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Aletheia

versão impressa ISSN 1413-0394

Aletheia  n.29 Canoas jun. 2009

 

RESENHA

 

Cultura e conhecimentos sociais no processo formativo da pessoa: teorias de psicologia do desenvolvimento revisitadas

 

 

Júlio César Castilho Razera

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Departamento de Ciências Biológicas, Área de Educação, Campus de Jequié, BA

Endereço para correspondência

 

 

Releituras analíticas de teorias originais podem trazer contribuições relevantes para os estudos contemporâneos. A revisitação dessas teorias torna-se proveitosa, por exemplo, quando faz emergir aspectos conceituais ou metodológicos que, mesmo não sendo novos, se inovam (ou se renovam) ante as lacunas encontradas em investigações mais recentes. Assim, as releituras subsidiam os pesquisadores em possíveis ajustes, reposicionamentos e/ou esclarecimentos conceituais que se façam necessários.

A obra organizada por José Antonio Castorina1  está inserida na relevância desse papel, porque oferece um conjunto de textos – muito bem articulados entre si – que retoma e examina de maneira consistente conteúdos de diferentes áreas referenciais (Filosofia, Ciências Sociais, Psicologia). O referido livro, ainda não traduzido para o português, divide-se em três partes: “El análisis conceptual en la psicología del dessarrollo”; “Las relaciones entre el individuo y la sociedad, y el conocimiento social”; “Análisis de los conceptos de cultura y representación social”.

No início desta resenha brevemente justificamos a relevância de uma análise teórica revisitada, especialmente para ajustar possíveis distanciamentos contextuais e/ou conceituais entre as teorias originais e as recentes investigações que tomam essas teorias como referenciais. Na apresentação da obra, o professor Castorina nos faz um alerta sobre esse importante aspecto (que é retomado, explícita ou implicitamente, em todos os textos) ao referir-se à perda de originalidade ou imprecisões conceituais que alguns termos são tomados em investigações mais recentes. “Tal é o caso dos termos: cultura, representação social, ideologia, egocentrismo, utilizados sem maiores esclarecimentos pelos investigadores”2  (p. 10). Algo semelhante ocorre com os pressupostos teóricos e análises conceituais, que tendem a ocupar um nível mais inferior que o do método científico e das análises estatísticas. Diante dessa perspectiva, os diferentes textos da obra retomam alguns conceitos originais de Piaget, Vigotsky e Moscovici, entre outros.

Os artigos abrangem diversas temáticas e perpassam uma trajetória que vai desde o contexto e a consistência dos conteúdos teóricos originais até chegar às investigações atuais e seus respectivos elementos.

Na primeira parte do livro (“El análisis conceptual en la psicología del dessarrollo”), composta de três artigos, a abordagem centraliza-se em questões conceituais mais amplas, inseridas nos pressupostos ontológicos e epistemológicos das investigações científicas. A segunda parte (“Las relaciones entre el individuo y la sociedad, y el conocimiento social”) agrega dois artigos. Em ambos, a abordagem se restringe aos textos piagetianos, enfatizando-se especialmente o aspecto da moralidade e do conhecimento individual na sociedade. A terceira e última parte (“Análisis de los conceptos de cultura y representación social”) é composta de quatro artigos que focam as questões da psicologia social e da psicologia cultural.

Ainda que o nosso espaço seja restrito, mas para o leitor ter maiores informações sobre o conjunto da obra, apresentamos a seguir os principais objetivos e/ou focos argumentativos de cada um dos nove artigos.

1. Em “El impacto de la filosofia de la escisión en la psicología del desarrollo”, J. A. Castorina avalia as consequências empíricas e teóricas dessa linha filosófica (split) nas pesquisas atuais sobre o desenvolvimento cognitivo, especialmente em suas teses e decisões metodológicas. Após avaliação, J. A. Castorina faz algumas sugestões ao expor o que chama de “ponto de vista alternativo para superar algumas das dificuldades originadas por aquela perspectiva [da escisión]” (p.24).

2. Em “Naturalismo, culturalismo y significación social en la psicología del desarrollo”, J. A. Castorina revisa criticamente a corrente naturalista da psicologia do desenvolvimento. A proposta centraliza-se na elucidação dos conceitos de “naturalismo, culturalismo, naturalização e ideologia, com o propósito de diversificar e articular os níveis de análises da psicologia do desenvolvimento e a aprendizagem” (p.47). Em sua linha argumentativa, de bases epistêmicas, ideias de autores diversos são retomados e inseridos na discussão, como Marx, Nietszche, Foucault, Bourdieu, entre outros.

3. Em “El cambio conceptual en psicología: ¿como explicar la novedad cognoscitiva¿”, também de autoria individual de J. A. Castorina, faz-se um estudo crítico e de avaliação sobre as contribuições da proposta de Susan Carey, que, dentro da perspectiva neoinatista, explica a mudança conceitual infantil por bootstrapping. Nesse artigo, várias questões são levantadas e discutidas, como por exemplo: “Qual é a contribuição do ensaio explicativo de Carey com respeito a outras teorias de mudança conceitual? É um intento original em relação com as teorias vigentes?” (p.77).

