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Aletheia

versão impressa ISSN 1413-0394

Aletheia  no.38-39 Canoas dez. 2012

 

ARTIGO INTERNACIONAL

 

Educação sexual: atitudes, conhecimentos, conforto e disponibilidade para ensinar de professores portugueses

 

Sexuality education: attitudes, knowledge, comfort and willingness of portuguese teachers

 

 

M.-J. Alvarez; A. Marques Pinto

Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa

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RESUMO

Após a obrigatoriedade da educação sexual (ES) nas escolas portuguesas em 2009, pretendemos conhecer que perspectiva têm os professores (N = 307) sobre a ES. Através de um questionário on-line, analisado através de estatística descritiva e de análise factorial e inferencial, avaliámos as atitudes gerais sobre a ES, o conhecimento, o conforto e a disponibilidade para a ensinar, a importância atribuída a diversos tópicos de ES e o nível de escolaridade em que devem ser introduzidos. Os professores revelaram atitudes ainda mais positivas do que em estudos anteriores. Consideraram ter um conhecimento, um conforto e uma disponibilidade moderados, realidade que se mantém inalterada na última década. Ao contrário de estudos anteriores, o início da ES foi proposto mais precocemente, entre o pré-escolar e o 5º ano.1 A perspectiva de ES defendida revela um modelo médico-preventivo, valorizando-se mais a saúde sexual e menos o comportamento sexual e as questões de género. A percepção de formação considerada suficiente, a erotofilia e pontualmente o sexo feminino destacam-se na adopção de uma perspectiva abrangente de ES. A análise de resultados foi, sempre que possível, comparada com resultados de estudos similares realizados no Brasil.

Palavras-chave: Educação sexual, Atitudes dos professores, Formação.


ABSTRACT

In the context of the widespread implementation of sexuality education (SE) in Portuguese schools, after becoming mandatory in 2009, we aim to understand Portuguese teachers' perspective on SE (N = 307). Through an on-line questionnaire, analysed by descriptive statistics and factorial and inferential analysis, we measured general attitudes on SE, knowledge, comfort and willingness to teach it, the importance assigned to several topics of SE and the grade level at which they should be introduced. Teachers have more positive attitudes than in former studies, and moderate knowledge, comfort and willingness, a fact that has remained unchanged over the last decade. Unlike former studies, the introduction of SE is proposed early, between K and 5th grade. Teachers defend a preventive-medical model, emphasizing sexual health more and stressing sexual behavior and gender issues less. The perception of good training, erotophilia and anecdotally being a female are determinant in the adoption of a comprehensive SE. The analysis was, whenever possible, compared with results from similar studies in Brazil.

Keywords: Sexual education, Teachers' attitudes, Training.


 

 

Introdução

Ao fim de um longo percurso que podemos fazer remontar a 1984 com a publicação da Lei 3/84, onde é referido que o Estado deve garantir o direito à educação sexual como componente do direito fundamental à educação, a educação sexual (ES) passou a ser obrigatória no currículo português a partir de 2009. Através da Lei nº 60/2009 estabeleceu-se o regime de aplicação da educação sexual em meio escolar, a qual está a ser amplamente introduzida nos estabelecimentos de ensino desde então.

São objectivos da ES promover uma sexualidade saudável, i.e., contribuir para uma vivência mais informada, gratificante, autónoma e responsável da sexualidade. Esta envolve a procura e a clarificação de valores, a estruturação de atitudes, o desenvolvimento de comportamentos responsáveis, a aceitação da diversidade, a promoção da igualdade de género e a recusa da violência ou coacção. Não se trata, por isso, de abordar apenas aspectos relacionados com o sexo, envolve igualmente a exploração de conceitos-chave que incluem o desenvolvimento humano, as características afectivas e emocionais dos relacionamentos, as competências pessoais, o comportamento sexual, a saúde sexual e aspectos relacionados com a sociedade e a cultura, como a sensibilidade e respeito pela diferença.

Sabe-se que a qualidade da educação sexual nas escolas é potenciada pelo envolvimento de pais, de professores, de alunos e da comunidade neste domínio da educação. A ES abrangente é defendida como uma das perspectivas mais eficazes na promoção de uma sexualidade saudável. Nela podem distinguir-se três princípios fundamentais: o envolvimento de múltiplos agentes, já referido, a exploração de um conjunto alargado de tópicos, os quais incluem uma visão positiva da sexualidade (e.g., melhoria da comunicação, aumento da literacia relacional) e não apenas a redução de problemas decorrentes do comportamento sexual [e.g., prevenção de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), gravidez não desejada] e a valorização da educação sexual ao longo do ciclo de vida, adaptada ao nível de desenvolvimento e iniciada precocemente. Estes princípios defendidos na ES adoptada em Portugal, e consagrados na lei, encontram-se em consonância com as orientações propostas pela Organização Mundial de Saúde para a ES na Europa (WHO, 2010).

Considerada tradicionalmente em Portugal como uma etapa menos necessária da intervenção e, a diversos títulos, dispendiosa, a sua avaliação mereceu pouca atenção por parte dos vários decisores. É, no entanto, cada vez mais reconhecida, no nosso país, a importância da avaliação das intervenções para a sua melhoria, por ajudar os profissionais não só a discriminar o que resulta, mas também o que não funciona e a tomar decisões informadas sobre a sua continuação, modificação ou eliminação (Alvarez et al., 2011).

