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Aletheia
versão impressa ISSN 1413-0394
Aletheia no.35-36 Canoas dez. 2011
ARTIGOS DE PESQUISA
Motivação para aprender: evidência de validade convergente entre duas medidas
Motivation to learn: evidence of convergent validity between two measures
Acácia Aparecida Angeli dos SantosI; Jocemara Ferrreira MognonI; Adriana Rosecler AlcaráII; Thalyta Hulsen Lemos
I Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco
II Departamento de Ciência da Informação da Universidade Estadual de Londrina
RESUMO
Este trabalho teve como objetivo buscar evidência de validade convergente entre a Escala de Motivação para Aprendizagem em Universitários (EMAPRE-U) e a Escala de Avaliação da Motivação para Aprender de Alunos Universitários (EMA-U) e, também, verificar possíveis diferenças entre as variáveis sexo, idade, área do conhecimento e semestre do curso. Participaram da pesquisa 302 alunos de duas universidades particulares do interior do estado de São Paulo, com idades entre 17 e 48 anos (M=24,1 anos), sendo 214 (70,86%) do sexo feminino. Os estudantes frequentavam diferentes cursos de graduação e cursavam entre o 1º e o 9º semestres. A aplicação dos instrumentos foi coletiva e ocorreu em sala de aula. Os resultados indicaram correlações positivas e significativas da meta aprender e da meta performance-evitação com a motivação intrínseca. Ainda, correlações negativas da meta aprender e da meta performance-evitação com a motivação extrínseca. Também, foram encontradas diferenças estatisticamente significativas para as variáveis sexo, idade e área do conhecimento.
Palavras-chave: Motivação para aprender, Ensino superior, Escalas.
ABSTRACT
This study aimed to look for evidence of convergent validity between the Motivation Scale for Learning of University Students (EMAPRE-U) and the Assessment Scale of Motivation to Learn of College Students (EMA-U), and also verify possible differences between the variables gender, age, area of knowledge and time of course. The participants were 302 students from two private universities in the countryside of Sao Paulo, aged between 17 and 48 years (M = 24.1 years) and 214 of them (70.86%) were females. The students attended different undergraduate courses between the 1st and 9th semesters. The application of the instruments was collective and occurred in the classroom. The results indicated significant positive correlations of the learning goal and the performance-avoidance goal with intrinsic motivation, as well as a negative correlation of the learning goal and the performance-avoidance goal with extrinsic motivation. Also, statistically significant differences were found for the variables gender, age and area of knowledge.
Keywords: Motivation to learn, Higher education, Scales.
Introdução
No contexto educacional, a motivação é referida de forma mais específica como motivação para aprender e está intimamente relacionada ao envolvimento do estudante com as atividades acadêmicas. Para Brophy (1999), a motivação para aprender pode ser vista como uma disposição geral ou como um estado específico em relação à situação existente. A disposição geral é uma tendência duradoura de valorização do aprendizado e de envolvimento com esforço, levando em consideração a aquisição de conhecimentos e habilidades. Já em situações específicas, essa motivação se apresenta quando o aluno se engaja de forma proposital numa tarefa, assumindo seus objetivos e buscando aprender os conceitos e dominar as habilidades por ela proporcionadas. Uma questão central que auxilia na compreensão dos processos de aprendizagem e dos aspectos que os determinam é conhecer os motivos e os propósitos que fazem os alunos a interessar-se ou não pela aprendizagem (Steinmayr & Spinath, 2009).
Diferentes teorias buscam compreender a motivação no contexto acadêmico. A Teoria de Metas de Realização é definida por Ames (1992) como um conjunto de pensamentos, crenças, propósitos e emoções que traduzem as expectativas dos alunos em relação a determinadas tarefas que devem ser executadas, ou seja, as metas são representadas por modos diferentes de enfrentar as tarefas acadêmicas. Assim, a meta que a pessoa adota representa o motivo pelo qual ela realizará determinada tarefa (Ames, 1992; Oliveira & Boruchovich, 2010).
Em estudos iniciais (Ames, 1992; Middleton & Midgley, 1997), a teoria apresentava duas metas com características distintas – meta aprender e performance. Sob essa perspectiva, a meta aprender é vista como positivamente relacionada ao esforço (fator interno e sob controle), à persistência acadêmica, em que os erros e eventuais fracassos são considerados informativos e inerentes ao aprendizado; às percepções de eficácia acadêmica e à aprendizagem autorregulada. Nos alunos com essa orientação os desafios são vistos como incrementos para o crescimento intelectual (Ee, Wang, Koh, Tan & Liu, 2009; Vansteenkiste, Smeets, Soenens, Lens, Matos & Deci, 2010; Zenorini & Santos, 2010a). Ainda, na meta aprender o ambiente da sala de aula é o fator mais importante, e os professores, considerados como os principais agentes do seu desenvolvimento, por intermédio das suas práticas, no modo de estruturação das tarefas, no procedimento de avaliação da aprendizagem e no feedback. Também é importante o seu posicionamento diante da classe, cujas características influenciam no desenvolvimento de metas.
