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Aletheia
versão impressa ISSN 1413-0394
Aletheia no.31 Canoas abr. 2010
ARTIGOS DE ATUALIZAÇÃO
Indicadores de síndrome de couvade em pais primíparos durante a gestação
Indicators of couvade syndrome of first time fathers during pregnancy
Talu Andréa Dartora De MartiniI; Cesar Augusto PiccininiII; Tonantzin Ribeiro GonçalvesII
I Faculdade da Serra Gaúcha
II Universidade Federal do Rio Grande do Sul
RESUMO
O estudo investigou indicadores da síndrome de couvade em pais primíparos durante a gravidez das esposas. Participaram 30 casais com idades entre 20 e 35 anos que estavam em diferentes trimestres da gestação. Os pais e as gestantes responderam individualmente a uma entrevista semi-estruturada que investigava a percepção do pai e da gestante sobre os indicadores de couvade. A análise de conteúdo revelou que mais da metade dos pais apresentou indicadores físicos (aumento de apetite, preferência por algum alimento e episódios de vômito) e/ou emocionais (nervosismo, mau humor) associados à síndrome de couvade. Os pais que conviviam com o segundo trimestre de gravidez de suas esposas relataram mais indicadores quando comparados aos demais participantes. Deste modo, a presença de indicadores da síndrome de couvade entre os pais evidenciou a complexidade da transição para a paternidade e a importância de se conhecer as vivências e sentimentos do pai durante a gestação do seu filho/a.
Palavras-chave: Paternidade, Gestação, Síndrome de couvade.
ABSTRACT
The study investigated indicators of couvade syndrome in primiparous fathers during the wives' pregnancy. Participated 30 couples (20 to 35 years old), that they were in different periods of pregnancy. The expectant fathers and their wives answered an open-ended interview that investigated the father's and mother's perception on the couvade indicators. The content analysis indicated that more of the fathers' half showed physical (appetite increase, preference for some food, vomit episodes) or emotional indicators of the couvades syndrome (nervousness and bad mood). The fathers that lived the second trimester of pregnancy reported more symptoms than other participants. The presence of indicators of couvade syndrome among these fathers indicated the complexity of the transition to fatherhood, as well as the need of interventions that involve the father's feelings during the gestation of his son/daughter.
Keywords: Fatherhood, Pregnancy, Couvade syndrome.
Introdução
Para o homem, a experiência da gravidez é, indubitavelmente, diferente da experiência da mulher, tendo em vista que ele não tem a percepção física do bebê e não sente, em seu corpo, as mudanças físicas decorrentes da gestação (Draper, 2003). Desta forma, a experiência masculina da gestação tem recebido menos atenção por parte dos pesquisadores do que o estudo do ponto de vista feminino. No entanto, as mudanças físicas e comportamentais sofridas pelas gestantes, em conjunto com o processo de transição familiar, podem provocar diferentes repercussões no marido e levá-lo ao desenvolvimento da síndrome de couvade (Bartllet, 2004; Parke, 1996). O termo couvade foi associado ao estado físico e a comportamentos dos pais em um ritual mantido por culturas antigas (Bogren, 1983, 1986; Mason & Elwood, 1995; Parke, 1996). Segundo Bogren (1983), o termo couvade foi originalmente utilizado em 1865 pelo antropólogo Tylor e é derivado do verbo francês couver, que significa ‘chocar'1. Segundo Bachofen (citado por Bogren, 1983), este ritual se constituía numa cerimônia de reconhecimento que garantia a legitimidade da criança, estabelecia quem era o pai e atraía para a cabana dele os espíritos do mal, onde poderiam gastar sua ira na mãe simulada, deixando a mãe real livre para ter seu bebê de forma segura.
Duas formas do ritual couvade têm sido relatadas (Bogren, 1983; Haynal, 1977) a couvade pré-natal e a pós-natal. Na couvade pré-natal, o pai ia para sua cama antes da época do parto, enquanto a gestante trabalhava até o parto, quando então ia para a selva com uma mulher que iria ajudá-la. Então, o marido simulava a agonia do trabalho de parto e do nascimento para proteger sua esposa de espíritos malignos e da dor. Na couvade pós-natal, o marido se considerava fraco e doente por certo período após o parto, ficava na cama e fazia uma dieta alimentar especial. Depois disso, ele evitava o uso de armas, pois acreditava-se que, estando ligado a criança, esta poderia se machucar ou ser morta caso utilizasse armas. Conforme Parke (1996), em algumas culturas, a couvade assumia um conteúdo mais dramático, quando o homem vestia-se e pintava-se como sua mulher, recolhendo-se para um quarto escuro enquanto esta sentia as contrações do parto. Quando a criança nascia, ela era colocada num berço ao lado do pai. Na perspectiva antropológica, Malinowski (citado por Mason & Elwood, 1995) apontou que o ritual de couvade tinha a função de estimular o desenvolvimento e a expressão do papel paternal. Contudo, considera-se que, na sociedade atual, a realização de tais rituais não funciona como pré-requisito indispensável à delimitação do comportamento social paterno (Mason & Elwood, 1995).
Mais recentemente, a síndrome de couvade tem sido relacionada aos sintomas físicos manifestados por pais biológicos, de caráter involuntário e de determinação inconsciente, os quais são concomitantes à gravidez das esposas (Brennan, Ayers, Marshall-Lhafez, & Hamed, 2007a; Murphy, 1992). Assim, a versão ocidental do ritual foi denominada de síndrome de couvade pelo psiquiatra britânico Trethowan (citado por Parke, 1996), que a caracterizou por um conjunto de sintomas físicos experimentados pelo pai e que se iniciam na gestação da esposa e desaparecem, quase imediatamente, após o parto e, em alguns casos, antes do nascimento do bebê. Os sintomas típicos da síndrome de couvade incluem náuseas, vômitos, perda de apetite, dores de cabeça, dores de dentes, dores nas costas e aumento do peso (Trethowan & Conlon, citado por Bogren, 1986). Incluem-se ainda sintomas como desejos por determinados alimentos, indigestão, azia, dores abdominais e dificuldades respiratórias (Brennan, Marshall-Lucette, Ayers, & Ahmed, 2007b; Maldonado, 1990; Murphy, 1992). Os estudos de Trethowan e Conlon (citado por Bogren, 1983) apontaram que os sintomas da couvade eram mais frequentes no terceiro mês de gestação e que, até o nono mês, estes tendiam a diminuir. Porém, próximo ao final da gravidez aumentava a ocorrência de sintomas físicos que podiam ser acompanhados por sintomas psicológicos, tais como, depressão, tensão, insônia, irritabilidade e até mesmo gagueira.
