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Aletheia
versão impressa ISSN 1413-0394
Aletheia n.28 Canoas dez. 2008
ARTIGOS DE PESQUISA
Estudo preliminar para a construção de uma escala de agressividade para universitários
Preliminary study to the construction of an Agressivety Scale for College students
Fermino Fernandes SistoI,*; Daniel BartholomeuII,III,**; Acácia Aparecida Angeli dos SantosII,***; Fabián Javier Marín RuedaII,****; Adriana Cristina Boulhoça SuehiroII,*****
I Universidade São Francisco, campus Itatiba. Curso de Psicologia. Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia
II Unianhaguera. Curso de Psicologia
III Centro Universitário Salesiano de São Paulo UNISAL, campus Americana. Curso de Psicologia
RESUMO
Esta pesquisa teve como objetivo analisar fatorialmente dois instrumentos para mensurar agressividade. Foram estudados 445 alunos, de ambos os sexos, dos cursos de Engenharia e Psicologia. A construção dos itens da escala para captar a agressividade em universitários teve como base critérios do CID-10 e DSM-IV. Os itens para a escala masculina foram separados da escala feminina por meio de uma análise do funcionamento diferencial dos itens. O estudo fatorial foi realizado separadamente por sexo, por meio de analise por componentes principais, com rotação Varimax. Na escala feminina foram encontrados três fatores e na masculina quatro, sendo os fatores condutas anti-sociais e condutas manipuladoras semelhantes em ambas as escalas e o fator irritabilidade característico da escala feminina e os fatores irresponsabilidade e negligência da escala masculina. A precisão por consistência interna forneceu índices, na maior parte, bons
Palavras-chave: Comportamentos agressivos, Ensino superior, Avaliação psicológica.
ABSTRACT
This study aimed to factorially analyze two tests to measure aggressiveness. Protocols of both sexes 445 students, attending at the courses of Engineering and Psychology of a private university of a city of the interior of the state of São Paulo were studied. In this research the criteria of the CID-10 and DSM-IV were used as base for the construction of a scale to assess the aggressiveness. The items of the male scale were separated from the female scale by means of an analysis of the items differential functioning, and they were analyzed using the principal components analysis with varimax rotation, The female scale showed three factors and the male ones presented four, being the antisocial and manipulative behaviors common of both scales, irritability factor characterized the female scale, and irresponsibility and neglected behaviors characterized the male scale. The reliability measured by internal consistence were predominantly good.
Keywords: Agressive behaviors, Higher education, Psychological assessment.
Introdução
O termo agressividade confunde-se, não só no linguajar coloquial, mas também na ciência, com o termo violência. Assim, muitos estudos que tratam sobre o tema, aparentemente evidenciam essa indiferenciação entre os dois termos, chegando por vezes a utilizá-los para indicar um único fenômeno, o que indicaria falta de consenso quanto ao significado de agressividade (Grisci, 1991; Moreira, 1982; Sisto, 2003, 2005; Sisto & Bazi, 2000).
A agressividade há muito vem sendo objeto de estudo da psicologia, embora seja ainda incipiente a preocupação em diferenciar o comportamento agressivo como uma energia positiva, que conduz o indivíduo na busca de soluções para seus problemas, de uma energia que redunda em alguma manifestação hostil seja bastante relevante. As pesquisas sobre o tema priorizam aspectos relacionados a ações hostis e destrutivas, enquanto poucos pesquisadores o investigaram sob a perspectiva de atividades voltadas, por exemplo, para o mundo exterior e à afirmação de si (Aquino, 1996; Fedeli, 1997). Como lembram Morais (1995) e Dadoun (1998), alguns autores como Wundt, James e Mc Dougall consideraravam a agressividade como um instinto primitivo atrelado à sobrevivência da espécie, estreitamente ligado à nutrição.