Já os alunos orientados à meta performance estão preocupados em demonstrar a sua capacidade perante os outros, são menos engajados e evitam desafios. Estudantes com esse tipo de meta associam as situações de fracasso à falta de capacidade e apresentam emoções negativas, tais como vergonha e raiva (Archer, 1994; Zenorini & Santos, 2010; Zenorini, Santos & Monteiro, 2011).
De acordo com Bzuneck (1999), os alunos podem apresentar simultaneamente e em diferentes graus uma orientação para as metas aprender e performance. Esse é um indicativo de que em determinadas situações a meta performance pode apresentar aspectos positivos. Nessa perspectiva, os resultados dos estudos de Elliot e Church (1997) e Elliot, McGregor e Gable (1999), entre outros, mostraram dois componentes independentes na meta performance, o de aproximação e o de evitação. Quando orientado à meta performance-aproximação o aluno busca parecer inteligente e quer estar entre os melhores da classe, enquanto que na meta performance-evitação o aluno evita qualquer situação que possa mostrar a sua incapacidade.
Entre as pesquisas brasileiras com universitários que analisaram a motivação na perspectiva da Teoria de Metas de Realização destacam-se as de Zenorini, Santos e Bueno (2003) e a de Bueno, Zenorini, Santos, Matumoto e Buchatsky (2007). Ambos os estudos investigaram a estrutura fatorial, a precisão e as correlações entre os fatores da Escala de Sensibilidade às Diferentes Metas de Realização (desenvolvida por Midgleyet al. e traduzida por Zenorini, 2002).
No primeiro estudo (Zenorini, Santos & Bueno, 2003), os resultados da análise fatorial mostraram que as metas se agruparam diferentemente do previsto, separando os itens em apenas dois fatores, meta aprender e meta performance. De acordo com os autores, a explicação possível parece estar relacionada à falta de percepção dos integrantes daquela amostra em relação à diferença dos componentes aproximação e evitação da meta performance. No entanto, os resultados encontrados foram coerentes com os de outras pesquisas realizadas no exterior. A análise dos dados apontou um índice de precisão de α=0,72 para a meta aprender e α=0,84 para a meta performance. Quanto à correlação entre as duas subescalas, o índice obtido revelou a inexistência de correlação, tal como esperado (r=0,08; p<0,30), indicando que a pontuação de um sujeito em uma das subescalas não pode prever a pontuação do mesmo sujeito na outra.
No segundo estudo de Bueno, Zenorini, Santos, Matumoto e Buchatsky, (2007) a análise fatorial apontou quatro fatores, a saber, meta aprender, meta performance aproximação e meta performance evitação subdividida em duas dimensões. O índice de fidedignidade foi de 0,57 a 0,86. Os dois primeiros fatores se correlacionaram e o terceiro e o quarto fator agruparam aspectos distintos da meta performance-evitação, a saber, a ‘evitação de consequência negativa' (fator 3) e o fator 4 relacionado a ‘evitar uma ação para não sofrer sua consequência negativa'. Os resultados reforçaram a ideia de que as metas de realização estão estruturadas em meta aprender, meta performance-aproximação e performance-evitação. Os autores salientam que os resultados controvertidos exigem novos estudos.
Ainda com o objetivo de estabelecer evidências de validade relativas à análise da estrutura interna dos itens visto que os estudos anteriores apresentaram variações na estrutura fatorial, Santos, Alcará e Zenorini (prelo) realizaram outra investigação com a Escala de Motivação para a Aprendizagem em Universitários (EMAPRE-U). Participaram do estudo 429 universitários, com idade entre 18 e 44 anos. Os resultados apontaram o agrupamento dos itens da escala em três fatores, correspondentes à meta performance-evitação, performance-aproximação e aprender, que explicaram 39,41% da variância. A consistência interna dos três fatores variou de 0,72 a 0,83. Foi detectada uma correlação positiva moderada entre a meta performance-evitação e performance-aproximação. Quanto à meta aprender, identificou-se uma correlação de baixa magnitude com a meta performance-aproximação e correlação nula com a meta performance-evitação.
