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Aletheia
versão impressa ISSN 1413-0394
Aletheia n.23 Canoas jun. 2006
ARTIGOS DE ATUALIZAÇÃO
Comorbidades psiquiátricas no tabagismo
Smoking and psychiatric comorbidy
Paulo Renato Vitória Calheiros1, I; Margareth da Silva Oliveira2; Ilana Andretta3, I
I Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS
RESUMO
O uso de tabaco e comorbidades psiquiátricas vem sendo um tema amplamente estudado nos últimos tempos e faz-se necessário a contribuição científica para encontrarmos resultados mais contundentes a este problema de saúde pública. No presente artigo, serão discutidas as associações do tabagismo com as comorbidades psiquiátricas. A hipótese do uso da nicotina como uma tentativa para alívio do desconforto psicológico nos transtornos mentais será explanada. E finalmente serão apresentadas contribuições sobre conhecimentos de comorbidades psiquiátricas nas intervenções clínicas no tratamento do tabagismo. A associação entre tabagismo e comorbidades psiquiátricas foi estudada através de uma revisão de literatura. Os achados indicam comorbidades psiquiátricas no tabagismo relacionadas à maioria dos transtornos mentais. No entanto, transtornos de humor, de ansiedade, esquizofrenia e substâncias psicoativas são citados como os mais comumente relacionados.
Palavras-chave: Tabagismo, Dependência de nicotina, Comorbidades psiquiátricas.
ABSTRACT
Tobaccoism and psychiatric comorbities are themes that have been widely studied among the years, and it’s been detected the need of deeper investigation on the subject in order to have stronger scientific results in the field of public health issue. This article will present literature non systematic findings about associations between tobacco use and psychiatric disorders, including the use of nicotine as a reliever for psychological discomfort. Moreover, contributions on clinical interventions for tobacco users with comorbity patients are approached. The results point to an existing relation between almost all psychiatric disorders and tobacco use, however mood disorders, anxiety disorders, schizophrenia and psychoactive drug use are the most common ones.
Keywords: Tobaccoism, Use of nicotine and psychiatric comorbities.
Introdução
Comorbidade psiquiátrica no transtorno por uso de substância psicoativa, pode ser definida como a presença concomitante de transtornos mentais em um mesmo indivíduo ao uso de substâncias psicoativas (Forneiro, 1998). As características do efeito psicoativo da substância como a diminuição da ansiedade, euforia e outras sensações percebidas como prazerosas pelo usuário tendem a ser fortes reforçadores do uso, particularmente nos transtornos psiquiátricos devido às manifestações de sofrimento psicológico. Dessa forma, se constituem em fatores de vulnerabilidade para o uso abusivo de substâncias. Os dois fenômenos podem ainda estar relacionados simplesmente como uma coexistência fortuita de dois problemas freqüentes e, por último, existe a hipótese de predisposição genética comum (John, Meyer, Rumpf & Hapke, 2004).
Há a possibilidade de existência de fatores biológicos que poderiam predispor aos transtornos por uso de substâncias e também aos outros transtornos psiquiátricos. É preciso que também se considere a contribuição do contexto sócio-cultural sobre o consumo de uma determinada substância como o nível social-econômico, a propaganda, os modelos de identificação entre outros. Alguns desses fatores em um dado momento podem ter uma maior projeção, entretanto, é indispensável que não se descarte a possibilidade da existência de um entrelaçamento entre várias das situações discutidas acima (Orford, 1994).
Existem evidências demonstrando uma alta prevalência de transtornos psiquiátricos entre a população que faz uso de substâncias psicoativas. É alta a prevalência de dependência de nicotina e álcool entre os dependentes de outras drogas (Farrel & cols., 2001). O estudo realizado com uma amostra do National Household Survey on Drug Abuse (NHSDA) nos Estados Unidos, indicou uma correlação significativa entre abuso de drogas e comorbidades psiquiátricas. (Kandel, Huang & Davies, 2001)
No recente estudo de âmbito nacional nos Estados Unidos da América, realizado com 43.093 adultos, para avaliar comorbidades psiquiátricas em dependentes de nicotina (segundo critérios do DSM-IV), foi significativa a associação entre transtornos específicos do eixo I e II e dependência de nicotina (12,8%) considerando-se a população total de homens e mulheres. Entre a população nicotino-dependente, foi encontrado 7,1% de indivíduos com comorbidade psiquiátrica. (Grant, Hasin, Chou, Stinsone & Dawson, 2004)
Método
Será objeto desse estudo especificamente a questão da comorbidade psiquiátrica na dependência de nicotina. O objetivo é o de fazer uma revisão da literatura sobre o tema tabagismo e comorbidades psiquiátricas. Para esse fim, foram utilizados os descritores smoking, nicotine dependence, psychiatric disorders, psychiatric comorbidies, para revisão pelo sistema Medline, Lilacs PsycINFO de todas referências relevantes sobre o tema estudado entre os anos de 1993 até 2005 além de capítulos de livros.
