognitivo geral for exigido.
Num outro estudo, Aikman, Belter e Finch (1992) contradizem os achados anteriores, relatando que os testes de inteligência não devem ser substituídos pelo DFH para uma avaliação, pois ele não estaria medindo o desenvolvimento cognitivo na sua totalidade, e sim, habilidades sobrepostas, embora diferentes.
Fazendo uma revisão da literatura de 1963 até 1977, Scott (1981) chegou a várias conclusões em relação ao sistema Goodenough-Harris. Os estudos mostraram correlações de aproximadamente 0,70 entre o DFH e o WISC. O Desenho da Figura Humana teria pouca utilidade como instrumento de predição de realização acadêmica, sendo que a relação entre os desenhos e as dificuldades de aprendizagem não são claras devido às dificuldades metodológicas verificadas nos estudos. Por fim, Scott (1981) verificou que o DFH seria um instrumento que não se apresenta confiável para predição dos níveis de inteligência médio e superiores, e sim como preditor das inteligências abaixo da média.
Diante dessas controvérsias envolvendo o Desenho da Figura Humana, um estudo recente realizado sobre o DFH usando o modelo de Rasch foi realizado por Sisto (2005), dando lugar a um novo sistema de correção do teste. Para compor esse novo sistema o autor se baseou em desenhos corrigidos por meio dos 51 itens originais propostos por Florence Goodenough em 1926. Pelas análises, os itens foram reduzidos a 30 e apresentaram discriminação entre as idades por meio da prova de Tukey. Algumas das vantagens desse novo sistema de correção são o menor número de itens; há uma classificação hierárquica de itens em decorrência da idade e sexo da criança; os itens formam uma escala unidimensional; e é solicitada apenas a realização de um desenho, não se levando em consideração se a figura desenhada é homem ou mulher.
Ainda, Sisto (2005) realizou uma análise bifatorial com o intuito de explicar ou evidenciar aqueles itens que tinham pouco em comum com o fator único ou comum extraído. O autor verificou que os 30 itens que compõem o novo sistema de correção se apresentam unidimensionais.
Além disso, Sisto (2005) apresenta um estudo no qual comparou o desempenho de 195 crianças, de primeira à terceira série, no DFH e as medidas de desenvolvimento, operatoriedade e criatividade de Piaget. Como resultados, foram observadas correlações positivas e significativas nas medidas de desenvolvimento e operatoriedade em ambos os sexos. Os meninos tiveram r=0,40 e r=0,53 (p=0,000) no desenvolvimento e operatoriedade respectivamente. Já as meninas apresentaram r=0,53 e 0,53 e r=0,65, respectivamente, também no nível de p=0,000, indicando que o DFH pode ser uma boa avaliação quando uma medida rápida de desenvolvimento cognitivo for exigida.
Em outro estudo, o autor separou as pontuações extremas em relação ao DFH e comparou-as com as medidas anteriormente descritas. Verificou diferenças estatisticamente significativas nas medidas de desenvolvimento e operatoriedade nos grupos extremos estudados.
Quanto ao teste das Matrizes Progressivas Coloridas de Raven (CPM), ele é um teste de inteligência não verbal, que avalia o fator “g”, proposto por Spearman (Angelini, Alves, Custódio, Duarte & Duarte, 1999). O instrumento foi padronizado para a população paulistana, e apresenta estudos sobre precisão e evidências de validade. Para a padronização, os autores utilizaram uma amostra representativa de crianças da cidade de São Paulo com idades variando de 5 a 11 ½ anos, de escolas públicas (municipais e estaduais) e particulares, mantendo as mesmas porcentagens de crianças em cada tipo de escola para poder reproduzir a distribuição do nível sócio-econômico da população. A amostra foi composta por 1547 sujeitos, divididos em 14 faixas etárias, entre 4 anos e 9 meses e 11 anos e 9 meses, sendo cada faixa com amplitude de 6 meses.
