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Aletheia
versão impressa ISSN 1413-0394
Aletheia n.27 Canoas jun. 2008
ARTIGOS DE ATUALIZAÇÃO
Psicoterapia de casal: modelos e perspectivas
Couple psychotherapy: Models and perspectives
Terezinha Féres-CarneiroI,*; Orestes Diniz NetoII,**
I Pontifícia Universidade Católica-Rio. Departamento de Psicologia
II Universidade Federal de Minas Gerais/Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Departamento de Psicologia
RESUMO
Discute-se, neste trabalho, o surgimento e a articulação de modelos de psicoterapia de casal, emergentes no final do século XX e início do século XXI. Para tanto foram utilizados artigos de revisão sobre psicoterapia de casal publicados e indexados ao Psiclit, de 1980 até agosto de 2006, sob as palavras-chave: review, marital therapy e couple therapy. São focadas diferentes propostas de articulação de modelos de diversas abordagens, discutindo-se, metodologicamente, questões técnicas e/ou teóricas. Propostas de integração de diferentes áreas com a psicoterapia de casal tais como, psicoterapia breve, terapia sexual, psiquiatria são discutidas. Implicações para novas direções de estudo são indicadas.
Palavras-chave: Terapia de casal, Modelos, Metodologia.
ABSTRACT
This paper aims to discuss the origin and articulation between models of couple therapy in the end of the XX century and beginning of the XXI century. For such, revision articles about couple psychotherapy that were published and indexed to the Psiclit, from 1980 to7 august 2006, under the keywords: review, marital therapy and couple therapy were used. The focus is on different proposals for the articulation of models from different approaches, which are discussed methodologically in their technical and/or theoretical contributions. Proposals of integration between different perspectives for couple psychotherapy such as brief psychotherapy, sexual therapy, and psychiatry are discussed. The implications for new directions of study are indicated.
Keywords: Couple therapy, Models, Methodology.
Introdução
O objetivo deste trabalho é realizar uma revisão da construção e da articulação de modelos de psicoterapia de casal do final do século XX início do século XXI. Para tanto foram utilizados artigos de revisão sobre psicoterapia de casal publicados e indexados ao Psiclit, de 1980 até agosto de 2006, sob as palavras-chave: review, marital therapy e couple therapy. Estes artigos apontam convergências na importância dada ao surgimento de modelos e metodologias de diferentes orientações, como respostas a críticas e desenvolvimentos metodológicos. Uma abordagem compreensiva e comparativa é utilizada para delinear a visão predominante desses revisores sobre a psicoterapia de casal em relação ao surgimento de alguns dos principais modelos e suas possíveis articulações.
Diversos autores de revisões sobre história da terapia de casal, quando examinados em conjunto, parecem concordar que predominaram, na história conceitual, pelo menos quatro fases metodológicas e conceituais (Gurman & Fraenkel, 2002; Gurman & Jacobson 1995; Johnson & Lebow, 2000). A primeira fase começa com a abordagem do aconselhamento matrimonial, que se orientava por teorias psicológicas ecléticas e indiferenciadas durando da década de trinta até aproximadamente a década de sessenta. A segunda fase caracterizou-se pela aplicação do método e de teorias psicanalíticas à terapia de casal, sobrepondo-se parcialmente à primeira fase e influenciando fortemente o pensamento dos teóricos de aconselhamento de casal, da década de quarenta ao final dos anos sessenta. Já a terceira fase foi marcada pela introdução do enfoque sistêmico familiar na década de sessenta e o seu predomínio na abordagem de casais e famílias até a metade da década de oitenta. E na quarta fase, com a diversificação de modelos e abordagens, ocorreu o aparecimento de esforços de articulação entre os diferentes enfoques (Gurman & Fraenkel, 2002).
Novos modelos e articulações
Muitas das abordagens teóricas que orientaram o campo da psicoterapia demonstraram a eficácia de seus modelos durante a década de 1970 e 1980 (Garsk & Lynn, 1985; Smith, Glass & Miller, 1980a). Assim, diversos autores, de modo mais confiante, procuraram expandir suas propostas para outras situações, para além da terapia individual, gerando novos modelos de tratamento. Alguns, dos mais significativos, de acordo com algumas das principais revisões sobre o desenvolvimento da psicoterapia de casal serão abordados a seguir apenas em suas contribuições e relevância para o campo (Ferés-Carneiro, 1996; Johnson & Lebow, 2000).
O enfoque comportamental
A terapia conjugal comportamental, mais do que qualquer outra abordagem no campo da terapia de casal, procura fundamentar-se fortemente em pesquisas empíricas. Em uma primeira fase, podemos observar a aplicação quase ingênua, de princípios comportamentais. Duas estratégias terapêuticas marcam esta etapa: a mudança terapêutica do padrão de trocas, e o desenvolvimento de habilidades. Em um primeiro momento foi proposta uma simples mudança na "troca de comportamentos" entre os cônjuges que, como método de intervenção, supostamente alteraria o padrão conjugal.