4. Em “El enfoque piagetiano en la investigación del juicio moral: alternativas frente al naturalismo y al relativismo”, os autores (Gustavo Faigenbaum, José Antonio Castorina, Mariela Helman e Fernando Clemente) fazem uma releitura de “O juízo moral na criança”, ao mesmo tempo em que inserem e discutem criticamente alguns estudos contemporâneos sobre moralidade, dentro das correntes cognitivista e contextualista. De forma breve, assim os autores apresentam o próprio estudo: “consiste em revisar essa obra à luz da problemática filosófica que a orientou, e do diálogo intelectual que Piaget teve com psicólogos, sociólogos, teólogos e filósofos de seu tempo” (p.90). Ademais, procuram mostrar como Piaget supera o dualismo entre vida interior e a conduta, nas suas propostas de pensar as relações entre a atividade individual e a interação social.

5. “Conocimiento individual y sociedad en Piaget. implicaciones para la investigación psicológica”, de J. A. Castorina, G. Faigenbaum, F. Clemente e Enrique Lombardo, apresenta uma revisão crítica sobre as ideias de Piaget para as relações entre o indivíduo e a sociedade. Conceitos de autismo, egocentrismo, sociocentrismo e ideologia são analisados no artigo. A preocupação dos autores está no uso (por vezes equivocados ou parciais) que as investigações atuais fazem dessas relações. De acordo com os autores, “o problema é se a investigação empírica é compatível com as relações entre indivíduos e sociedade propostas por Piaget, ou se cabe avançar além desse enfoque, destacando seus limites” (p.118).

6. Em “La cultura en la psicología del desarrollo. Una revisión crítica”, os autores (J. A. Castorina, Alicia Barreiro, Ana G. Toscano e E. Lombardo) examinam o significado de cultura numa linha histórica, desde o século XVI, identificando-se as características da cultura e suas relações com a psicologia do desenvolvimento. Nessa abordagem, explora-se o que os autores chamam de “complexidade de um território teórico que apresenta múltiplos entrecruzamentos disciplinares: as ciências sociais, a antropologia, os estudos culturais, a psicologia” (p.149).

7. Em “Cultura, diversidad y sentido común. Las relaciones de las representaciones sociales con el pensamiento de Vigotsky”, J. A. Castorina, A. G. Toscano, E. Lombardo e Daniel Karabelnicoff analisam os compartilhamentos do conceito de socialização entre Vigotsky e Moscovici – ambos opondo-se a Durkheim – e as perspectivas distintas que dão para o conceito de cultura. Por fim, são discutidas as possíveis conexões entre a escola sócio-histórica e a psicologia das Representações Sociais nas relações entre conhecimento científico e senso comum.

8. Em “Las representaciones sociales y su horizonte ideológico. Una relación problemática”, J. A. Castorina e A. Barreiro inicialmente abordam as relações conceituais históricas entre ideologia e representações sociais e, posteriormente, discutem comparativamente como ambas adquirem seus significados conceituais de caráter implícito, suas relações com a ciência e o senso comum etc. Os autores estabelecem essa comparação “por um lado, para situar a teoria das Representações Sociais no pensamento contemporâneo das ciências sociais e a filosofia, e, por outro, para inferir suas consequências na investigação empírica” (p.200).

9. “La instituición escolar y las ideas de los niños sobre sus derechos” foi escrito por M. Helman e J. A. Castorina. Diferente dos demais, esse artigo tem bases numa investigação empírica que estudou as ideias das crianças sobre seus direitos na escola. Focado no direito à intimidade, busca-se analisar se tal direito é concebido de modo incondicional ou está limitado a determinadas condições que os alunos seguem. Nas palavras dos autores, “esses resultados dão lugar a uma série de reflexões teóricas acerca das relações entre a produção intelectual e a prática social” (p.219). Não se desvincula das outras discussões anteriormente apresentadas, pois a preocupação central é mantida sobre os aspectos sociais e institucionais na produção de conceitos das crianças.

Como já mencionamos, não há neste espaço condições de maiores detalhes nos comentários sobre a obra. No entanto, deve ter ficado ao leitor – pelo menos essa foi nossa intenção – a percepção de sua especial relevância. A obra é completa e provocadora de muitas reflexões, servindo-se a diversas áreas de conhecimento. Embora a maioria dos textos seja de abordagem teórica de alta densidade, todos acabam implicando importantes subsídios referenciais e de reflexão tanto para investigadores como para o trabalho do professor em sala de aula.

 

 

Endereço para correspondência
E-mail: juliorazera@uesb.br

Recebido em fevereiro de 2009
Aprovado em abril de 2009

 

 

Júlio César Castilho Razera: professor da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Departamento de Ciências Biológicas, Área de Educação, Campus de Jequié, BA.; doutorando em Educação para a Ciência (UNESP). Membro do Grupo de Pesquisa em Educação para a Ciência (UNESP).
1 Castorina, J. A. (Org.). (2007). Cultura y conocimientos sociales: desafíos a la psicología del desarrollo (pp. 89-116). Buenos Aires: Aique Educación. (ISBN 978-987-06-0096-1).
2 Citações traduzidas pelo autor da resenha.

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