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Aletheia

versão impressa ISSN 1413-0394

Aletheia  no.34 Canoas abr. 2011

 

ARTIGOS DE PESQUISA

 

Fatores emocionais associados ao aleitamento materno exclusivo e sua interrupção precoce: um estudo qualitativo

 

Emotional factors associated with exclusive breastfeeding and its early interruption: a qualitative study

 

 

Julia Polgati DiehlI; Márcia Camaratta AntonII

I Leiden University
II Universidade Federal do Rio Grande do Sul

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RESUMO

O presente estudo investigou os fatores que influenciam a ocorrência do aleitamento materno exclusivo e a sua interrupção precoce, e os aspectos emocionais envolvidos nestes processos. Participaram do estudo 3 mães primíparas com bebês com até 18 meses de idade que diferiam no período de manutenção do aleitamento materno exclusivo. As participantes responderam a uma entrevista semiestruturada sobre aleitamento materno. A análise de conteúdo qualitativa mostrou que a história de vida, as condições biológicas e emocionais das participantes e dos bebês, o valor que as participantes davam ao aleitamento materno exclusivo, assim como o apoio da equipe hospitalar, dos pediatras, dos maridos e das avós influenciaram a manutenção ou interrupção do aleitamento materno exclusivo. Estes achados podem contribuir para estratégias de saúde pública mais eficazes na promoção do aleitamento materno e para a discussão do papel do psicólogo neste contexto.

Palavras-chave: Aleitamento, Desmame, Estados emocionais.


ABSTRACT

The present study investigated the factors that influence the occurrence of exclusive breastfeeding and its early interruption, and the emotional aspects involved in these processes. Participants in the study were three first-time mothers of 18 month-old babies, who exclusively breastfed their babies for different periods of time. The participants answered a semi-strutucted interview about breastfeeding. Qualitative data analysis demonstrated that life history, biological and emotional conditions of mother and baby, the value participants gave to exclusive breastfeeding, as well as the support provided by the hospital team, pediatricians, partners and grandmothers influenced the maintenance or interruption of exclusive breastfeeding. These findings can contribute to the development of more efficient public health guidelines to promote breastfeeding, and to the discussion of the role of psychologists in this context.

Keywords: Breastfeeding, Weaning, Emotional states.


 

 

Introdução

O leite materno é definido pela Organização Mundial da Saúde (WHO, 2003) como o alimento ideal para o crescimento e o desenvolvimento saudáveis dos bebês. Recomenda-se que as crianças sejam amamentadas exclusivamente nos primeiros seis meses de vida, com o objetivo de atingir ótimos níveis de crescimento, desenvolvimento e saúde (United for Children Foundation – UNICEF, n.d.). Após este período, para cobrir as necessidades nutricionais, as crianças devem receber alimentação complementar adequada e continuar sendo amamentadas até os dois anos ou mais.

Diversas pesquisas comprovam os benefícios do aleitamento materno exclusivo até os 6 meses, entre eles: redução da mortalidade infantil por diarreia e outras infecções (Kramer & Kakuma, 2002); proteção contra alergias, prevenção de doenças crônicas não transmissíveis, melhor desenvolvimento neurológico, melhor desenvolvimento cognitivo em crianças que nasceram com baixo peso (Falceto, 2006); e estímulo ao desenvolvimento do vínculo afetivo entre mãe e filho (Zavaschi & Kuchenbecker, 1991). No entanto, os índices de prevalência da amamentação no Brasil são baixos. Conforme dados de 2009 do Ministério da Saúde, as taxas de aleitamento materno no Brasil são de 91,7% aos 30 dias de vida do bebê; 84,6% aos 120 dias; e 77,6% aos 180 dias. Já a prevalência de aleitamento materno exclusivo é de 60,7% aos 30 dias, diminuindo progressivamente para 23,3% aos 120 dias, chegando a apenas 9,3% aos 180 dias.

Aparentemente, as vantagens da amamentação descobertas pela ciência e as diversas campanhas realizadas pelo governo e instituições apoiadoras não são suficientes para garantir a valorização e priorização do aleitamento materno na nossa sociedade (Almeida & Novak, 2004). O aleitamento materno não é determinado apenas biologicamente, mas também emocionalmente e socioculturalmente. A decisão de amamentar, de continuar amamentando ou de parar de amamentar tende a ser feita principalmente pela mãe, a qual é influenciada por sua história de vida, por sua rede de apoio, pelas condições físicas e emocionais suas e do bebê e também pelo valor social que é dado à amamentação e à maternidade na comunidade em que vive (Falceto, 2006). Possivelmente os profissionais da saúde e as campanhas de promoção da amamentação reproduzem mensagens de maneira generalizada, com ênfase no aspecto biológico da amamentação, em detrimento de questões singulares e emocionais da mulher (Faleiros, Trezza & Carandina, 2006).