Estas definições da síndrome apontam sua natureza idiopática e que, provavelmente, corresponde a uma manifestação psicossomática do pai à gravidez. Mesmo assim, a síndrome não aparece na nosologia da Associação Americana de Psiquiatria – DSM/IV – TRTM (APA, 2003) ou da Classificação Internacional de Doenças – CID/10 (OMS, 1993) e seu diagnóstico, quando realizado, ocorre através da exclusão de outras doenças. Assim, apesar da etiologia da síndrome ser ainda desconhecida, diversos pesquisadores têm investigado, relacionando-a a aspectos como: ansiedade e características emocionais (Bogren, 1983, 1985, 1986), número de filhos (Teichman & Lahav, 1987), fatores fisiológicos e hormonais concomitantes (Berg & Wynne-Edwards, 2001; Mason & Elwood, 1995; Storey, Walsh, Quinton, & Wynne-Edwards, 2000), fatores sociais, idade (Bogren, 1984; Kiselica & Sheckel, 1995), aspectos subjetivos e processos inconscientes (Brazelton & Cramer, 1992; Parke, 1996).
Conforme a extensa revisão de Brennan, Ayers, Marshall-Lhafez e Ahmed (2007a), que incluiu artigos publicados de 1950 a 2006, a incidência da síndrome de couvade tem se mostrado altamente variável, encontrando-se índices de 11% a 97% entre diversos países do mundo. Os autores destacaram que não há concordância na literatura quanto à influência de variáveis sócio-demográficas como idade, escolaridade e nível sócio-econômico, sobre a ocorrência dos sintomas. Da mesma maneira, a relação entre paridade, planejamento ou não da gravidez ter sido ou não planejada e frequência de sintomas físicos apresentados pelos pais não é consistente na literatura (Brennan & cols., 2007a; Teichman & Lahav, 1987; Trethowan & Conlon, citado por Bogren, 1986). No entanto, a influência da origem étnico-cultural sobre a incidência dos sintomas relacionados à síndrome demonstra resultados mais consistentes. Estudos antropológicos comparando diferentes países e backgrounds culturais demonstraram que pais caribenhos, negros ou provenientes de minorias étnicas nos Estados Unidos apresentavam mais sintomas e com maior frequência quando comparados a pais de origem caucasiana (Brennan & cols., 2007a).
No Canadá, pesquisadores na área da endocrinologia do comportamento paterno em mamíferos (Wynne-Edwards, 2001; Wynne-Edwards & Reburn, 2000) realizaram dois estudos com humanos onde analisaram as mudanças hormonais do homem e da esposa ao longo da gravidez comparando-os com casais que não viviam uma gestação. Os resultados revelaram que elevações nos níveis de prolactina e estradiol e diminuição dos níveis de cortisol e testosterona nos homens durante a gravidez imitavam, em menor grau, as mudanças fisiológicas das gestantes (Berg & Wynne-Edwards, 2001; Storey & cols., 2000). Apesar de os mecanismos implicados nas mudanças hormonais dos pais não serem ainda conhecidos, estes estudos apontam que a gestação pode provocar efeitos fisiológicos mensuráveis nos homens, reforçando a hipótese de uma base hormonal dos sintomas associados à síndrome de couvade.
Brennan e cols. (2007a) verificaram que vários dos estudos sobre a síndrome de couvade foram publicados nas décadas de 1980 e 1990, sendo que pouquíssimos trabalhos são encontrados mais recentemente. Além disso, os autores destacaram que os estudos variaram muito em relação à definição da síndrome, quanto à inclusão ou não de sintomas psicológicos e no que diz respeito aos instrumentos de avaliação utilizados. Trethowan e Conlon (citado por Bogren, 1986), por exemplo, estabeleceram como critério para a síndrome de couvade a presença de dois sintomas ou mais, enquanto Bogren (1983) considerou como critério a referência a cinco ou mais sintomas. Já Brennan e cols. (2007b) utilizaram o parâmetro de quatro sintomas para incluir os participantes no seu estudo sobre a couvade. Assim, o uso de critérios tão distintos pode também explicar a divergência dos estudos quanto às diferenças no relato de sintomas entre homens que viviam ou não a gestação de suas esposas (Bartlett, 2004; Gomez, Leal & Figueiredo, 2002; Trethowan & Conlon, citado por Bartlett, 2004). Esta variedade de critérios de definição e a diferença entre os achados reforçam a dificuldade em enquadrar o fenômeno da couvade tanto em termos científicos quanto na prática clínica. Contudo, estes problemas não invalidam o fato de que, para muitos pais, a experiência da gravidez envolve uma série de alterações físicas e emocionais.
A relação entre ansiedade e sintomas físicos na síndrome de couvade também despertou o interesse dos pesquisadores. Segundo Brennan e cols. (2007a), alguns teóricos acreditam que a ansiedade causaria a síndrome ou que esta seria parte intrínseca da couvade. Quanto à manifestação da síndrome de couvade, pesquisadores encontraram que a expressão de ansiedade e a referência dos pais a sintomas físicos estavam negativamente relacionados (Teichman & Lahav, 1987; Trethowan & Conlon, 1965). Para Bogren (1984), isso se explica porque a síndrome de couvade seria uma expressão somática de ansiedade, não necessariamente consciente. Assim, especialmente no início da gestação, os homens tenderiam a suprimir suas preocupações, convertendo-as em sintomas somáticos.