A EMAPRE-U também foi empregada na pesquisa de Santos, Mognon, Lima e Cunha (2011). O objetivo do estudo foi identificar relações entre a vida acadêmica e a motivação para a aprendizagem, bem como verificar possíveis diferenças no que se refere às variáveis sexo, idade e curso dos estudantes. Os participantes foram 239 universitários de diferentes cursos. Além da EMAPRE-U, foi também aplicada a Escala de Avaliação da Vida Acadêmica (EAVA). Índices de correlação positiva e significativa foram identificados entre a meta aprender e o fator habilidade do estudante (r=0,216; p<0,001). A meta performance-aproximação correlacionou-se de forma significativa e positiva com o fator condições para o estudo e desempenho acadêmico (r=0,192; p<0,001). Já a meta performance-evitação apresentou correlações positivas e significativas com os fatores compromisso com o curso (r=0,127; p<0,001) e condições para o estudo e desempenho acadêmico (r=0,248; p<0,001). Os resultados ainda apontaram diferenças significativas para as mulheres na meta performance-aproximação e no total da escala. Quanto à idade, não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas. As diferenças relativas ao curso na EMAPRE-U foram estatisticamente significativas nas metas performance-aproximação e performance-evitação.
Outra teoria que também tem sido bastante utilizada no estudo da motivação é a Teoria da Autodeterminação, proposta por Deci e Ryan, na década de 1970. Ela focaliza as tendências naturais humanas para o crescimento, desenvolvimento e bem-estar no processo de interação com as condições socioculturais (Deci & Ryan, 2008; 2000; Reeve, Deci & Ryan, 2004). Sob essa perspectiva, o ser humano é dotado de necessidades psicológicas básicas, consideradas como nutrientes para um relacionamento efetivo e saudável com o ambiente, a saber, a necessidade de autonomia, de competência e de pertencer ou estabelecer vínculos. A satisfação dessas necessidades parece ser essencial para fomentar a sensação de bem-estar e as propensões naturais para o crescimento e integração do organismo (Ryan & Deci, 2000).
A persistência desse grupo de investigadores ao longo de algumas décadas propiciou a identificação de subteorias integrantes da Teoria da Autodeterminação, quer sejam, a Teoria das Necessidades Básicas, da Avaliação Cognitiva, da Orientação de Causalidade e da Integração Organísmica. Ryan e Deci (2002) ressaltam que cada uma delas focaliza um fenômeno específico e, quando coordenadas, permitem a compreensão de um quadro mais amplo da motivação humana, em diferentes contextos de realização.
A Teoria das Necessidades Básicas aponta aspectos psicológicos básicos para o desenvolvimento de orientações motivacionais autodeterminadas: a necessidade de autonomia, de competência e de pertencimento. Por sua vez, a Teoria da Avaliação Cognitiva tem como foco principal entender como os eventos externos (recompensas, elogios, feedback e outros) afetam a motivação intrínseca em sala de aula. Reeve, Deci e Ryan (2004) afirmam que essa teoria estuda como as condições sócio-culturais tendem a aumentar ou diminuir a motivação intrínseca dos alunos. Ressaltam ainda, que quando as condições ambientais em sala de aula são contraditórias à autonomia ou à competência, elas não promovem o crescimento e prejudicam a motivação intrínseca. A Teoria da Orientação de Causalidade tem a finalidade de explicar as diferenças individuais nas orientações pessoais para o controle ou para a autonomia.
Reeve, Deci e Ryan (2004) e Ryan e Deci (2002) mencionam que quando os alunos regulam a si próprios, de acordo com as suas necessidades, interesses e valores, apresentam uma orientação de causalidade autônoma. Ao passo que, os alunos que mostram comportamentos iniciados e mantidos por incentivos ambientais, orientação social e controles internos (exemplo: autoestima contingente), utilizando-os como fontes controladoras para direcionar seus comportamentos, apresentam uma orientação de causalidade externamente controlada. Ainda, existem casos em que a orientação de causalidade é impessoal, estando diretamente relacionada com a desmotivação e falta de ação intencional.
A Teoria da Integração Organísmica procura mostrar como os alunos adquirem e internalizam os processos motivacionais extrínsecos e evidencia a capacidade de gerar ações extrinsecamente motivadas, mas autodeterminadas. A partir dos anos 1980, os pesquisadores Deci e Ryan elaboraram um continuum de autodeterminação, com o objetivo de compreender de forma mais abrangente os fatores relacionados à motivação intrínseca e extrínseca. No decorrer do continuum estão distribuídas as diferentes modalidades de internalização. O continuum inicia com a ausência de motivação ou desmotivação (ausência de intenção ou regulação para agir), passando por diferentes níveis de motivação extrínseca (em que as regulações, valores ou comandos externos são gradualmente internalizados) até a motivação intrínseca, que é invariavelmente autodeterminada.
