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Aletheia

versão impressa ISSN 1413-0394

Aletheia  no.46 Canoas abr. 2015

 

ARTIGOS EMPÍRICOS

 

A percepção do professor e do tutor frente à inclusão da criança com autismo no ensino regular

 

The perception of teachers and tutors facing the inclusion of children with autism in regular education

 

 

Cristiana Rezende Gonçalves CanedaI; Tânia Marisa Lopes Chaves

I Universidade Luterana do Brasil – ULBRA – Santa Maria

Endereço para contato

 

 


RESUMO

A proposta de conhecer a percepção do professor e do tutor frente à inclusão escolar das crianças com autismo visa refletir a intencionalidade dos discursos pedagógicos, já que se observa que eles tendem a produzir repetições. Isso, talvez, na tentativa de garantir a permanência do já conhecido, ou talvez como forma de se proteger da angústia provocada pelo diferente. A pesquisa foi realizada com uma professora e uma tutora de escola de Ensino Fundamental na cidade de Santa Maria-RS. Os dados foram obtidos por meio de entrevistas semiestruturadas que, posteriormente, foram analisados através da Análise de Discurso de linha francesa sob a ótica da psicanálise. Foi possível notar que as percepções enunciadas evidenciam o sentimento de angústia das entrevistadas com relação à inclusão escolar de crianças com autismo no ensino regular. Além de mostrarem que as razões, implicam a sustentação dos discursos e trabalham a serviço da recusa educativa.

Palavras-chave: Autismo, Inclusão, Professor/Tutor.


ABSTRACT

The proposal about knowing the perception of teacher and tutor front of the school inclusion of children with autism aims to think about the intentionality of pedagogical discourse, since it is observed that they tend to produce repetitions. This is, perhaps, an attempt at guarantee the permanence of the already known, or perhaps it is a way to protect the anguish caused by is the different. The research was conducted with a teacher and a tutor in elementary education school in the city of Santa Maria-RS. The data were collected through semi-structured interviews, that later, were analyzed by French Discourse Analysis from the perspective of psychoanalysis. It was noticeable that the stated perceptions show the feeling of anguish of the interviewees regarding school inclusion of children with autism in regular education. Besides that, they showed that their reasons involve the support of speeches and work in the service of educational refusal.

Keywords: Autism, Perception, Teacher/Tutor.


 

 

Introdução

O termo inclusão, que vem sendo amplamente discutido há mais de uma década, tem suas origens nas lutas das pessoas com deficiência por acesso à educação. Nesse contexto, inclui-se o autista. Várias ações vêm sendo implementadas nas escolas, ao longo do tempo, com a finalidade de se evitarem preconceitos, segregações e práticas integracionistas até a adoção de uma educação inclusiva com qualidade que atenda a todas as crianças, deficientes ou não, numa escola regular.

É importante destacar que a inclusão Escolar foi proposta pela Declaração de Salamanca, na Conferência Mundial de Educação Especial, em 1994. No Brasil, várias leis e decretos legitimaram a inclusão escolar que permite o acesso das crianças com autismo à escola regular. Entretanto, essas leis e decretos não dão o suporte necessário para que essas crianças e professores usufruam de seus direitos. Sabe-se que existem escolas que idealizam um sistema de ensino paralelo, separando as crianças incluídas das demais.

Para autores como Jerusalinsky (2010) e Kupfer (2013), a educação inclusiva envolve uma série de fatores relacionados aos aspectos históricos, políticos e culturais que precisam ser cuidadosamente considerados. Kupfer (2013), ao fazer uma crítica a alguns teóricos que preconizam o ideário da inclusão a qualquer custo, argumenta que na educação inclusiva de crianças autistas o professor, além de sua função pedagógica, precisa sustentar sua função de produzir enlace. E, para isso, precisa do apoio de uma equipe de profissionais dispostos a ouvi-lo e ajudá-lo a pensar a sua prática.

Jerusalinsky e Páez (1999), quando falam sobre a importância de o movimento da educação inclusiva ter vindo para corrigir os equívocos originários de práticas sociais discriminatórias, criticam que, ao abrir as portas da escola regular para todos, não se desenvolveram os recursos docentes e técnicos e o apoio específico necessário. Isso a fim de adequar as instituições escolares e os procedimentos pedagógico-didáticos às novas condições de inclusão (Guimarães, 2015).

Esses autores preconizam a ideia de que o movimento de incluir crianças com autismo na escola regular deve considerar as condições subjetivas de cada uma. Para eles, a referida inclusão não é uma questão de direitos e deveres, faz parte de seu tratamento terapêutico.