Pesquisas que demonstram a influência do aleitamento materno no desenvolvimento emocional do bebê ainda são poucas. No entanto, acredita-se que a amamentação tenha efeitos psicológicos positivos para a criança, principalmente pela intensa e rica interação mãe-bebê que ela propicia (e.g. Giugliani, 1994; Klaus & Kennell, 1993; Winnicott, 1954/1992). De acordo com Harfouche (1970), esta interação é mais íntima e traz maior satisfação do que quando o bebê é amamentado com mamadeira. O interesse materno pelo seu bebê pode ser maior em mães que amamentam (Giugliani, 1994), assim como o aleitamento pode influenciar o desenvolvimento da sensibilidade materna (Alfaya & Shermann, 2005). Uma mãe altamente sensível reconhece, interpreta e responde aos sinais de seu filho prontamente e apropriadamente, levando a maior probabilidade da criança desenvolver um apego seguro à mãe (Ainsworth, 1985). Inúmeras pesquisas têm demonstrado a importância do apego seguro para o desenvolvimento de crianças emocionalmente positivas, menos agressivas, mais autoconfiantes, competentes socialmente e cooperativas (Ainsworth, 1979; Soares, 2009; Stayton, Hogan & Ainsworth, 1971).

Considerando a importância do aleitamento materno exclusivo para a saúde do bebê, para a relação mãe-criança e para o desenvolvimento emocional do bebê, o presente estudo buscou investigar os fatores que influenciam a ocorrência do aleitamento materno exclusivo e a sua interrupção precoce em mães primíparas. Em particular, buscou-se investigar os aspectos emocionais envolvidos na realização da amamentação exclusiva e na introdução de outros alimentos antes dos 4 meses de vida do bebê.

A amamentação exclusiva é recomendada até os 6 meses de vida do bebê (United for Children Foundation – UNICEF, n.d.) e, portanto, interrompê-la antes dessa idade pode ser considerada uma interrupção precoce. No entanto, no Brasil, na época da realização das entrevistas deste estudo, a licença maternidade estabelecida pela Consolidação das Leis Trabalhistas (Brasil, 1943) era de 120 dias. Sendo assim, para excluir a possibilidade do aleitamento materno exclusivo ser causado pelo retorno da mãe ao trabalho, optou-se por considerar como interrupção precoce aquela feita antes dos 4 meses de vida do bebê.

 

Método

Participantes

Participaram deste estudo três mães primíparas que, quando gestantes, desejavam realizar aleitamento materno exclusivo até os 6 meses de vida do bebê. As mães eram casadas, possuíam idade entre 24 e 31 anos e nível socioeconômico médio, sendo que nenhuma delas participou de grupos de gestantes. Os bebês nasceram em diferentes hospitais e tinham idades entre 7 e 15 meses na época da coleta de dados.

Foram utilizados como critérios de exclusão: contraindicação médica para amamentar, doença, síndrome ou má-formação dos bebês que pudessem dificultar o aleitamento materno.

A Tabela 1 mostra os dados sociodemográficos das mães, e a Tabela 2, os dados referentes aos bebês, ao pré-natal, ao parto e à amamentação.

 

 

 

Delineamento, procedimentos e instrumentos

Utilizou-se o delineamento de estudo de caso coletivo (Stake, 1994) buscando-se investigar os fatores que influenciam a ocorrência do aleitamento materno exclusivo e a sua interrupção precoce em mães primíparas, e os aspectos emocionais envolvidos nestes processos. Durante a análise, buscou-se examinar tanto as particularidades como as semelhanças entre os casos.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFRGS (Protocolo nº 013/2008). As mães foram encaminhadas por profissionais da área da saúde para participar da pesquisa. Após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, as participantes responderam individualmente1 a uma entrevista semiestruturada sobre aleitamento materno, elaborada para fins deste estudo. Esta entrevista abordou temas como: história da gravidez, parto e puerpério, motivação e expectativas quanto à amamentação, experiências e informações prévias, sentimentos despertados, dificuldades encontradas, auxílio e orientação recebidos, vontade de interromper a amamentação e introduzir outros alimentos e razões para isso. Todas as entrevistas foram gravadas e transcritas para fins de análise.