A condução de uma avaliação interna deve constituir-se como a primeira etapa deste processo avaliativo, permitindo a melhoria da intervenção/programa durante a sua construção ou primeiras aplicações (Fernández-Ballesteros, 1996). Encontramo-nos, por isso, num momento adequado à reflexão interna das escolas, à verificação da forma como os projectos de ES estão a ser implementados e recebidos e à consolidação de práticas e ajustamentos realizados por quem desenvolve e aplica as intervenções junto das crianças e dos jovens. Assim sendo, consideramos, de momento, prematura uma avaliação da eficácia das intervenções ou programas iniciados nas escolas, sendo, no entanto, importante perguntarmo-nos o que pensam os vários intervenientes da educação sexual que está a ser desenvolvida. Neste estudo, focamo-nos na perspectiva dos professores sobre a educação sexual desenvolvida nas escolas.

Para a eficácia da ES contribui a preparação dos professores (ver Rodriguez, Young, Renfro, Asencio, & Haffner, 1995). No entanto, ter preparação inclui mais do que ter conhecimentos no domínio da sexualidade e ser versátil em métodos de aprendizagem activa. Implica sentir-se confortável, ser capaz de estabelecer uma boa relação com os alunos e de comunicar de forma positiva e sensível. Além disso, entre as características distintivas de intervenções eficazes na redução de comportamentos sexuais de risco encontramos o grau de credibilidade que os professores atribuem à intervenção que estão a realizar (Kirby, 2002). No mesmo sentido, sabe-se que parte dos tópicos recomendados pelo currículo não é habitualmente ensinada pelo professor, existindo uma relação entre a importância atribuída a um tópico de ES e o seu ensino (Moore & Rienzo, 2000; Yarber, Torabi, & Haffner, 1997). Para a maior amplitude de tópicos incluídos na educação sexual facultada aos jovens contribui ainda a percepção, pelo docente, de apoio por parte da direcção da escola e da comunidade e a formação recebida (Yarber et al., 1997). Deste modo, destaca-se a importância das atitudes e perspectivas do professor sobre a ES para a forma como esta é posta em prática.

Um dos estudos mais abrangentes sobre as opiniões e atitudes dos professores relativamente à ES, e suas implicações para a eficácia da mesma, foi realizado em New Brunswick no Canadá com professores entre o pré-escolar e o 8º ano de escolaridade (Cohen, Sears, Byers, & Weaver, 2004). Concluiu-se que a maioria dos professores advogava a ES nas escolas, havendo mais professores a considerarem a necessidade de iniciá-la no 3º ciclo em vez de tal dever ocorrer no 1º e 2º ciclos. Os tópicos a incluir revelaram-se abrangentes e os professores consideraram-se relativamente conhecedores e confortáveis face a eles. Houve, no entanto, alguns tópicos associados ao prazer sexual onde o conforto se revelou menor, tendo sido possível estabelecer uma relação entre o conforto e a leccionação do tópico. Diversos estudos em diferentes países, incluindo o Brasil, têm mostrado em que medida tópicos relacionados com a biologia e a prevenção da doença são mais frequentemente explorados no currículo, comparativamente a tópicos relativos ao comportamento sexual e a aspectos societais e culturais (e.g., género e diversidade) mais controversos (Jardim & Bretas, 2006; Klein, Goodson, Serrins, Edmundson, & Evans, 1994; Silva & Megid Neto, 2006; Yarber et al., 1997) e que a maioria dos professores não recebe formação (Moizés & Bueno, 2010; Nimomiya, 2010; Rodriguez et al., 1995; Westwood & Mullan, 2007).

O estudo das variáveis pessoais mais adequadas para o exercício da ES foi desde há muito considerado um aspecto prioritário para a investigação, com o objectivo de adaptar o formador à função e obter os melhores resultados possíveis. Os resultados mostraram-se por vezes contraditórios, pode, todavia, destacar-se a relação entre a inclinação afectiva e avaliativa positiva do professor face a estímulos sexuais, erotofilia (Fisher, Byrne, White, & Kelly, 1988), e a capacidade para se relacionar com os jovens, para a abrangência e eficácia da ES (Kirby, 2007; Yarber & McCabe, 1981). A relação entre a idade, o género, o estado civil, as crenças religiosas e a inclusão de maior amplitude de tópicos no currículo leccionado ou a eficácia da ES não tem sido consistentemente encontrada (Kirby, 2007; Yarber et al., 1997). No estudo de Cohen e colaboradores, o género e o nível de ensino leccionado foram estudados e encontrada maior percepção da qualidade da formação recebida por parte do sexo feminino e por parte dos professores do 2º e 3º ciclo comparativamente aos do 1º ciclo.

O presente estudo baseia-se no de Cohen e colaboradoras e explora, junto de professores portugueses do 1º Ciclo ao Ensino Secundário, atitudes gerais face à ES em meio escolar, a importância atribuída a diferentes tópicos, o conhecimento, o conforto e a disponibilidade para os leccionar e o nível de ensino em que os tópicos devem ser introduzidos. Seguimos um protocolo semelhante ao das investigadoras canadianas, adaptando algumas questões à realidade portuguesa (Portaria nº 196-A/2010) e fortalecemos uma visão positiva da sexualidade, introduzindo tópicos relacionados com a promoção de uma sexualidade saudável, como os aspectos emocionais e relacionais nos relacionamentos íntimos e o respeito pela diversidade. Alargámos o estudo à recolha de informação sobre aspectos demográficos, profissionais e psicossociais dos professores inquiridos.