Em relação à precisão, o CPM utilizou o método das metades, calculando os coeficientes de correlação entre os itens pares e ímpares para cada sexo em cada faixa etária e para a amostra total. A fórmula Spearman-Brown apresentou um coeficiente de 0,92 para o sexo masculino, 0,90 para o sexo feminino, e 0,92 para a amostra total. Angelini e colaboradores (1999) apontaram que em relação ao sexo masculino para as diferentes idades, os coeficientes variaram de 0,59 a 0,93 e no caso do feminino de 0,41 a 0,94. Em relação a ambos os sexos, os coeficientes variaram entre 0,52 e 0,93, sendo que eles aumentaram à medida que aumentou a idade. A partir de 7 ½ anos, os coeficientes foram superiores a 0,85. Esses resultados indicam que o teste, de modo geral, possui uma boa precisão, ainda que baixa para as crianças de 7 anos.
Quanto à validade, no Brasil, o CPM foi estudado pela validade de construto de duas formas, a consistência interna e por diferenças de idades cronológicas. Em ambos os casos, segundo o manual, o teste apresenta bons resultados para a sua utilização.
É importante salientar que embora o manual das Matrizes Progressivas Coloridas de Raven apresenta uma fundamentação que facilita a interpretação de que deveria ser unidimensional, pois estaria medindo o fator g, algumas particularidades em sua construção e correção facilitam, também, a interpretação de que poderia não ser. Pelo manual do CPM (Angelini & cols., 1999, p. 129) há a informação de que o uso das pontuações totais não deve ser feito cegamente. Os três subconjuntos do teste são corrigidos separadamente e se a pontuação de um subconjunto desvia muito de outros, eles não devem ser somados para produzir uma pontuação total.
Embora esse fato deva ser levado em consideração, o CPM é um teste que apresenta boas condições psicométricas para a sua utilização, além de estar dentre os testes de inteligência aprovados pelo Conselho Federal de Psicologia para a sua utilização e comercialização. Dentro desse contexto, o objetivo deste estudo foi analisar evidência de validade simultânea entre as Matrizes Progressivas Coloridas de Raven e o Desenho da Figura Humana-Escala Sisto. O estudo foi conduzido para verificar se o DFH-Escala Sisto diferencia as categorias de interpretação fornecidas pelo manual do CPM (validade de critério simultânea). Vale ressaltar que o interesse pela investigação da validade de critério simultânea surgiu da seguinte interrogante: o DFH-Escala Sisto poderia diferenciar os níveis de interpretação de inteligência da mesma forma que o CPM
Método
Participantes
Participaram 279 crianças, de ambos os sexos, de uma escola pública do interior do Estado de São Paulo. As idades variaram entre 7 e 10 anos (média 8,61 anos e desvio padrão de 1,05). Levando em consideração o tipo de escola que a criança freqüentava, localização, tipo de clientela, predominância do tipo de moradia e informações colhidas com os professores, a escola pode ser considerada de nível socioeconômico baixo.
Dessa forma, na escola na qual a pesquisa foi realizada, as crianças não possuíam uniforme, muitas delas assistiam às aulas descalças, na escola era oferecida comida aos alunos, o que, muitas vezes, era a única motivação para freqüentarem as aulas. Além disso, o espaço físico limitava-se apenas às salas de aula, dois banheiros em precárias condições, uma sala de professores com espaço limitado. As moradias dos pais eram, na maioria, assemelhadas a conjuntos habitacionais ou de condição inferior, sendo que uma parte poderia ser considerada favela.
Instrumentos
a) Matrizes Progressivas Coloridas de Raven (CPM)
O Teste das Matrizes Progressivas de Raven (CPM) é um teste que pode ser utilizado em crianças de 5 a 11 anos e meio, e é composto por três séries (A, Ab e B) com 12 problemas em cada uma que, somadas, fornecem o escore geral, sendo as séries ordenadas por dificuldade crescente. Para este estudo a pontuação podia variar de 0 a 34, pois embora o teste seja composto por 36 problemas, os itens A1 e A2 foram excluídos da análise por terem sido utilizados como exemplo pelo avaliador com os participantes.
b) Teste do Desenho da Figura Humana-Escala Sisto (DFH-Escala Sisto)
Consta de 30 itens, que somados, fornecem o escore total da criança. Os itens que compõem o teste são os seguintes: (1) boca, (2) nariz, (3) braços-pernas, (4) roupa, (5) pescoço, (6) tronco, (7) coordenação motora, (8) duas ou três peças de vestir, (9) pernas, (10) pés, (11) pescoço integrado, (12) pernas e braços na posição, (13) pupila, (14) ombros, (15) cabelos, (16) braços, (17) dedos, (18) olhos, (19) braço, cotovelo-ombro, (20) contorno de braços e pernas, (21) contorno do tronco, (22) traços fisionômicos, (23) desenho sem transparência, (24) vestimenta coerente, (25) contorno da cabeça, (26) boca e nariz, (27) quatro peças de vestir, (28) polegar, (29) queixo, e (30) orelhas.