Vale ressaltar que a motivação intrínseca refere-se à disposição natural e espontânea, que impulsiona a pessoa a buscar novidades e desafios. De acordo com Guimarães (2004) a pessoa motivada intrinsecamente escolhe e realiza determinada atividade por sua própria causa, por esta ser interessante, atraente ou geradora de satisfação. Já a motivação extrínseca pode ser considerada como a motivação para trabalhar em resposta a algo externo à atividade, para obter recompensas e reconhecimentos, tendo em vista os comandos ou pressões de outras pessoas ou ainda, para demonstrar competências ou habilidades (Guimarães, 2004).
É importante salientar que até a metade do século XX a motivação intrínseca e extrínseca eram estudadas como se fossem totalmente independentes (Lepper, Corpus & Yengar, 2005). No entanto, essa divisão dicotômica foi revista por diversos pesquisadores (Deci & Ryan, 2000; Rigby, Deci, Patrick & Ryan, 1992), que constataram que caracterizar a motivação extrínseca apenas como uma orientação controlada externamente era insuficiente para compreender a sua complexidade. Dessa forma, a partir da proposição do continuum da autodeterminação foi possível ampliar a compreensão sobre a motivação extrínseca, por meio da identificação de diferentes níveis de regulação. Assim, mesmo motivada extrinsecamente, uma pessoa pode ter comportamentos orientados internamente. A esse respeito, Ryan e Deci (2000) esclarecem que as pessoas são capazes de internalizar comportamentos extrinsecamente motivados e desenvolver a motivação autodeterminada.
Quanto às pesquisas brasileiras com universitários que analisaram a motivação na perspectiva da Teoria da Autodeterminação, pode-se citar a de Guimarães, Bzuneck e Sanches (2002) que investigou as orientações motivacionais e o envolvimento dos alunos na disciplina de Psicologia Educacional. Participaram 246 alunos de cursos de licenciatura de uma universidade pública, que responderam as escalas de Avaliação da Motivação Intrínseca e Extrínseca e de Avaliação do Esforço Alegado. As análises de variância indicaram relações significativas entre as medidas de esforço alegado e as de motivação intrínseca e extrínseca. Entre os principais resultados os autores destacam que as mulheres e os alunos mais velhos (31 anos ou mais) revelaram-se mais motivados, bem como foram os que apresentaram maior esforço alegado, quando comparados aos homens e aos estudantes de faixa etária de até 21 anos e de 21 a 30 anos.
O tipo de motivação para aprender em alunos em curso de Formação de Professores de instituições públicas e privadas foi o foco da pesquisa de Boruchovitch (2008) para identificar as variáveis demográficas e contextuais que mais se associavam à motivação. O instrumento escolhido foi a Escala de Avaliação da Motivação para Aprender para Universitários (EMA-U). Os resultados indicaram que tanto na subescala da motivação intrínseca quanto na de motivação extrínseca as mulheres apresentaram médias significativamente mais elevadas. Ambos os tipos de motivação aumentaram com o avançar da idade. Quanto à correlação entre as subescalas foi encontrada uma correlação moderada e significativa entre a motivação intrínseca e extrínseca.
Ainda sob a perspectiva da Teoria da Autodeterminação, foi realizada a pesquisa de Alcará e Guimarães (2010), cujo objetivo foi investigar as orientações motivacionais de universitários com a Escala de Motivação Acadêmica. Participaram da pesquisa 143 estudantes de uma universidade pública. Os resultados revelaram uma tendência para os tipos mais autônomos da motivação, sendo esse um indicativo de que os estudantes percebem a regulação do seu comportamento de forma mais autônoma do que controlada. Os estudantes com essas características acreditam serem capazes de realizar uma atividade por vontade própria e não apenas por pressões externas, têm sentimentos de liberdade e de responsabilidade pelas suas metas e ações e visualizam a possibilidade de escolha no decorrer das atividades acadêmicas.
É importante, também, mencionar a pesquisa de Oliveira e Boruchovitch (2010), que estudou a validade convergente entre duas medidas de motivação em universitários. Os instrumentos utilizados foram a Escala de Motivação para Aprendizagem (EMAPRE-U), elaborada com base na Teoria de Metas de Realização por Zenorini e Santos (2004), e a Escala de Avaliação da Motivação para Aprender de Alunos Universitários (EMA-U) (Neves & Boruchovitch, 2007), fundamentada na Teoria de Autodeterminação. A correlação entre as duas medidas foi significativa e positiva, porém com baixa magnitude. A meta aprender não apresentou correlação significativa com a motivação extrínseca ou com a motivação intrínseca e, no último caso, indicou uma tendência negativa. As correlações entre as duas subescalas da meta performance (evitação e aproximação) e as duas de motivação (intrínseca e extrínseca) foram positivas, com baixa magnitude, porém significativas. As autoras consideraram os resultados instigantes, haja vista o fato de não terem se alinhado ao que seria teoricamente esperado. Portanto, sugerem novos estudos para que a associação entre essas medidas sejam novamente examinadas.