Brennan e cols. (2007a) destacam três principais conjuntos de teorias que discutem as origens da síndrome de couvade: as teorias, psicossociais, sobre a parentalidade e as psicanalíticas. As teorias psicossociais consideram que a síndrome de couvade seria uma resposta à marginalização social da paternidade e à crise desenvolvimental da gestação, tendo em vista a especificidade da experiência do homem durante a gravidez (Polomeno, 1998). Neste sentido, aspectos da identidade e da autoimagem do homem sofrem transformações durante este período para incorporar as funções do papel parental e estariam associadas à presença da síndrome. Já os estudos sobre a parentalidade apontam a relação entre o envolvimento do homem na gravidez, a preparação para o papel parental e a ocorrência da síndrome (Campbell & Field, 1989; Teichman & Lahav, 1987). Por fim, as teorias psicanalíticas enfatizam a ocorrência da síndrome como uma consequência da inveja inconsciente do homem pela capacidade procriativa da mulher e a rivalidade com o bebê (Bogren, 1986; Brazelton & Cramer, 1992; Gerzi & Berman, 1981; Mason & Elwood, 1995; Parke, 1996). Para a psicanálise, a síndrome de couvade representaria a tentativa inconsciente dos pais de competir com suas esposas, sendo esta uma forma de identificação com a gravidez e/ou com o papel materno (Bogren, 1984; Gerzi & Berman, 1981). Nesta direção, é plausível pensar que o aparecimento da síndrome de couvade se relaciona com aspectos conscientes e, principalmente, inconscientes, envolvidos na transição para a paternidade, tais como empatia, identificação, inveja ou competição com a mãe (Parke, 1996).
Como foi visto através desta revisão, diversos fatores subjetivos interagem continuamente com o contexto social e cultural dos pais durante a gestação das esposas, impondo a eles, em especial aos primíparos, a necessidade de adaptarem-se às mudanças trazidas pelo filho e pelo papel parental. Esta experiência pode provocar uma diversidade de sentimentos nos pais que irão influenciar a sua resposta à gravidez. Além disso, estudos apontaram que os sintomas físicos e emocionais das gestantes e o processo de tornar-se pai podem influir no desenvolvimento da síndrome de couvade. Todavia, há grande inconsistência na literatura internacional no que diz respeito à definição e avaliação da síndrome. No Brasil, não foi possível localizar estudos que abordassem esta temática, reforçando a necessidade de investigá-la na realidade brasileira. Desta maneira, o presente estudo teve como objetivo investigar a presença de indicadores da síndrome de couvade entre pais primíparos durante a gravidez de suas esposas. Além disto, se investigou os relatos das próprias gestantes a respeito dos sintomas dos seus maridos.
Método
Participantes
Participaram deste estudo 30 casais, ambos esperando seu primeiro filho, com idades variando entre 20 e 35 anos. Os casais tinham relação estável, e possuíam nível sócio-econômico médio e médio-baixo. Oito gestantes estavam no primeiro trimestre de gestação (Pais2: P1, P2, P3, P4, P5, P6, P7, P8), onze, no segundo trimestre (P9, P10, P11, P12, P13, P14, P15, P16, P17, P18, P19), e as outras onze, no terceiro trimestre de gestação (P20, P21, P22, P23, P24, P25, P26, P27, P28, P29, P30). Todas as gestantes apresentavam boas condições de saúde. As famílias eram residentes em Caxias do Sul (16) e cidades vizinhas, tais como Farroupilha (12), São Marcos (1) e Antônio Prado (1).
Delineamento
Foi utilizado um delineamento de grupos contrastantes (Nachmias & Nachmias, 1996) para comparar os pais cujas esposas estavam no primeiro, segundo e terceiro trimestres de gestação. Em cada grupo foi examinada a presença de indicadores da síndrome de couvade referidos pelos pais e pelas próprias gestantes.
Procedimentos e instrumentos
Os participantes foram recrutados em consultórios de médicos obstetras da região e em um grupo de gestantes do ambulatório da Universidade de Caxias do Sul. Os profissionais do serviço foram informados sobre o estudo e indicaram possíveis participantes. No primeiro contato a gestante respondia a uma Ficha de Contato Inicial a fim de verificar as suas condições de saúde e a fase gestacional. As mães selecionadas, juntamente com seus companheiros, eram convidadas a participar do estudo e, com aqueles que aceitavam era marcado um novo encontro para a realização das entrevistas. Nesta ocasião, os casais assinavam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e, a seguir, respondiam a Entrevista de dados demográficos que visava obter dados como idade, escolaridade, situação conjugal e ocupacional. Depois disto, os pais e as gestantes respondiam individualmente a Entrevista com o pai sobre sintomas físicos e emocionais e a Entrevista com a gestante sobre sintomas físicos e emocionais. A entrevista sobre sintomas físicos e emocionais buscava identificar o surgimento ou agravamento de sintomas físicos (dores de cabeça, dores de dente, náuseas, vômitos, cólicas, indigestão, sintomas gástricos, úlcera); mudanças nos hábitos alimentares (preferência por determinado alimento, aumento ou perda do apetite); e alterações emocionais (estado de ânimo, tristeza, ansiedade, nervosismo, mau-humor, irritação, tensão, depressão, insônia) antes e após a gestação da esposa. Investigava ainda a percepção do pai acerca da presença ou não destes sintomas em si mesmo e na sua esposa. A entrevista era composta de perguntas mais gerais (ex. Gostaria que tu me falasses sobre como tu tens te sentido durante a gravidez em termos físicos. Gostaria que tu me falasses sobre como tu tens te sentido em termos emocionais.) seguida de questões específicas sobre a presença de cada um dos 11 sintomas físicos (ex. Tu tem sentido dor de cabeça? Náuseas? Tem tido perda do apetite?) e dos 9 estados e/ou sintomas emocionais (ex. Como está o teu estado de ânimo? Triste? Alegre?), mencionados acima. Com isso, procurava-se investigar a ocorrência de indicadores da síndrome de couvade. A entrevista com a gestante era semelhante a realizada com o pai, incluindo perguntas sobre sua percepção acerca da ocorrência ou não destes sintomas em si mesma e no esposo. Todas as entrevistas foram gravadas em áudio e, posteriormente, transcritas.