Resultados
Existem evidências de uma estreita associação entre dependência à nicotina e presença concomitante de transtornos psiquiátricos (Schmitz, Kruse & Kugler, 2003; Upadhyaya, Deas, Brady & Kruesi, 2002). Breslau (1995) utilizando os dados de um estudo epidemiológico Norte-Americano realizado com uma amostra de jovens de ambos os sexos, encontrou a prevalência de dependência de nicotina em 20% dessa população. Entre os dependentes houve associação significativamente maior com álcool, transtorno de uso substâncias ilícitas, depressão maior, transtorno de ansiedade e história de manifestação precoce de transtorno de conduta, quando comparados com os não dependentes e não-fumantes. Nessa amostra, foram encontradas fortes associações entre o uso de substância, transtorno por uso de substância e a presença de transtorno mental.
No estudo de morbidade psiquiátrica realizado com uma amostra de 10.018 indivíduos da população da Grã-Bretanha, foi encontrado 12% de presença de qualquer transtorno psiquiátrico entre os indivíduos não-dependentes; em comparação com 22% na população de dependentes de nicotina, 30% entre os dependentes de álcool e 45% entre dependentes de outras drogas (Farrel & cols., 2001).
Mesmo quando se parte do caminho inverso, ou seja, quando a partir de amostras com indivíduos com transtornos mentais ou outras adições investiga-se o tabagismo, mais uma vez encontra-se um problema de grandes dimensões. Entre as pessoas com mais vulnerabilidades para dependência de nicotina, estão os pacientes psiquiátricos. Diferentes estudos planejados para o estudo da associação entre transtornos psiquiátricos e tabagismo, realizados a partir de amostras com pacientes psiquiátricos; têm encontrado evidências semelhantes. Em uma amostra de 4.414 indivíduos entre 15-54 anos de idade, foi verificado que os transtornos psiquiátricos são preditores de aumento de risco do uso diário de tabaco e posterior progressão para o tabagismo. O aumento de risco de tabagismo foi considerado para maioria dos transtornos estudados, incluindo Transtornos de Humor, Transtornos de Ansiedade e Transtorno por Uso de Substâncias Psicoativas (Breslau, Novak & Kessler – a, 2004).
Alguns desses autores também sugerem que pacientes psiquiátricos apresentam dependência mais intensa que fumantes sem comorbidade (Breslau & cols., 2004; Rondina, Gorayeb & Botelho, 2003; Pomerleau, Marks & Pomerleau, 2000). Estudos sobre genética, neuroimagem e receptores de nicotina dão o suporte neurobiológico da relação entre tabagismo e dependência de álcool, dependência de outras drogas, esquizofrenia, depressão, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade ou transtornos de ansiedade (Williams & Ziedonis, 2004; Salin-Pascual, Alcocer-Castillejos & Alejo-Galarza, 2003).
Apesar de todas essas evidências, muitas vezes o diagnóstico de tabagismo não é realizado entre os pacientes de unidades psiquiátricas. Em virtude disso, podem surgir algumas dificuldades na compreensão e no tratamento desses pacientes como, por exemplo, quando os sintomas de abstinência de nicotina (ansiedade, irritabilidade, humor deprimido, insônia) são confundidos com os sintomas que levaram à internação (De Boni & Pechansky, 2003).
Entretanto, alguns pesquisadores brasileiros realizaram importantes estudos como o do Serviço de Psiquiatria do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, que avaliou a prevalência de tabagismo na Unidade de Internação Psiquiátrica. Foram realizados três censos consecutivos, com intervalo de trinta dias, em 103 pacientes internados na Unidade, utilizando o Questionário de Fagerström (FDNT, Fagerström, 1978). A prevalência de tabagismo foi de 46,7%, 54,3% e 38,9% no primeiro, segundo e terceiro censos, respectivamente (p>0,05). A dependência foi considerada grave em aproximadamente 50% dos tabagistas nos três censos Em um outro estudo, realizado com amostra clínica de pacientes psiquiátricos, foram indicados os transtornos de humor e de ansiedade como os mais prevalentes; entretanto, não foram descartados outros transtornos psiquiátricos (Silveira & Jorge, 1999).
