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Aletheia

versão impressa ISSN 1413-0394

Aletheia  no.41 Canoas ago. 2013

 

ARTIGOS EMPÍRICOS

 

Características de saúde mental de crianças e adolescentes vivendo com HI

 

Characteristics of mental health of children and adolescents living with HIV

 

 

Kelin Roberta Zabtoski; Silvia Pereira da Cruz BenettiI

I Universidade do Vale do Rio dos Sinos

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RESUMO

Este estudo teve como objetivo identificar características de saúde mental de crianças e adolescentes vivendo com HIV. Participaram 112 cuidadores de crianças e adolescentes com idades entre seis e dezoito anos que faziam acompanhamento em dois serviços de atendimento especializado de Porto Alegre, Brasil. Os instrumentos utilizados foram um questionário de dados sociodemográficos e o Child Behavior Checklist (CBCL). De acordo com os resultados do CBCL, 59% da amostra apresentou critério clínico para problemas de saúde mental. Os dados apontam para a necessidade de ampliar a atenção à saúde mental de crianças e adolescentes vivendo com HIV, além do incentivo às práticas de revelação do diagnóstico.

Palavras-chave: Saúde mental, HIV, Psicologia.


ABSTRACT

The objective of the present study was to determine the mental health characteristics of children and adolescents with HIV. The sample was comprised of 112 caregivers of children and adolescents aged 6 to 18 years who were being treated in two specialized care centers in Porto Alegre, Brazil. A sociodemographic questionnaire and the Child Behavior Checklist (CBCL) were used. We found that 59% of the sample met the clinical criteria for mental health problems according to the CBCL. The data points to the need of amplifying the attention to mental health of children and adolescents living with HIV, besides the incentive to the practices of diagnosis disclosure.

Keywords: Mental health, HIV, Psychology.


 

 

Introdução

O panorama epidemiológico mundial da infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) tem apresentado alterações quanto ao diagnóstico, transmissão e tratamento no decorrer dos 30 anos de descoberta. Inicialmente, a atenção estava voltada para melhora diagnóstica, profilática e terapêutica (Machado, Succi, & Turato, 2010). Com o advento de esquemas antirretrovirais altamente ativos (HAART), proporcionando a diminuição da morbidade e mortalidade, a infecção pelo HIV passou a ser considerada uma condição de saúde crônica (Benton, 2011; Remien & Mellins, 2007; Battles & Wiener, 2002). Estima-se que haja, em todo mundo, 3,4 milhões de crianças e adolescentes, com idade até 15 anos, infectados pelo HIV (UNAIDS, 2012).

No Brasil, a implementação de políticas públicas que garantem a distribuição universal e gratuita da terapia antirretroviral e os avanços nos tratamentos têm possibilitado a redução da mortalidade em decorrência de doenças relacionadas à aids, prolongando a expectativa de vida (Pinto, Pinheiro, Vieira, & Alves, 2007). O uso da terapia antirretroviral na prevenção da transmissão vertical também tem possibilitado a redução das taxas de infecção (Brito, Sousa, Luna, & Dourado, 2006). Além disso, seu uso no tratamento das crianças infectadas pelo HIV através de transmissão vertical tem permitido que atinjam a idade adulta (Vaz, Eng, Maman, Tshikandu, & Behets, 2010; Trejo, Palacio, Mosquera, Blasini, & Tuesca, 2009; Klitzman, Marhefka, Mellins, & Wiener, 2008; Seidl, Rossi, Viana, Meneses & Meireles, 2005).

A perspectiva de crescimento dessas crianças tem trazido novos desafios relacionados ao impacto do HIV no desenvolvimento físico e psicológico (Palacio, Figueiredo & Souza, 2012; Seidl et al., 2005), em relação aos padrões de crescimento, relacionamento afetivo, puberdade e sexualidade (Havens, Mellins & Ryan, 2005). Além disso, demandas relacionadas à revelação do diagnóstico (Rabuske, 2009; Marques et al., 2006) e dificuldades de adesão ao tratamento (Guerra & Seidl, 2010; Trombini & Schermann, 2010; Kourrouski & Lima, 2009) estão presentes no cotidiano dos cuidadores e profissionais dos serviços de acompanhamento especializado a esta população.