Resultados e discussão
Os relatos dos pais e mães foram examinados com base na análise de conteúdo qualitativa (Bardin, 1977; Laville & Dione, 1999). Ao longo das análises se buscou identificar a presença de indicadores da síndrome de couvade nos relatos dos próprios pais, assim como nos relatos das esposas gestantes a respeito da presença destes sintomas no marido. Os indicadores da síndrome de couvade se referiram aos relatos sobre sintomas físicos e emocionais experimentados pelos pais no primeiro, segundo ou terceiro trimestre de gestação. Estes sintomas deveriam ter tido o seu surgimento durante a gravidez ou deveria haver o agravamento de problemas já existentes. A referência a estes sintomas foi tratada como "indicadores" devido à subjetividade do tema a ser averiguado e à divergência da literatura no que se refere à definição desta síndrome. Desta forma, considera-se que o surgimento de algum sintoma não define a presença da síndrome de couvade, mas antes, indica a possibilidade de que o fenômeno esteja presente.
As verbalizações dos(as) participantes foram inicialmente classificadas pela primeira autora do estudo a partir das duas dimensões da síndrome de couvade: sintomas físicos; e sintomas emocionais mencionados pelos pais. Esta categorização foi posteriormente examinada pela terceira autora do estudo e, em casos de discordância, o segundo autor foi consultado. A seguir, estas categorias serão apresentadas e discutidas, ilustrando-se com vinhetas provenientes das entrevistas3. Ao final da apresentação das duas categorias será também contemplado o ponto de vista das gestantes sobre os sintomas físicos e emocionais dos pais, buscando confrontá-los com àqueles fornecidos pelos pais.
Sintomas físicos mencionados pelo pai
Mais da metade dos pais (17 pais) afirmaram apresentar ou estar apresentando algum tipo de sintoma físico durante a gravidez da esposa. Alguns deles relacionavam, mesmo que timidamente, o aparecimento de sintomas à gravidez, enquanto outros desvinculavam completamente um assunto do outro. Um exemplo disso foi quando dois pais (P11, P21), ao relatarem terem sentido náuseas durante a gestação, referiam-se a enjoos. "No início, [senti] enjoo. Até nós estávamos brincando, eu e a V. [esposa], que eu fiquei uns dias enjoado. Ela avisou, falou [da gravidez] e acho que quinze dias depois começou a me dar enjoo, mas passou. Aquela vez foi engraçado, porque ela até gozou de mim. Ela que tava grávida e eu que [enjoava]" (P21). Outros pais referiram o aparecimento de vômitos durante a gestação (P1, P3, P11, P14, P27). "Faz uns dois meses que eu tive um problema de estômago, mas acho que é normal. Acho que [os vômitos] é a primeira vez que aconteceu para mim" (P11); "Logo que ela ficou grávida. Não sei se foi a água, comecei a vomitar água, uma ânsia e vomitava uma espuma" (P14). O aparecimento de gastrite logo após a gravidez também foi relatado, embora o pai não considerasse que estes fatos pudessem estar associados. "Acho que foi no final de semana do rodeio, acho que há um mês atrás. Eu tomei um porre legal e daí eu me debilitei, acho que o meu organismo, e foi quando a C. [esposa] disse que tava grávida, logo depois. Acho que é só questão de..." (P5). Em dois casos, os pais (P10, P13) relataram que houve uma exacerbação de sintomas gástricos, durante a gestação. "Eu tenho tido problema estomacal, de azia, muita azia. Isso eu sempre tive, mas não muito. De um tempo para cá, aumentou muito. De uns meses para cá, eu tenho sentido muito" (P13).
Muitos pais mencionaram que estavam apresentando certo grau de dor de cabeça, mas apenas dois pais (P13, P27) sinalizaram alguma relação desta com a gestação das esposas. "Nos últimos dias tenho dormido muito pouco e, às vezes, me dá dor de cabeça" (P27). Vários pais relataram alguma mudança nos hábitos alimentares depois da notícia da gravidez da esposa. Para sete participantes (P13, P15, P16, P18, P19, P27, P28), houve um aumento do apetite e de peso e, para dois pais (P21, P30), houve perda do apetite. "Estou comendo menos. Não estou comendo tanto. Não tenho vontade, não sei se perdi [o apetite]" (P21); "Como mais, ela [a esposa] come seguido. Então às vezes eu até acompanho ela" (P18); "Eu tenho comido mais sim, dizem que às vezes [os pais] comem mais, a mãe também, não sei se tem alguma coisa a ver. Eu como com mais frequência fora de hora, sabe, toda hora estou comendo uma fruta, um sanduíche além das refeições normais" (P19). Além disso, cinco pais (P1, P2, P3, P18, P20) mencionaram que estavam apresentando preferências e desejos por determinados alimentos. "A única coisa que a gente brinca é que eu tenho desejo de comer xis, essas coisas. A gente fala brincando: ‘Ela tá grávida e eu que tenho desejos'. Mas é um dia sim outro não que eu tenho que comer xis, senão me dá um treco" (P2). Assim, como se pode observar nos relatos acima, estes pais relacionavam diretamente estas mudanças nos seus hábitos alimentares à gestação da esposa, que agora precisava comer mais.
Considerando os relatos das esposas sobre os sintomas físicos dos maridos, algumas confirmaram a presença destes, associando-os à sua gestação, enquanto outras acrescentaram sintomas que percebiam nos maridos que não haviam sido referidos por eles. Assim, algumas esposas relataram episódios de vômitos do marido logo após a notícia da gravidez: "Ele vomitou, eu já tava grávida, mas a gente ainda não sabia, eu só tava desconfiada. Eu dizia pra ele: ‘Acho que estou grávida'. Foi aí que ele passou mal e tal" (G3). Outras destacaram que os maridos vinham apresentando náuseas. "Ele tava sentindo enjoo, mas isso foi no meu segundo mês de gestação" (G19). Sintomas gástricos dos maridos também foram confirmados pelas esposas. "Ele só tem muita azia também" (G13). Em outros casos, as gestantes mencionaram que o marido estava apresentando alterações na alimentação, tais como aumento, diminuição do apetite e/ou preferência por determinado tipo de alimento. Uma das esposas (G15) ainda relacionou as preferências do marido por determinados alimentos a sua gravidez, sendo que o pai não havia destacado esta relação. "Ele engordou uns cinco quilos, junto comigo. Ele tá assim, mais ou menos, ele tá gestante, ele tem vontade assim de comer coisas diferentes, misturar doce com salgado. Ele faz isso, eu não faço. Ele é que tá gestante. Agora então desde que ele ficou sabendo da minha gestação, só engordou" (G15). Ainda quanto à alimentação algumas mães destacaram a diminuição de apetite dos maridos. "Ele até tá comendo menos" (G16). Algumas gestantes também referiram que os maridos estavam sentindo dores de cabeça. "Muita dor de cabeça. Ele às vezes tem problema de dor de cabeça. Agora, de uns dias [para cá] a dor de cabeça aumentou" (G13).