No processo terapêutico, a ênfase estava na identificação de mudanças desejáveis para a interação e, então, em treinar estes comportamentos, em uma altamente estruturada seqüência de reforçamento mútuo (Stuart, 1969). Esse estilo de remanejamento da interação conjugal foi substituído, à medida que seus resultados foram pouco animadores, por uma proposta de um "contrato de boa fé", no qual os comportamentos não seriam especificados e trocados de forma pareada, de um modo quase comercial, mas deveriam ocorrer de forma unilateral, e, de preferência, simultaneamente (Weiss, Bircher & Vincent, 1974). Uma das razões desta mudança de ênfase reside no fato de que os primeiros terapeutas comportamentais de casal não compreenderam adequadamente o conceito de quid pro quo (Laderer & Jackson, 1966). Interpretaram-no mais como um sistema de trocas ponto a ponto do que como, de uma perspectiva mais ampla, os parceiros definem-se a si-mesmos na relação.
Partindo do enfoque de desenvolvimento de habilidades, a terapia comportamental de casais colocou ênfase no ensino de habilidades comunicacionais e na solução de problemas dos casais, que supostamente envolveriam padrões saudáveis de casamentos satisfatórios. Estas habilidades seriam ensinadas aos casais em módulos, em uma seqüência pré-estabelecida. Curiosamente, a característica fundamental das abordagens comportamentais em terapia, incluindo a terapia comportamental de casais, a análise funcional parece ter sido desconsiderada. Desta forma, usualmente falhavam em uma importante distinção funcional comportamental; entre um problema de aquisição de uma habilidade e de sua performance, isto é, na diferença entre a aprendizagem e o uso de uma habilidade já adquirida, mas não exercida, suficientemente, em um relacionamento (Gurman & Fraenkel, 2002).
Uma segunda fase na terapia comportamental de casais foi marcada pelo desenvolvimento do modelo que Jacobson e Christesen (1996) chamaram de terapia comportamental integrativa de casais, e que foi considerada uma evolução significativa. Essa e outras contribuições indicaram uma mudança na estratégia terapêutica, ou seja, do foco em mudanças comportamentais para a busca do aumento de aceitação mútua entre os cônjuges. Este desdobramento deveu-se a vários fatores, dentre eles a necessidade de desenvolver métodos para lidar com aspectos não abordáveis pelo treinamento de habilidades, e que levavam casais a permanecerem debatendo-se ao redor de questões insolúveis.
Um outro fator foi desencadeado pela necessidade de implementar novas formas de terapia, que contornassem a aparente paralisação da evolução do nível de eficácia da terapia comportamental de casais (Jacobson & Adis, 1993). Esta nova fase foi marcada por um aumento na melhora dos resultados terapêuticos e pela descoberta de que "... a nomenclatura de traços psicológicos é útil para compreender nossos clientes, tal como é útil para nos entendermos na vida do dia a dia." (Hamburg, 1996, p. 56).
Tal compreensão revela-se, por exemplo, no trabalho de Jacobson e Christensen (1996) que passou a enfocar e descrever temas recorrentes de dificuldades conjugais, em uma linguagem comportamental, como classes de resposta, ao invés de comportamentos específicos. A fase mais recente da terapia comportamental de casais foca aspectos da auto-regulação, como, por exemplo, o trabalho de Halford (1998), que envolve estratégias de mudança do comportamento do outro cônjuge, a partir de mudanças nos comportamentos conjugais do outro membro do casal.
Gurman e Fraenkel (2002) apontam que a aplicação de estratégias de autocontrole para mudança nas relações conjugais trouxe uma importante dimensão ao foco da terapia comportamental de casal, acrescentando múltiplos níveis de comportamento humano relevante. Curiosamente, abordagens comportamentais do autocontrole e de suas implicações para a terapia (Franks, 1969) já estavam disponíveis na década de 1960 quando aparece a primeira fase da terapia comportamental de casal.
A aplicação destas novas abordagens na terapia comportamental de casal, bem como a exploração da resposta fisiológica dos cônjuges à interação (Gottman, 1998), colocaram a possibilidade de que importantes resultados no tratamento possam ser alcançados nos próximos anos (Gurman & Fraenkel, 2002). Cabe notar, contudo, que a terapia comportamental de casal tem dado pouca atenção a fatores familiares e intergeracionais no conflito conjugal, o que talvez se constitua em uma importante lacuna no seu desenvolvimento teórico e na prática clínica correspondente.