Tabagismo e depressão
A depressão é a comorbidade psiquiátrica mais comumente associada à dependência de nicotina. A relação entre tabagismo e depressão é bidirecional. Recentes estudos focalizaram o impacto neurobiológico da nicotina no cérebro e a sua relação com a depressão. Fatores genéticos também são importantes e podem ocorrer em mais de 67% dos indivíduos ao longo do processo de iniciação, manutenção e dependência de nicotina (Paperwalla, Levin, Weiner & Saravay, 2004).
Em um estudo para examinar os efeitos de comorbidades psiquiátricas na sintomatologia da síndrome de abstinência de nicotina, foi observado que fumantes com altos escores nas medidas de depressão e ansiedade têm um risco maior de apresentar um nível mais elevado de sintomas na abstinência de nicotina. Tabagistas deprimidos podem fumar para aliviar seus sintomas e, dessa forma, reforçam o desejo de fumar (Glassman & cols., 1990). Estes pacientes têm menor possibilidade de sucesso em suas tentativas de parar de fumar; quando tentam parar são submetidos a um risco elevado de recaída. A abstinência de tabaco se constitui em um fator de risco para a manutenção ou desenvolvimento do quadro depressivo, uma vez que a nicotina ajuda a manter a homeostase interna (Laje, Berman & Glassman, 2001). Interfere nos sistemas neuroquímicos (neurorreguladores como acetilcolina, dopamina e norepinefrina), que, por seu turno, afetam circuitos neurais, tais como mecanismos reforçadores associados à regulação de humor (Windle & Windle, 2001). Sintomas depressivos estão relacionados à dependência de nicotina (John, Meyer, Rumpf & Hapke, 2004; Degenhardt & Hall, 2001; McKee, Maciejewski, Falba & Mazure, 2003). Tem sido bem documentado que indivíduos com depressão tendem a ter um nível maior de consumo de cigarros e de dependência de nicotina quando comparados àqueles sem depressão (Fergusson, Goodwin & Horwood, 2003).
A depressão maior ativa está associada com consumo diário de tabaco e progressão para dependência (Breslau & cols. – a, 2004). Murphy, Horton e Monson (2003) procuraram investigar a associação entre tabagismo e depressão, ao comparar achados de estudos populacionais utilizando dados de um período de 40 anos (1952, 1970 e 1992). Esse estudo concluiu que os indivíduos depressivos se envolviam mais com nicotina do que aqueles que nunca manifestaram depressão. Além disso, tinham mais probabilidade de iniciar a fumar, continuar fumando e de não parar. Em um estudo prospectivo duplo-cego, com uma amostra randomizada com um total de 784 fumantes, 17% apresentaram história de depressão maior (Cox & cols., 2004). Entre os pacientes bipolares foi encontrado diagnóstico de tabagismo em 55.1% contra 47.3% do grupo controle, formado por familiares dos pacientes (Üçok & cols., 2004). Tabagismo está associado com um alto risco de suicídio e de tentativas de suicídio (Malone & cols., 2003).
Turner (2002), investigando uma amostra clínica, verificou que não foi maior a prevalência de depressão em mulheres com dependência de nicotina quando comparadas àquelas sem dependência. Esses resultados foram confirmados em um estudo com população geral (Breslau, Novak & Kessler – b, 2004). Entretanto, a depressão foi considerada como uma influência negativa à cessação de fumar.
Entretanto, outros pesquisadores negam a demonstração de que o tabagismo está significativamente associado à depressão (Black, Zimmerman & Coryell, 1999; Federman, Costello, Angold, Farmer & Erkanli, 1997; Brown, Lewinsohn, Seeley & Wagner, 1996). Por outro lado, sugerem a hipótese da ligação indireta entre tabagismo e depressão. Por exemplo, em um estudo longitudinal investigando afro-americanos jovens, Miller-Johnson, Lochman, Coie, Terry e Hyman (1998) encontraram depressão associada com subseqüente uso de tabaco, mas somente na presença da associação com transtorno de conduta. Similarmente, achados de Breslau, Peterson, Schultz, Chilcoat e Andreski (1998) demonstraram que a história de problemas de conduta é preditor de ambos, tabagismo e depressão. Patton e cols. (1998) também acharam depressão como preditor de tabagismo, mas somente na presença de outras pessoas significativas fumantes.