Para além do conhecimento das perspectivas dos professores sobre os aspectos mencionados e das relações entre estas e as diversas variáveis pessoais averiguadas, é ainda objectivo do presente estudo contribuir para a reflexão sobre ajustamentos ao currículo que venham a mostrar-se necessários no futuro. Estão em curso dois estudos junto de pais e de estudantes cujos resultados convirá posteriormente articular com os agora recolhidos junto de professores e compreender as necessidades de formação de todos os implicados.

Existem em Portugal estudos sobre atitudes dos professores face à ES (Ramiro & Gaspar de Matos, 2008; Reis & Vilar, 2004). Neles encontrou-se uma atitude favorável à ES, mais positiva junto das professoras e dos docentes com formação e experiência, mas pouca disponibilidade para a leccionar, e a opinião de que a maioria dos tópicos devia ser introduzida apenas a partir dos 2º e 3º ciclos. É, no entanto, a primeira vez, de acordo com a revisão de literatura efectuada, que um estudo sobre a perspectiva dos professores sobre a ES é realizado após esta se ter tornado obrigatória em Portugal. Embora as orientações relativas aos conteúdos da ES forneçam uma estrutura passível de ser utilizada por escolas e professores, os conteúdos permanecem não estatutários e podem conduzir os professores a uma situação ambígua. Deste modo, a informação recolhida neste estudo ocorre num contexto diferente, de existência de orientações explícitas e de aplicação generalizada da ES nas escolas e permite concluir com maior segurança o que poderá estar a ser leccionado e omitido em meio escolar, em função do que faz maior e menor sentido para os professores e respectivas necessidades de formação.

Propomos-nos, assim, conhecer as atitudes gerais de professores face à ES em meio escolar, a importância que atribuem a diferentes tópicos, o conhecimento, o conforto e a disponibilidade para os leccionar e o nível de ensino em que os tópicos devem ser introduzidos. É, ainda, objectivo deste estudo explorar as relações entre estas e as diversas variáveis pessoais averiguadas e contribuir para a reflexão sobre ajustamentos ao currículo que possa enriquecer a ES disponibilizada aos estudantes.

 

Método

Participaram no estudo 307 professores do 1º ciclo ao Ensino Secundário, constituíndo uma amostra de conveniência à qual se acedeu sobretudo através de contactos realizados junto de institutos públicos onde se formam professores em diversas regiões do país, associações de professores, Faculdades e escolas.

O questionário de auto-relato utilizado neste estudo, com um formato de respostas fechadas, teve 5 partes à semelhança do estudo de Cohen e colaboradoras (Cohen et al., 2004).

Na Parte A avaliaram-se as atitudes globais dos professores sobre a educação sexual, mais especificamente se esta deve ocorrer nas escolas, se a responsabilidade deve ser partilhada com os pais (numa escala de 5 pontos, de 1, discordo muito a 5, concordo muito), em que nível de ensino deve ter início a ES apropriada à idade e desenvolvimento da criança/jovem (entre infantil-3º ano, 4º-5º ano, 6º-8º ano, 9º-12º ano ou não deve haver ES nas escolas) e a qualidade da ES ministrada na escola em que lecciona o participante [de má (1) a excelente (5), podendo ainda referir desconhecer a qualidade da ES facultada ou a inexistência de ES na escola em que leciona].

Na Parte B foi pedido aos professores para indicarem quão importante era integrar 12 tópicos amplos no currículo de ES, utilizando uma escala de 5 pontos de nada importante (1) a extremamente importante (5). À lista do estudo original foram acrescentados três novos tópicos resultantes da análise dos conteúdos que devem fazer parte do currículo português, a saber a noção de família e a diversidade e género e um tópico de natureza mais promocional relativo a aspectos emocionais e relacionais nos relacionamentos íntimos. Foi ainda retirado um tópico à lista original, segurança pessoal, por estar contemplado, em nosso entender, na prevenção de aproximações abusivas (lista de tópicos na Tabela 2).

 

 

Na Parte C apresentou-se uma lista mais pormenorizada de 29 tópicos em ES, devendo os professores pronunciar-se sobre o nível de escolaridade em que cada tópico devia ser ensinado nas escolas, de acordo com uma resposta em cinco categorias (entre infantil-3º ano, 4º-5º ano, 6º-8º ano, 9º-12º ano ou o tópico não devia ser incluído). À lista do estudo original de 26 tópicos foram acrescentados quatro tópicos específicos e retirado o relativo à segurança pessoal, de acordo com o considerado importante no currículo português e numa perspectiva promocional da ES. Os tópicos incluídos foram a interrupção voluntária da gravidez, a primeira relação sexual, a ligação entre a sexualidade e um projecto de vida que integra valores e o género e diversidade (lista de tópicos na Tabela 4).

 

 

Na Parte D foi solicitado aos professores que indicassem para cada um dos 29 tópicos quão conhecedores, confortáveis e disponíveis se sentiriam para o leccionar, utilizando três escalas, de nada conhecedor/confortável/disponível (1) a extremamente conhecedor/confortável/disponível (5). Os professores pronunciaram-se ainda sobre a forma como um conjunto de 12 condições afectava a sua disponibilidade para ensinar ES no momento presente, através de uma escala de 3 pontos, torna-me menos disponível (1), não tem efeito (2), torna-me mais disponível (3) (lista de condições na Tabela 1).

 

 

Por fim, recolheu-se informação sócio-demográfica relativa ao sexo, idade, zona de residência (aldeia, vila, cidade) e localização da escola onde lecciona (Norte, Centro ou Sul, interior ou litoral) e informação profissional, tal como os níveis de ensino leccionados no presente ano, a experiência de ensino, o nível de experiência na leccionação de ES nos diversos ciclos de ensino e ainda se recebeu formação para leccionar ES e se esta foi suficiente.