 

Resultados e Discussão

A Análise de Conteúdo Qualitativa (Laville & Dionne, 1999) foi utilizada para investigar os fatores que influenciam a ocorrência do aleitamento materno exclusivo e a sua interrupção precoce em mães primíparas. Com base na leitura exaustiva das entrevistas foram criadas quatro categorias temáticas: História de vida e expectativas prévias das mães; Iniciando a experiência de amamentar; Os desafios da amamentação com a ida para casa; Prolongando a experiência de amamentar. A seguir, apresenta-se cada uma das categorias, ilustrando-as com relatos das próprias mães e discutindo os achados à luz da literatura psicanalítica. Em cada categoria deu-se ênfase a eventuais semelhanças e particularidades entre os casos, com destaque para os fatores facilitadores e complicadores da realização do aleitamento materno exclusivo.

História de vida e expectativas prévias das mães

Reflexões sobre a própria amamentação

As três mães entrevistadas relataram que foram amamentadas ao seio por pouco tempo. M1 mamou durante menos de um mês. Segundo conta, sua mãe tinha pouco leite e foi orientada pelo pediatra a complementar a alimentação: “A minha mãe contou que ela tinha bem pouquinho leite e que eu chorava muito." (M1). Assim como sua mãe, M1 achava que não tinha leite suficiente para seu filho e decidiu complementar a alimentação dele logo nos primeiros dias. M2 também foi amamentada por menos de um mês. A causa atribuída para a interrupção foi sua mãe ter um dos bicos dos seios invertido. M2 referiu que um dos seus maiores medos era não conseguir amamentar, fato reforçado pelo fato dela, assim como sua mãe, ter um dos bicos dos seios invertido. M3 também relatou o medo de não conseguir amamentar, pois sua mãe a amamentou por pouco tempo: “Eu sempre tive medo: "ah, não vou conseguir', porque minha mãe não conseguiu" (M3).

Nota-se que as experiências vividas na infância influenciam as fantasias e os comportamentos das mães na vida adulta. Todas sentiram medo como suas mães, e duas participantes relataram terem passado pelas mesmas dificuldades vivenciadas por suas mães, o que mostra uma identificação entre elas e uma possível tendência a repetir a história. Assim, observa-se que os registros de como foi seu próprio aleitamento – se foi prazeroso, difícil ou duradouro – podem ter impacto no desejo e na vivência das mães ao amamentarem seus filhos (Langer, 1986).

A busca de informação

Duas das participantes buscaram informar-se sobre aleitamento materno durante a gestação. As principais fontes foram livros, revistas, médicos e outras mulheres: “Todo mês comprava revista da gestação, de bebê, alguns livros assim, algumas coisas que eu fui procurando me informar" (M1); “Sempre questionei muito até com os médicos. Sempre perguntava como que era" (M3). Estas informações serviram para diminuir suas ansiedades diante do desafio de amamentar pela primeira vez, além de reforçarem a vontade de amamentar.

M3 observou que as orientações dadas pelos médicos durante a gestação, apesar de importantes, talvez não sejam compreendidas e assimiladas naquele momento, em função da mulher ainda não estar passando por aquela experiência: “Eles te dão orientação, mas não é aquilo que tu ta vivenciando ali depois. Acho que até podem te falar e tu de repente entender. Mas chega na hora tu absorve melhor quando tu ta vivendo" (M3). Além disso, quando as mães não encontram soluções para suas dificuldades nas informações recebidas, prevalecem as suas fantasias anteriores. M1 havia lido o quanto era importante o aleitamento materno exclusivo, mas, ao deparar-se com a pouca produção de leite no início da amamentação, decidiu introduzir um complemento: “Até os seis meses é o único alimento, mas mesmo assim eu não segui o que a revista falava (risos). Igual, eu comecei a complementar a alimentação" (M1). Desta maneira, fica evidenciada a importância das mães serem continuamente orientadas, uma vez que dúvidas e dificuldades podem surgir em diferentes momentos.

A motivação para amamentar

A motivação para amamentar foi um fator que possibilitou com que todas as entrevistadas conseguissem amamentar por mais tempo que suas próprias mães. Elas relataram que desde a gestação, ou mesmo antes disso, já possuíam o desejo de amamentar seus filhos: “Acho que é uma maneira da gente passar aquele amor, aquele carinho, aquela preocupação" (M3). Existe a crença popular de que toda mãe terá o desejo de amamentar. No entanto, sentir-se motivada para amamentar depende, entre outros fatores, se a mulher percebe o aleitamento como uma experiência positiva para ela e para o bebê, trazendo benefícios para ambos (Bueno, et. al., 2002).