A partir destes relatos, fica evidente a relação de alguns sintomas físicos manifestados por vários pais com a gestação das respectivas esposas, uma vez que apareceram ou se agravaram após a gravidez, não havendo outra causa aparente referida para sua ocorrência. Conforme já destacado por outros autores, os sintomas mais frequentes entre os pais foram náuseas, vômitos, alteração do apetite, aumento de peso e desejos por determinados alimentos (Bogren, 1983, 1986; Maldonado, 1990; Parke, 1996). Assim, no presente estudo, um elevado número de pais que relataram algum tipo de sintoma físico que poderia indicar a presença da síndrome de couvade o que está em consonância com estudos internacionais que apontam uma alta incidência destes sintomas na gestação (Brennan & cols., 2007a, 2007b). Estes dados podem indicar uma grande identificação inconsciente dos participantes com a esposa gestante e um grande envolvimento com a gestação conforme visto na literatura (Bogren, 1983, 1986; Gerzi & Berman, 1981; Brazelton & Cramer, 1992; Mason & Elwood, 1995; Parke, 1996), especialmente considerando que todos esperavam seu primeiro filho/a. Outro aspecto que pode contribuir para explicar este achado é a origem cultural dos pais do presente estudo, os quais provêm de uma região caracterizada por intensa colonização italiana, população que tem como característica um vínculo familiar muito intenso. Como apontado em vários estudos revisados por Brennan e cols. (2007a), a influência da origem étnica sobre o aparecimento de sintomas da síndrome de couvade está bem estabelecida, o que pode indicar que as peculiaridades da cultura italiana influenciaram os resultados do presente estudo.
Frente aos sintomas que vinham experimentando, alguns pais (P21, P2, P13, P16, P18, P19) mencionaram a possibilidade de uma ligação destes com a gravidez, fazendo referência a ela ainda que, por vezes, timidamente. Em alguns destes casos, os pais faziam verbalizações mais explícitas à gestação ao se referirem aos sintomas que vinham sentindo, embora nenhum deles tenha se referido como "grávido" como encontrado em um estudo sobre o envolvimento paterno na gestação (Piccinini, Silva, Gonçalves, Lopes & Tudge, 2004). Quanto a isso, uma das mães chegou a se referir ao seu marido como se ele vivenciasse também um estado de gravidez. Em outros casos, os pais (P15, P3, P5) encontravam outras explicações para seus sintomas e a ideia de que estes pudessem estar associados à gravidez era completamente rejeitada por eles. A ênfase recaída na ideia de que os sintomas já estavam presentes antes da gestação e seu advento não alterou a sua manifestação, sendo que, nestes casos, não foram considerados como indicativos da síndrome. De maneira similar ao encontrado no presente estudo, Brennan e cols. (2007b), em um estudo com homens com pelo menos quatro sintomas físicos da couvade, verificaram que alguns pais relacionavam-os à gravidez das esposas, enquanto outros buscavam outras explicações para eles, recorrendo às crenças culturais, convenções religiosas e à assistência de profissionais de saúde. Para estes autores, a rejeição dos pais em reconhecer o possível elo entre seus sintomas e a gestação das esposas pode ser uma manifestação inconsciente do processo de transição para a paternidade e até mesmo ligar-se à resistência de alguns em envolver-se com a gravidez. Esta dificuldade pode ainda estar associada a aspectos sócio-culturais que relacionam a masculinidade à ideia de força e a um maior distanciamento emocional o que pode fazer com que muitos homens negligenciem seus problemas de saúde (Polomeno, 1998; Shapiro, 1987; Hyssälä, Hyttinen, Rautava & Sillanpää, 1993). Por fim, é possível que alguns dos sintomas apresentados pelos pais tivessem origem orgânica e que não foi investigada por eles através de exames.
Examinando-se os relatos dos pais nos três trimestres de gestação, pôde-se perceber que os sintomas físicos (alterações na alimentação e aumento de peso) estiveram presentes nos três momentos. Da mesma forma, a ocorrência de vômitos também se evidenciou nos três trimestres gestacionais, embora tenham diminuindo até o último trimestre. Chama atenção o fato de que todos os pais que viviam o segundo trimestre de gravidez de suas esposas referiram estar experimentando algum sintoma físico, o que não ocorreu entre os pais do primeiro e do terceiro trimestre. Este achado apoia um estudo português, com 52 pais que encontrou maior referência a sintomas no segundo trimestre de gestação (Gomez, Leal & Figueiredo, 2002). De acordo com May (1982), no primeiro trimestre a gravidez não seria ainda visível e real para o pai e no terceiro trimestre a sintonia entre o casal seria maior e a ansiedade deste seria mais exteriorizada pela resolução de questões práticas. Já no segundo trimestre, a autora assinala que a gravidez tende a assumir maior centralidade com a percepção mais visível das mudanças corporais na mulher e dos movimentos fetais. Assim, seria neste período que os aspectos psicológicos da paternidade estariam em plena efervescência favorecendo, portanto, a expressão somática deste processo. Contudo, outros autores encontraram tendência contrária, com uma maior ocorrência de sintomas físicos no primeiro e terceiro trimestres de gestação (Bogren, 1983, 1986; Brennan & cols., 2007a, 2007b; Parke, 1996), o que sugere que novos estudos são necessários para que se compreenda melhor este fenômeno.