O teste apresenta estudos de precisão e validade relatados no seu manual. Em relação à precisão, foi estudada pelo Alfa de Cronbach, pelo modelo de Rasch e pelo método das duas metades de Spearman-Brown, entre outros estudos. Quanto às evidências de validade, foi estudada a estrutura interna dos itens, foi realizada uma análise bifatorial, e foi estudada a validade de construto pela diferenciação da idade cronológica. Os resultados evidenciaram propriedades psicométricas adequadas para a sua utilização.
Procedimento
Para aplicação de ambos os testes foram seguidas as orientações de seus respectivos manuais. Em todas as salas de aula foi seguida a mesma ordem de aplicação. Num primeiro momento foi aplicado as Matrizes Progressivas Coloridas de Raven e posteriormente o Desenho da Figura Humana-Escala Sisto. O CPM foi corrigido segundo a alternativa escolhida pelas crianças em cada um dos problemas, sendo atribuído 1 ponto para cada resposta certa e 0 para as respostas erradas. A pontuação total por sujeito foi produto da soma das pontuações de cada problema. O DFH-Escala Sisto foi avaliado por presença ou ausência dos itens em cada critério, atribuindo-se 1 ponto para presença e 0 para ausência. Da mesma forma que nas Matrizes Progressivas Coloridas de Raven, a pontuação total foi produto da soma de cada um dos itens.
Resultados
Para análise dos resultados, primeiro foram trabalhados os dados referentes ao CPM, posteriormente ao DFH-escala Sisto, e finalmente a relação entre ambos os testes. Em relação às Matrizes Progressivas Coloridas de Raven foi realizada, primeiramente, uma comparação entre as alternativas de resposta assinaladas pelas crianças da presente pesquisa e os dados fornecidos pelo manual do teste. Os resultados podem ser observados na Tabela 1.
Como pode ser observado na Tabela 1, na maioria dos itens do CPM foram obtidas porcentagens semelhantes entre os resultados da presente pesquisa e os dados fornecidos pelo manual brasileiro. As alternativas corretas que apresentaram discrepâncias acima de 10 % entre esta pesquisa e o manual foram 15 problemas. Assim, no problema A6 o manual apresenta uma porcentagem de acerto de 20,3% e os dados desta pesquisa mostraram 6,2% de acerto. Ao lado disso, foi verificado que na pesquisa atual houve uma maior porcentagem de acertos, significativamente maior (média de 12%), nos problemas A9, A10, Ab4, Ab5, Ab6, Ab7, Ab8, Ab9, Ab10, Ab11, B2, B3, B5 e B6. Merece comentário o fato de que este estudo relatou uma quantidade razoável de itens (15) que tiveram uma porcentagem de acerto maior que o da pesquisa do manual. Esse fato merece destaque, pois vale lembrar que a amostra trabalhada neste estudo pertencia a um nível socioeconômico baixo, sendo que o manual do CPM foi padronizado com crianças tanto de escolas públicas quanto particulares. O fato do estudo do manual ter sido realizado há quase uma década pode ser um indicativo de que exista a necessidade de novos estudos serem realizados com a finalidade de atualizar os dados.
No DFH-Escala Sisto, no caso dos meninos, a distribuição das pontuações evidenciou uma concentração de pontos entre 8 e 19 itens (56,7%). A porcentagem de crianças que desenhou entre 1 e 7 itens foi de 22,2%, e acima de 19 itens foi 21,1%. Os meninos apresentaram uma média de 12,94 pontos (DP=6,37), com uma pontuação mínima de 1 e máxima de 27 pontos. A moda foi 10 itens e a mediana 12. Já as meninas apresentaram uma média de 13,25 pontos (DP=5,78), com uma pontuação mínima de 2 e máxima de 26 pontos. A moda foi 11 itens e a mediana 13. Elas evidenciaram uma concentração de pontos entre 8 e 20 itens (72%). A porcentagem que desenhou entre 1 e 7 itens foi de 17,3%, e acima de 21 itens foi 10,7%.