Tabagismo e ansiedade
Estudos epidemiológicos e clínicos têm demonstrado uma associação positiva entre tabagismo e transtornos de ansiedade (Isensee, Wittchen, Stein, Hofler & Lieb, 2003; Peltzer, Malaka & Phaswana, 2002; Degenhardt & Hall 2001). Glassman, (1993) e Takemura, Kanuma, Kikuchy e Inaba (1999) sugeriram que a relação tabagismo-ansiedade depende do tipo ou diagnóstico do transtorno de ansiedade. A direção dessa associação e a sua relação com transtornos específicos não estão bem determinadas.
O consumo alto de cigarros (acima de 20 por dia) está associado a um maior risco de agorafobia, transtorno de ansiedade generalizada e transtorno de pânico em jovens adultos. Adolescentes tabagistas apresentam um risco maior de uso de álcool e outras drogas, ansiedade e transtornos de humor (Degenhardt & Hall, 2001). Johnson, Cohen, Pine, Klein, Kasen e Brook (2000), revelaram através de um estudo longitudinal, com uma amostra de 668 indivíduos, que o tabagismo, com consumo de um ou mais maços de cigarro por dia, durante a adolescência estava associado a um risco maior para o aparecimento de transtornos ansiosos como o pânico, agorafobia e ansiedade generalizada no início da vida adulta. O mesmo estudo não encontrou relação com transtorno obsessivo compulsivo e fobia social. Por outro lado, transtorno de ansiedade na juventude não é preditor de tabagismo na fase posterior do desenvolvimento.
Embora, atualmente exista pouco suporte teórico ou empírico para explicar o tabagismo nas pessoas com transtorno de ansiedade, o estudo recente de McCabe, Chudzik, Antony, Young, Swinson e Zolvensky (2004) procurou avaliar essa relação, com o objetivo de verificar a teoria de Zvolensky (Zvolensky, Schmidt & McCreary, 2003) que propõe a associação mais específica do tabagismo com transtorno de pânico do que com os outros transtornos de ansiedade. Esses autores examinaram o tabagismo em três transtornos de ansiedade: transtorno de pânico com e sem agarofobia, fobia social e transtorno obsessivo compulsivo. A maior proporção de relato de tabagismo foi encontrada no grupo de transtorno de pânico (40,4%), comparado com 20% no grupo com fobia social e 22.4% no grupo com transtorno obsessivo-compulsivo. No grupo com transtorno de pânico foi verificada ainda maior probabilidade de relato de consumo pesado de cigarros de tabaco (consumo de mais do que 10 cigarros por dia) do que nos outros grupos. Os fumantes tiveram maiores escores do que os não fumantes nas escalas que mediam depressão e ansiedade. As diferenças na ansiedade entre fumantes e não fumantes foram significativas e sugeriram uma ligação específica com transtorno de pânico.
Transtorno de stress pós-traumático e fobia social foram preditores de uso diário de tabaco e dependência de nicotina nas situações de casos ativos e remitentes. No caso da agorafobia e transtorno de pânico nenhuma das duas foi preditora de consumo diário de cigarros ou dependência de nicotina. Entretanto, história anterior de transtorno de pânico mostrou-se associada a um aumento do risco de dependência de nicotina (Breslau & cols., 2004). A quantidade de pessoas com transtorno de pânico que são tabagistas é desproporcionalmente maior ao de indivíduos com outros transtornos de ansiedade e da população geral. Pacientes com transtorno de pânico que fumavam regularmente relataram sintomas de ansiedade mais graves e maior prejuízo social quando comparados a pacientes com transtorno de pânico que não fumavam (Zvolensky & cols., 2003).