A recolha de dados foi realizada através da colocação do questionário on-line aproximadamente durante 30 dias entre Maio e Junho de 2011.

Os potenciais participantes receberam por e-mail uma carta explicativa do estudo e respectivo link, onde foi solicitada a participação no estudo, independentemente de se estar ou não envolvido em ES na escola. Foi garantida a confidencialidade e o anonimato das respostas e destacado o facto do sítio da internet onde estava alocado o questionário não controlar o IP dos seus utilizadores. Foi deixado o contacto das duas investigadoras para esclarecimento de quaisquer dúvidas. A pesquisa envolveu o consentimento informado por parte dos participantes e obedeceu aos parâmetros éticos em vigor, à data, na instituição de afiliação das autoras.

A análise de dados utilizou o software estatístico PASW18 e recorreu a frequências, médias e/ou medianas para descrever as respostas dos professores relativas às atitudes face à ES, importância atribuída aos tópicos [organizados em seis categorias propostas nas orientações para a perspectiva abrangente da sexualidade, a saber Desenvolvimento Humano, Relações, Competências Pessoais, Saúde Sexual, Comportamento Sexual e Sociedade e Cultura (NGTF, 2004)], o momento mais indicado para a sua iniciação ao longo da escolaridade e ainda o conhecimento, o conforto e a disponibilidade relativos aos 29 tópicos. Para a organização das variáveis psicossociais, decorrentes das condições facilitadoras da disponibilidade para leccionar ES, foi realizada uma Análise Factorial Exploratória pelo método de Componentes Principais com rotação varimax. A consistência interna dos factores foi estimada através do alfa de Cronbach. Para a organização das variáveis profissionais, a escala de 5 pontos utilizada na avaliação da percepção de formação suficiente foi transformada em duas categorias, baixa (pontos 1, 2 e 3) e alta percepção de formação suficiente (pontos 4 e 5). Também a experiência de leccionação de ES foi organizada em duas categorias, pouca ou nenhuma experiência e de moderada a muita experiência, resultado da presença de moderada a muita experiência em pelo menos um nível de ensino. Para o estudo da relação entre as atitudes, a importância e a iniciação dos tópicos, o conhecimento, o conforto e a disponibilidade e variáveis sócio-demográficas (sexo, idade), profissionais (ter recebido formação, percepção de formação suficiente, experiência na leccionação de ES) e psicossociais (erotofilia, apoio percebido na comunidade) foram utilizadas ANOVAs e MANOVAs, depois de verificados os pressupostos da normalidade das distribuições e da homogeneidade das variâncias. Só os resultados com um poder de teste superior a .50 foram apresentados.

 

Resultados

A maioria dos 307 participantes foi do sexo feminino (81.2%) tal como a distribuição do género na profissão docente. Em termos etários 10.7% tinha menos de 30 anos, 34.2% tinha entre 30 e 39 anos, 26.5% entre os 40 e os 49 anos e 28.5% tinha mais de 50 anos. Leccionavam no 1º ciclo 9.9%, no 2º ciclo 23.1%, no 3º ciclo 37.2% e no Ensino Secundário 29.8%. Os participantes foram oriundos principalmente de escolas do Centro (litoral ou interior) do país (73.6%), sendo 21.3% e 5.1% de escolas do Sul e do Norte, respectivamente e a maioria residia numa zona urbana (81.2%). A experiência de ensino foi de mais de 15 anos para 59.5% da amostra. Os participantes revelaram uma experiência na leccionação de ES considerável. Cinquenta e três por cento e 55% dos professores do 1º e 2º ciclo, respectivamente, revelaram moderada a muita experiência na leccionação de ES. No 3º ciclo e Ensino Secundário estes valores foram de 50% e 57%, respectivamente. Só um terço dos participantes recebeu formação para leccionar ES (32.4%). Consideraram a sua formação insuficiente 43.1% dos participantes, 36.3% considerou-a suficiente e 20.7% não a consideraram nem suficiente nem insuficiente. Foram encontradas correlações elevadas entre ter recebido formação e considerar a sua formação suficiente (r = .57, N = 292, p = .000), entre esta e ter experiência na leccionação de ES (r = .42, N = 295, p = .000), bem como entre ter recebido formação e ter experiência na leccionação de ES (r = .43 N = 296, p = .000). Deste modo, nas análises de variância e de variância mútlipas realizadas optou-se por utilizar apenas a percepção de formação suficiente.

Condições Facilitadoras da Disponibilidade para leccionar ES

A análise factorial exploratória dos 12 itens revelou um KMO de 0.853, demonstrando elevada correlação inter-itens e a adequação da análise proposta. A análise dos eigenvalues superiores a 1 e do scree plot revelou uma estrutura trifactorial que explicou 62.9% da variabilidade total dos itens, todos com comunalidades superiores a 0.5, excepto o item 10 (0.219) e 11 (0.424). A partir dos itens com um peso factorial superior a .45 em apenas um dos factores, reteve-se um total de 8 dos 12 itens (Tabela 1). O primeiro factor foi designado Erotofilia (alfa de Cronbach = .80, responsável por 42.9% do total da variância), o segundo foi designado Apoio Percebido na Comunidade (alfa de Cronbach = .74, responsável por 11.3% do total da variância) e o terceiro factor foi considerado Conhecimento (alfa de Cronbach = .72, responsável por 8.7% do total da variância). O terceiro factor, por coincidir com informação recolhida sobre o conhecimento e por resultar de um número muito inferior de itens, não foi utilizado nas análises de variância.