Santos, Alcará e Monteiro (2012) analisaram as pesquisas sobre o construto motivação para aprender publicadas entre 2001 e 2011 e divulgadas on-line nas bases de dados SciELO e PePSIC. Foram 35 os artigos recuperados sobre o assunto em diversas etapas da escolarização, sendo que 17 deles usaram instrumentos de avaliação originados das teorias de metas de realização e da teoria de autodeterminação. Dentre eles prevaleceram aqueles que focalizam as propriedades psicométricas das medidas, seguidos por outros que correlacionam os resultados obtidos com essas medidas a outras variáveis como estratégias motivacionais, autoeficácia e série frequentada. As autoras observaram que há necessidade de mais estudos sobre o tema, seja em relação à qualidade psicométrica dos instrumentos, seja quanto à forma como o construto se relaciona com as múltiplas variáveis presentes no contexto acadêmico. Ressaltam, também, que existem desafios para as pesquisas futuras e, entre eles, está o de fornecer aos professores formas de avaliação da motivação que sejam confiáveis e permitam a reflexão sobre as práticas profissionais vigentes visando favorecer a aprendizagem dos estudantes.
Considerando-se a importância do desenvolvimento de estudos que ampliem o conhecimento sobre o tema e que possam auxiliar no esclarecimento de discrepâncias, surgidas em trabalhos anteriores, a presente pesquisa foi proposta com o objetivo de estudar a correlação entre duas medidas (EMAPRE-U e EMA-U) que avaliam a motivação em universitários. Espera-se que sejam identificados coeficientes de correlação que sustentem a evidência de validade convergente entre ambas, visto que medem o mesmo construto. Além disso, pretende-se verificar possíveis diferenças considerando-se as variáveis sexo, faixa etária e área do conhecimento.
Método
Participantes
Participaram da pesquisa 302 alunos universitários de duas universidades particulares do interior do estado de São Paulo, sendo 88 do sexo masculino (29,01%) e do 214 do sexo feminino (70,9%), com idades variando entre 17 e 48 anos (M=24,1 anos; DP=6,17). As idades foram agrupadas em três faixas etárias, a saber, tradicional até 21 anos (n=133), borderlines de 22 a 25 anos (n=83) e maduros com mais de 26 anos (n=86), conforme classificação adotada por alguns autores (Hoskins, Newstead & Dennis, 1997; Silva & Santos, 2004; Trueman & Hartley, 1996).
Em relação aos cursos frequentados pelos alunos, houve um agrupamento por área de conhecimento, sendo 98 (32,5%) da área das Ciências Exatas (compreendendo os cursos Engenharia Civil, Mecânica, Elétrica e Industrial; Ciências da Computação, Matemática e Arquitetura), 86 (28,5%) da área da Saúde (Enfermagem e Fisioterapia) e 118 (39,1%) da área das Ciências Humanas (Pedagogia e Psicologia). Os semestres foram agrupados em 1º e 2 º (n=146; 48%); 3º e 4º (n=45; 15,2%); 5º e 6 º (n=62; 20,5%) e 7º, 8º e 9º (n=49; 16,2%).
Instrumentos
Escala de Motivação para Aprendizagem (EMAPRE) foi desenvolvida por Zenorini e Santos (2010b) e possui 28 itens constituídos com três fatores classificados. O primeiro é o meta aprender com 12 itens referentes ao esforço e a busca de novos conhecimentos pelo estudante, e como exemplo de item pode citar-se, "uma razão importante pela qual faço as tarefas escolares é porque eu gosto de aprender coisas novas". O segundo fator agrupa nove itens da meta performace-aproximação caracterizados pela preocupação do aluno em se destacar em relação os colegas, tendo como exemplo de item tem-se "é importante, para mim, fazer as tarefas melhor que os meus colegas". Por fim, a meta performace-evitação, com sete itens concernentes ao cuidado do aluno em não demonstrar incapacidade diante dos outros, tal como exemplificado no item "não participo das aulas para evitar que meus colegas e professores me achem pouco inteligente".