Tabagismo e outros transtornos
Embora o consumo de tabaco esteja decrescendo na população como um todo o mesmo não vem acontecendo entre a população de esquizofrênicos. Nos Estados Unidos 70% a 80% dos pacientes esquizofrênicos são fumantes; prevalências altas quando comparada à média de 50% nos outros tipos de transtornos, e com de 25% na população geral (Üçok & cols., 2004). No entanto, tais evidências não se comprovam na esquizofrenia catatônica que tem se mostrado uma exceção à regra (Unrod, Cook, Myers & Brown, 2004). Algumas possibilidades são levantadas para explicar a associação estreita entre tabagismo e esquizofrenia, entre elas são relatadas por pacientes esquizofrênicos a sensação de relaxamento, redução da ansiedade e dos efeitos colaterais das medicações e, ainda, o próprio reflexo do processo de institucionalização como o tédio (Rondina, Gorayeb & Botelho, 2003).
A iniciação no uso de álcool e outras drogas aumentam o risco de co-ocorrência de dependência de nicotina (Dierker, Avenenoli, Merikangas, Flaherty & Sto, 2001; Degenhardt & Hall, 2001). Como poderia se esperar, o tabagismo é endêmico entre dependentes de drogas ilícitas (Lemon, Friedamann & Stein, 2003). Existe associação muito significativa entre consumo de cannabis e tabaco (Degenhardt & Hall, 2001).
Oliveira (2001) encontrou numa população de 152 alcoolistas internados para tratamento 91% de prevalência do uso do tabaco. Transtorno por uso de álcool, abuso ou dependência pode aumentar a probabilidade de dependência de tabaco ao longo do processo de desenvolvimento humano. O alcoolismo é preditor de consumo persistente de cigarros (Breslau & cols., 2004; Jackson, Sher & Wood, 2000). O alcoolismo está fortemente associado ao tabagismo conforme foi evidenciado no estudo realizado com a população geral de Porto Alegre. Foi constatada ainda uma maior predominância de fumantes entre os alcoolistas e maior predominância de não-fumantes entre os não-alcoolistas (Chaieb & Castellarin, 1998).
O tabagismo está associado significativamente com um aumento na possibilidade de comorbidade com múltiplos transtornos psiquiátricos. Essa população tem menor êxito em se manter livre do tabaco (Ferguson & cols., 2003; Farrel & cols., 2001).
Os múltiplos efeitos positivos reforçadores da nicotina como melhoria do estado de humor, diminuição da ansiedade; aumento de concentração, pensamento e aprendizagem (Lopes & cols., 2002) têm a capacidade de auxiliar, pelo menos momentaneamente, as pessoas com transtornos mentais. Para ilustrar, pode-se utilizar especialmente a esquizofrenia, enfermidade na qual os pacientes com muita freqüência apresentam problemas cognitivos; por causa da doença ou mesmo pelo uso da medicação. Entre esses indivíduos, os efeitos da nicotina podem produzir um esperado alívio para o mal-estar.
Tabagismo na adolescência
São fortes as evidências que demonstram um alto índice de comorbidade psiquiátrica em crianças e adolescentes fumantes principalmente os transtornos de comportamentos disruptivos (tais como transtorno opositivo desafiador, transtorno de conduta, depressão maior e transtorno por uso de substâncias psicoativas. Tabagismo na adolescência parece ser um forte indicador de psicopatologia futura (Upadhyaya & cols., 2002).
Wilens e Dodson (2004) realizaram um estudo longitudinal com uma amostra de 177 meninos com idade entre 7 e 12 anos, avaliados anualmente até a idade de 15 anos. Nessa amostra encontraram um risco de 2.2 vezes maior de co-ocorrência de tabagismo e transtorno de déficit de atenção (TDAH). Os jovens com TDAH estão expostos a uma vulnerabilidade maior ao tabagismo (Tercyak & Audrain-McGovern, 2003; Upadhyaya & cols., 2002). Transtorno de conduta e também transtornos alimentares são associados ao tabagismo (Pomerleau & cols., 2000).
Conseqüências da comorbidade
Tabagistas com comorbidade psiquiátrica, detectáveis ou não no momento da consulta, apresentam um maior risco de manifestação ou intensificação dos sintomas da comorbidade durante a abstinência de nicotina. A síndrome de abstinência de nicotina pode exacerbar os sintomas dos transtornos psiquiátricos. Por exemplo, a síndrome de abstinência de nicotina pode se assemelhar ou até mesmo induzir a um quadro depressivo.
Esses pacientes estão mais propensos a maior dificuldade na obtenção e manutenção da abstinência, e aderem menos ao tratamento. Necessitam de cuidados mais intensivos, inclusive a avaliação cuidadosa para utilização de farmacoterapia adequada para o controle da comorbidade, não esquecendo da possibilidade de interação da nicotina com inúmeros medicamentos (Brasil Ministério da Saúde – INCA – 2001).