De modo geral, as gestantes relataram menos sintomas físicos dos pais do que eles próprios fizeram. É possível que isto se deva ao fato de que os pais evitavam comentar estas mudanças com as esposas, ou ainda que muitas gestantes não percebessem estas mudanças físicas nos maridos, voltando-se, elas próprias, para seus sentimentos e preocupações em relação à gestação e ao papel parental (Raphael-Leff, 1997). Ainda assim, tomando em conjunto os relatos das gestantes e dos pais sobre a presença de sintomas físicos experimentados pelo homem, verificaram-se mais similaridades do que diferenças. Em alguns casos, as gestantes endossaram o que eles haviam dito (G20, G13, G14, G15, G3), mostrando estar em sintonia com o marido, na medida em que pareciam perceber as mudanças que estavam ocorrendo com ele. Porém, em dois casos, as gestantes mencionaram determinados sintomas físicos que não haviam sido referidos pelos pais (G16, G19). Neste sentido, é plausível pensar que estes pais pudessem ter dificuldades em admitir que experimentaram ou estavam experimentando determinado sintoma, seja em função da situação de entrevista com uma pesquisadora do sexo feminino (primeira autora deste estudo), seja porque se sentiram pouco encorajados a falar abertamente sobre este assunto. Brennan e cols. (2007b) considera que a realização de entrevistas com pesquisadores do sexo oposto pode gerar viés relacionado ao gênero já que os homens, em particular, tendem a demonstrar mais disponibilidade para um entrevistador do mesmo sexo do que para entrevistador do sexo oposto. Além disso, em uma cultura onde o homem precisa mostrar-se forte, principalmente durante a gestação, quando a expectativa social é de que o pai apoie a gestante, falar sobre sintomas físicos e emocionais pode significar um sinal de fraqueza inadmissível.
Sintomas emocionais mencionados pelo pai
Oito pais relataram algum sintoma emocional que havia aparecido ou que tinha se intensificado durante a gestação da esposa. Entre eles, três (P12, P20, P25) afirmaram estarem se sentindo mais nervosos, seja em função da gravidez ou em situações do dia a dia. "Em relação à gravidez, eu fico nervoso um pouco com a cesárea, seria isso mais, fico nervoso. Parto normal seria mais fácil, sei lá, mais natural" (P20). Por outro lado, dois pais (P4, P27) referiram estar se sentindo menos nervosos do que normalmente, experimentando uma maior tranquilidade durante a gestação. "Eu acho que eu estou até conseguindo me controlar um pouco mais" (P4). Outros três pais (P1, P5, P19) relataram mal-humor e consideraram que isto teve uma leve exacerbação na gravidez da esposa. "Quando eu entro no carro para dirigir, nossa, eu me transformo. Parece aqueles desenhos animados que tinha o Pateta dentro do carro e ficava ‘malucão'. É que o trânsito hoje em dia me perturba" (P5). Apenas um dos pais entrevistados mencionou que estava apresentando insônia (P9) e ainda outro (P13) relatou um aumento da irritabilidade. "Não [tinha insônia]. Agora eu tenho um pouco, porque a gente trocou o lado da cama por causa do bercinho do nenê" (P9); "[Irritável] um pouco. Um pouco sem paciência. É uma característica minha, mas talvez um pouco mais agora" (P13).
A ansiedade não foi mencionada na literatura como um indicador da síndrome de couvade sendo, por outro lado, apontada como um fator desencadeante. Assim, neste estudo a ansiedade foi considerada como um estado emocional relacionado com a síndrome de couvade não sendo considerada como um indicador. Mesmo assim, pela estreita relação da síndrome com a ansiedade evidenciada pela literatura considerou-se importante explorar os relatos dos pais a respeito deste sentimento. Pelo menos 21 pais relataram se sentirem ansiosos seja em relação à gravidez, ao parto e/ou ao bebê. Alguns motivos de ansiedade mencionados pelos pais referiam-se à saúde do bebê e da gestante, ao momento do parto, à vontade de saber o sexo do bebê e de conhecer suas características físicas. "Digamos, ansioso de saber o sexo do bebê, a gente tem curiosidade" (P11); "Isso [o nascimento do bebê] é o que me deixa mais ansioso. Às vezes eu paro, fico pensando na hora que nascer. (...) Será que o dia vai chegar logo, sinto aquele nervosismo, um frio na barriga" (P25). Entretanto, para alguns pais, a ansiedade era considerada uma característica pessoal, presente mesmo antes da gravidez da esposa e, em outros casos, os pais reconheciam que sua ansiedade estava exacerbada durante este período. "Eu me sinto constantemente ansioso. Eu sei que alguma influência essa gravidez está tendo dentro de mim. Se eu te disser que comecei a ficar assim depois que ela soube que tava grávida, não, porque isso aí é constante em mim. Mas sei que alguma coisa ela [a gestação] contribuiu" (P2). "[Estou ansioso] em relação a essa gravidez, não vejo a hora que termine logo e corra tudo bem. Eu sou ansioso por natureza, sempre fui" (P13). Alguns pais mencionaram preocupação em desenvolverem empatia com o bebê após seu nascimento e à responsabilidade de criá-lo e educá-lo. "Mais ansioso [na gravidez] sobre a criança, só isso. Sobre aquilo que eu falei de educar, de poder entender a criança enquanto ela não conseguir falar, esse tipo de coisa" (P6).
Da mesma forma que a ansiedade, os estados de ânimo referidos pelos pais também foram aqui incluídos por denotar o seu estado emocional durante a gestação das esposas, apesar de não serem considerados como indicadores da síndrome de couvade. Assim, seis dos pais referiram que se sentiam bastante emocionados, mais sensíveis e emotivos, tanto em assuntos relativos ao bebê, quanto a assuntos em geral. "Em termos emocionais, eu sinto um pouco mais, com o emocional mais à flor da pele. Então hoje eu sinto um pouco mais sensível em relação a observar pequenos detalhes em outros pais, em outros filhos e isso tá me deixando um pouco mais sensível" (P10); "Qualquer coisinha que eu vejo chama atenção, é uma reportagem de criança ou alguma reportagem, coisa boa ou ruim, me emociono. Isso eu notei, depois da gravidez, fiquei, eu já era um pouco emotivo, um pouco sensível, mas depois da gravidez eu fiquei mais" (P30). Outros 14 pais também verbalizaram um sentimento de alegria e completude referente à gravidez da esposa, mesmo que esta não tivesse sido desejada. "Eu me sinto realizado. Emocionalmente, eu tenho estado quase que completo, em plenitude. Se passar um furacão aqui e derrubar tudo, eu não vou ficar tão triste, entendeu? Com tudo que me aconteceu de bom. (...) Eu encaro as coisas num estado de espírito muito melhor" (P7).