Na literatura sobre o tema encontraram-se estudos sobre uma ampla gama de aspectos concernentes à agressividade. Grisci (1991) investigou associações entre acidentes de trânsito e agressividade. A busca por influências de filmes considerados violentos sobre o comportamento de crianças, adolescentes e mesmo de adultos também caracterizou algumas pesquisas encontradas como as de Gomide, (2000) e Costa e Romanowski (1980). Foram encontradas também pesquisas que abordaram a agressividade do ponto de vista dos protagonistas e/ou das vítimas das agressões (Schraiber, D’Oliveira, França-Júnior & Pinho, 2002). Noutra perspectiva, algumas investigações verificaram a faixa etária em que se encontrava o sujeito ou a vítima de agressões (Araújo, 2002; Lordelo, Bastos & Alcântara, 2002; Meneguel, Giugliani & Falceto, 2000). Finalmente, alguns autores analisaram os efeitos da banalização da violência sobre a sociabilidade de alunos (Abramovay, Rua, Waiselfisz & Andrade, 1999; Cárdia, 1997; Meneghel & cols., 2000).
É importante destacar que a agressividade tem sido mais freqüentemente abordada no âmbito escolar, com um enfoque maior na violência tanto no cenário nacional como internacional (Sisto, 2003, 2005). A esse respeito, Spósito (2001) verificou que no Brasil, de 1980 a 1998, somente nove trabalhos de pós-graduação entre mestrados e doutorados, de um total de 8667 realizados, focalizaram a violência na escola. Isso indica uma enorme lacuna na literatura nacional no que tange a esse tema.
Estudando as situações comumente encontradas por professores nas escolas, Codo (1999) constatou que as depredações, furtos ou roubos em relação à escola, agressões físicas entre alunos e as agressões de alunos contra professores foram as que apresentaram maior prevalência. Corroborando este resultado, Tavares (1999) verificou que os episódios de violência na escola e os maiores índices de agressões foram contra a pessoa (professor e aluno), e incluíam lesões corporais, roubo (carros, dinheiro), brigas e invasões no espaço escolar.
Por sua vez, Camacho (2000) concluiu que os alunos de escolas de elite caracterizam-se por práticas de agressão, sobretudo verbais, realizadas em sala de aula e de maneira dissimulada, sendo que os negros, gordos, ‘feios’, e os suspeitos de homossexualidade foram os principais focos de tais agressões. Já os alunos de escolas públicas, manifestavam agressões verbais e físicas, em sua maioria, no horário do intervalo das aulas, sendo que os autores de tais condutas caracterizaram-se predominantemente por grupos com diferentes estilos e membros de gangues que se agrupavam para executar tais atos. Os resultados obtidos por Maldonado e Williams (2005) com meninos de escolas públicas localizadas em bairros considerados violentos em cidade do interior de São Paulo apontaram que a ocorrência de violência doméstica é mais freqüente e severa no grupo de crianças agressivas previamente identificadas como agressivas pelas professoras. As diferenças identificadas, entretanto, não foram tão acentuadas como seria esperado.
Ainda, Sisto (2003) utilizou o Teste Sociométrico para identificar se crianças rejeitadas percebiam-se como agressivas, utilizando, para isso, a Escala de Agressividade para Crianças e Jovens (Sisto & Bazi, 2000) que focaliza as situações familiar, escolar e geral. Dentre os resultados verificou-se que as meninas agressivas foram mais aceitas que os meninos. Observou-se também que as crianças mais velhas são mais agressivas, dada a correlação da agressividade com a idade. Os estudantes mais aceitos relataram menos comportamentos agressivos em situação escolar e no geral que os rejeitados, o que foi corroborado também pela análise de grupos extremos em relação à aceitação-rejeição. Entretanto, os coeficientes de correlação entre as medidas foram baixos, indicando que nem todas as crianças agressivas são rejeitadas.
Poucos estudos que objetivaram a construção e investigação das qualidades psicométricas de instrumentos para avaliar a agressividade foram recuperados em diferentes bases de dados. No entanto, alguns dos trabalhos encontrados merecem destaque entre os que foram desenvolvidos no exterior e também aqueles identificados no Brasil.
Investigando a validade de medidas de aprendizagem social para crianças agressivas por meio do procedimento multitraço-multimétodo de Campbell, Waksman (1978) constatou que as categorias de queixar-se, chorar e destrutividade forneceram evidência de validade convergente. Por sua vez, Bakker, Bakker e Breit (1978) desenvolveram um inventário de avaliação da assertividade-agressividade. O instrumento consistia de itens de auto-relato e mostrou correlações entre a agressividade, o nível de ocupação e o desempenho escolar, o que não foi observado na medida de assertividade.
