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Aletheia
versão impressa ISSN 1413-0394
Aletheia no.31 Canoas abr. 2010
ARTIGOS DE ATUALIZAÇÃO
Autoeficácia e qualidade de vida de jovens adultos com doenças crônicas
Self-efficacy and quality of life in young adults with chronic disease
Elisa Kern de Castro; Clarissa Franco Ponciano; Débora Wagner Pinto
Universidade do Vale do Rio dos Sinos
RESUMO
O presente estudo teve por objetivo avaliar a autoeficácia e a qualidade de vida de jovens adultos com doenças crônicas, examinando possíveis diferenças entre homens e mulheres. Participaram 20 pacientes com diversos tipos de doenças crônicas, com idade média de 31,5 anos (DP 3,6) e que estavam internados em um hospital geral. Os instrumentos utilizados foram: ficha de Dados biossociodemográficos; Escala de Autoeficácia Geral Percebida e Instrumento de Avaliação da Qualidade de Vida da OMS (WHOQOL-breve). Análise de correção de Spearman mostrou que os índices de autoeficácia estiveram correlacionados de forma positiva e significativa (p<0,05) com a qualidade de vida total e a dimensão ambiente. Não foram encontradas diferenças entre homens e mulheres na autoeficácia e qualidade de vida. Os resultados obtidos sugerem a importância dos aspectos positivos de saúde, especificamente a autoeficácia, para a qualidade de vida de jovens adultos com doenças crônicas.
Palavras-chave: Autoeficácia, Qualidade de vida, Doença crônica.
ABSTRACT
This study aims to assess self-efficacy and quality of life in young adults with chronic disease. Also, it examines possible differences between men and women. Participants were 20 patients with different types of chronic diseases, mean age 31,5 (3,6) years, hospitalized in a general hospital. Measures obtained were: Biosociodemographic data, General Perceived Self-efficacy scale and World Health Organization Quality of Life Bref Questionnaire (WHOQOL-bref). Spearman correlation showed that self-efficacy were positively and significantly correlated (p <0.05) or partially correlated (p <0.10) with quality of life and its dimensions. No differences were found between men and women in respect to self-efficacy and quality of life. Our data suggest the importance of positive health, specifically self-efficacy in the perception of quality of life in young adults with chronic disease.
Keywords: Self-efficacy, Quality of life, Chronic disease.
Introdução
Nos últimos anos, o grande desenvolvimento dos tratamentos para diversas enfermidades fez aumentar a esperança de vida de pacientes com doenças crônicas. Doenças que antigamente eram fatais, como o câncer, a AIDS, insuficiência cardíaca, renal ou hepática, agora se tornaram crônicas. No entanto, isso não significa que a experiência não seja dolorosa e difícil para paciente e sua família (Nicassio, Meyerowitz & Kerns, 2004).
De acordo com Stanton, Revenson e Tennen (2007), em termos gerais, doença crônica refere-se a problemas de saúde de longa duração, com taxas de cura baixas, e que conta com três características principais: 1) a doença requer adaptação do indivíduo a várias mudanças na sua vida; 2) as mudanças se desdobram com o tempo; e 3) há grande heterogeneidade entre os indivíduos nas suas respostas de adaptação à doença crônica.
Dados do ano de 2003 do IBGE mostram que no Brasil mais de 52 milhões de pessoas sofriam de algum tipo de doença crônica, sendo que uma parcela importante dessa população estava na faixa etária entre 20 a 39 anos (IBGE, 2009). Com o aumento da sobrevivência desses pacientes, o impacto da doença crônica na vida de jovens adultos pode ser maior que em pacientes de meia-idade ou idosos se consideramos sua expectativa de vida. Assim, esses adultos que estariam no auge da produtividade em suas vidas, casando-se, tendo filhos e trabalhando, têm que adaptar-se a limitações físicas e dificuldades incomuns nessa idade (Papalia, Olds & Feldman, 2006). Estudos em Psicologia que tratem especificamente de pacientes nessa faixa etária do jovem adulto são escassos, o que requer nossa atenção. No entanto, segundo Castro, Moreno-Jiménez e Carvajal (2007), há evidências de sofrimento psíquico importante nesses pacientes relacionado à enfermidade e tratamento.