Segundo Mellins et al., (2009), jovens infectados pelo HIV através de transmissão vertical apresentam risco elevado para problemas de saúde mental tais como transtornos de ansiedade, depressão, queixas somáticas, comportamento de quebra de regras, comportamento agressivo (Mendoza et al., 2007), déficit de atenção, hiperatividade, transtornos de conduta, transtorno desafiador opositor (Mellins, Brackis-Cott, Dolezal, & Abrams, 2006) e comportamento delinquente (Bomba et al., 2010). Sabe-se que problemas de saúde mental são fatores de risco para a adesão aos cuidados de saúde e ao tratamento antirretroviral (Benton, 2011). Somado a isso, o não controle da carga viral do vírus devido à má adesão à terapia antirretroviral também contribui para que o sistema nervoso central sofra a ação do HIV, podendo resultar em transtornos na função cognitiva, causando déficits em processos mentais, tais como atenção, aprendizagem, memória, processamento da informação, capacidade de resolução de problemas, bem como sintomas sensoriais e motores (Christo, 2010).

Apesar de existirem na literatura nacional e internacional muitos estudos sobre a saúde mental de crianças e adolescentes, ainda são escassos os relacionados às crianças e adolescentes vivendo com HIV (Benton, 2011; Mellins et al., 2009). Segundo a literatura científica, a incidência de problemas de saúde mental em crianças e adolescentes vivendo com HIV varia de 31% (Bomba et al., 2010) a 61% (Mellins et al., 2009) e está relacionada, em parte, ao baixo nível socioeconômico das populações estudadas (Ananworanich, Jupimai, Mekmullica, Sosothijul, & Pancharoen, 2008; Mendoza et al., 2007), à exposição a problemas psicológicos e doenças dos pais (Bomba et al., 2010), à perda dos pais, ao baixo nível educacional dos cuidadores, ao estado de saúde e à negligência infantil (Mendoza et al., 2007).

Sabe-se que o enfrentamento de diagnósticos graves durante o desenvolvimento infantil e na adolescência constitui-se como uma situação impactante e com consequências a longo prazo; incluindo fator de risco para problemas emocionais e de comportamento (DeMaso, Martini & Caben, 2009). No entanto, Santamaria et al., (2011) apontam que a revelação do diagnóstico contribui para a promoção da saúde e para a diminuição do comportamento de risco de adolescentes, sendo, juntamente com o suporte social, um dos preditores de saúde mental (Lam, Naar-King & Wright, 2007).

As estimativas quanto ao número de crianças e adolescentes que vivem com HIV e que conhecem o seu diagnóstico são imprecisas e diversificadas, variando de 75% (Thorne et al., 2002; Wiener, Battles, Heilman, Sigelman & Pizzo, 1996), a 70% (Santamaria et al., 2011), 37,8% (Menon, Glazebrook, Campain & Ngoma, 2007), 30% (Mellins et al., 2002) e até 3% (Vaz et al., 2010). Essas diferenças podem ser compreendidas devido à dificuldade de investigar o conhecimento de crianças e adolescentes vivendo com HIV em relação ao seu próprio diagnóstico. Em geral, esse dado é fornecido pelos cuidadores, podendo haver discrepâncias entre as informações fornecidas pelas crianças e adolescentes (Butler et al., 2009; Vaz et al., 2008, Mellins et al., 2002). Além disso, apesar de as diretrizes atuais para a revelação do diagnóstico HIV positivo (WHO, 2011) encorajarem que seja realizada precocemente, como parte de um processo contínuo, que deve ser iniciado na infância (American Academy of Pediatrics [AAP], 1999); estudos indicam que os cuidadores tendem a postergar o momento da revelação do diagnóstico para crianças e adolescentes infectados pelo HIV (Vaz, et al., 2010; Abadia-Barrero & LaRusso, 2006; Seidl et al., 2005; Lester et al., 2002; Mellins et al., 2002).

Portanto, estudar e ampliar a compreensão sobre esses aspectos contribui não somente para aqueles que trabalham especificamente com famílias de portadores de HIV, como possivelmente com outras patologias crônicas. Desta forma, este estudo teve como objetivo identificar características de saúde mental de crianças e adolescentes com HIV, considerando aspectos relativos ao conhecimento do diagnóstico.