Os valores médios para a erotofilia, apoio percebido na comunidade e conhecimento foram de 2.29, 2.03 e 2.37, respectivamente. Deste modo, as condições que aumentam a disponibilidade para ensinar ES relacionaram-se com a erotofilia e o conhecimento, sendo a resposta mais frequente para os itens relacionados com o apoio percebido na comunidade a de que não tem efeito na disponibilidade.

Atitudes face à ES

A maioria dos professores concordou ou concordou muito que a ES devia ser dada nas escolas (89%, M = 4.17, SD = .85), ser uma responsabilidade partilhada com os pais (94%, M = 4.42, SD = .80) e dever iniciar-se até ao 5º ano (73%, M = 1.92, SD = 1.08). Só 3.3% dos professores disse não dever a ES ser leccionada nas escolas.

A Análise de Variância Múltipla (MANOVA) realizada de acordo com o sexo, a idade, a percepção de formação suficiente, a erotofilia e o apoio percebido na comunidade, revelou como significativo o sexo, Traço de Pillai = .048, F(3, 265) = 4.45, p = .005, η P 2 = .048, a erotofilia, Traço de Pillai = .11, F(3, 265) = 11.09, p = .000, η P 2 = .11 e a formação suficiente, Traço de Pillai = .038, F(3, 265) = 3.49, p = .016, η P 2 = .038, para estas atitudes.

A erotofilia dos professores diferenciou a importância atribuída à ES ser dada nas escolas, F(1, 267) = 24.86, p = .000, η P 2 = .085. Foi maior nos professores com maior erotofilia (M = 4.39, SD = .60) do que nos professores com menor erotofilia (M = 3.79, SD = 1.04).

A erotofilia dos professores diferenciou, igualmente, as atitudes relativas à partilha de responsabilidade da ES entre os pais e a escola, F(1, 267) = 18.29, p = .000, η P 2 = .064, sendo mais positiva quando houve maior erotofilia (M = 4.60, SD = .51) do que quando ela foi menor (M = 4.13, SD = 1.04).

As atitudes relativamente ao início da ES mostraram-se diferentes em função do sexo, F(1, 265) = 10.36, p = .001, η P 2 = .037, da erotofilia, F(1, 267) = 19.08, p = .000, η P 2 = .067 e da formação suficiente, F(1, 267) = 4.50, p = .035, η P 2 = .017. As professoras foram de opinião de que a ES devia começar mais precocemente (M = 1.81, SD = 1.01) do que os professores (M = 2.46, SD = 1.25). Os professores com maior erotofilia consideraram que a ES devia iniciar-se mais cedo (M = 1.69, SD = .83) do que os professores com menor erotofilia (M = 2.32, SD = 1.32). Os professores com mais elevada percepção de formação suficiente consideraram que a ES devia iniciar-se mais precocemente (M = 1.64, SD = 1.00) do que os professores que não consideraram ter formação suficiente (M = 2.08, SD = 1.09).

A maioria dos professores considerou a qualidade da ES recebida pelas crianças e jovens na escola em que lecciona como razoável (32.6%) ou boa (25.2%). Já 13% considerou-a má, sendo percepcionada como muito boa e excelente por 8.3 e 0.3%, respectivamente. Não possuia informação para responder 10.3% dos inquiridos e 10.3% disse não haver ES na sua escola.

Importância atribuída aos tópicos de ES

A média e mediana dos tópicos que devem fazer parte do currículo de ES são apresentados por ordem descrescente de importância na Tabela 2. Todos os tópicos foram considerados importantes e seis obtiveram uma mediana igual a 5. A inclusão do prazer e satisfação sexuais e da abstinência no currículo foram consideradas as menos importantes.

Os tópicos, organizados de acordo com as seis categorias propostas nas linhas orientadoras da perspectiva abrangente da ES e apresentadas por ordem descrescente de importância, permitiram destacar aqueles relativos à saúde sexual e ao domínio dos relacionamentos como os mais importantes e os associados ao comportamento sexual e a aspectos societais e culturais da sexualidade como os menos importantes (Tabela 3).

A MANOVA realizada revelou o contributo significativo do sexo, Traço de Pilai = .06, F(6, 263) = 2.58, p = .019, ηp 2 = .056 e da erotofilia, Traço de Pilai = .06, F(6, 263) = 3.02, p = . 007, ηp 2 = .064 na diferenciação da importância atribuída às categorias. As ANOVAs mostraram que o sexo feminino atribuiu maior importância ao tema do Desenvolvimento Humano, F(1, 268) = 4.00, p = .047, ηp 2 = .015 e das Relações, F(1, 268) = 12.09, p = .001, ηp 2 = .043, (M = 4.21, SD = .69 e M = 4.46, SD = .68, respectivamente) do que o sexo masculino, (M = 4.00, SD = .97 e M = 4.05, SD = 1.04, respectivamente). A erotofilia dos professores diferenciou a importância atribuída a quatro das seis categorias, Desenvolvimento Humano, F(1, 268) = 9.16, p = .003, ηp 2 = .033, Competências Pessoais, F(1, 268) = 10.02, p = .002, ηp 2 = .036, Saúde Sexual, F(1, 268) = 9.57, p = .002, ηp 2 = .034 e Comportamento Sexual, F(1, 268) = 3.83, p = . 05, ηp 2 = .014. Para todos eles, maior erotofilia relacionou-se com maior importância atribuída à categoria (M = 4.29, SD = .66; M = 4.19, SD = .66; M = 4.66, SD = .55; M = 3.42, SD = .84, respectivamente), sendo menor a importância atribuída em face de menor erotofilia, (M = 3.98, SD = .87; M = 3.80, SD = .94; M = 4.43, SD = .77; M = 3.19, SD = .90, respectivamente).