As pessoas que sofrem de diferentes doenças crônicas têm que aprender a conviver com várias limitações em sua vida cotidiana como ir ao médico e tomar remédios regularmente. Além disso, há períodos em que o seu estado de saúde pode se agravar e exigir hospitalização, causando apatia, irritabilidade, tristeza entre outros sintomas, o que implica em sofrimento físico e emocional para o paciente e para todos que o rodeiam (Lorencetti & Simonetti, 2005).
Nesse sentido, o foco em aspectos de saúde que podem facilitar a adaptação e o enfrentamento do paciente diante de uma situação de estresse como a doença crônica tem aumentado, área de interesse da Psicologia Positiva (Pais-Ribeiro, 2006; Seligman & Csikszentmihalyi, 2001). Ao analisar aspectos de saúde mental desses pacientes, é possível ajudá-los a potencializar seus recursos para ter um melhor enfrentamento das situações adversas. Portanto, avaliar aspectos como qualidade de vida, bem-estar, autoeficácia, estratégias de enfrentamento, etc., pode contribuir para uma melhora efetiva dos aspectos emocionais do paciente (Pais-Ribeiro, 2006; Passareli & Silva, 2007).
A autoeficácia é um conceito que tem sido bastante estudado nos últimos anos, pois tem sido relacionada a resultados positivos em saúde (Bandura, 1997; Griva, Myers & Newman, 2000; Scholz, Doña, Sud & Schwarzer, 2002; Schwarzer, 1992; Schwarzer, Boehmer, Luszczynska, Mohamed & Knoll, 2005; Souza, Silva & Galvão, 2002). Esse conceito, segundo Bandura (1997; 2001) refere-se às crenças do indivíduo sobre suas capacidades em planejar e executar tarefas para gerar certos resultados. Tais crenças são importantes para a autorregulação e motivação em direção a mudanças de objetivos e expectativa de resultados. Então, a crença na autoeficácia e outras variáveis contribuem para a autorregulação do comportamento (Scholz & cols., 2002; Souza, Silva & Galvão, 2002).
Um forte sentido de competência facilita os processos cognitivos, o desempenho, o enfrentamento a situações adversas, e deixa o indivíduo menos vulnerável ao estresse e depressão (Griva, Myers & Newman, 2000; Scholz & cols., 2002). O sentido de pouca autoeficácia, por outro lado, se associa a ansiedade, depressão, solidão e baixa autoestima.
A qualidade de vida, em contrapartida, é um conceito multidimensional, multidisciplinar, com indicadores objetivos e subjetivos que expressam algo mais que o bem-estar físico ou pessoal (Moreno-Jiménez & Castro, 2005; Seidl & Zanon, 2004). Na realidade, segundo Fleck e cols. (1999; 2000), o conceito atual de qualidade de vida que a Organização Mundial da Saúde propõe se refere à percepção individual da pessoa sobre sua saúde conforme suas exigências culturais, sistemas de valores, metas, expectativas e preocupações.
O interesse no estudo da qualidade de vida surgiu como uma resposta aos avanços nos cuidados médicos (Rodríguez, Picabia, & San Gregorio, 2000; Seidl & Zanon, 2004). No âmbito sanitário, este é um conceito central porque representa a visão humanizada da saúde, projetada para proteger o equilíbrio físico, emocional e social do paciente, de acordo com sua personalidade, critério de valor e critério cultural (Lovera & cols., 2000). A avaliação objetiva da qualidade de vida está enfocada nos indicadores de saúde físicos e suas limitações, enquanto a avaliação subjetiva se refere, sobretudo, à percepção do indivíduo sobre sua qualidade de vida nas dimensões física, psicológica, social e ambiental. Isto explica por que indivíduos com indicadores objetivos semelhantes de qualidade de vida podem ter índices bastante diferentes em qualidade de vida subjetiva. Para Seidl e Zanon (2004), qualidade de vida e estado de saúde são dois conceitos que não devem ser confundidos, já que a qualidade de vida é importantíssima à saúde mental do paciente e para o estado de saúde o funcionamento físico é fundamental na percepção dos doentes.