Iniciando a experiência de amamentar

Orientações da equipe hospitalar

Nas mães entrevistadas, os primeiros momentos vivenciados entre mãe e bebê pareceram exercer grande influência na maneira como o aleitamento materno transcorreu. As orientações da equipe hospitalar foram fundamentais neste período. Uma das orientações do Ministério da Saúde (2009) é iniciar a amamentação imediatamente após o parto, de preferência na 1ª meia hora pós-parto, pois é o momento em que o recém- nascido está mais alerta. Além disso, o contato precoce da mãe com o recém-nascido aumenta a duração e a probabilidade de sucesso do aleitamento materno (Boccolini, Carvalho, Oliveira, Leal & Carvalho, 2008). Segundo M1, o hospital em que ela ganhou seu filho não seguiu estas orientações, pois seu filho já estava dormindo quando lhe foi trazido e a enfermeira que iria ajudá-la não compareceu: “Daí ela até comentou: "ah, eu já venho aí te ajudar mãe a colocar ele no teu peito pra tu dar de mamar', mas ela não foi. (...) Só que depois acabou que eu dormi. E ele ficou quietinho, ele não chorava, ele não pedia" (M1). Em função disso, seu filho só mamou muitas horas após o parto, retardando a estimulação do seio materno para a produção de leite.

Ao contrário desta mãe, M2 e M3 sentiram-se amplamente assistidas no hospital. M2 foi orientada por uma profissional especialmente treinada para auxiliar as mães com o aleitamento, e M3 teve auxílio de uma equipe multiprofissional. Ambas citaram a importância deste atendimento: “Eles me deram muita orientação em relação à amamentação (...) Foi o pediatra, foi uma nutricionista, uma orientadora, uma psicóloga" (M3); “Ela [enfermeira] ajudava, tentava posicionar o bebê melhor, ensinava técnicas pra que ele chupasse direitinho pra não machucar o seio" (M2).

Observando os relatos das três mães, evidencia-se a importância da equipe hospitalar para promover e facilitar o aleitamento materno. Isto é fundamental, visto que os primeiros dias são os mais difíceis e, ao mesmo tempo, é a etapa com maior impacto na continuação ou interrupção do aleitamento materno exclusivo. Winnicott (1957/1987) considera de extrema importância que a mãe tenha tempo para conhecer os profissionais que irão atendê-la no parto e puerpério, pois dependerá deles, e para isso, precisa primeiramente desenvolver um sentimento de confiança. Tanto M2, quanto M3 sentiram-se acolhidas, puderam aprender sobre amamentação e, consequentemente, sentirem-se mais seguras para amamentar seus filhos. No entanto, da mesma maneira que as orientações da equipe podem facilitar o aleitamento materno, a falta de assistência e de apoio por parte do hospital podem ser fatores decisivos para a interrupção do aleitamento materno exclusivo ou o desmame precoce, como ocorreu com M1. Ela relatou não ter sido estimulada a amamentar e ter tido alta hospitalar 48 horas após o parto cesárea, quando ainda produzia colostro em pouca quantidade. Ao se ver sozinha em casa, considerou aquilo como insuficiente para alimentar o seu bebê e decidiu dar o complemento.

A espera pela apojadura

Um dos processos em que o apoio da equipe hospitalar é de extrema importância é enquanto a nova mãe espera pela apojadura – isto é, a descida do leite (Souza, 2006). Apesar de saberem da importância do colostro, os dias entre o parto e a descida do leite foram os maiores geradores de ansiedade nas entrevistadas. Todas as participantes já estavam produzindo o colostro no primeiro dia pós-parto, mas tanto M1 quanto M2 tinham a impressão de que ele não era suficiente para os bebês: “Porque eu achava que era pouco leite, que ele tinha fome, ele chorava, chorava e chorava e sugava, sugava e sugava e eu vi que do peito mal saía umas gotinhas" (M1); “Era difícil, porque ele chorava muito de fome também, porque aquele colostro é muito importante, mas matar a fome do bebê mesmo não mata" (M2). Provavelmente, esta ansiedade das mães dificultou ainda mais a apojadura, pois, para a produção de leite ocorrer, é necessária a liberação do hormônio ocitocina, a qual pode ser inibida pela ansiedade materna (Tentardini, 2008).