Com relação a percepção das mães sobre os sintomas emocionais do marido, excetuando-se a insônia, relatada por uma gestante (G28), nenhuma outra gestante referiu sintomas emocionais dos maridos: "Agora, nos últimos dias [da gravidez], ele tem sentido insônia" (G28). No entanto, pelo menos 12 gestantes enfatizaram que os pais estavam mais ansiosos, principalmente, em função do desejo de querer ver o filho. "[Ansioso] para ver o nenê. Ele entra no quarto, vê a caminha e: ‘Ai, não vejo a hora desse nenê estar aí para mim ver como ele é'. Ansioso ele tá, porque tá chegando cada vez mais perto, ele olha no calendário" (G23).
Como pode ser visto acima, no que diz respeito aos sintomas emocionais relatados pelos pais destacaram-se o nervosismo e a ansiedade relacionados ao parto, à saúde do bebê, ao sustento financeiro da família e ao aumento das responsabilidades relacionadas à paternidade, aspectos estes que também foram encontrados por outros autores (Shapiro, 1987; Brennan & cols., 2007b). Por exemplo, em um estudo longitudinal que acompanhou 320 pais de várias nacionalidades em todos os estudos da gestação até o primeiro ano do bebê, Condon, Boyce e Corkindale (2004) encontraram que o período gestacional foi o momento mais estressante para os homens, quando se evidenciaram maiores níveis de ansiedade, depressão, afetos negativos, uso de álcool e sintomas somáticos. Desta forma, a experiência masculina da gestação parece ser marcada pela antecipação das mudanças que o nascimento do filho/a trará, pela reavaliação de seu estilo de vida, o que pode envolver respostas psicológicas bastante intensas.
Por outro lado, vários pais também manifestaram sentimentos positivos relativos à gravidez da esposa que os faziam se sentir mais emotivos e sensíveis ao filho/a. Estes achados revelam um expressivo interesse e envolvimento emocional dos pais na gestação, endossando os resultados encontrados por Piccinini e cols. (2004). Este movimento afetivo pode ainda refletir a busca dos pais por uma maior aproximação com o filho/a e, portanto, de uma vivência mais real de paternidade. Deste modo, entende-se que indicadores positivos do envolvimento paterno durante a gestação poderiam ser incluídos no entendimento e na definição da síndrome de couvade. A inclusão de tais aspectos poderia auxiliar na compreensão da relação entre o aparecimento de sintomas físicos e emocionais da couvade.
Assim, considerando os sintomas psicológicos que indicariam a presença da síndrome de couvade como insônia, irritabilidade, alterações de humor, tensão e depressão, estes foram pouco referidos pelos pais do presente estudo, o que difere do encontrado por outros autores (Bogren, 1983; Brennan & cols., 2007b; Parke, 1996). Além disso, dois pais mencionaram, inclusive, que estavam se sentindo mais tranquilos durante a gestação e que antes se consideravam mais nervosos. Conforme Bogren (1984) a síndrome de couvade seria uma expressão somática de ansiedade, ficando implícita, portanto, uma relação negativa entre ansiedade e sintomas físicos (Trethowan & Conlon, citado por Brennan & cols., 2007a). Em particular, entre pais primíparos, Teichman e Lahav (1987) verificaram um menor nível de ansiedade e uma maior frequência de sintomas físicos. Considerando estes achados, podemos entender que a maior externalização de ansiedade e o grande envolvimento emocional demonstrado pelos pais do presente estudo poderiam estar amenizando o aparecimento de processos de somatização e, portanto, a referência a sintomas físicos da síndrome de couvade.
Apesar da ansiedade, o ânimo predominante entre os pais entrevistados foi de alegria, mesmo nos casos em que a gravidez não havia sido planejada. Além disto, vários pais referiram estar muito mais sensíveis e emocionados durante a gravidez da esposa o que pode expressar a mobilização psicológica provocada por este momento de transição familiar, bem como o envolvimento emocional com a gravidez e com o filho/a. Desta forma, estes achados corroboram a noção de que a gestação de um filho/a faz com que muitos pais e mães se voltem para seus próprios pensamentos e sentimentos, buscando reorganizar sua identidade frente ao papel parental e preocupando-se mais com o bebê e com as mudanças que ele trará (Cramer & Brazelton, 1992; Lebovici, 1987; Stern, 1997; Zayas, 1987). Neste sentido, o estudo de Gómez, Leal e Figueiredo (2002) comparando maridos que estavam vivendo a gestação das esposas e maridos cujas esposas não estavam grávidas, os autores revelaram que no primeiro grupo os pais apresentaram uma diminuição do interesse social e o desejo sexual. Isso pode ser explicado em função da dinâmica subjetiva dos pais durante este momento que faria com que as suas preocupações se voltassem, prioritariamente, para si próprios e para a unidade familiar, a exemplo do que acontece com a gestante (Raphael-Leff, 1997). No entanto, é importante lembrar que este aspecto pode ser pelo menos parcialmente influenciado pelas restrições físicas impostas pela própria gestação. Com relação a gestante, o fato de apenas uma mãe do presente estudo ter mencionado que seu marido estava experimentando sintomas emocionais corrobora a ideia de que o processo psicológico da gravidez faz com que a mulher se concentre em seus próprios sentimentos e percepções (Raphael-Leff, 1997) e menos nos do marido.