As mudanças ocorridas nos últimos anos com respeito ao conceito de saúde contribuíram para o desenvolvimento de pesquisas sobre qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS) (Rodríguez & cols., 2000). No campo da Psicologia, a função específica dos estudos sobre qualidade de vida centra-se em assuntos relacionados à adaptação à doença, estilos de vida saudáveis, relação entre sistema imunológico e variáveis psicológicas, etc., avaliando e delimitando programas de intervenção para melhorá-la (Moreno-Jiménez & Ximénez, 1996).
Os estudos quantitativos são predominantes quando se trata de investigar qualidade de vida (Seidl & Zannon, 2004). Os pesquisadores têm se interessado no desenvolvimento de medidas multidimensionais de qualidade de vida, e também na construção de instrumentos específicos para determinados tipos de doenças (Remor, 2005). Os estudos nacionais realizados até o momento examinaram a qualidade de vida em distintas especialidades médicas como neurologia, oftalmologia, oncologia, psiquiatria, ginecologia, nefrologia, reumatologia, imunologia, etc. (Berber, Kupek & Berber, 2005; Berlim & cols., 2006; Castro, Caiuby, Draibe & Canziani, 2005; Lemos, Miyamoto, Valim & Natour, 2006; Roque & Forones, 2006; Seidl, Zannon & Trócoli, 2005), porém nenhum deles relacionou esse aspecto com autoeficácia.
Tendo em vista a importância de investigar os aspectos positivos de saúde que possam facilitar a adaptação do paciente à doença e ao tratamento para subsidiar intervenções que trabalhem os recursos dos pacientes, o objetivo do presente estudo é avaliar a autoeficácia e a qualidade de vida de jovens adultos com doenças crônicas. Além disso, pretende-se examinar possíveis diferenças na autoeficácia e qualidade de vida entre homens e mulheres com doenças crônicas.
Método
Participantes
Participaram desse estudo 20 pacientes com diferentes doenças crônicas, com idades compreendidas entre 18 e 40 anos que estavam internados para tratamento em um hospital localizado na cidade de São Leopoldo, Rio Grande do Sul. A amostra é do tipo consecutiva: duas vezes por semana, durante três meses, todos os pacientes que se encaixavam nos critérios de inclusão da pesquisa (ser jovem adulto e ter doença crônica) que estavam internados no referido hospital público foram convidados a participar da pesquisa. Desse modo, a amostra em questão refere-se à totalidade dos pacientes jovens adultos internados por doença crônica no período nesse hospital. Todos os participantes eram assistidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O ambiente físico em que se encontravam caracterizava- se pelas instalações precárias – prédio com necessidade de reforma, oito pacientes por quarto, combinação de pacientes que estão relativamente bem com pacientes terminais, etc. A tabela 1 mostra as principais características desses pacientes.
Delineamento e procedimentos
O projeto caracterizou-se por ser uma pesquisa exploratória e transversal. A aplicação dos instrumentos e a assinatura do Consentimento Livre e Esclarecido era realizada no próprio leito do paciente, após verificação por parte das pesquisadoras junto à enfermagem de quais eram os pacientes que poderiam ser incluídos no estudo naquele dia. As pesquisadoras liam as perguntas ao paciente e completavam os questionários de acordo com suas respostas, já que muitos deles tinham baixa escolaridade e dificuldades na leitura.