Por outro lado, M3 manteve-se tranquila no período em que produzia o colostro, pois tinha a certeza de que seu bebê estava sendo alimentado e que logo o seu leite desceria: “Na primeira noite que nós passamos juntos, eu e ele, foi complicado, porque só sai o colostro aquele, não sai o leite todo, e ele quer mamar, mamar, mamar, e não tem né. Mas como eles têm umas reservinhas, nascem já com essas reservas, eu não me preocupei tanto. Eu sabia que ia vir. (...) Então como eu vi que tava vindo, ele ficava satisfeito por algum pouco período, mas ele ficava satisfeito, eu fui me tranquilizando. E aí foi vindo" (M3). Contudo, mesmo estando mais confiante, M3 também demonstrou a fantasia de que o colostro não alimentava completamente o bebê.

Dor e fissuras mamárias

Algumas dificuldades com o seio são comuns nos primeiros dias após o parto. Duas das entrevistadas, M1 e M2, tiveram fissura mamária, a qual foi relatada como sendo muito dolorosa, prejudicando o bem-estar da mãe para amamentar: “Daí tu fica naquela como se fosse mais uma tortura, porque (...) tu quer amamentar, tu quer que ele mame, tu quer ter leite, mas aquilo é muita dor". (M1). De acordo com Giugliani (2004), no início do aleitamento materno, a maioria das mulheres sente uma discreta dor ou desconforto, sendo isto considerado normal. Porém, os mamilos ficarem muito doloridos e machucados pode estar associado ao desmame precoce. “E daí quando veio a dor eu me apavorei, porque era realmente muita dor. Cheguei a pensar em desistir de amamentar" (M2).

M2 referiu-se ao aleitamento e às fissuras mamárias como um ato que envolve suportar sofrimentos e empenhar-se em favor do bebê. “Dói, dói, mas é um sacrifício que tu faz pro teu filho assim." (M2). Já M3 pareceu encarar as dificuldades de maneira positiva: seu filho permaneceu internado na UTI Neonatal para fazer fototerapia. Isto poderia ter dificultado o aleitamento, mas foi superado pela motivação para amamentar. O bebê precisou receber fórmula infantil por 2 dias. Mesmo assim, M3 procurou formas de solucionar as dificuldades: “Eu comecei a produzir muito leite. Então eu procurei o Banco [de Leite] e comecei a fazer o processo de ordenha. (...) Eu ia pro quarto, ia pra UTI, ia pro Banco [de Leite], assim eu ficava no hospital" (M3). Mesmo após sua alta, ela continuou presente no hospital para amamentar o filho, que ficou internado por mais 3 dias. De acordo com Bottorff (1990), a persistência é considerada pelas mães como o aspecto mais importante para elas seguirem amamentando, principalmente nas duas primeiras semanas, período em que a mãe está aprendendo a amamentar.

Observa-se nos relatos a importância da mãe estar motivada para amamentar e conectada às necessidades do bebê. Estas atitudes dependem de características individuais de cada mãe, além de como elas estão vivenciando a chegada dos bebês e o fato de agora eles dependerem delas para sobreviver. Dessa maneira, alguns fatores foram decisivos para o início do aleitamento materno exclusivo, sendo eles as orientações dadas pela equipe, a descida do leite, as dificuldades encontradas com o seio, a ansiedade, a iniciativa e os esforços da mãe.

Os desafios da amamentação com a ida para casa

A percepção de fome do bebê

Após a alta hospitalar, as mães têm o desafio de seguir amamentando, agora sem o suporte da equipe hospitalar. Diante desta situação, algumas mães podem interromper o aleitamento materno exclusivo. Dentre as entrevistadas, uma delas (M1) começou a complementar a alimentação do filho já nos primeiros dias em casa, porque achava que ele não estava sendo bem alimentado: “E sempre aquela impressão: acho que é pouco, que não é o suficiente, que não tá alimentando ele, parece que quer mais. (...) Aí eu disse "não, acho que ele tá com fome'. Fiz uma medida. Eu acho que era, porque ele tomou e apagou. Dormiu três horas direto, quietinho" (M1). O fato de o bebê ter dormido logo após tomar a fórmula infantil reforçou as ideias de que o filho sentia fome e da sua pouca produção de leite. No entanto, a mãe estava no terceiro dia pós-parto, período no qual a produção de leite pode ainda ser pequena. De acordo com Borges e Philippi (2003), a opinião materna de estar produzindo pouco leite é um fator de risco para a interrupção do aleitamento materno exclusivo. As mães utilizam três parâmetros para estabelecer se a quantidade de leite produzida é suficiente ou insuficiente: a observação da quantidade de leite que sai do peito, o volume das mamas e o estado físico e psicológico da criança após a mamada. Assim, o comportamento choroso do recém-nascido e a preocupação com seu peso podem levar à interpretação de pouca produção do leite, aumentando o grau de ansiedade materna (Aragaki, Silva & Santos, 2006).