Abordagens experienciais
Outros modelos foram desenvolvidos influenciados pela visão humanística, mas integrando contribuições de outras abordagens. Este é o caso da escola de terapia de casal focada na emoção, que é a primeira grande reaproximação entre a tradição de terapia de família e casal e a abordagem humanística e experiencial, propostas por grandes autores como Carl Rogers (1970), Fritz Pearls (1977), seguindo uma perspectiva inicialmente desenvolvida por Virginia Satir (1964). Trata-se também de uma escola com grande base empírica e de importância histórica (Gurman & Fraenkel, 2002).
A premissa fundamental da terapia de casal focada na emoção postula que seres humanos têm uma necessidade inata para contatos emocionais consistentes, seguros e íntimos. Assim, o conflito conjugal é visto como dependente da maneira como a necessidade de ligação afetiva é expressa e satisfeita emocionalmente. Teoricamente, a terapia de casal focada na emoção fundamenta-se nas teorias de relação de objeto, no entanto, seus métodos e técnicas diferem daqueles que prezam a interpretação terapêutica (Johnson, Husley, Greenberg & Schindler, 1999). Contrastando com as abordagens estratégica e comportamental, a terapia de casal focada na emoção vê a emoção como o organizador primário da experiência íntima, influenciando significativamente os padrões interacionais, percepções e atribuições de significado das interações. Assim, os objetivos terapêuticos são dois: explorar a visão que cada parceiro tem sobre si-mesmo e sobre o outro, como organizada pela experiência afetiva imediata; e auxiliar os cônjuges a acessar os sentimentos não reconhecidos em si mesmo e no parceiro, criando meios para sua expressão na sessão terapêutica.
A capacidade de solução de problemas é alcançada de modo não intencional, evitando-se o treinamento de métodos específicos, como em outros modelos, como na terapia comportamental de casal. Assim, espera-se que ocorra espontaneamente, a partir do desenvolvimento da capacidade de comunicação emocional, o desenvolvimento de novas formas de se relacionar. Diversas técnicas foram descritas (Johnson & Greenberg, 1995), tais como o "ciclo de desescalação", no qual o terapeuta cria uma aliança com o casal, delineando núcleos do conflito, mapeando situações problemáticas recorrentes e os padrões de interação insatisfatórios, acessando e facilitando a expressão de sentimentos não reconhecidos, e re-enquadrando os problemas à luz destes sentimentos. Outra técnica proposta refere-se à "mudança de posições interacionais", na qual os parceiros são convidados a se identificar com as necessidades do outro, encorajando a aceitação da experiência emocional e explicitando, de modo claro, as necessidades emocionais de cada cônjuge. E ainda a técnica de "consolidação e integração", na qual se desenvolvem novas soluções para velhos problemas, consolidando posições e padrões de ligação afetiva emergentes (Johnson, 1999).
O foco central da terapia é a expressão emocional, assim, o terapeuta não se preocupa em explorar o passado, interpretar motivações, desejos ou conflitos inconscientes, ou ensinar habilidades interpessoais e comunicacionais. A terapia de casal focada na emoção tem encontrado bases empíricas para sua prática e, mais do que outras abordagens de terapia de casal, tem apontado o lugar relevante do si-mesmo de cada cônjuge, respeitando sua fenomenologia e subjetividade, mantendo ainda uma visão do casal como sistema. Como notam Schwartz e Johnson (2000): "...o campo da terapia de casal está lentamente retomando aquele `pega-toca' visionário de Virginia Satir e se livrando de sua herança não emocional."( p. 29).
Outra contribuição significativa é o trabalho de Snyder (1999), que postulou a terapia de casal orientada para o insight, apresentando estudos e pesquisas sobre o seu desenvolvimento, bem como demonstrando a sua eficácia a longo prazo. Embora as raízes da abordagem da terapia de casal orientada para o insight remontem aos métodos psicodinâmicos da década de 1960, ela é, até o presente, o método com as bases empíricas mais relevantes para a fundamentação deste enfoque e para a re-emergência dos procedimentos da abordagem psicodinâmica de casais daquele período.
Contudo, a terapia de casal orientada para o insight não é uma abordagem psicanalítica ou mesmo uma abordagem puramente de relações objetais. Ela enfatiza as disposições relacionais do indivíduo e seus núcleos temáticos individuais associados, gerados nas relações íntimas, incluindo a família de origem. Dois núcleos teóricos sustentam este modelo: a teoria dos papéis interpessoais (Anchin & Kiesler, 1982), e a teoria de esquema (Young, 1994) de orientação cognitivista. Porém, a teoria é psicodinâmica coincidindo com aspectos de modelos baseados na teoria de apego (Bolwby, 1985).