Considerações éticas
O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade (nome da universidade omitido) e todos os pacientes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Instrumentos
- Dados biossociodemográficos e clínicos da doença e do tratamento: para obter informações gerais pessoais (idade, trabalho, escolaridade), familiares (estado civil, número de filhos) e dados da doença e do tratamento (idade no diagnóstico da doença, tipo de doença crônica, tratamentos realizados, etc.).
- Escala de Autoeficácia Geral Percebida (Schwarzer & Jerusalém, 1995; Teixeira & Dias, 2005): O instrumento é constituído por 10 itens que avaliam a percepção da autoeficácia do indivíduo e suas respostas variam entre 1 (não é verdade) a 4 (sempre é verdade). A versão original está no idioma alemão, contendo 20 itens (Jerusalem & Schwarzer, 1979). Posteriormente a escala foi reduzida para 10 itens e subsequentemente adaptada para 28 idiomas (Nunes, Schwarzer & Jerusalem, 1999). A escala tem sido usada em inúmeras pesquisas com índices de consistência interna variando entre 0,75 a 0,91. A adaptação ao português seguiu o modelo de grupo de consenso, com várias traduções bilíngues, incluindo back translations e grupos de discussão. Vários estudos publicados compararam as propriedades psicométricas das versões alemã, inglesa, dinamarquesa, espanhola, russa, grega, árabe, húngara, polaca, chinesa, Indonésia, japonesa e coreana (ver http://www.healthpsych.de/).
- Instrumento de Avaliação da Qualidade de Vida da Organização Mundial da Saúde – versão breve (Fleck et al., 2000) (WHOQol-breve): é um instrumento desenvolvido pela OMS que objetiva avaliar a qualidade de vida em diferentes culturas. A versão breve do questionário contém 26 itens e deriva da versão original de 100 itens (Fleck & cols., 1999). As versões em português do Brasil de ambos os instrumentos foram desenvolvidas no Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da UFRGS. O WHOQOL-breve consta de duas questões gerais e de 24 questões que compõem cada uma das 24 facetas que compõem o instrumento original. Os quatro domínios do instrumento são: físico (Ex: "Em que medida você acha que sua dor (física) impede você de fazer o que você precisa?"), psicológico (Ex: "Com que frequência você tem sentimentos negativos tais como mau humor, desespero, ansiedade, depressão?"), relações sociais (Ex: Quão satisfeito (a) você está com suas relações pessoais (amigos, parentes, conhecidos, colegas)?") e meio-ambiente (Ex: "Quão satisfeito (a) você está com as condições do local onde mora?"). Para cada questão existem 5 graus de intensidade e o paciente opta por uma delas. Quanto à consistência interna, os valores alpha de Cronbach das 26 questões no estudo de validação foram de 0,91 com pacientes adultos. O instrumento mostrou-se discriminante ao avaliar pacientes psiquiátricos e um grupo controle.
Análise dos dados
Todos os dados do protocolo de pesquisa (questionários) foram levantados e tabulados na base de dados do programa SPSS 16.0. Devido ao número de participantes, realizou-se estatística não paramétrica. Foram realizadas correlações entre as variáveis de interesse (Spearman) e comparação de grupos homens e mulheres (Mann-Whitney).
Resultados
Inicialmente, realizaram-se análises descritivas dos resultados do instrumento de autoeficácia e de qualidade de vida. A Tabela 2 apresenta as médias, desvio-padrão, medianas, e valores mínimo e máximo dos resultados desses instrumentos
A seguir, examinaram-se possíveis associações entre autoeficácia e qualidade de vida e suas dimensões, idade do paciente e sua idade no diagnóstico da doença, através da análise de correlação de Spearman (ver tabela 3). O principal resultado dessa análise mostrou que a autoeficácia obteve correlações positivas e significativas (p<0,05) com a qualidade de vida total e a dimensão ambiente, demonstrando íntima relação entre essas variáveis. Além disso, cabe salientar a correlação positiva e significativa obtida entre qualidade de vida física e idade do paciente, indicando que os pacientes com mais idade apresentavam melhor qualidade de vida física. Ainda, obviamente, houve correlações significativas entre a qualidade de vida total e suas dimensões.