As questões do instrumento foram montadas numa escala Likert, envolvendo três opções de resposta, "concordo" (3 pontos), "não sei" (2 pontos) e "discordo" (1 ponto). A análise fatorial exploratória identificou itens com carga fatorial acima de 0,45. A escala atingiu índices de consistência interna aceitáveis para a meta aprender alfa de 0,80, meta performance-aproximação 0,76 e para meta performance-evitação 0,74.
Escala de Avaliação da Motivação para Aprender de Alunos Universitários (EMA-U) foi elaborada por Neves e Boruchovitch (2007) e contem 32 itens e duas subescalas. A primeira é a de motivação intrínseca que se refere à disposição natural das pessoas que impele à busca do novo e de desafios no ambiente de aprendizagem, representada por 16 itens, cujo exemplo é "eu estudo porque estudar é importante para mim". A segunda subescala é a de motivação extrínseca, relativa à busca por recompensa e reconhecimento e é composta também por 16 itens, exemplificados por "eu só estudo porque tenho que tirar altas notas".
Os itens são dispostos em uma escala Likert, com quatro opções de respostas que vão de "concordo plenamente" a "discordo plenamente". O instrumento apresenta evidência de validade apresentando índices aceitáveis de consistência interna para a escala total alfa de 0,86 e para o fator motivação intrínseca 0,84 e para a extrínseca de 0,76.
Procedimento
Após a aprovação do comitê de Ética em Pesquisa da Universidade São Francisco no ano de 2009, foi solicitada a autorização dos coordenadores de cada curso pesquisado para a realização da coleta de dados. A partir de então, foram combinados os dias e horários da aplicação dos instrumentos com os professores. Nas salas de aula foram explicados os objetivos da pesquisa aos estudantes, o caráter voluntário da participação, bem como o sigilo de suas respostas e identidade. Após os estudantes terem assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), os instrumentos foram aplicados coletivamente, levando em média 30 minutos para serem respondidos.
Resultados
Os dados foram organizados em uma planilha e submetidos à análise da estatística descritiva e inferencial no SPSS versão 12, conforme os objetivos deste estudo. Primeiro foi aplicada a correlação de Pearson para levantar as relações entre os fatores da EMAPRE-U e da EMA-U. Os dados são apresentados na Tabela 1.
Na Tabela 1 verifica-se correlação estatisticamente significativa e positiva do fator da EMAPRE-U meta aprender e da performance-evitação com a motivação intrínseca da EMA-U. Ainda, correlação negativa, de magnitude baixa entre a meta aprender e a meta performance-evitação com a motivação extrínseca. Não foram encontradas correlações estatisticamente significativas entre o fator meta performance-aproximação da EMAPRE-U com os fatores da EMA-U.
Nota-se na Tabela 2 que as mulheres obtiveram médias superiores que os homens em todas as metas da EMAPRE-U e no fator motivação extrínseca da EMA-U. Para verificar possíveis diferenças estatisticamente significativas foi aplicado o teste t de Student, com o qual se observou que as mulheres realmente se diferenciam dos homens nas meta performance-aproximação, performance-evitação e motivação extrínseca. Enquanto que os homens diferenciaram-se das mulheres no fator motivação intrínseca.
Em relação à idade, os alunos da faixa etária até 21 anos obtiveram médias superiores na motivação intrínseca da EMA-U, já os com idades entre 22 a 25 anos na meta performance-evitação da EMAPRE-U e no fator motivação intrínseca da EMA-U. Enquanto que os estudantes com 26 anos ou mais obtiveram maiores escores na meta performance-aproximação da EMAPRE-U e na motivação extrínseca da EMA-U.
Aplicou-se a análise de variância (ANOVA) e não foi encontrada diferença significativa na meta performance-aproximação [F(2,299) = 2,940; p= 0,054) e estatisticamente significativa na motivação extrínseca [F(2,299) = 4,573; p = 0,011]. O post hoc, de Tukey separou os grupos indicando que os estudantes da faixa etária dos 22 aos 25 anos declararam utilizar-se mais da meta performance-aproximação e os com 26 anos ou mais declararam utilizar-se da motivação extrínseca.
Levando em consideração a área de conhecimento, observou-se que os estudantes dos cursos de Exatas apresentaram maiores médias na meta aprender e os de Humanas na meta performance-aproximação da EMAPRE-U da motivação extrínseca da EMA-U. Já a área da Saúde obteve médias superiores na meta performance-evitação da EMAPRE e na motivação intrínseca da EMA-U. Aplicou-se a ANOVA e puderam ser verificadas diferenças estatisticamente significativas apenas na meta performance-aproximação [F(2, 299) = 17,062; p = 0,001. O post hoc, de Tukey, separou os grupos indicando que os estudantes dos cursos da área de Saúde são os que mais declararam se utilizar desse tipo de motivação.