A terapia de casal orientada para o insight reconhece os processos e conflitos interpessoais e intrapessoais como reais e significativos para a qualidade da relação conjugal. As contradições e incongruências entre indivíduos, sobre suas expectativas e necessidades na relação, marcam a forma como o casal se organizará ao redor do que Snyder (1999) se refere como uma manutenção inadvertida dos parceiros de padrões mal-adaptativos de relacionamento. O terapeuta tem, como técnica central, a interpretação do comportamento, sentimento e cognições dos cônjuges, tanto no contexto atual como na história de vida do casal. Assim, da mesma forma que nas primeiras abordagens de terapia psicanalítica de casal (Gurman & Fraenkel, 2002), a terapia de casal orientada para o insight também reconhece a presença, como clinicamente significativos, de elementos colusivos, ou seja, da identificação projetiva recíproca, que ocorre entre os membros do casal.
A terapia de casal orientada para o insight pode ser vista como um quadro de referência para a organização de intervenções e o seqüenciamento do uso de técnicas interpretativas, cognitivas, experiênciais e comportamentais. A busca pelo insight, como meio de compreensão e modificação, é mediada pela interação terapêutica que, na fase de "reconstrução afetiva", o principal momento da terapia, buscará a compreensão de temas mal-adaptados, tais como sua origem desenvolvimental, as conexões com as primeiras experiências, os medos e dificuldades atuais (Gurman & Fraenkel, 2002). Da mesma forma que a terapia de casal focada na emoção, a terapia de casal orientada para o insight representa a re-introdução de questões relacionadas ao "si-mesmo", no contexto da terapia de casal. Para estes autores essa é uma importante tendência e, provavelmente, representa a retomada de um tema relevante, que foi, indevidamente, relegado ao segundo plano.
Abordagens psicodinâmicas
Gurman e Fraenkel (2002) consideram que o interesse na abordagem psicodinâmica re-emergiu na década de oitenta, facilitado por três importantes eventos. O primeiro ocorreu na medida em que pesquisadores de terapia de casal contribuíram significativamente para o refinamento de técnicas e a construção de manuais de tratamento que orientariam a prática terapêutica. Isto permitiu seu uso em estudos de resultados de eficácia. O segundo deveu-se ao surgimento de um grande número de modelos de terapia integrativos, com elementos psicodinâmicos. E, o terceiro, ocorrido na década de 1980, está relacionado ao grande número de clínicos, que trabalhando independentemente, publicaram estudos nos quais procuram desenvolver e explorar teorias, fundamentadas nas relações objetais, e técnicas para terapia de casal, refinando intervenções e estratégias (Bader & Pearson, 1988; Naldelson, 1978; Sharff & Scharff, 1991; Siegel, 1992, Solomon, 1989; Willi, 1982).
Outros autores, como Ruffiot (1981), Eiguer (1984) e Lemaire (1988) desenvolveram, a partir da psicanálise de grupo, modelos psicanalíticos de atendimento a casais. Estes estudos objetivaram facilitar a individuação, modificar as defesas diádicas e individuais, tornando-as mais flexíveis, e aumentar as capacidades dos membros do casal de suportar e apoiar as dificuldades emocionais do parceiro (Féres-Carneiro, 1996; Gurman & Fraenkel, 2002).
Todos os métodos de terapia psicodinâmica de casal atribuem importância central à comunicação inconsciente e aos processos de manutenção de relações que caracterizam a conjugalidade. Embora muitos destes métodos utilizem diferentes técnicas e intervenções, todos parecem estar em débito com as contribuições de Dicks (1967) sobre as relações objetais na cena conjugal. Entre os conceitos centrais desta abordagem estão: a identificação projetiva, o splitting, a colusão, o holding e a contenção (Cathedrall, 1992). Assim parece que, como colocam Gurman e Fraenkel (2002), "quaisquer que sejam as explicações para o renovado interesse na psicodinâmica do casal, no nascimento deste milênio, parece que este interesse voltou contribuindo para o enriquecimento do campo" (p. 227).
Campos de diálogo e articulação
O campo da terapia de casal tem assistido, na sua quarta fase, a importantes diálogos e relacionamentos sinérgicos entre diferentes perspectivas, levando à integração e ao enriquecimento de modelos (Gurman & Fraenkel, 2002). Tendências e focos, anteriormente vistos como estanques, passaram a ser explorados conjuntamente, criando espaços interdisciplinares e transdisciplinares. Quatro campos de diálogo parecem mais relevantes, pelo seu potencial e por já possuírem uma história consubstanciada. O primeiro campo refere-se à articulação de diferentes abordagens de terapia de casal, no qual diferentes escolas têm participado. O segundo trata da exploração das contribuições recíprocas entre a abordagem da terapia de casal e as contribuições da terapia breve. E, em terceiro lugar, parecem relevantes as discussões entre o campo da terapia de casal e o da terapia sexual. E, finalmente, têm ocorrido tentativas de articulação com a teoria do apego desenvolvida por Bowlby (1989).