Com o intuito de examinar possíveis diferenças na autoeficácia e na qualidade de vida entre homens e mulheres, realizou-se o teste de Mann-Whitney (Tabela 4). Os resultados não foram significativos, apesar de observarmos que os homens obtiveram pontuações maiores que as mulheres em todas as variáveis, indicando alta autoeficácia e qualidade de vida.
Discussão
O objetivo do presente estudo foi examinar a autoeficácia e a qualidade de vida de pacientes jovens adultos com doenças crônicas. A pesquisa é de caráter eminentemente exploratório, pois apesar de existirem na literatura nacional estudos sobre qualidade de vida em pacientes com doenças crônicas, as que se relacionam com a autoeficácia são escassas. Além disso, o foco no jovem adulto é um aspecto a ser destacado, uma vez que a doença crônica nessa etapa do ciclo vital pode ter consequências diferentes daquelas provocadas no adulto de meia-idade ou idoso, e a literatura científica específica com esse grupo etário é escassa.
Os resultados obtidos das correlações realizadas entre autoeficácia e qualidade de vida mostraram relações importantes entre essas duas variáveis, indicando que aqueles indivíduos que possuem alta autoeficácia são também aqueles que possuem mais alta qualidade de vida em geral e na dimensão ambiente. Pesquisas internacionais já haviam apontado na direção semelhante. Por exemplo, o estudo de Wahl, Rustoen, Hanestad, Gjengedal & Moum (2005) que relaciona qualidade de vida global, autoeficácia, percepção da saúde e funcionamento pulmonar de pacientes com fibrose cística mostrou que a autoeficácia influenciou significativamente a qualidade de vida desses sujeitos. Pacientes que se percebiam com maior autoeficácia tendiam a possuir uma melhor qualidade de vida e uma melhor percepção de sua saúde. Motl e Snook (2008), igualmente, evidenciaram relações significativas e positivas entre autoeficácia, atividade física e qualidade de vida em pacientes com esclerose múltipla. Por fim, Kreitler, Peleg e Ehrenfeld (2006), ao examinarem o efeito de diferentes estressores na qualidade de vida de pacientes com câncer, observaram que a autoeficácia afeta a qualidade de vida reduzindo os níveis de estresse percebido pelo paciente.
Quanto à relação encontrada entre o domínio físico da qualidade de vida e idade do paciente, esse dado ainda não havia sido observado na literatura revisada. É possível entender esse resultado a partir da ideia trazida por Papalia, Oldds e Feldman (2006) de que a faixa dos vinte anos é o auge do desenvolvimento físico do indivíduo. Assim, o impacto de uma doença crônica grave na vida desses adultos pode ser ainda maior do que para os pacientes na faixa dos trinta anos, gerando uma percepção menor de sua qualidade de vida física.
A ausência de diferenças significativas entre homens e mulheres com respeito à autoeficácia e qualidade de vida é contrária a outras investigações que examinaram diferenças de gênero em pacientes com doença crônica. A literatura tem mostrado de forma consistente que as mulheres com diferentes problemas de saúde apresentam níveis de qualidade de vida inferiores aos homens (Mrus, Williams, Tsevat, Cohn & Wu, 2005; Teh, Kilbourne, McCarthy, Welsh& Blow, 2008), especialmente na dimensão psicológica (Bingefors & Isacson, 2004), e inclusive em estudos com amostras brasileiras de pacientes com HIV/Aids (Zimpel & Fleck, 2007). Com relação à autoeficácia, os dados não são tão contundentes. Wehrens, Gesine, Hannelore, Heinz e Oskar (2007) de fato argumentam que as mulheres apresentam mais estresse psicológico e baixa autoeficácia frente a um problema cardíaco, porém as relações parecem ser mais complexas. O estudo de Takaki e Yano (2006) com pacientes em hemodiálise mostrou que para os homens a autoeficácia teve correlação positiva com indicadores de adesão ao tratamento, enquanto para as mulheres essa correlação foi negativa, indicando que níveis altos de autoeficácia para mulheres podem ter consequências desfavoráveis para sua saúde.