Interessados em construir uma escala multidimensional de agressão para crianças pré-escolares, Abramson, Abramson, Wohlford e Berger (1974) analisaram as respostas de crianças a um questionário composto de uma entrevista estruturada que mensurava três dimensões de agressão quais sejam, intensidade, agente e direção. A correlação de Spearman obtida com um sistema de pontuação equivalente foi de 0,92, enquanto a precisão entre avaliadores foi de 0,83. Buss e Perry (1992) construíram um questionário de agressão para crianças, cuja análise fatorial forneceu quatro escalas, a saber: agressão física, verbal, raiva e hostilidade. Os autores concluíram que a raiva seria a ponte entre os demais tipos de comportamentos agressivos. As escalas mostraram consistência interna por alfa de Cronbach e estabilidade temporal satisfatórias. Sugeriram também que a agressividade não seja avaliada somente de forma geral, mas em seus componentes específicos.
Por sua vez, Rani (1994) desenvolveu medidas de expressão da agressão com mulheres indianas, abrangendo desde a infância até a velhice. Foram gerados 25 itens que foram agrupados pela análise fatorial em três fatores, agressão direta, indireta e agressão verbal. O instrumento apresentou ainda precisão por teste-reteste adequada.
Também Choynowski (1995) ocupou-se com o desenvolvimento de um inventário para mensurar agressividade como um traço de personalidade em adolescentes por meio da análise fatorial. As análises foram feitas com base nas respostas de adolescentes de ambos os sexos de escolas secundárias da Cidade do México e forneceram 13 escalas. A análise fatorial de segunda ordem resultou em 4 grandes fatores. O primeiro fator informava a respeito de não conformidade, agressão verbal, negativismo e crueldade e foi denominado rebeldia. O segundo, agressividade espontânea consistiu de fatores que incluíam agressão física, audácia, desonestidade e agressão explícita. O terceiro grande fator foi intra-agressividade e abarcou as subescalas de auto-agressão, ressentimento e desonestidade. Finalmente, irritabilidade, consistia de escalas de autocontrole. Os quatro fatores explicaram 64,75% da variância total.
No Brasil, Sisto e Bazi (2000) construíram uma escala de agressividade para crianças e jovens por meio da análise fatorial por componentes principais. Os resultados obtidos apontaram para uma estrutura de dois fatores, um referente à agressividade em situação escolar e outra na situação familiar. A soma das pontuações dessas duas subescalas fornece uma medida de agressividade geral. Esse instrumento possui 16 itens, sendo oito para a escala referente a agressividade escolar e oito para a familiar. Os valores de alfa obtidos variaram de 0,71 a 0,80, podendo serem considerados adequados.
Ainda, Sisto, Bartholomeu, Rueda e Granado (2005), pesquisando estudantes universitários procuraram diferenciar suas manifestações agressivas em razão do sexo, por meio de um instrumento de auto-relato. Nos resultados, encontraram que os homens tenderam a importunar mais as outras pessoas, destruírem coisas que não lhes pertenciam. Demonstraram ainda serem enganadores e violarem regras, desrespeitando a segurança própria e alheia. Também culpavam vítimas por coisas que fizeram, praticavam coação para obter favorecimentos, além de não demonstrarem arrependimento pelos seus atos e agredirem pessoas e animais, entre outras manifestações.
Em contrapartida, as mulheres caracterizaram-se por serem mais manipuladoras e irritadiças que os homens, fazendo uso de ataques de birra para conseguirem o que desejavam além de brigarem excessivamente. Apresentaram, ainda, mais humor deprimido bem como baixa tolerância a frustrações. Os autores concluíram que existe a possibilidade de que certos critérios possam caracterizar os indivíduos mais agressivos em relação ao gênero (Sisto & cols., 2005).
Finalmente, Sisto, Bartholomeu, Santos, Rueda e Suehiro (no prelo) investigaram o funcionamento diferencial de itens (DIF) em relação ao sexo de indicadores de condutas agressivas, constituídos com base nas definições dos transtornos de conduta do DSM-IV e CID-10, consubstanciados em um instrumento de auto-relato. Os participantes foram estudantes universitários de uma universidade particular. Foi constatada a existência de itens que favoreciam o sexo masculino e feminino, sugerindo que a construção de um instrumento para mensurar a agressividade deveria ser feita tendo por base o fato de que há uma diferença nas manifestações agressivas de homens e mulheres.