Considerando os diferentes momentos gestacionais que os pais vivenciavam no presente estudo, a ansiedade permaneceu sendo o estado emocional mais marcante nos três trimestres investigados. Entre os pais que viviam o terceiro trimestre de gravidez do filho/a não foram relatados sintomas como depressão e tensão, associados pela literatura ao final da gestação (Bogren, 1983, 1986; Parke, 1996). Da mesma forma, dentre os participantes que apresentaram algum tipo de sintoma emocional indicador da síndrome de couvade, apenas um pertencia ao grupo de pais do terceiro trimestre. Diante destes achados, é possível pensar que, com a proximidade do nascimento do bebê, os pais buscassem priorizar a assistência e o apoio à gestante, os preparativos finais para a chegada do filho/a e para o parto colocando seus sentimentos em segundo plano. Por outro lado, também é possível pensar que falar sobre sintomas emocionais como irritação, tensão, depressão e nervosismo é um assunto delicado e que a referência a tais sentimentos possa ser constrangedora para os pais.
Considerações finais
Os relatos dos participantes apontaram que muitos deles experienciavam sintomas físicos e emocionais durante a gravidez das esposas, o que pode indicar a presença da síndrome de couvade. Em vários casos, a forma como estes sintomas foram relatados sugerem um intenso envolvimento emocional e a mobilização física em torno da gravidez da companheira. Em outros casos, a ligação entre os sintomas e a gravidez não foi reconhecida pelos pais, o que pode apontar a influência de crenças e ditames culturais a respeito da masculinidade e do papel do pai sobre as suas percepções e atitudes frente à gestação (Daly, 1993; Rotundo, 1985; Silveira, 1998). A maior parte das mães corroborou os relatos dos pais sobre seus sintomas, apesar de algumas terem apontado situações que não haviam sido referidas pelos maridos.
Em conjunto, os resultados do presente estudo mostram a complexidade da transição para a paternidade e a necessidade de se investigar mais profundamente este processo, já bastante conhecido na perspectiva da gestante. A partir dos achados do presente estudo e da revisão da literatura é possível entender a síndrome de couvade como um fenômeno experienciado pelo pai com dimensões físicas e emocionais que está sujeito à dinâmica subjetiva de cada homem, às suas características sócio-culturais, ao contexto psíquico e relacional da gravidez e até mesmo a uma propensão fisiológica. Apesar desta complexidade, a atenção dos profissionais de saúde e dos pesquisadores da área às transformações vividas pelos pais durante este período tem sido mínima. Uma das razões para esta negligência é, provavelmente, a tendência de se minimizar os ajustamentos que os homens precisam fazer diante da paternidade. Contudo, a literatura aponta que as adaptações psicológicas dos homens à gravidez e nascimento dos filhos são tão importantes quanto àquelas experimentadas pelas mulheres (Bartllet, 2004).
O presente estudo priorizou a análise exploratória e qualitativa dos sintomas associados pela literatura à síndrome de couvade em pais primíparos, o que permitiu acessar as particularidades e semelhanças entre os relatos dos pais que viviam os três trimestres gestacionais. A inclusão da abordagem das percepções da gestante sobre os sintomas apresentados pelo marido enriqueceu as análises, possibilitando a triangulação dos relatos dos pais. Entretanto, o uso de entrevistas no presente estudo pode ter limitado a obtenção de alguns dados e, consequentemente, as análises realizadas. Neste sentido, seria necessária a elaboração de instrumentos padronizados e adaptados à realidade brasileira para a investigação de sintomas físicos e emocionais nos pais no contexto de uma gravidez. Ao mesmo tempo, a falta de uma definição clara da couvade também dificultou a identificação mais precisa de casos da síndrome entre os pais do presente estudo, o que permitiu somente a avaliação da presença de indicadores.
Tendo em vista estas limitações, recomenda-se que estudos investiguem indicadores da síndrome de couvade através de acompanhamento longitudinal dos pais ao longo da gestação e até o pós-parto, o que poderia elucidar melhor a dinâmica de aparecimento e desaparecimento dos sintomas e sua relação com a gravidez e o processo de transição para a paternidade. O possível impacto dos sintomas da síndrome de couvade sobre a relação conjugal, a saúde física e psicológica dos pais e mães, bem como a inclusão de pais multíparos e o estudo de fatores de risco, são aspectos que também merecem ser explorados por outros estudos. Somados a estas pesquisas, os dados fornecidos pelo presente estudo poderiam auxiliar na formulação de uma definição mais clara da síndrome de couvade, orientando os profissionais que lidam com famílias durante a gestação a identificar estes sintomas nos pais e a fornecer o atendimento e apoio necessário. Uma boa oportunidade de abordar estes aspectos seria durante os cursos de gestantes e até mesmo no acompanhamento pré-natal, que têm enfatizado apenas o processo gestacional, o momento do parto e o papel do pai como auxiliar (Piccinini & cols., 2004; Polomeno, 1998). No entanto, acredita-se que a gestação afeta toda a família e, neste caso, as abordagens em saúde deveriam incluir as necessidades físicas e psicológicas específicas dos pais. Desta forma, recomenda-se que intervenções contemplem as dúvidas, sentimentos e vivências do homem durante a gestação do seu filho/a, beneficiando a saúde masculina, a relação conjugal e, sobretudo, a relação pai-bebê.
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Endereço para correspondência
E-mail: taluandrea@yahoo.com.br
Recebido em março de 2009
Aprovado em setembro de 2009
Talu Andréa Dartora De Martini: Psicóloga; Mestre em Psicologia (UFRGS); Professora da Faculdade da Serra Gaúcha (FSG).
Cesar Augusto Piccinini: Psicólogo; Doutor e Pós-doutor em Psicologia (University College London/Inglaterra); Professor do PPG-Psicologia (UFRGS); Pesquisador do CNPq.
Tonantzin Ribeiro Gonçalves: Psicóloga; Mestre e Doutoranda em Psicologia (UFRGS).
1 Tradução do termo inglês hatch.
2 A letra "P" seguida do número identifica o pai e a letra "G" seguida do mesmo número identifica a gestante.
3 Na dissertação que deu origem ao presente estudo encontram-se inúmeros outros exemplos de relatos dos pais e mães, que não foram aqui incluídos por limitações de espaço. Em função disto, aqui também se buscou editar algumas citações, excluindo partes que não eram fundamentais para o seu entendimento (indicadas pelo uso de reticências entre parênteses) ou acrescentando expressões para facilitá-las (indicadas entre colchetes).