Quanto ao primeiro campo, diversos autores procuram integrar modelos ressaltando as vantagens dos aspectos mais salientes de cada abordagem, desenvolvendo uma visão mais articulada da terapia de casal, combinando diferentes formatos de tratamento e modalidades. Os modelos propostos tendem a se agrupar epistemologicamente em dois grupos, sendo um pólo mais eclético, menos preocupado com a sua fundamentação teórica, enquanto em outro pólo outros modelos refletem uma busca de consistência epistemológica. Quanto ao primeiro pólo, alguns modelos destacam-se como a terapia integrada de múltiplos níveis, desenvolvida por Feldman (1985, 1992), um exemplo característico, que procura focar os aspectos comportamentais, psicodinâmicos, sistêmicos e biológicos do relacionamento conjugal. Feldman (1992) advoga o uso adequado de sessões individuais e conjuntas, em um desenho apropriado para cada caso.
Já a terapia integrativa centrada no problema, desenvolvida por Pinsof (1983, 1995), utiliza um enquadre teórico que permite tanto escolher o foco adequado a um certo caso clínico como avaliar a pertinência do uso de um certo modelo, baseado em princípios teóricos diferentes e o uso de intervenções. No modelo de Pinsof (1995), o terapeuta move-se no processo combinando intervenções de diferentes abordagens, de acordo com um plano de tratamento claramente delineado, que toma a forma de uma árvore de decisões. Assim, é possível escolher, com critério e a cada momento, modelos focados no presente, como o cognitivo, o comportamental ou estrutural, até modelos focados na historicidade, como o de relações objetais ou o modelo boweniano. Aspectos biológicos são também considerados nesta abordagem, levando a intervenções biológicas e farmacológicas.
A paleta terapêutica é outro método integrativo, desenvolvido por Fraenkel (1997), que procura, de modo similar aos modelos anteriores, oferecer um conjunto de princípios para a escolha de uma teoria em detrimento de outra, em diferentes momentos da psicoterapia. Estes autores parecem seguir as observações de Martim (1976, p.8), que asseverou: "aqueles que preferem ter de escolher entre apenas os aspectos do intrapessoal ou do interpessoal limitam a si-mesmos. Esta separação é artificial e não ocorre na natureza do ser humano".
Esta observação tem levado diferentes autores a enfatizar ambos os aspectos, intrapessoal e interpessoal, combinando diferentes abordagens, como Sager (1981) que, no seu modelo de contrato conjugal, dirigi-se tanto a aspectos verbalizados e conscientes de expectativas do laço conjugal, como a aspectos não verbalizados ou contratos inconscientes, fundamentando-se na teoria psicanalítica, mas ainda assim, fazendo uso seletivo de trocas comportamentais ponto a ponto. Nichols (1988), em seu modelo integrativo, fundamenta-se nas teorias de desenvolvimento e das relações objetais, mas também utiliza intervenções de trocas comportamentais, de treinamento comunicacional e de solução de problemas. A abordagem de sistemas internos de famílias de Schwartz (1995) combina o reconhecimento da experiência intrapsíquica, baseada na história e representação internalizadas de partes do si-mesmo, e os modos como esta influencia e é influenciada pela interação em andamento.
No pólo cujos modelos refletem uma preocupação com a consistência teórica e epistemológica, destacam-se várias propostas integrativas que procuram articular os aspectos intrapsíquicos e os interpessoais. Uma abordagem deste tipo foi proposta por Bagarozzi e Giddings (1983), que procuraram apresentar uma análise cognitivo-atribuicional de como parceiros reforçam e punem, mutuamente, os seus comportamentos, a partir de sua adequação, ou não, aos seus modelos representacionais internos. Deste modo, os cônjuges engajam-se em um padrão de escultura recíproca de seus modelos e comportamentos, mantendo uma conjunção emocional, através do processo projetivo. Para estes autores, tanto as dimensões conscientes como as inconscientes deveriam ser exploradas na terapia de casal.
Outra proposta significativa foi o modelo intersistêmico de Berman, Lief e Williams (1981), que combina uma teoria de contrato com a teoria de relações objetas a teoria de sistemas multigeracional, a teoria do desenvolvimento adulto, e a teoria de aprendizagem social. Este modelo foca, simultaneamente, o individual, o interacional em seu aspecto conjugal e o sistema intergeracional, delineando um conjunto de intervenções originárias de diferentes tradições terapêuticas.