Em relação à evidência de validade procurada neste trabalho, num primeiro momento foi consultada a Tabela XXV do manual do CPM (p.133), na qual são descritos os pontos de corte para crianças pertencentes a escolas públicas nas idades de 7 a 10 anos. Vale ressaltar que embora o manual do CPM apresente normas por faixas etárias de seis em seis meses, nesta pesquisa optou-se por agrupar as faixas etárias por ano. Dessa forma, por exemplo, para compor o grupo de crianças de 7 anos, foram tomadas como referências as pontuações de 7 anos e 1 mês até 7 anos e 11 meses fornecidas pelo manual do CPM, sendo que o mesmo foi realizado com as idades de 8, 9 e 10 anos. Na Tabela 2 é descrita qual a interpretação dada pelo manual do CPM (p.131) para as crianças em relação à sua idade.
Posteriormente foram formados os grupos de crianças correspondentes a cada interpretação em cada idade. Esses grupos podem ser visualizados na Tabela 3.
Devido ao número pequeno de crianças em alguns grupos, optou-se por agrupá-los. Assim, juntaram-se os grupos 1 e 2, assim como também os grupos 3 e 4. Dessa forma, o Grupo 1 ficou formado pelas crianças intelectualmente deficientes e definidamente abaixo da média na capacidade intelectual. O Grupo 2 ficou com as crianças pertencentes às classificações intelectualmente médio e definidamente acima da média na capacidade intelectual. Por fim, no Grupo 3 ficaram as crianças classificadas como intelectualmente superiores. Optou-se por agrupar separadamente as crianças consideradas intelectualmente superiores com a intenção de tentar verificar se o DFH-Escala Sisto poderia ser adequado para diferenciar tais rendimentos. Feito isso, foi realizada análise de variância com a pontuação do DFH-Escala Sisto por idade. Os resultados podem ser visualizados na Tabela 4.
A análise de variância apontou diferenças estatisticamente significativas em relação aos grupos formados pela pontuação total do CPM nas idades de 8, 9 e 10 anos. Aos 7 anos, os três grupos não se diferenciaram quanto ao DFH-Escala Sisto. Para verificar quais grupos justificaram as diferenças encontradas em cada uma das idades que apresentaram diferenças significativas, utilizou-se a prova de Tukey, adotando o nível de significância de 0,05. Os resultados são apresentados nas tabelas que se seguem.
Conforme sumariado na Tabela 5, a prova de Tukey separou nitidamente os grupos 1 e 3, sendo que o Grupo 2 ficou numa região intermediária. Esses dados mostram que o DFH-Escala Sisto estaria diferenciando os maiores rendimentos dos menores rendimentos.
Como evidenciado na Tabela 6, a prova de Tukey mostrou que a idade de 9 anos separou os três grupos estudados. Assim, pode-se perceber que as crianças de capacidade intelectual superior no CPM, obtiveram pontuações maiores no DFH-Escala Sisto. Ao lado disso, as crianças com menores rendimentos também tiveram as menores pontuações no DFH-Escala Sisto. Por fim, quem apresentou um nível intelectualmente médio ou um pouco acima da média, também apresentou pontuações médias no DFH-Escala Sisto.
Por sua vez, aos 10 anos, o grupo de crianças deficientes ou abaixo da média no CPM, ficou separado das crianças de pontuações médias, acima da média, e intelectualmente superiores. Pode-se dizer, portanto, que o DFH-Escala Sisto, aos 10 anos, estaria diferenciando as crianças com deficiência intelectual das que não apresentam tal característica.
Discussão
Primeiramente deve-se dizer que, o objetivo proposto pela pesquisa, procurar evidências de validade de critério simultânea entre as Matrizes Progressivas Coloridas de Raven e o Desenho da Figura Humana-Escala Sisto, mostrou-se frutífero. Nesse sentido, quando as crianças foram classificadas em função do seu desempenho e da interpretação fornecida pelo manual do CPM, foi verificado que, de fato, elas são diferenciadas no DFH-Escala Sisto nas idades de 8, 9 e 10 anos. Pode-se dizer então que o DFH-Escala Sisto poderia ser utilizado também como um indicador de classificação dos níveis intelectuais de crianças, de acordo com as orientações oferecidas pelo manual das Matrizes Progressivas Coloridas de Raven. No entanto, esse fato não pode ser sugerido para a idade de sete anos, na qual essa diferenciação não foi evidenciada, o que pode ser devido a baixa precisão relatada no manual do CPM para as crianças dessa faixa etária.