É interessante constatar que em muitas pesquisas brasileiras as avaliações são feitas com base nas informações fornecidas por professores, pais e/ou responsáveis. Nesse sentido, é importante ressaltar que a agressividade não possui uma forma única de expressão, havendo variações que vão desde manifestações públicas violentas até condutas bastante veladas. Nesse sentido, detectar uma ampla gama de condutas agressivas é bastante complicado, principalmente por observadores que ou não convivem todo o tempo com os observados e quando se considera que pessoas tendem a exercer certo controle nas atitudes agressivas de outras em determinadas situações sociais (Sisto, 2005). Nesse sentido, Ollendick, Oswald e Francis (1989) encontraram que as indicações de estudantes agressivos feitas por professores e pelos seus pares foram incongruentes, concluindo que a percepção de professores a esse respeito não seria precisa.
Outro fato que se pôde notar ao analisar mais detidamente a literatura nacional é o de que os trabalhos sobre agressividade, em sua maioria, utilizaram alunos do ensino fundamental e médio, havendo muito poucos que tratam dessa temática com adultos ou alunos do ensino superior (Sisto, Noronha & Santos, 2006; Sisto & cols, no prelo). Desse modo, estudos com essa população revelam-se pertinentes no sentido de se obter uma melhor caracterização das condutas agressivas para esses sujeitos.
Outro dado a se considerar consiste que dos instrumentos publicados pelas editoras brasileiras, não se encontrou nenhum específico para avaliar agressividade. Desse modo, as informações sobre agressividade ou são aferidas indiretamente ou por meio de coletas não caracterizadas dentro das normas da psicometria. Esse fato á ainda mais contundente quando se pensa no contexto universitário, no qual nenhuma pesquisa tem sido feita em relação à essa variável. Assim, considerou-se necessário o desenvolvimento de instrumentos com características psicométricas adequadas que possibilitassem mensurar a agressividade de forma mais sistemática e criteriosa.
Método
Participantes
Participaram do estudo 445 estudantes universitários voluntários dos cursos de Engenharia e Psicologia de uma universidade particular de uma cidade do interior do estado, com idades entre 18 e 65 anos (média=:25, DP=7,13), sendo que 57,2% dos indivíduos tinham até 23 anos. Do total de alunos, 57,3% eram do sexo feminino e 42,7% do sexo masculino.
Instrumento
Nesta pesquisa os critérios do CID-10 (Organização Mundial de Saúde, 1993) e DSM-IV (American Psychiatric Association, 1995) foram a base para a construção de uma escala para captar a agressividade em universitários. Nesses Manuais, essa variável é tida como uma nomenclatura técnica incluída em determinados tipos específicos de transtorno, como os Transtornos da Personalidade Anti-Social, Transtornos da Personalidade Borderline e Transtornos de Conduta que aludem diretamente para os comportamentos agressivos.
As condutas consideradas mais relevantes nesses tipos de transtornos foram destruir algo que não lhe pertence, importunar os outros, roubar, praticar contravenção, enganar, manipular, mentir, usar nomes falsos, violação de regras, ludibriar, fingir, desrespeitar a segurança própria, desrespeitar a segurança alheia, demonstrar indiferença pela conseqüência de seus atos, culpar as vítimas, atos de coação para obter favorecimento, não se arrepender, crueldade/agressão, minimizar conseqüências danosas de suas ações, ser incapaz de tolerar o tédio, baixa tolerância à frustração, auto-suficiência, fazer fofoca, irresponsabilidade persistente, ser provocativo e desafiador, usar termos técnicos para impressionar os outros, humor deprimido, manter relação sexual com menor de idade, fugir, violar regras, brigas excessivas, ataques de birra, irritabilidade persistente, impulsividade, não possuir simpatia, usar substâncias danosas.
Com base nessas condutas, foram elaborados 81 itens em forma de frases assertivas, em escala likert de três pontos variando entre, nunca (1), às vezes (2) e sempre (3). Assim, ao responder a escala, a pessoa assinalaria a freqüência com que tinha aquela conduta. A pontuação mínima que se poderia obter era de 81 pontos e a máxima 243.