 

Método

Participaram da pesquisa os cuidadores – pais ou responsáveis legais – de crianças e adolescentes infectados pelo HIV através de transmissão vertical que realizavam acompanhamento em dois serviços de atendimento especializado (SAE), em Porto Alegre, RS. Os critérios de inclusão dos cuidadores foram: ser pai/mãe ou responsável legal de criança ou adolescente infectado através de transmissão vertical com idade entre seis e 18 anos, realizar acompanhamento ambulatorial nos serviços e consentir em participar do estudo.

Do total de 173 crianças e adolescentes acompanhados pelos serviços de atendimento especializado, 30 tinham até seis anos de idade, não preenchendo os critérios para a inclusão no estudo. Das 143 que apresentavam critérios de inclusão, cinco cuidadores recusaram-se a participar e 26 não compareceram nos serviços durantes o período de coleta de dados. Desta forma, a amostra foi constituída por 112 cuidadores de crianças e adolescentes com idade entre seis e 18 anos.

Das 112 crianças e adolescentes estudados, a 50% era do sexo masculino e 50% do sexo feminino, sendo que a média da idade foi de 12 anos (DP ± 3). Segundo a faixa etária, 50% tinham entre 11 e 14 anos e 87% estavam cursando o ensino fundamental. Em relação ao responsável, 29% tinham os pais biológicos, 9% tinham pais adotivos e 12% viviam em abrigos. Relacionado ao diagnóstico de HIV, 60% conhecia seu status sorológico. Dos que conheciam o seu diagnóstico, 66% tomaram ciência através de um familiar entre os nove e 12 anos de idade em 48% dos casos, chegando a uma média de 10 anos (DP ± 3). A tabela 1 apresenta a caracterização amostral.

 

 

Para avaliação dos dados sociodemográficos, foi utilizado um questionário contemplando as seguintes informações: sexo, idade, escolaridade, responsável, conhecimento a respeito do diagnóstico, idade em que foi realizada a revelação e quem lhe forneceu esta informação. Para avaliação da saúde mental, foi utilizada a versão brasileira do Child Behavior Checklist for ages 6-18 (CBCL/6-18, Achenbach, 2001), destinado à faixa etária de seis a 18 anos.

O CBCL é um questionário composto de 138 itens, sendo que 20 são destinados à avaliação das competências sociais e 118 itens avaliam problemas comportamentais. Os itens do questionário listam uma série de comportamentos desejáveis e disruptivos, e para cada um deles o respondente deve marcar a frequência com que ocorrem. Atribui-se para cada resposta um valor, sendo 0 para quando o comportamento não é considerado verdadeiro, 1 se é um pouco verdadeiro e 2 se é muito verdadeiro ou frequentemente verdadeiro. A pontuação total é realizada a partir da soma dos escores em cada uma das 11 subescalas que compõem o instrumento e correspondem a diferentes problemas de comportamento.

A primeira parte do instrumento avalia a competência social e é constituída por três escalas individuais: atividades, sociabilidade e escolaridade. A segunda parte possui oito subescalas de síndromes para avaliar problemas de comportamento: retraimento, queixas somáticas, ansiedade/depressão, problemas sociais, problemas do pensamento, problemas de atenção, comportamento delinquente e comportamento agressivo. As três primeiras subescalas correspondem à escala de comportamentos do tipo internalização, enquanto as duas últimas subescalas correspondem à escala de comportamentos do tipo externalização. Em relação às escalas, a soma dos valores convertidos em escores padronizados, conforme gênero e idade, permite a classificação em categoria não clínica, escores T abaixo de 60 pontos, categoria limítrofe entre 60 e 63 pontos e categoria clínica, acima de 63 pontos. Em relação às subescalas, categoria não clínica corresponde a escores T abaixo de 63, limítrofe entre 64-69 e acima de 70 clínico. De acordo com Achenbach (2001), dependendo dos objetivos do estudo, as categorias de classificação dos resultados do CBCL podem ser reduzidas a clínica e não clínica, através da inclusão dos casos limítrofes na categoria clínica. Neste estudo, os casos limítrofes foram incluídos na categoria clínica.