Ano de escolaridade preferido para a introdução dos tópicos de ES

Os 29 tópicos de ES foram organizados de acordo com as medianas para os anos de escolaridade em que a amostra considerou deverem ter início, da infantil-3º ano até ao 9º-12º ano. Apresentam-se, ainda, para cada tópico, as percentagens de respostas obtidas para a sua introdução em cada nível de escolaridade (Tabela 4). Os professores consideraram que a maioria dos tópicos (22 tópicos) deveria ser introduzida entre o 6º e o 8º anos, 3 tópicos entre o 4º e 5º anos, 3 tópicos só deviam ser introduzidos a partir do 9º ano e apenas 1 tópico pareceu indicado iniciar-se entre a Infantil e o 3º ano. Não houve qualquer tópico cuja introdução se considerasse não dever ocorrer no currículo e só dois tópicos (pornografia e abstinência) obtiveram mais de 10% de respostas a favor da sua não introdução no currículo.

Uma perspectiva abrangente dos tópicos de ES revelou-se apenas a partir do 6º ao 8º ano de escolaridade e a exploração de diversos tópicos no âmbito do Comportamento Sexual e da Sociedade e Cultura, nomeadamente relacionados com o prazer e satisfação sexuais e com a prostituição adolescente e pornografia, surgiu como indicada somente a partir do 9º ano de escolaridade.

A MANOVA realizada, tendo como variáveis dependentes as seis categorias de conteúdos (ver Apêndice), revelou o contributo significativo do sexo, Traço de Pilai = .07, F(6, 267) = 3.39, p = .003, ηp 2 = .071 e da erotofilia, Traço de Pilai = .09, F(6, 267) = 4.22, p = .000, ηp 2 = .087 para o nível de escolaridade em que deviam ser introduzidas. As ANOVAs mostraram que o sexo feminino considerou sistematicamente dever a introdução ocorrer mais cedo para os cinco temas nos quais se encontraram diferenças, Desenvolvimento Humano, F(1, 272) = 17.15, p = .000, ηp 2 = .059 (Mfem = 2.37, SD = .52, Mmas = 2.74, SD = .74), Competências Pessoais, F(1, 272) = 11.51, p = .001, ηp 2 = .041 (Mfem = 2.80, SD = .63, Mmas = 3.17, SD = .72), Saúde Sexual F(1, 272) = 7.48, p = .007, ηp 2 = .027 (Mfem = 2.94, SD = .55, Mmas = 3.22, SD = .72), Comportamento Sexual F(1, 272) = 6.24, p = .013, ηp 2 = .022 (Mfem = 3.28, SD = .55, Mmas = 3.49, SD = .60) e Sociedade e Cultura F(1, 272) = 6.09, p = .014, ηp 2 = .022 (Mfem = 3.07, SD = .71, Mmas = 3.40, SD = .78). A erotofilia dos professores diferenciou o nível de escolaridade em que deviam ser introduzidos todos os temas, sendo que a precocidade da sua introdução se associou a maior erotofilia, Desenvolvimento Humano, F(1, 272) = 17.59, p = .000, ηp 2 = .061, (Mmaior = 2.33, SD = .49, Mmenor = 2.64, SD = .69), Relações F(1, 272) = 5.80, p = .017, ηp 2 = .021, (Mmaior = 3.05, SD = .91, Mmenor = 3.33, SD = .69), Competências Pessoais, F(1, 272) = 21.84, p = . 000, ηp 2 = .074, (Mmaior = 2.73, SD = .59, Mmenor = 3.10, SD = .72), Saúde Sexual, F(1, 272) = 11.92, p = .001, ηp 2 = .042, (Mmaior = 2.90, SD = .55, Mmenor = 3.16, SD = .65), Comportamento Sexual, F(1, 272) = 15.35, p = .000, ηp 2 = .053, (Mmaior = 3.23, SD = .49, Mmenor = 3.48, SD = .65) e Sociedade e Cultura, F(1, 272) = 8.52, p = .004, ηp 2 = .030, (Mmaior = 3.03, SD = .72, Mmenor = 3.31, SD = .74).

Conhecimento, conforto e disponibilidade para ensinar tópicos de ES

Os professores manifestaram quão conhecedores, confortáveis e disponíveis se sentiam para ensinar os 29 tópicos de ES e destacamos o facto de se sentirem de moderadamente a muito conhecedores, confortáveis e disponíveis (Tabela 5). Os tópicos em que sentiram maior conhecimento, conforto e disponibilidade relacionaramse com o Desenvolvimento Humano e Saúde Sexual, já menor os relacionados com o Comportamento Sexual e a Sociedade e Cultura.

 

 

A Manova realizada revelou a erotofilia, Traço de Pillai = .13, F(3, 267) = 13.61, p = .000, η P 2 = .133 e a percepção de formação suficiente, Traço de Pillai = .23, F(3, 267) = 26.02, p = .000, η P 2 = .226, como diferenciadoras do conhecimento, disponibilidade e conforto dos professores.