Esse instrumento foi previamente estudado com vistas a analisar o funcionamento diferencial dos itens (DIF). Os resultados indicaram itens mais comuns às mulheres, outros itens que foram mais comuns aos homens e um conjunto de itens, cujo funcionamento não se diferenciava em razão do sexo. Para a construção dos instrumentos, os itens sem DIF fizeram parte de ambas as escalas, acrescidos dos mais comuns aos homens, no caso do escala masculina (total de 59 itens) e dos mais comuns às mulheres, no caso da escala feminina (total de 66 itens).
Procedimento
Tendo sido aprovado o projeto pelo comitê de ética, o instrumento foi aplicado em sala de aula, após a assinatura do termo de consentimento informado e esclarecido. Foi explicado aos participantes que se tratava de uma pesquisa, sendo solicitado que todos respondessem de forma sincera às questões.
Resultados
Estudo da escala feminina
A medida de adequação da amostra de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO=0,81) e o teste de esfericidade de Bartlett (X2 = 1800,99, p=0,000) indicaram a possibilidade de extração de mais de um fator para os 59 itens da escala feminina. Recorrendo-se à análise de componentes principais, com rotação varimax e eigenvalue igual ou superior a 1,0, foram extraídos dois, três e quatro fatores para análise heurística, buscando a solução que fornecesse uma boa interpretação para os fatores. Em decorrência dessa análise, optou-se pela configuração de três fatores. Em seguida, foram usados os critérios de saturação (0,35) e consistência interna, por meio do coeficiente alfa de Cronbach, para eliminação de itens. O resultado encontrado pode ser visto na Tabela 1.
Nessas condições, o instrumento ficou composto por 29 itens, distribuídos em três fatores, explicando 34,34% da variância. O Fator 1, com 13 itens, refere-se à irritabilidade (Ex. de item: Quando não fazem a minha vontade sinto-me irritado) e explicou 13,74% da variância; o Fator 2 com 7 itens relaciona-se a condutas manipuladoras (Ex. de item: Intimido as pessoas para que cedam aos meus objetivos) e foi responsável por 10,38% da variância total. Finalmente, o Fator 3 com 9 itens concerne a condutas anti-sociais (ex. de item: Quebro ou arranco plantas de jardins) e foi responsável por 10,21% da variância total.
Com a escala resultante, foram calculados os coeficientes de consistência interna de Cronbach, cujos valores de alfa foram de 0,80 para a subescala irritabilidade, de 0,70 para a subescala condutas manipuladoras e de 0,69 para a escala de condutas anti-sociais. Esses valores podem ser considerados satisfatórios, considerando que as subescalas de condutas anti-sociais e de condutas manipuladoras ficaram com menor número de itens.
Estudo da escala masculina
A medida de adequação da amostra de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO=0,75) e o teste de esfericidade de Bartlett (c2 = 1827,90, p=0,000) indicaram a possibilidade de extração de mais de um fator para os 66 itens da escala masculina. Novamente foi usada a análise de componentes principais, com rotação varimax e eigenvalue igual ou superior a 1,0 e foram extraídos dois, três e quatro fatores. A análise heurística possibilitou inferir que a solução de quatro fatores forneceu uma boa interpretação. Em seguida, para eliminação de itens foram usados os critérios de saturação (0,30) e consistência interna, estudada por meio do coeficiente alfa de Cronbach. Os itens e suas cargas fatoriais, bem como a variância explicada encontram-se na Tabela 2.
Nessas condições o instrumento ficou com 33 itens, distribuídos em quatro fatores, os quais explicaram 37,35% da variância. O Fator 1, com 11 itens, refere-se a condutas anti-sociais (Ex. de item: Estaciono o carro numa vaga para deficiente físico) e explicou 11,99% da variância; o Fator 2, com 10 itens, relaciona-se à irresponsabilidade (Ex. de item: Dirijo após a ingestão de bebidas alcoólicas) e abarcou 11,30% da variância total; o Fator 3, com 8 itens, concerne a condutas manipuladoras (Ex. de item: Gosto de controlar informações para os outros fazerem o que eu quero) e explicou 8,91% da variância; e, finalmente, o Fator 4, com 4 itens, diz respeito à inescrupulosidade (Ex. de item: Não sinto peso na consciência quando faço algo errado) e foi responsável por 6,07% da variância total.