A influência das avós

No período inicial em casa, as avós apareceram como importantes nas decisões das mães e também como ajudantes, seja presentes no dia a dia, seja à distância. No caso de M1, a mãe apoiou a decisão da filha de dar fórmula infantil, talvez porque ela mesma tenha passado por situação semelhante: “Eu e a minha mãe conversando, a gente foi tomando essa decisão [de dar o complemento]" (M1). Por outro lado, a mãe de M3 apoiava a filha a continuar amamentando: “A minha mãe tem a mesma opinião que a minha... ela acha que é essencial né. (...) Ligava pra minha mãe e ela dizia "M3, quanto mais medo tu tiver, menos... Isso é psicológico. Põe na tua cabeça que teu leite é maravilhoso, de uma boa quantidade, que tu vai conseguir'" (M3).

Em pesquisa sobre a influência das avós no aleitamento materno, Susin, Giugliani e Kummer (2005) concluíram que o fato das avós, tanto maternas quanto paternas, aconselharem o uso de água, chás ou outros leites contribui significativamente para o abandono da amamentação exclusiva no primeiro mês. Por outro lado, quando as avós são a favor do aleitamento materno exclusivo, tornam-se grande fonte de apoio para as mães, como demonstrado no relato de M3. Sendo assim, as avós podem favorecer a introdução precoce de complemento na alimentação do bebê ou a continuação do aleitamento materno exclusivo, dependendo de seu próprio posicionamento em relação à amamentação.

A participação dos maridos

A participação dos maridos também foi citada pelas participantes. M1 referiu que seu marido não se envolveu com a amamentação e achou que ele se assustou com a chegada do bebê: “A impressão assim que dá é que eles ficam meio impotentes, não podem ajudar muito. Então assim era bem pouca a participação (...) em relação à amamentação. Ficava mais assim assistindo" (M1). Considerando que M1 já não havia recebido suporte prático e emocional no hospital, entende-se que a falta de apoio do marido pode ter sido mais um fator decisivo para ela introduzir um complemento na alimentação do filho.

Já o marido de M2 inicialmente sugeriu que ela parasse de amamentar, pois não suportava ver a esposa com dor devido à fissura mamária: “~No início, quando ele começou a ver que eu tava sentindo dor, ele foi o primeiro a dizer que era pra eu desistir, que não era pra eu amamentar, que a gente dava leite em pó pra ele como milhares de mulheres fazem" (M2). No entanto, M2 estava decidida e motivada a continuar o aleitamento. Nesse momento, ela recebeu auxílio da equipe do hospital e seguiu amamentando. M2 conseguiu demonstrar este seu desejo ao marido, contando posteriormente com o seu apoio: “Mas depois que eu decidi amamentar, ele me apoiou e daí tentava me ajudar, né, com os cuidados do peito" (M2). Apenas M3 relatou o quanto seu marido a ajudou e apoiou desde o início, estando envolvido na amamentação e conhecendo a vontade da esposa: “Ele acompanha desde o início essa minha ansiedade, essa minha vontade, essa... sabendo da importância. Ele leu o livro junto comigo. (...) E ele me ajudou muito" (M3).

Nota-se a importância do casal poder conversar antes do nascimento do filho sobre a decisão de amamentar, e que o marido possa também se informar a respeito do aleitamento materno, para entender o que irá acontecer entre mãe e filho. O pai precisa propiciar um ambiente tranquilo e acolhedor para que a mulher consiga se dedicar aos cuidados do bebê, entre eles, a amamentação. Mesmo não podendo participar ativamente do ato de amamentar, ele pode pegar e ajeitar o bebê, auxiliar a esposa a encontrar uma posição confortável e conversar sobre as dúvidas e ansiedades da mãe, ajudando-a a encontrar soluções para suas dificuldades. No entanto, muitos homens se sentem excluídos da relação que se estabelece entre mãe e bebê e acabam se ausentando deste momento da amamentação (Falceto, 2006). Nesta pesquisa, cada marido teve uma posição diferente diante do aleitamento materno.