A erotofilia dos professores diferenciou quer o conhecimento, F(1, 269) = 6.49, p = . 011, ηp 2 = .024, quer a disponibilidade, F(1, 269) = 38.52, p = .000, ηp 2 = .125, quer o conforto para leccionar ES, F(1, 269) = 25.29, p = .000, ηp 2 = .086, e foi maior nos professores com maior erotofilia (M = 3.61, SD = .62, M = 3.75, SD = .86, M = 3.77, SD = .75, respectivamente) do que nos professores com menor erotofilia (M = 3.22, SD = .74, M = 2.70, SD = 1.02, M = 2.97, SD = .94, respectivamente).

A percepção de formação suficiente diferenciou fortemente o conhecimento, F(1, 269) = 46.72, p = .000, ηp 2 = .148, a disponibilidade, F(1, 269) = 69.94, p = .000, ηp 2 = .206 e o conforto, F(1, 269) = 56.61, p = .000, ηp 2 = .174, para leccionar ES, os quais se revelaram mais elevados quanto maior a percepção de formação suficiente, tanto para o conhecimento, Mmaior = 3.86, SD = .70, Mmenor = 3.25, SD = .59, como para a disponibilidade, Mmaior = 4.08, SD = .81, Mmenor = 2.99, SD = .95 e conforto, Mmaior = 4.05, SD = .80, Mmenor = 3.17, SD = .80.

 

Discussão

As atitudes dos professores da amostra revelam-se bastante positivas face à leccionação da ES nas escolas, à responsabilidade partilhada entre a escola e os pais e à sua iniciação precoce. A opinião mais consensual relaciona-se com a responsabilidade partilhada e as opiniões mais divergentes verificam-se para o início da ES. Ser do sexo feminino, ter uma atitude avaliativa e afectiva positiva face a conteúdos de natureza sexual, isto é, maior erotofilia, e percepcionar uma formação suficiente acentuam as atitudes positivas relativamente à iniciação precoce da ES.

Podemos afirmar que se mantiveram ou acentuaram as atitudes positivas face à ES detectadas em estudos portugueses anteriores (Reis & Vilar, 2004), atitudes estas também identificadas em estudos brasileiros (Jardim & Brêtas, 2006). Destacamos o facto de a nossa amostra valorizar a introdução precoce da ES, nomeadamente até ao 5º ano, ao contrário da preferência pela sua introdução a partir do 2º ou 3º ciclos detectada em estudos anteriores (Ramiro & Gaspar de Matos, 2008), mas, uma vez mais, de modo semelhante ao verificado em estudos brasileiros (Jardim & Brêtas, 2006). Contudo, a proposta da iniciação do ensino da maioria dos 29 tópicos apresentados entre o 6º e 8º anos leva-nos a suspeitar que, apesar de defendida, a iniciação precoce não assuma contornos abrangentes desde o pré-escolar. Este estudo permite, ainda, constatar o contributo de novas variáveis para as atitudes face à ES, nomeadamente a importância da percepção de se ter formação suficiente, cuja relação com a existência de formação é bastante elevada, e a erotofilia.

A importância atribuída pelos professores às diferentes categorias de tópicos levanos a considerar que a maioria partilha um modelo médico-preventivo ou higienista de ES. Tal implica, sobretudo, a valorização dos componentes fisiológicos e médicos da sexualidade, enfatizando a contracepção, prevenção de ISTs e da gravidez indesejada. Resultados como estes encontram-se igualmente em diversos estudos realizados com professor brasileiros (Jardim & Brêtas, 2006; Silva & Megid Neto, 2006). A perspectiva partilhada afasta-se, contudo, do enaltecimento da abstinência, o que podemos atribuir a considerações sobre a falibilidade do método e/ou o carácter penalizador que tem para a sexualidade do jovem. Não se pense, no entanto, ser valorizada uma perspectiva muito positiva da sexualidade, pois importância igualmente baixa é atribuída a dimensões como o prazer e a satisfação sexuais. Ainda assim, à perspectiva médico-preventiva acresce a valorização dos aspectos emocionais e relacionais presentes nos relacionamentos íntimos, o que permite destacar a área dos relacionamentos, para além da saúde sexual, na lista de categorias de conteúdos mais importantes para a amostra, em especial para o sexo feminino. Dada a relação entre a importância atribuída ao tópico e a sua exploração (e.g. Yarber et al., 1997), antecipa-se que nas escolas portuguesas a saúde sexual seja a categoria de conteúdos mais trabalhada pelos professores e o comportamento sexual a menos abordada. Os resultados sugerem que a amplitude dos tópicos abordados aumenta significativamente com a maior erotofilia dos docentes que leccionam ES.

Consideramos existir uma valorização do carácter progressivo da introdução dos tópicos ao longo da escolaridade, que segue de forma sensível o desenvolvimento da criança e do jovem. No entanto, estamos perante um certo paradoxo que resulta de se considerar dever a ES iniciar-se entre a infantil e o 5º ano, ao mesmo tempo que a iniciação da maioria dos tópicos só parece indicada a partir do 6º-8º ano. É possível que este desencontro resulte da dificuldade em levar à prática uma atitude por não se saber como fazê-lo. Relativamente à introdução precoce dos temas na ES das crianças e dos jovens, destacamos o facto de as professoras considerarem que praticamente todos eles devem ser introduzidos mais cedo comparativamente aos seus colegas do sexo masculino. É conhecida a maior disponibilidade e abertura das mulheres para falar sobre temas sexuais, nomeadamente com os seus filhos (Rosenthal & Feldman, 1999), as quais poderão estar a ser transpostas para o contexto profissional. Enfatizamos, igualmente, o papel detido pela erotofilia na defesa da introdução precoce de todos os temas no currículo de ES.