O modelo de terapia de casal de abordagem combinada psicodinâmica-comportamental de Seagraves (1982) e a terapia de casal breve integrativa de comportamento profundo (Gurman, 2002) buscam modificar os modelos representacionais internos e interpessoais, tanto através de intervenções diretas comportamentais como através de meios interpretativos. Ambos os modelos vêem os diversos aspectos da personalidade dos cônjuges, como delineados e mantidos através de interações significativas. Assim, os autores concordam que intervenções diretivas e comportamentais podem servir como poderosos meios de mudança intrapsíquica.
Outras abordagens integrativas têm surgido a partir de modelos bem diversos como a abordagem sistêmica e a psicanalítica, em especial em aplicações a família como advoga Gutal (1983), que propõe uma aproximação entre a abordagem lacaniana e a abordagem sistêmica. Féres-Carneiro (1996) considera tal integração possível e desejável, e propõe a articulação dos enfoques sistêmicos e psicanalíticos, no atendimento a família e casais, a partir de uma tríplice chave de leitura que contempla o intrapsíquico, o interacional, o social, tal como foi também ressaltado por Lemaire (1988).
Diferentes modelos, que derivam da aplicação de diferentes abordagens, têm obtido, desde as décadas de 1970 e 1980, resultados comparáveis em termos de eficácia terapêutica. E, neste sentido, a pretensão de superioridade de uma abordagem sobre as demais, ainda está por se estabelecer, sendo considerada, atualmente, como improvável (Cordioli, 2002; Garsk & Lynn, 1985; Miller & cols., 1995; Pinsof & Wynne, 2002; Smith, Glass & Miller, 1980).
Por outro lado, diversas perspectivas têm convidado à criação de diferentes intervenções que parecem mais se complementar do que se opor. Porém, estes resultados indicam importantes questões que apontam para problemas epistemológicos básicos do campo da psicoterapia, envolvendo o que pode ser compreendido como uma crise paradigmática, no sentido kuhniano (Diniz-Neto, 1997; Diniz-Neto & Féres-Carneiro, 2005a). Estas tentativas de integração e cooperação devem ser entendidas como importantes contribuições para a superação de velhas rixas metodológicas e, um passo na direção de questões paradigmáticas fundamentais do campo da psicoterapia, em geral, e de casal, em particular.
O segundo campo de diálogo dá-se entre a psicoterapia de casal e a psicoterapia breve. Gurman (2001) observa que, comparativamente a intervenções psicoterapêuticas individuais, os modelos de terapia de casal tendem a ser breves, organizados de 15 a 20 sessões, em média. Tal tendência reflete um posicionamento basicamente orientado por atitudes comuns, tais como: parcimônia clínica, orientação desenvolvimentista centrada na emergência do problema em um momento específico, ênfase nas potencialidades do cliente, importância da indução de mudanças tanto fora como dentro do enquadre da terapia e foco centrado no presente. A essas características, soma-se a presença do cônjuge, estabelecendo uma relação potencialmente de maior influência que a relação terapeuta-cliente, como o enfatizado nas formas mais tradicionais de psicoterapia. Para Gurman (2001), quatro fatores técnicos comuns aos diversos modelos de terapia de casal também estão presentes na terapia breve.
Em primeiro lugar, destaca-se o significado e o uso do tempo, como recurso, assim como intervenção, incluindo o engajamento em uma perspectiva desenvolvimentista do aparecimento e da formação do problema, intervenções precoces, e uma flexibilidade na duração do tratamento. Em segundo lugar, a relação terapeuta-cliente (casal), em ambas as formas, exige uma postura mais ativa do terapeuta que deve intervir mais do que, usualmente o faz, em terapias individuais. Em terceiro lugar, as técnicas de tratamento, em terapia de casal e terapia breve, tendem a incluir tanto mudanças dentro do contexto da sessão de terapia como fora. E, em quarto lugar, a abordagem focal no tratamento dos sintomas, a pedra de toque da terapia breve, está presente também na terapia de casal. Assim, Gurman (2001) coloca que a questão da integração, entre terapia de casal e terapia breve, é muito mais de reconhecimento de similitudes e aproximações do que de criar um espaço teórico comum.
O terceiro campo de diálogo se estabelece entre a terapia de casal e terapia sexual, e tem sido objeto de controvérsia, praticamente, desde o surgimento quase simultâneo de ambas as abordagens. Esforços têm sido feitos na direção de um diálogo, e a existência do periódico Journal of Sexual e Marital Therapy indica esta tendência. Tal empenho é apoiado por importantes razões clínicas. Socialmente, a relação conjugal continua sendo a única instância, plenamente sancionada, na qual se espera a existência de vínculo e prática sexual. Do ponto de vista clínico, predominam, na prática terapêutica com casais, situações nas quais o casal experiencia dificuldades na esfera sexual, primariamente ou em consonância com outras dificuldades. Quase sempre, todos os casos envolvem pelo menos alguma discussão sobre a dimensão sexual do casal. Contudo, os campos da terapia de casal e terapia sexual são vistos ainda como separados e sem conexão.