Devido a isso, a avaliação clínica e tratamento apropriado são essenciais para reduzir as altas taxas de morbidade e mortalidade associadas ao tabagismo nos pacientes com transtornos psiquiátricos. Dessa forma, os resultados no tratamento desses pacientes podem ser maximizados.
Considerações finais
A presença de comorbidade psiquiátrica em tabagistas é um dos fatores que pode comprometer a eficácia das diversas modalidades de intervenção terapêutica, sendo fundamental o correto diagnóstico das patologias envolvidas.
Qualquer transtorno psiquiátrico, os transtornos de humor, alguns dos transtornos de ansiedade, outros transtornos de uso de substância psicoativa e esquizofrenia foram aqueles que apareceram nessa revisão como as comorbidades mais freqüentemente associadas ao tabagismo.
A hipótese de automedicação é uma das duas propostas existentes para explanação da associação entre fumo e depressão. Esta hipótese explica a associação como um reflexo de um processo de automedicação no qual o indivíduo depressivo fuma para aliviar os seus sintomas de depressão, este comportamento conseqüentemente tem o efeito de aumentar, em longo prazo, o consumo de cigarros e os riscos de dependência a nicotina (Ludman, Curry, Grothaus, Graham, Stout & Lozano, 2002). Entretanto a dependência de nicotina aumenta a suscetibilidade individual à depressão. Embora se possa evidenciar uma clara relação entre o comportamento de fumar e depressão ainda há a necessidade de maiores esclarecimentos como, por exemplo, a direção dessa relação (Choi, Patten, Gillin, Kaplan & Pierce, 1997).
A nicotina é uma droga estimulante que faz com que o cérebro libere uma grande variedade de neurotransmissores. Alguns deles, como a beta-endorfina e a norepinefrina podem propiciar ao fumante uma sensação de bem-estar. O ato de fumar pode afastar momentaneamente alguma situação estressante, pode distrair o indivíduo de seus problemas. Ainda a pessoa dependente de nicotina irá se sentir melhor depois de fumar, porque esse ato aliviará seus sintomas de abstinência.
Dessa forma, é plausível a hipótese que fumantes com comorbidade psiquiátrica podem estar fazendo uma tentativa de automedicação dos sintomas do transtorno psiquiátrico, ou também buscando alívio de efeitos colaterais de medicação. No entanto, essa continuará sendo somente uma hipótese que pode ser comprovada segundo uma abordagem específica do problema.
Como já foi dito anteriormente tabagismo e comorbidade psiquiátrica são problemas humanos complexos que necessitam ser vistos, também por diferentes correntes do pensamento científico atual como a introdução de técnicas de pesquisa qualitativa. Para que se somem às informações quantitativas os sentimentos, as diferentes formas de percepção da realidade e outros achados qualitativos.
Não obstante, Chassin, Presson, Sherman e Kim (2002) encontraram em seguimento de pacientes tabagistas que haviam obtido sucesso em parar de fumar uma significativa diminuição nos sintomas de estresse e perda do estado de humor negativo. Os benefícios em parar foram tão substanciais que no final os ‘ex-tabagistas’ não se distinguiam daqueles que nunca haviam fumado.
A abordagem da questão da comorbidade psiquiátrica ofere ce inúmeros benefícios aos pacientes. Apesar disso, poucas pesquisas têm sido realizadas sobre o tratamento do tabagismo entre esses pacientes. Sugere-se para esse grupo de pacientes a organização de programas de tratamento especialmente construídos para contemplar essa relação (Hughes, 2003; Patkar, Vergare, Batra, Weinstein & Leone, 2003). E que o terapeuta focalize primeiramente o problema que está mais acessível à intervenção, tendo em mente que cada paciente pode estar em um estágio diferente para o(s) outro(s) problema(s).
Referências
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Endereço para correspondência
E-mail: paulorvcalheiros@yahoo.com.br
Recebido em agosto de 2005
Aceito em novembro de 2005
Autores: 1 Paulo Renato Vitória Calheiros – Psicólogo. Doutorando em Psicologia, PUCRS.
2 Margareth da Silva Oliveira – Psicóloga. Doutora em Ciências da Saúde, PUCRS.
3 Ilana Andretta – Psicóloga. Doutoranda em Psicologia, PUCRS.