Foi realizada uma pesquisa quantitativa, descritiva e transversal, com caráter exploratório, visto que o tema é pouco investigado, especialmente no Brasil. Os cuidadores foram abordados nas salas de espera, enquanto aguardavam a realização da consulta médica. Cabe ressaltar que os serviços de atendimento especializados nos quais a coleta de dados foi realizada não disponibilizam atendimento psicológico ou psiquiátrico. Foram explicados os objetivos e procedimentos e convidados a assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Após, os instrumentos foram aplicados individualmente em sala privada das próprias instituições no cuidador que se identificou como sendo responsável pela criança ou adolescente e que o acompanhava no momento.

A coleta de dados foi realizada entre os meses de junho a outubro de 2012. Os locais foram escolhidos por ser referência no atendimento de crianças e adolescentes que vivem com HIV em Porto Alegre, RS.

As respostas ao CBCL foram analisadas através do Assessment Data Manager (ADM), que é o programa utilizado para a sua correção. A partir dos resultados fornecidos pelo ADM, foram realizadas análises através do programa estatístico SPSS for Windows versão 18.0. Foi realizada a análise estatística descritiva e teste Qui-quadrado, com nível de significância de 5 %, para verificar possíveis associações entre as subescalas do CBCL e as variáveis sociodemográficas.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) sob o número do processo 12/002 e do Hospital Nossa Senhora da Conceição, sob o número do processo 12-015; segundo a resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.

Resultados

Em relação à escala total de problemas de comportamento, que inclui os escores nas escalas internalizantes, externalizantes e de outros problemas no CBCL/6-18, verificou-se que 59% dos participantes apresentaram escore clínico para problemas de saúde mental; sendo que um mesmo participante pode apresentar escore clínico em diferentes escalas. Especificamente, 28% apresentaram sintomas somáticos, 34% sintomas depressivos, 25% problemas sociais, 19% problemas de pensamento, 22% dificuldades de atenção, 29% comportamento delinquente, e 36% comportamento agressivo. A tabela 2 apresenta os resultados do CBCL aplicado à amostra estudada.

 

 

Foi realizado o teste Qui-quadrado, com nível de significância de 5%, para verificar possíveis associações entre as subescalas do CBCL e os fatores sociodemográficos. Verificou-se associação entre sintomas depressivos e comportamento agressivo (p < 0,001, x2 18,867), sendo o índice de comportamento agressivo para quem tem sintomas depressivos foi de 63% contra 22% para o grupo que não tem.

Relacionado ao sexo, o item comportamento delinquente demonstrou associação, sendo que participantes do sexo masculino apresentaram incidência de 38% contra 20% do sexo feminino. A tabela 3 apresenta o resultado do cruzamento entre os resultados do CBCL e o sexo.

 

 

No cruzamento dos resultados do CBCL com a idade dos participantes, verificou-se que crianças entre seis e 10 anos de idade apresentaram maior incidência de sintomas depressivos, problemas sociais, problemas de pensamento, dificuldades de atenção, comportamento agressivo e categoria clínica. A Tabela 4 apresenta os cruzamentos entre os resultados do CBCL e a faixa etária.

 

 

Relacionado ao diagnóstico de HIV, o grupo que desconhece seu status sorológico apresentou índice maior de problemas sociais, chegando a 36%. Da mesma forma, a presença de categoria clínica está associada a indivíduos que desconhecem o diagnóstico, com índice de 71%. A Tabela 5 apresenta os resultados do cruzamento do CBCL com o conhecimento do diagnóstico.

 

 

Discussão

O presente estudo teve por objetivo identificar características de saúde mental de crianças e adolescentes vivendo com HIV. Apesar de existirem poucos estudos sobre a saúde mental de crianças e adolescentes vivendo com HIV (Benton, 2011; Mellins et al., 2009), o tema mostra-se relevante à medida que, com o uso da terapia antirretroviral, as crianças que foram infectadas pelo HIV através de transmissão vertical estão atingindo adolescência e chegando à idade adulta (Machado, Succi & Turato, 2010).