Esta divergência parece ter origem em uma pressuposição que predominou, no campo de terapia de casal, qual seja, que a disfunção sexual é apenas um sintoma de uma outra dificuldade do casal, como medo de intimidade, jogos de poder, tentativas de desqualificação, dentre outras. Como resultado, o campo da terapia de casal não tem dado suficiente atenção à dimensão da sexualidade e das disfunções sexuais. Outra questão a ser considerada está relacionada ao fato de as técnicas de terapia sexual terem sido desenvolvidas em um foco comportamental, sendo carregadas das implicações desta abordagem.
Por outro lado, grande parte dos terapeutas de casal revela ter uma formação, primariamente, orientada pelas abordagens psicodinâmica e sistêmica, criando uma forte barreira ao diálogo (MacCarthy, 2002). Ao mesmo tempo em que terapeutas de casal defendem a integração e o diálogo mais sistemático de modelos com a terapia sexual, esta parece estar em declínio. Não por razões teóricas e metodológicas ou por ausência de resultados, pois alguns são realmente impressionantes, como os alcançados pelo método de Master e Jonhson (1990), mas por pressão de companhias de seguro, e ausência de reconhecimento da profissão. Como notam Gurman e Fraenkel (2002, p. 240):"Se houver uma substantiva e significativa integração do campo da terapia sexual e terapia de casal, novos líderes devem surgir com capacidade em ambos os domínios clínicos, e com um respeito equilibrado para a complementaridade, e os atributos potencialmente sinérgicos de ambos os domínios."
O quarto campo de diálogo refere-se à tentativa de articulação que vem ocorrendo entre a teoria de casal e a teoria do apego de Bowlby (1989) desenvolvida a partir de questões relacionadas ao estabelecimento dos vínculos iniciais entre a criança e sua mãe, ou quem exercer o seu papel. Sua abordagem partiu de uma visão psicanalítica, mas, ao incorporar métodos e modelos da etologia, da psicologia cognitiva e da teoria comunicacional, diferenciou-se, tornando-se uma contribuição original.
A teoria do apego descreve como, a partir do relacionamento com figuras significativas ao longo do desenvolvimento, é construído o modelo de apego, e este pode ser inferido pela maneira como o indivíduo sente-se, comporta-se e interage com pessoas significativas na sua vida atual. Uma importante conclusão a que Bowlby (1989, p. 24) chega é que "podemos seguramente concluir que os bebês humanos, como de outras espécies, são pré-programados para se desenvolverem de uma forma socialmente cooperativa; se isto ocorre ou não, depende do modo como são tratados". Assim, três modelos básicos podem se desenvolver: o modelo seguro, o ansioso e o evitativo. A teoria do apego considera a propensão para estabelecer laços emocionais íntimos com indivíduos especiais como um componente básico da natureza humana, já presente no neonato em forma germinal, e que continua na vida adulta e na velhice. O modelo de apego não é visto como pronto e acabado, mas em constante processo de elaboração, tanto para melhor quanto para pior, dependendo dos padrões de relação experimentados.
Nas últimas décadas, muitos estudos têm buscado identificar os fatores relacionados com a qualidade do relacionamento conjugal. E um dos mais promissores e examinados fatores tem sido o padrão de apego individual (Feeney, 1999). Esses estudos apoiam-se em uma relação de causalidade, na qual o modelo de apego, construído nas relações com figuras de apego significativas, é o antecedente para a formação do vínculo conjugal, emprestando estabilidade ou instabilidade e satisfação ou insatisfação. Contudo, como ressaltam Mikulinger e cols. (2002), as evidências produzidas por estes estudos não permitem a inferência de uma relação causal simples. De fato, as pesquisas envolvendo expectativas e crenças e satisfação conjugal encontraram que sujeitos com modelos seguros de apego tendem a acreditar no amor romântico e que o sentimento de enamoramento inicial pode, em alguns casos, nunca desaparecer (Hazan & Shaver, 1987). São também mais otimistas em relação ao casamento e relações amorosas (Carnelley & Janoff-Bulman, 1992). Além disto, sujeitos com modelos de apego seguro tendem a avaliar de modo mais positivo os diversos aspectos das relações conjugais (Feeney & Noller, 1992).
Estudos sobre modelos de apego também têm consistemente revelado que pessoas com diferentes estilos de modelos de apegos também diferem igualmente em relação à manutenção de relações conjugais de longo termo e ao grau de vulnerabilidade destas ao rompimento (Kirkipatrick & Davis, 1994). Pessoas seguras tendem a continuar seus relacionamentos e a suportar melhor as dificuldades nos mesmos e, conseqüentemente, exibem menores taxas de divórcio (Hill, Yong & North, 1994).