Porém, os resultados dos referidos estudos não podem ser trasladados diretamente à nossa realidade, dado que foram realizados no exterior e nosso país e nossa cultura tem suas particularidades. Além disso, os participantes dessa pesquisa caracterizam-se pela pouca escolaridade, por serem usuários do sistema público de saúde, de um hospital com instalações precárias, e de serem adultos jovens. Esses aspectos devem ser levados em conta na interpretação desses resultados, pois é possível que essas particularidades apresentadas na amostra expliquem as semelhanças encontradas nos níveis de autoeficácia e qualidade de vida de homens e mulheres, o que deverá ser aprofundado em futuras investigações sobre o tema.
Outro aspecto que pode ter contribuído para não haver diferenças significativas entre homens e mulheres se refere à especificidade da faixa etária. Como os participantes dos estudos citados eram adultos de diferentes idades e não foram feitas análises por faixa etária, talvez na faixa etária do adulto jovem não haja realmente diferenças entre os sexos na autoeficácia e qualidade de vida. Apesar da vulnerabilidade maior da mulher a apresentar problemas psicológicos, diminuição na qualidade de vida e autoeficácia apontada pelos estudos já citados, pode-se especular que o homem adulto jovem pode ser especialmente afetado pela doença crônica ao deixar de ter o controle de sua vida e perder seu status de chefe da família por estar debilitado fisicamente, o que contribuiria para se igualarem com as mulheres em termos de níveis de autoeficácia e qualidade de vida.
É importante salientar que algumas correlações entre autoeficácia e qualidade de vida (dimensão física, ambiente e social) foram quase significativas (p<0,10), o que indica uma probabilidade dessas diferenças serem significativas se a amostra fosse maior. Inclusive, alguns estudos apontam esse valor de significância como sendo parcialmente significativos em amostras clínicas (Castro, 2009; Castro, Moreno-Jiménez & Rodríguez-Carvajal, 2007). Futuras pesquisas com maior número de participantes deverão ser realizadas para esclarecer essas associações.
Devido ao delineamento exploratório e ao reduzido número de participantes, nossos resultados não podem ser generalizados. O número reduzido de participantes pode ser um fator que tenha contribuído para a ausência de diferenças significativas na qualidade de vida e autoeficácia de homens e mulheres, conforme tendência apontada na revisão de literatura. Além disso, pelo tipo de delineamento do estudo, não foi possível identificar o papel preditor da autoeficacia para a qualidade de vida desses pacientes.
No entanto, nossos resultados fornecem indicações importantes de relações entre duas variáveis psicológicas relacionadas à saúde mental dos participantes – autoeficácia e qualidade de vida. Esse resultado fornece subsídios para futuras pesquisas incluírem outras variáveis no estudo, tais como autoconceito, autoestima e apoio social, ampliar a amostra ou trabalhar com grupos de pacientes específicos, além de dar informações importantes para o delineamento de intervenções psicológicas que busquem reforçar os aspectos positivos de saúde e a autoeficácia de pacientes crônicos.
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Endereço para correspondência
E-mail: elisa.kerndecastro@gmail.com
Recebido em abril de 2009
Aceito em setembro de 2009
Elisa Kern de Castro: Doutora em Psicologia Clínica e da Saúde (Universidade Autônoma de Madrid), Professora Adjunta do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, pesquisadora do CNPq.
Clarissa Franco Ponciano: Graduanda do curso de Psicologia e bolsista de iniciação científica (Pibic/CNPq), Universidade do Vale dos Sinos –UNISINOS.
Débora Wagner Pinto: Graduanda do curso de Psicologia e bolsista de iniciação científica (UNIBIC), Universidade do Vale dos Sinos –UNISINOS.