Em relação aos dados sociodemográficos, verificou-se que 71% da amostra encontram-se na faixa etária correspondente à adolescência. Essa característica reflete que com o uso da terapia antirretroviral, as crianças infectadas pelo HIV através da transmissão vertical têm tido uma sobrevida maior, atingindo a adolescência em virtude de uma melhor qualidade de vida (Vaz et al., 2010; Trejo et al., 2009; Klitzman et al., 2008; Seidl et al., 2005). Já em relação aos cuidadores, verificou-se que 57% da amostra tinha como responsáveis os pais, o que pode estar relacionado, em partes, ao aumento da sobrevida das pessoas vivendo com HIV, proporcionado pelo uso da terapia antirretroviral (Pinto et al., 2007). Também chamam a atenção a ocorrência de adoção e a permanência com outros familiares, o que transmite a ideia de uma aceitação familiar e social dessas crianças e adolescentes.

Relacionado ao diagnóstico, 60% das crianças e adolescentes tinham conhecimento de seu status sorológico, estando dentro da faixa de estimativa de 3% (Vaz et al., 2010) a 75% (Thorne et al., 2002; Wiener et al., 1996) apontada pela literatura científica. Contudo, considerando a faixa etária dos participantes, esse dado é considerado baixo, uma vez que as diretrizes atuais para a revelação do diagnóstico HIV positivo (WHO, 2011) encorajam que o processo de revelação tenha início na infância; em crianças em idade escolar (AAP, 1999).

Quanto à idade, verificou-se que a revelação do diagnóstico foi realizada entre os nove e os 12 anos (média de 10 anos e desvio padrão de ± 3 anos), corroborando os achados de Santamaria et al., (2011), Butler et al., (2009) e Thorne et al., (2002). No entanto, apesar de a literatura científica apontar que os cuidadores frequentemente relatam não se sentirem preparados (Marques et al., 2006, Seidl et al., 2005), verificouse que em 68% dos casos a revelação do diagnóstico foi realizada pela família. Esse dado demonstra que, apesar das dificuldades, os cuidadores reconhecem a necessidade de realizar, em algum momento, a revelação do diagnóstico para as crianças e adolescentes.

Os resultados do CBCL demonstram que 59% da amostra apresentou critérios clínicos para problemas de saúde mental. Estes dados, corroboram estudos que apontam a incidência de problemas de saúde mental em crianças e adolescentes vivendo com HIV entre 31% (Bomba et al., 2010) a 61% (Mellins et al., 2009). No entanto, como se trata de um estudo descritivo, com caráter exploratório, não foram investigados fatores que pudessem explicar a alta incidência de problemas de saúde mental na população estudada. Acredita-se que, além de fatores como baixo nível socioeconômico (Ananworanich, Jupimai, Mekmullica, Sosothijul & Pancharoen, 2008; Mendoza et al., 2007), exposição a problemas psicológicos e doenças dos pais (Bomba et al., 2010), perda dos pais, baixo nível educacional dos cuidadores, estado de saúde e negligência infantil (Mendoza et al., 2007) apontados pela literatura científica, outros fatores podem estar relacionados a problemas de saúde mental dessa população, tais como genética, comportamento e psicopatologia dos pais e questões familiares diversas, sendo necessários mais estudos na área.

Ainda relacionado à saúde mental, verificou-se que existe uma associação entre comportamento agressivo e sintomas depressivos. Conforme Giessen et al., (2013), a co-ocorrência de agressividade e sintomas depressivos tem sido documentada a partir da idade escolar média e início da adolescência e, na maioria dos casos, associando-se a quadros depressivos futuros. No entanto, são necessários mais estudos nesse sentido. Também foi observado que a faixa etária entre seis e 10 anos de idade está mais propensa a apresentar escore clínico para problemas de saúde mental, sintomas depressivos, problemas sociais, problemas de pensamento, dificuldades de atenção e comportamento agressivo. Dados semelhantes foram encontrados por Mendoza et al., (2007), sustentando que é por volta dos seis anos que a criança passa a tomar ciência de sua condição física, bem como da perda da mãe como cuidador primário, já que frequentemente ocorre o falecimento dos pais. No entanto, tais fatores também não foram investigados no presente estudo.

Corroborando os achados de Borsa, Souza e Bandeira (2011), participantes do sexo masculino apresentam maior incidência de comportamento delinquente. Em geral, autores (Besser & Blatt, 2007; Knowlton, Buchanan, Wissow, Pilowski & Latkin, 2007) apontam que problemas de comportamento externalizante em crianças estão associados ao sexo masculino. Knowlton et al., (2007) também identificaram essa associação em um grupo de crianças americanas vivendo com HIV. Esses mesmos autores constataram que tais achados estavam positivamente associados à presença de limitações físicas dos pais e à proporção de uso de drogas na rede de apoio; aspectos esses que não foram investigados no presente estudo.