Contudo, estudos que procuram comparar estilos de medidas de apego globais e orientações específicas na conjugalidade encontram uma relação significativa entre relatos de apego seguro e de satisfação conjugal, mas, curiosamente, não demonstram relação entre estilo de apego global e satisfação com o relacionamento atual (Cowan & Cowan, 2001). Parece que o apego seguro em uma relação especifica é mais relevante para a satisfação com esta do que o estilo global de apego dos membros do casal.
Esses resultados levaram diversos autores a propor uma articulação entre o modelo sistêmico de relacionamento conjugal, e os aspectos intrapsíquicos do modelo de apego (Milkulinger & cols., 2002). Tal diálogo parece promissor ao fornecer um quadro de referência integrado, no qual aspectos de um modelo sistêmico não só são propostos sobre uma base de evidências empíricas, mas, também, propiciam um nível de articulação entre experiências individuais e interacionais. Articulações entre a teoria de apego e psicoterapia de casal tornam-se, assim, possíveis. Os desdobramentos desta empreitada poderão render importantes resultados nos anos vindouros.
Considerações finais
Na história do movimento da terapia de casal e de seus desdobramentos recentes, alguns pontos ressaltam-se como significativos. Em primeiro lugar, tem ocorrido a emergência de um renovado interesse do individual-no-casal, com estudos sobre a importância do papel do campo emocional, e do cognitivo, não só no estabelecimento de padrões atribuicionais, mas também na construção de campos de interpretação da interação conjugal. Além disso, tem-se apontado para a importância da capacidade dos cônjuges de influenciar o relacionamento do casal através de sua auto-regulação. Esses pontos têm levado ao equivalente de uma nova introdução do si-mesmo no sistema (Nichols, 1987).
Em segundo lugar, relacionado com a percepção da importância do individual no sistema conjugal, tem ocorrido uma reconsideração sobre o impacto dos transtornos psiquiátricos na vida do casal e do indivíduo. Modelos excessivamente simplistas, que colocam, ora na dimensão psíquica individual, ora na dimensão unicamente biológica, a origem e direção da evolução destes transtornos, têm-se revelado limitados. Os modelos com maior sucesso no tratamento de transtornos psiquiátricos têm focado a interação complexa de diversos fatores, tanto de ordem biológica, genética, ontológica, quanto sócio-cultural e econômica. Tais modelos têm incluído, também, fatores e efeitos de injunções sobre o indivíduo, suas relações e possibilidades de resposta, que geram sua experiência psíquica única em sua especificidade. Tratamentos multidisciplinares têm, em diversos estudos, alcançado resultados superiores a tratamento unidisciplinares (Diniz-Neto & Féres-Carneiro, 2005b; Gurman & Fraenkel, 2002).
Em terceiro lugar, as raízes históricas da terapia de casal revelam-se múltiplas, apesar das pretensões de afiliação a uma única abordagem afirmadas por alguns autores como Haley (1984). Assim, para uma avaliação criteriosa do seu desenvolvimento e tendências atuais, é fundamental que se compreenda a multiplicidade de olhares e investigações que moldaram tendências e revelaram potenciais, desde o movimento preventivo, derivado do ingênuo aconselhamento matrimonial, até a contribuição das visões psicanalíticas, humanistas ou derivadas da psicologia social, e não somente de teorias puramente sistêmicas. O diálogo entre essas diferentes perspectivas tem-se revelado fecundo. Podemos concordar com Gurman e Fraenkel (2002) quando afirmam que "ironicamente, apesar de sua longa história de lutas, marginalização e desmobilização profissional, a terapia de casal, no final do milênio, tem emergido como uma das mais vibrantes forças no domínio da terapia de família e psicoterapia em geral." (p. 248).
E, em quarto lugar, o desenvolvimento da terapia de casal e os estudos sobre sua eficácia têm demonstrado que nenhum outro método de intervenção possui um efeito clínico significativo em tantas e diferentes esferas da experiência humana. Assim, torna-se, cada vez mais, necessário o exame crítico dos resultados destes estudos e das diferentes direções que apontam.
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Endereço para correspondência
E-mail: terferca@puc-rio.br
Recebido em maio de 2007
Aceito em novembro de 2007
* Terezinha Féres-Carneiro: psicóloga; doutora em Psicologia Clínica (PUC/SP); pós-doutora em Terapia de Casal e Família (Universidade de Paris 5, Sorbonne); professora Titular do Departamento de Psicologia da PUC-Rio.
** Orestes Diniz Neto: psicólogo; doutor em Psicologia Clínica (PUC-Rio); professor do Departamento de Psicologia da FAFICH/UFMG.