Os professores sentem-se moderadamente a muito conhecedores, confortáveis e disponíveis para leccionar ES. Para estes resultados contribuem essencialmente a percepção de se ter formação suficiente e a erotofilia.

A percepção de formação suficiente e a erotofilia são dois elementos muito relacionados com as perspectivas positivas e abrangentes apresentadas pelos professores. Destacamos, por isso, o facto de a maioria não ter recebido formação para leccionar ES e não a considerar suficiente. A percentagem de professores com formação continua nos níveis existentes há uma década atrás (Reis & Vilar, 2004) e para muitos mantém-se insuficiente (Veiga, Teixeira, Martins, & Meliço-Silvestre, 2006), opinião partilhada pelos professores brasileiros em diversos estudos (e.g. Beiras, Tagliamento, & Toneli, 2005). Antecipamos que o conhecimento, o conforto e a disponibilidade, bem como a adopção de uma concepção de ES abrangente seriam maiores com a experiência de formação. Deste modo, encontramos um conjunto significativo de professores que se tem visto na situação de leccionar ES sem qualquer formação. Em face desta situação, congratulamo-nos com a qualidade percebida da ES que está a ocorrer nas escolas.

Em síntese, a maioria dos professores inquirida partilha uma abordagem abrangente sobre ES, envolvendo os pais e considerando que deve ter início cedo na vida das crianças. Para a abrangência contribui igualmente a variedade de tópicos considerados importantes na ES. Embora todos os tópicos o sejam, o comportamento sexual e as questões de género e diversidade são-no menos, possivelmente pelos professores não se sentirem com conhecimentos nestas áreas. Receber formação, senti-la como suficiente e ter maior erotofia contribuem para uma perspectiva mais abrangente da ES.

Consideramos que o corpo docente partilha uma visão abrangente da ES, num quadro coerente de iniciação de temas em ES que acompanha o desenvolvimento da criança e do jovem, com conhecimento, disponibilidade e conforto na leccionação da ES, apesar de apenas 1/3 ter formação. Contudo, a visão higienista, focada na prevenção da doença e em aspectos biológicos da sexualidade, pode estar a afastar os professores de temas mais sociais e menos técnicos, como os valores. Do mesmo modo, a convicção de que muitos dos tópicos são adequados apenas a partir do 6º ano pode tornar a ES abrangente mais tardia do que o desejável. Suspeita-se que, em face da defesa da iniciação precoce da ES, esta não assuma contornos mais abragentes desde o 1º Ciclo por não ser proporcionada formação aos professores, aspecto consagrado na lei e raramente garantido pelo Ministério da Educação até ao momento. Consideramos que os nossos professores merecem mais atenção, pois, em condições longe das desejáveis em matéria de formação, revelam uma perspectiva abrangente e positiva em matéria de ES, mas só moderadamente conhecedores, confortáveis e previsivelmente disponíveis. Uma formação adequada contribuirá para o ensino da sexualidade numa perspectiva promocional, associada à qualidade de vida, saúde e bem-estar.

Curiosamente, muitos dos resultados encontrados no presente estudo são coincidentes com os descritos em estudos com professores brasileiros. A importância atribuída à ES, a sua iniciação a partir do 2º ciclo, a perspectiva higienista que põem em prática, explorando poucos temas sobre as vivências e conflitos decorrentes do crescimento e da sexualidade e a sua formação reduzida, tornam em nosso entender as interpretações e pistas avançadas, pertinentes para o contexto brasileiro.

O presente estudo constitui um contributo importante para o nosso entendimento das atitudes e das perspectivas dos professores face à ES, realizado pela primeira vez após a sua introdução obrigatória nas escolas portuguesas. Há, no entanto, algumas limitações a este estudo que devem ser consideradas. Os resultados baseiam-se numa amostra de conveniência que participou voluntariamente, sendo de esperar maior participação de indivíduos favoráveis à ES e mais à vontade para reflectir sobre o tema (Cohen et al., 2004). Se assim for, a população geral de professores pode ser menos conhecedora e sentir-se menos confortável do que a amostra em estudo. A apresentação de uma definição dos tópicos sobre os quais os professores se pronunciaram, permitiria ultrapassar a segunda limitação ao presente estudo e contribuir para uma compreensão mais uniforme do entendimento dado por cada participante aos tópicos incluídos.

Aleatorizar a amostra de forma a obter informação mais representativa dos professores portugueses e averiguar outros aspectos que ficaram por conhecer, tais como de que ES precisam os estudantes e os tópicos de que mais necessitam, o apoio recebido por parte da escola, dos colegas, dos pais e os obstáculos encontrados à implementação da ES, utilizando não apenas um formato de resposta fechada, mas permitindo respostas abertas para aceder mais amplamente às opiniões dos professores, serão aspectos a explorar em investigações futuras.

 

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Endereço para contato
E-mail: mjalvarez@fp.ul.pt

Recebido em novembro de 2011
Aceito em abril de 2012

 

 

M.-J. Alvarez: Psicóloga, Professora Auxiliar da Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa
A. Marques-Pinto: Psicóloga, Professora Auxiliar da Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa
1 Em Portugal, a educação pré-escolar é frequentada sobretudo por crianças até aos 5, 6 anos. O 1º Ciclo compreende os primeiros 4 anos de escolaridade, o qual tem início a partir dos 5, 6 anos, o 2º Ciclo compreende o 5º e 6º anos, o 3º Ciclo é composto pelos 7º, 8º e 9º anos e o Ensino Secundário inicia-se no 10º e termina no 12º ano.