Considerando a fase do curso, percebeu-se que os estudantes do 1º e 2º semestres obtiveram médias mais altas na meta performance-evitação da EMAPRE-U. Já os de 3º e 4º semestres na meta performance-aproximação da EMAPRE-U e na motivação intrínseca da EMA-U. Enquanto que os de 5º e 6 º da meta aprender da EMAPRE-U e da motivação extrínseca EMA-U. Aplicou-se a ANOVA e não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas.
Discussão
O objetivo deste estudo foi procurar verificar a validade convergente entre dois instrumentos que avaliam o construto da motivação para aprender e as possíveis diferenças entre diversas variáveis como sexo, idade, curso e semestre. Inicialmente a correlação moderada encontrada entre os instrumentos, especificamente, entre a meta aprender da EMAPRE-U e a motivação intrínseca da EMA-U era esperada, já que conceitualmente demonstram certa relação. Ressalta-se que o aluno orientado à meta aprender busca crescimento intelectual, valoriza o esforço pessoal e costuma utilizar-se de estratégias de aprendizagem efetivas (Zenorini & Santos, 2010a), enquanto, a motivação intrínseca está relacionada com a busca por atividades que o estudante considera interessante e geradora de satisfação (Guimarães, 2004).
Diferentemente do encontrado na pesquisa realizada por Oliveira e Boruchovitch (2010) em que se verificou relação significativa, mas quase nula e negativa entre a meta aprender e a motivação intrínseca. As autoras hipotetizaram que as concepções teóricas apesar de próxima estão sendo operacionalizadas e avaliadas de forma independente. Por outro lado, Bzuneck (2001) destaca que as escalas de mensuração da meta aprender contem vários itens representativos da motivação intrínseca, e que, embora não sejam construtos idênticos, as mesmas estratégias que promovem a meta aprender estarão conduzindo, simultaneamente, para o desenvolvimento da motivação intrínseca.
Um resultado inesperado foi a meta performance-evitação da EMAPRE-U ter também se correlacionado com a motivação intrínseca da EMA-U, apesar de apresentar magnitude fraca, de acordo com os parâmetros propostos por Dancey e Reidy (2006). O resultado encontrado é diferente do que é esperado teoricamente, já que os estudantes orientados por essa meta veem as situações como uma ameaça e evitam se expor com receio do fracasso. sendo oposto ao de motivação intrínseca em que o indivíduo busca justamente novidades e desafios (Guimarães, 2004). No entanto, apesar de controverso tal resultado se assemelha ao verificado na pesquisa de Oliveira e Boruchovich (2010), que também encontrou correlação, de magnitude moderada, entre a performance-evitação e a motivação intrínseca.
Os resultados indicaram ainda correlações negativas e estatisticamente significativas entre a meta aprender da EMAPRE-U e a motivação extrínseca da EMA-U. Esse dado pode ser explicado baseando-se no fato de que a meta aprender está relacionada a busca interna do estudante em atividades que gerem prazer no aprendizado e a motivação extrínseca é a busca externa para a obtenção de recompensas e reconhecimento das outras pessoas (Guimarães, 2004). No estudo de Oliveira e Boruchovitch (2010) não foram encontradas correlações significativas entre a meta aprender e a motivação extrínseca.
Também foi verificada correlação positiva e significativa entre a meta performance-evitação da EMAPRE-U com a motivação intrínseca e negativa com a motivação extrínseca da EMA-U. Resultado intrigante, sendo esperado que a meta performanceevitação se correlacionasse de forma positiva com a motivação extrínseca e não com a motivação intrínseca. Já que na meta performance-evitação o aluno evita qualquer situação que possa mostrar a sua incapacidade, ou seja, a pessoa pauta o seu comportamento em aspectos externos como a avaliação de outras pessoas. No estudo de Oliveira e Boruchovitch (2010) foram encontradas correlações positivas, de magnitude moderada, entre a performance-evitação com a motivação intrínseca e com a extrínseca.
Na comparação com as variáveis, em relação ao sexo, as mulheres apresentaram diferenças estatisticamente significativas quando comparadas aos homens nas metas performance-aproximação e performance-evitação da EMAPRE-U. Na motivação intrínseca da EMA-U, foram os homens que apresentaram maior média. Em relação a meta performance-aproximação resultado semelhante foi encontrado em outras pesquisas como a de Santos, Alcará e Zenorini (prelo) e Santos et al. (2011), já para a motivação intrínseca o mesmo foi verificado em Boruchovitch (2008) e Guimarães, Bzuneck e Sanches (2002).