Finalizando, os resultados obtidos da associação entre o conhecimento do diagnóstico e os escores do CBCL demonstraram relações importantes, indicando que a presença de categoria clínica para problemas de saúde mental e problemas sociais está associada à não revelação do diagnóstico. Esses dados contrapõem a ideia que os cuidadores possuem de adiar a revelação do diagnóstico para evitar danos emocionais (Trejo et al., 2009; Menon et al., 2007; Lester et al., 2002). Pelo contrário, adiar a revelação do diagnóstico pode contribuir para o desenvolvimento de problemas de saúde mental e para a manifestação de problemas sociais. Autores como Santamaria et al., (2011) apontam que a revelação do diagnóstico contribui para a promoção da saúde e para a diminuição do comportamento de risco de adolescentes, sendo, juntamente com o suporte social, um dos preditores de saúde mental (Lam, Naar-King & Wright, 2007).

 

Conclusão

Em relação à revelação do diagnóstico, 60% das 112 crianças e adolescentes participantes neste estudo conhecia seu diagnóstico, sendo que em 68 % dos casos a revelação foi realizada pela família entre os 10 e 12 anos de idade. Por sua vez, a não revelação do diagnóstico estava associada a maior presença de categoria clínica no CBCL e problemas sociais nas demais participantes.

Sabe-se que a adolescência é um período de transição marcado por mudanças físicas, emocionais, sociais e cognitivas, tendo como desafios o desenvolvimento da autonomia e o estabelecimento de relações afetivas externas à família, entre outros. Acredita-se que o desconhecimento do diagnóstico pode prolongar a dependência dos pais, dificultando o desenvolvimento da autonomia e o autocuidado. Por outro lado, tendo autonomia, o adolescente é capaz de assumir os cuidados necessários à sua saúde sem depender dos pais, o que, por sua vez, irá afetar a adesão ao tratamento e o comportamento de risco. Da mesma forma, em relação aos aspectos relacionais, mais especificamente no que diz respeito ao exercício da sexualidade, situações que por si só já são vivenciadas com dificuldades na adolescência, tornam-se ainda mais desafiadoras por envolver uma doença crônica transmissível e incurável, envolta ainda em muito preconceito, como é o caso do diagnóstico de HIV positivo.

Os resultados desta pesquisa identificam a importância do desenvolvimento de ações voltadas para o entendimento e a intervenção nos problemas de saúde mental de crianças e adolescentes vivendo com HIV no Brasil. Portanto, há necessidade de se organizarem serviços de atenção à saúde mental de crianças, adolescentes e suas famílias, que contemplem atendimento psicológico integrado à assistência médica. Além disso, ressalta-se a importância do incentivo às práticas de revelação do diagnóstico mais precocemente.

Este estudo não teve como foco os fatores socioeconômicos, o tipo de cuidador, sua escolaridade e psicopatologias, aspectos clínicos e fatores de personalidade das crianças e adolescentes, estressores ambientais e dinâmica familiar, entre outros. Desta forma, são necessárias novas pesquisas que objetivem explicar a alta incidência de problemas de saúde mental em crianças e adolescentes vivendo com HIV. Cabe salientar que os resultados deste estudo baseiam-se na percepção dos cuidadores sobre o comportamento das crianças e adolescentes, podendo ter sido influenciada por diversos fatores. Também se devem considerar as limitações do CBCL, visto que se trata de um instrumento longo, com alguns itens de difícil entendimento, que podem não estar de acordo com a realidade brasileira. Portanto, sugere-se a realização de novas pesquisas que contemplem diretamente a avaliação da saúde mental dessa população no Brasil.

 

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Endereço para contato
E-mail: kelinrz@uol.com.br

Recebido em dezembro de 2013
Aceito em abril de 2014

 

 

Kelin Roberta Zabtoski: Psicóloga, Mestre em Psicologia Clínica pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS).
Silvia Pereira da Cruz Benetti: Psicóloga, Doutora em Child and Family Studies pela Syracuse University, Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), professora adjunta do curso de Pós-graduação em Psicologia Clínica pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS).

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