O papel do pediatra

Outro personagem importante no apoio à amamentação após a alta hospitalar foi o pediatra, visto que o posicionamento do médico pode influenciar a decisão materna de complementar a alimentação do bebê. Com base no relato de M1, pareceu que esta mãe não se sentiu suficientemente orientada pelo pediatra do seu filho quanto às dificuldades normais do início do aleitamento, procurando diminuir a sua ansiedade pela pouca quantidade de leite. Segundo M1, seu médico apenas a orientou como dar o complemento na mamadeira correta, deixando subentendido que concordava com sua decisão de introduzir o leite industrializado: “Porque eu falei com o pediatra e ele disse: "ah, então tu compra um outro bico, ortodôntico, que daí ele não vai estranhar tanto quando der o peito'" (M1).

Prolongando a experiência de amamentar

O uso do chá

Após os primeiros meses de adaptação com o bebê em casa, uma das entrevistadas (M2) decidiu introduzir chá na alimentação do bebê, enquanto outra (M3) continuou com o aleitamento materno exclusivo. Diversos fatores contribuíram para essas duas decisões. No caso de M2, o motivo foi que “Como ele queria mamar muito, às vezes de hora em hora, a gente dava um chazinho, pra ele me aliviar também, porque a gente acaba ficando muito cansada." (M2). A opinião do marido foi decisiva para que M2 começasse a dar chá para o bebê, uma vez que a ideia partiu dele: “Meu marido tinha muita vontade de dar, porque ele também não foi amamentado e ele tomava muito chá e ele achava que o B2 tinha que tomar chá. Ele ficava muito nervoso com essa coisa só de peito. Pra ele parecia que não seria suficiente, então ele achava que tinha que dar chá" (M2). Havia uma fantasia de que o leite materno não hidratava a criança suficientemente, necessitando de outro líquido. No entanto, a complementação do leite materno com água ou chás nos primeiros seis meses de vida é desnecessária, inclusive em dias secos e quentes (Ministério da Saúde, 2002). Além do incentivo do marido, M2 teve a autorização do pediatra para dar chá para o bebê: “Daí o pediatra disse que não teria problema, que poderia dar, que mal não fazia dar um chazinho, então a gente começou a dar no intervalo da mamada" (M2). M2 também referiu que não tinha receio de que ocorresse um desmame precoce: “E eu também sabia que ele ia continuar mamando, então não era uma troca assim do peito por um outro alimento. Eu tinha muita segurança porque ele gostava muito de peito" (M2). Porém, de acordo com Espírito Santo (2006), existem evidências de que a introdução precoce de alimentos, especialmente a de líquidos por mamadeira, diminui a duração do aleitamento materno.

Mantendo o aleitamento materno exclusivo

Apenas uma das mães entrevistadas (M3) manteve o aleitamento materno exclusivo além dos 4 meses de vida do bebê. M3 continuou alimentando seu filho somente com leite materno, apesar de necessitar retornar ao trabalho quando o bebê estava com 3 meses e meio. Um fator decisivo para isso foi o apoio dado pela pediatra do filho: “A pediatra dele que foi que me orientou assim "tu não precisa parar de amamentar'. Quando ela me falou isso, eu fiquei super tranquila.(...) Não tinha nunca me passado pela cabeça que eu podia fazer isso" (M3). Segundo M3, a pediatra a orientou a fazer a ordenha do peito no trabalho e deixar este leite em casa para o dia seguinte. A vontade e a dedicação de M3, aliados ao suporte da pediatra, parecem ter sido muito importantes para a continuação do aleitamento materno exclusivo. Conforme Santiago, Bettiol, Barbieri, Guttierrez e Del Ciampo (2003), o pediatra altamente motivado para o incentivo ao aleitamento materno consegue manter as taxas de amamentação dos seus pacientes tão altas quanto a de uma equipe multiprofissional. Além disso, M3 também teve o apoio da avó paterna, com quem o filho ficava durante o dia, e que seguia as suas orientações e da pediatra, não dando para o bebê nenhum complemento: “Minha sogra que ficou com ele enquanto eu trabalhava. Ela fazia tudo certinho assim" (M3).