Para a faixa etária foi observado que os alunos com idades entre 22 e 25 anos apresentaram diferenças estatisticamente significativas na meta performance-aproximação da EMAPRE-U, enquanto que os com 26 anos ou mais declararam utilizar-se da motivação extrínseca da EMA-U. Contudo, no estudo de Santos, Alcará e Zenorini (prelo) foram detectadas médias signifi cativamente mais elevadas na meta aprender para a faixa etária dos 25 anos ou mais. Isso difere do estudo de Guimarães, Bzuneck e Sanches (2002) no qual foi encontrado que os alunos mais velhos (mais de 31 anos) declararam-se mais motivados intrinsecamente e ainda apresentaram maior esforço alegado. Uma hipótese levantada diante do resultado encontrado é que o meio social ou até o contexto universitário pode propiciar que os estudantes tenham mais preocupação com o seu desempenho e com o reconhecimento de suas habilidades do que com a aprendizagem efetiva. Bzuneck (2005) comenta que fatores do sistema universitário, intraindividuais e de carreira podem favorecer ou atrapalhar a motivação do universitário.
Os estudantes das áreas de Saúde apresentaram escores mais elevados de meta performance-aproximação, o que pode significar que a estrutura dos cursos da amostra aqui estudada, reunidos nessa área, estimulem mais a competição entre os alunos do que os cursos das demais áreas. No que se refere à comparação entre os semestres, as diferenças não foram estatisticamente significativas e também não se teve acesso a outros estudos que tenham controlado essa variável.
Pesquisas envolvendo instrumentos que avaliam a motivação para aprender em universitários são importantes devido ao crescente número desta população, e principalmente por se relacionarem com maior investimento do estudante em seu aprimoramento e em sua formação (Bzuneck, 2005). Nessa perspectiva, o estudo teve como objetivo averiguar a validade convergente de dois instrumentos que avaliam o construto da motivação para aprender e verificar as possíveis diferenças entre diversas variáveis como sexo, idade, curso e semestre.
Como esperado, foram encontradas correlações significativas, porém com magnitude de fraca a moderada entre as medidas, o que revela que ambas estão interligadas por tratarem do mesmo construto motivação. No entanto, por estarem baseadas em teorias distintas apresentam especificidades relativas à própria teoria.
Alguns resultados foram inesperados, tal como o fato de a meta performance-evitação estar relacionada positivamente com a motivação intrínseca e negativamente com a motivação extrínseca. Com base na literatura, esperava-se encontrar o oposto, já que tanto a meta performance-evitação como a motivação extrínseca estão ligadas a aspectos exteriores, tais como avaliações externas e recompensas. Este achado, em especial, permite questionar a validade das medidas de motivação (EMAPRE-U e EMA-U), visto que os itens que as compõem deveriam ser fruto da operacionalização das definições constitutivas dos construtos, conforme proposição de cada uma das teorias, respectivamente, da Teoria de Metas de Realização e da Teoria de Autodeterminação. Dessa forma, verifica-se a conveniência da realização de novas pesquisas com amostras mais amplas e diversificadas e com o emprego de análises estatísticas mais robustas, como a Análise Fatorial Confi rmatória, por exemplo, visando a obtenção de evidências que confirmem ou refutem uma das versões das estruturas fatoriais propostas.
No que se refere à variável sexo, apesar de terem sido encontrados resultados que se assemelham aos apontados em outros estudos, é necessário ressaltar que o número de mulheres é muito superior ao de homens, sendo importante interpretá-los com cautela. O mesmo ocorre em relação à instituição de ensino, pois na presente pesquisa os universitários foram advindos unicamente de universidades privadas.
A falta de estudos específicos sobre motivação para aprender comparando as diversas áreas do conhecimento e as etapas do curso impossibilitou a comparação dos resultados encontrados na presente pesquisa. Sendo assim, além de sugerir que sejam realizadas novas pesquisas envolvendo estudantes de instituições públicas, sugere-se ainda novas pesquisas que busquem contemplar essas e outras variáveis que podem favorecer a motivação para aprender, e com isso contribuir para o aumento do saber que se tem sobre esse construto no ambiente universitário. Espera-se que os resultados aqui obtidos se somem a outros que estão sendo desenvolvidos no Brasil, contribuindo com a ampliação do conhecimento sobre a motivação para aprender do estudante de ensino superior.
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E-mail: acacia.angeli@gmail.com
Recebido em janeiro de 2012
Aceito em julho de 2012
Acácia Aparecida Angeli dos Santos: Psicóloga. Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento pela USP. Docente da graduação e do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco. Bolsista Produtividade do CNPq.
Jocemara Ferrreira Mognon: Psicóloga formada pela Universidade São Francisco. Mestranda em Psicologia no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da Universidade São Francisco.
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