Com o instrumento resultante desse estudo foram calculados os coeficientes de consistência interna de Cronbach, cujos valores de alfa foram de 0,78 para a subescala de condutas anti-sociais; de 0,77 para a subescala de irresponsabilidade; de 0,65 para a subescala de condutas manipuladoras; e de 0,59 para a subescala de inescrupulosidade. Os dois últimos valores podem ser considerados baixos, entretanto, novamente, há que se considerar o fato de o número de itens para essa subescala ser pequeno.
Discussão
As formas de construção das escalas masculina e feminina dificultaram a comparação com outros estudos já que, via de regra, as diferenças entre os sexos são analisadas a posteriori. No caso do presente estudo, foram consideradas duas escalas, cada uma com condutas mais típicas de um sexo em particular, como também com itens comuns.
A escala feminina englobou três fatores que foram interpretados como irritabilidade (fator 1), condutas manipuladoras (fator2) e condutas anti-sociais (fator 3). Por sua vez, a escala masculina possibilitou a extração de quatro fatores, a saber, condutas anti-sociais (fator 1), irresponsabilidade (fator 2), condutas manipuladoras (fator 3) e escrupulosidade (fator 4). Dois dos fatores de ambas as escalas ficaram muito semelhantes e puderam ser interpretados com o mesmo nome, quais sejam, condutas anti-sociais e condutas manipuladoras. Entretanto, diferenças ficaram nítidas em relação ao fator irritabilidade, comum às mulheres e aos fatores irresponsabilidade e inescrupolosidade, comum aos homens.
Em relação à escala feminina, o primeiro fator refere-se à irritabilidade e envolve condutas relacionadas a uma condição do indivíduo de reagir aos estímulos do ambiente, irritando-se facilmente e executando comportamentos dissimulados para favorecê-lo em situações não favoráveis. Caprara (1986) chegou a conclusões similares em seu trabalho para desenvolver uma escala de agressividade, sugerindo que um fator de irritabilidade explicaria uma parte das manifestações agressivas das pessoas, sendo esse definido como tendência para reagir ofensivamente a provocações. O autor também encontrou nesse estudo um outro fator relativo à susceptibilidade emocional, que indica sentimentos de inadequação associados com baixo controle emocional, aspecto também evidenciado em alguns itens da subescala irritabilidade na presente pesquisa. Também, de forma congruente com os resultados aqui obtidos, a pesquisa desenvolvida por Choynowski (1995) indicou a existência de um fator de irritabilidade em suas análises dos comportamentos agressivos de adolescentes.
O segundo fator encontrado na escala feminina referiu-se a condutas manipuladoras já que os itens referem-se a comportamentos feitos em relação a outrem com o intuito de fazer sempre a vontade própria e prejudicar os demais. Finalmente, o terceiro fator foi denominado comportamentos anti-sociais, englobando condutas que causassem algum tipo de dano a outrem. Essa questão da manipulação e comportamentos anti-sociais não foram identificados nas pesquisas analisadas, sendo que a maior parte delas indicou manifestações agressivas no sentido de sua intensidade, agente, agressão direta ou indireta, explícita entre outras (Abramson & cols., 1974; Choynowski, 1995).
No que concerne à escala masculina, o primeiro fator está relacionado a condutas anti-sociais e apresenta itens que caracterizam condutas que trazem danos a outras pessoas; o segundo fator concerne à irresponsabilidade, e envolve comportamentos emitidos em situações que oferecem algum tipo de perigo; o terceiro fator foi denominado condutas manipuladoras, já que os itens referem-se a comportamentos em relação a outrem com o intuito de fazer sempre a vontade própria e prejudicar os demais; finalmente, o quarto fator caracteriza a inescrupulosidade, sendo que indivíduos com altas pontuações neste fator mostram-se relapsos e insensíveis. Em seu estudo, Choynowski (1995) identificou um componente de crueldade em alguns itens do fator denominado Rebeldia, esse componente também foi identificado em algumas questões do fator relacionado a comportamentos anti-sociais. Além disso, o autor identificou um outro componente de desonestidade no fator de Agressividade espontânea, que foi aferido em algumas questões do fator de comportamentos manipuladores.
A consistência interna encontrada tanto para a escala masculina, como para a feminina e a cada subescala em particular, foi estimada pelo alfa de Cronbach. Essas análises forneceram índices que podem ser considerados dentro dos parâmetros usuais e aceitos.