Os resultados diferem dos encontrados nas pesquisas levantadas por Scott (1981) que sugerem que o DFH avaliaria, apenas, as inteligências inferiores. Esse fato possibilita a realização de mais estudos, pois tais diferenças poderiam estar associadas ao nível sócio-econômico-cultural das crianças. Assim, neste estudo foi verificado que o DFH-Escala Sisto pode ser uma medida adequada para avaliar as crianças com um desenvolvimento cognitivo acima da média, sem excluir da avaliação as crianças com inteligência inferior.
Dessa forma, esta pesquisa apoiou os achados na literatura de que o DFH pode ser utilizado como uma boa estimativa do desenvolvimento cognitivo de crianças (Chappell & Steitz, 1993; Jegede & Bamgboye, 1981; Koppitz, 1967; Sisto, 2000, Sisto, Rueda & Bartholomeu, no prelo). No caso do DFH-Escala Sisto, além de ter se mostrado como um instrumento confiável para tal avaliação, é importante lembrar as vantagens de correção e interpretação por ele oferecidas, quais sejam, menor número de itens para correção, o desenho é avaliado da mesma forma independentemente da figura gráfica ser homem ou mulher, assim como também não há itens diferentes para correção dependendo do sexo de quem desenha, e ter apenas itens que privilegiam mais um sexo do que outro e vice-versa. Além disso, o autor retomou a idéia original proposta por Goodenough em 1926, que com o passar dos anos e diferentes sistemas de pontuações criados foi sendo modificada ou simplesmente esquecida.
Deve ser ressaltada a importância de que um construto tão complexo como a inteligência não seja avaliado por apenas um único instrumento. Nesse sentido, este estudo pode-se apoiar na afirmação feita por Aikman, Belter e Finch (1992) de que o DFH é um bom instrumento para avaliação do desenvolvimento cognitivo, mas a precisão de medida dele poderia aumentar quando combinado numa bateria de testes.
Quanto às Matrizes Progressivas Coloridas de Raven, alguns estudos seriam necessários, pois o teste poderia não estar medindo apenas o fator g (Pasquali, Wechsler & Bensusan, 2002; Sisto, Rueda & Bartholomeu, 2004, no prelo). Assim que a determinação de quais outros mecanismos psicológicos estão presentes nos dois testes, comuns a eles ou não, seria uma boa contribuição para a compreensão de qual manifestação de inteligência que esses testes estão medindo.
Também outros testes de inteligência poderiam ser cotejados com o DFH-Escala Sisto para uma melhor compreensão do fenômeno psicológico em questão. Há que se considerar que mesmo as medidas tradicionais de inteligência às vezes apresentam boas correlações entre si e às vezes não. Por esse fato é possível inferir que a comunalidade entre eles não é tão grande como se esperaria que fosse para que se interpretasse que estariam medindo o mesmo construto. Enfim, apesar de mais de um século de pesquisas, o construto inteligência ainda está inacabado em sua definição e mensuração.
Por fim, pode-se dizer que a partir desses resultados, aventa-se a hipótese de que o DFH-Escala Sisto seja uma boa estimativa de desenvolvimento cognitivo, não só das crianças com baixos níveis, mas também daquelas que apresentam um desenvolvimento cognitivo avançado ou intelectualmente superior. Nesse sentido, o novo sistema de pontuação se apresenta como uma boa medida de discriminação dos níveis intelectuais classificados pelo manual do CPM.
Referências
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Endereço para correspondência
E-mail: marinfabian@yahoo.com.br
Recebido em junho de 2005
Aceito em março de 2006
Autores: 1 Fabián Javier Marín Rueda – Psicólogo, Mestre em Psicologia e Doutorando do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco. Bolsista CAPES.
2 Fermino Fernandes Sisto – Doutor pela Universidad Complutense de Madrid, Livre – Docente pela Unicamp e docente do curso de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia, da Universidade São Francisco, Campus Itatiba-SP.
* Este artigo é parte da Dissertação de Mestrado apresentada à Universidade São Francisco, Itatiba-SP. O estudo foi financiado pela CAPES.