Quando a mãe vai para casa, torna-se essencial que ela já tenha escolhido o pediatra do bebê e possa contar com ele a qualquer momento, inclusive para dúvidas e dificuldades com o aleitamento materno. Juntamente com a equipe hospitalar, as avós e os pais, constata-se que a participação do pediatra é de extrema importância no processo de amamentação. Se o pediatra se coloca à disposição, tranquiliza a mãe e lhe dá alternativas e soluções para as suas dificuldades, poderá diminuir as chances da mãe dar outros alimentos ao bebê. No entanto, Bueno e Teruya (2004) afirmam que o pediatra é treinado apenas para detectar problemas e resolvê-los. Por isso, muitas vezes ele considera apenas a queixa verbalizada pela mãe, sem conseguir atingir o problema real vivenciado por ela. Dessa maneira, frequentemente, a mãe não encontra espaço para expor seus sentimentos e contextualizar suas dificuldades. Conforme o Ministério da Saúde (2009), é durante o primeiro mês de vida do bebê que quase 40% das mães introduzem outros leites na alimentação. Assim, percebe-se a importância da participação do pediatra no apoio à mãe para promover o aleitamento materno exclusivo.

 

Considerações finais

Para que as mães consigam amamentar, é importante que elas recebam informações corretas e apoio da família, da comunidade e do sistema de saúde (WHO, 2003). As entrevistas realizadas com estas três mães primíparas corroboram a afirmação da Organização Mundial da Saúde. O suporte da equipe hospitalar, dos pediatras, dos maridos e das avós apareceram como essenciais para que as mães pudessem sustentar seu desejo de amamentar. No entanto, pôde-se perceber que, quando uma destas fontes de suporte falha, a ansiedade materna eleva-se. Informações imprecisas, incompletas ou discrepantes entre as várias fontes de apoio da mãe também geraram dúvidas e ansiedade.

Sentir-se insegura sobre como agir e sobre a sua capacidade de suprir as necessidades nutritivas de seu filho pareceram predispor a mãe a interromper o aleitamento materno exclusivo. Conforme Winnicott (1957/1987), a mãe é considerada a pessoa com maior capacidade para perceber adequadamente o que se passa com seu bebê. No entanto, esta predisposição natural não pode se desenvolver se a mãe se encontra assustada ou preocupada, o que pode ter dificultado a manutenção do aleitamento materno exclusivo em algumas das participantes. Além do suporte recebido de fontes externas, os resultados do presente estudo também corroboraram a literatura (Falceto, 2006) no que diz respeito ao fato da manutenção ou não da amamentação exclusiva ser influenciada pela história de vida destas mães, pelas condições biológicas e emocionais delas e dos bebês e também pelo valor social que é dado à amamentação e à maternidade na comunidade onde vivem.

Apesar do reconhecimento mundial de que manter o aleitamento materno exclusivo nos seis primeiros meses de vida do recém-nascido traz diversos benefícios para a saúde e o desenvolvimento físico e emocional do bebê, ainda se faz necessário o desenvolvimento de mais pesquisas sobre o tema. O presente estudo apontou alguns aspectos emocionais relevantes; contudo, teve como limitação o pequeno número de mães participantes. Assim sendo, novas pesquisas são necessárias e podem indicar a existência de outros fatores emocionais que influenciam a ocorrência do aleitamento materno exclusivo e a sua interrupção precoce em mães primíparas, além dos aqui destacados.

Winnicott (1954/1992) propõe que muitas vezes um bebê não consegue ser amamentado por existir algum motivo que dificulta a adaptação da mãe às necessidades do seu filho. Estudos que busquem melhor compreender a dinâmica e influência de fatores inconscientes na decisão das mulheres de optar e manter o aleitamento materno exclusivo também são de muita importância para que os profissionais da saúde possam auxiliá-las na sua decisão. Além disso, pesquisas que avaliem maneiras adequadas de intervir nestes fatores para prevenir a interrupção do aleitamento exclusivo e o desmame precoce se fazem necessárias para a melhora da saúde pública no Brasil, assim como para instaurar e aprimorar intervenções psicológicas neste contexto. O psicólogo, em contexto hospitalar e ambulatorial, pode ter papel relevante como promotor do aleitamento materno exclusivo, intervindo tanto diretamente com as mães, como também com a equipe hospitalar, ajudando a sensibilizá-la quanto aos fatores emocionais envolvidos na amamentação.

 

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Endereço para contato
E-mail: judiehl@yahoo.com.br

Recebido em 10/12/10
Aceito em 25/02/2012

 

 

Julia Polgati Diehl é psicóloga (PUCRS), especialista em Psicologia Hospitalar (UFRGS), mestranda em Child and Families Studies (Leiden University).
Márcia Camaratta Anton é psicóloga (UFRGS), especialista em Psicoterapia de Orientação Psicanalítica (ESIPP), especialista em Psicologia Hospitalar, mestre e doutoranda em Psicologia (UFRGS). Psicóloga do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
1 As entrevistas foram realizadas nas próprias residências das participantes, em momentos nos quais as mães se encontravam em privacidade.