No que concerne à diferença encontrada nos itens em relação ao sexo, verificou-se que, Sisto e colaboradores (2005), num estudo para captar tais diferenças nesses grupos, observaram que as manifestações agressivas tipicamente masculinas seriam referentes à tendência a importunar os demais, destruição de algo que não lhes pertence, tendência a serem enganadores e violarem regras, desrespeito a segurança própria e alheia. Além disso, culpavam outros por coisas que fizeram, praticam coação, e não demonstram arrependimento pelos atos. Nesses termos, identificam-se comportamentos que são característicos de alguns dos fatores encontrados e já mencionados para a população da presente pesquisa.
Já as mulheres, caracterizam-se como manipuladoras e irritadiças, usando de ataques de birra para conseguirem o que querem e brigam freqüentemente. Têm ainda mais humor deprimido e baixa tolerância a frustrações. Esse último componente também foi identificado em alguns itens do fator de irritabilidade da escala feminina. Já condutas manipuladoras também foram evidenciadas nos homens integrantes desta amostra, não se podendo afirmar que seja específico das mulheres. Este dado convida a novos estudos.
Comparando-se os resultados encontrados pelos autores mencionados aos do presente trabalho, percebem-se pontos comuns, como por exemplo, a tendência dos homens a manifestarem mais comportamentos anti-sociais, que, no estudo de Sisto e colaboradores (2005), é evidenciada em manifestações como importunar os demais, destruição de algo que não lhes pertence, tendência a serem enganadores e violarem regras, desrespeito a segurança própria e alheia, culpar outros por coisas que fizeram, praticam coação, e não demonstrar arrependimento. Entretanto, esse fator também foi encontrado nas mulheres, não se podendo afirmar que seja específico dos homens.
A questão da agressão física e verbal foi evidenciada ainda noutras pesquisas encontradas na literatura como é o caso de Buss, Fisher e Simons (1962) e Choynowski (1995). No entanto, são atribuídos ou fatores específicos para cada uma delas ou incluídas em outros fatores com mais variáveis como desonestidade, sendo denominada de outras maneiras. Na presente pesquisa, esse tipo de comportamento foi designado como anti-social, mas também foi observado.
Vale ressaltar ainda uma diferença encontrada no presente trabalho em relação ao de Sisto e Bazi (2000) no qual a agressividade foi tomada de forma geral e especificamente nos contextos escolares e familiares, sendo esses os fatores obtidos pelos autores. Aqui, embora a pesquisa tenha sido feita com universitários, esse aspecto contextual não foi investigado, tendo sido dado realce a comportamentos diversos que essa população poderia cometer. Todavia, seria interessante que novos estudos buscassem extrair fatores de segunda ordem dos encontrados ou mesmo analisar a unidimensionalidade dos itens da escala.
Não obstante a essas considerações, os resultados ora obtidos podem ser considerados satisfatórios, e indicam que as escalas apresentaram algumas características psicométricas básicas que as habilitam para o uso em pesquisas. Entretanto, devem ser feitos ainda outros trabalhos no sentido de se verificar até que ponto essa estrutura fatorial é estável, devendo ser reaplicado e re-analisado em uma amostra com um maior número de participantes. Além disso, outras evidências de validade devem ser buscadas por meio de correlação com outros testes, por exemplo, procurando aumentar as possibilidades de inferência de interpretações dos resultados alcançados.
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Endereço para correspondência
E-mail: fermino.sisto@pq.cnpq.br
Recebido em agosto de 2007
Aceito em abril de 2008
* Fermino Fernandes Sisto: pedagogo, doutor em Pedagogia (Universidad Complutense de Madrid), livre-docente (Unicamp), docente do curso de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco, campus Itatiba-SP.
** Daniel Bartholomeu: psicólogo, mestre em Psicologia pela Universidade São Francisco e docente do curso de Psicologia da Unianhaguera e do UNISAL, campus Americana-SP.
*** Acácia Aparecida Angeli dos Santos: psicóloga, doutora em Psicologia Escolar e Desenvolvimento Humano (USP), docente do curso de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia, da Universidade São Francisco, campus Itatiba-SP.
**** Fabián Javier Marín Rueda: psicólogo, mestre em Psicologia, doutorando do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco e bolsista da Capes.
***** Adriana Cristina Boulhoça Suehiro: psicóloga, mestre em Psicologia, doutoranda do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco e bolsista da Capes.