Dessa forma, para uma criança autista, a conjunção educacional e terapêutica deve movimentar não só as discussões acadêmicas, mas também políticas. Isso na tentativa de criar um embate contra o endossamento da ideologização da inclusão escolar e descobrir sobre quais condições o trabalho da inclusão escolar dessas crianças está sendo realizado nas escolas (Jerusalinsky, 2010).

Por conseguinte, esta pesquisa surgiu da inquietação da pesquisadora diante do saber/não saber de professores e tutores que atualmente se posicionam e atuam frente ao crescente número de autistas nas escolas regulares. Considera-se sempre que a educação de uma criança com autismo representa um grande desafio para os profissionais da educação (Guedes & Tada, 2015).

Diante disso, buscou-se investigar a percepção do professor e tutor sobre a inclusão de crianças com autismo no ensino regular. Para tanto, pesquisou-se na literatura as concepções teóricas ligadas à psicanálise e à educação inclusiva, o autismo, a inclusão do autista e a posição do professor/tutor. A realização desta pesquisa, na perspectiva psicanalítica, pretendeu fornecer subsídios teóricos na tentativa de contribuir para o entendimento das práticas de inclusão escolar.

Psicanálise e a educação inclusiva

Segundo Cohen (2006) e (Lucero, Vorcaro, & Santos, 2015), o trabalho interdisciplinar entre Psicanálise e Educação permite acolher os impasses encontrados nos processos de aprendizagem que dificultam ou impedem a transmissão do saber, indicando o que há de ineducável em cada sujeito. O sujeito que só pode ser concebido a partir do campo da linguagem, pois abarca todas as formas de relação social (Elia, 2010).

O sujeito que se estrutura psiquicamente em conexão com o social que o enlaça pela palavra, mas que não consegue recobrir tudo o que é vivenciado por ele, permanecendo como resto algo da pulsão que escapa ao simbólico. Se uma criança se desenvolve, o sujeito se constitui. Há a construção de uma estrutura psíquica que não coincide com a do corpo, entendido como organismo biológico (Kupfer, 2013).

Ainda que os educadores se preparem para transmitir às crianças e aos adolescentes valores baseados no cultivo do conhecimento e das relações cordiais, algo fracassará sempre. O que resiste à função educativa é produto de mal-estar e assola professores e alunos de forma inesperada. Há um incômodo que permeia o campo ensino-aprendizagem e permanece na cultura educativa dos diversos tempos como um mal-estar sintomático (Vasconcelos & Miranda, 2013).

Esse mal-estar pode ser tomado como sintoma relativo à subjetividade do professor quando propostas idealizadas não se cumprem, configurando-se em modalidade de enlaçamento sujeito-cultura. A psicanálise, referencial teórico que sustenta este trabalho, coloca em ressalva que algo do ideal não se ensina ao sujeito, ou seja, a educação muitas vezes lida com o registro do impossível.

Frequentemente as queixas, bem como os pedidos por formação que ofereçam uma resposta, quase sempre de ordem técnica, manifestam-se no cotidiano de cursos de formação dos professores. De acordo com Cordié (2003, p. 40), "a função de ensinar é reveladora de conflitos inconscientes" que põe em descoberto a vulnerabilidade subjacente à ação docente, pois "expõe o sujeito a descobri-se sem sabê-lo, com risco de padecer, no contra golpe, dos efeitos desse desnudamento". Por isso, falar do trabalho é falar de si, expor-se, revelar incertezas, indagar-se sobre as questões que desconcertam e que trazem em seu cerne um não saber. O professor, atravessado pela almejada lei de inclusão escolar, rejeita a integração por não se sentir com condições concretas e subjetivas de atuar com segurança na realização de suas práticas pedagógicas.

Almeida (2001) enfatiza que no tocante às relações entre a Psicanálise e a Educação, não se trata de aplicar a psicanálise ao campo social, mas de utilizar um saber oriundo da teoria e da experiência psicanalítica a fim de construir observações e hipóteses em torno de algumas questões fundamentais do campo educativo, visando à produção de novos conhecimentos, sobretudo, sobre as posições subjetivas do professor e do aluno autista.

Dessa maneira, tanto a organização das escolas como a formação do professor e a própria vida em sociedade funcionam sob uma perspectiva, levando a construção de uma visão em relação aos alunos com necessidades educacionais especiais, muito diferentes do que preconiza o paradigma da inclusão (Pereira & Silveira, 2015).

Jerusalinsky (2010) destaca o valor terapêutico da escola para as crianças autistas, pois nela ocorre a circulação dos objetos e a integração social. Nesse mesmo sentido, Bastos e Kupfer (2010, p.117) consideram que a ida à escola das crianças com transtornos graves tem valor terapêutico e "a escola pode contribuir para a retomada ou para a reorganização da estruturação perdida para a criança".

No entanto, frente ao autista, os educadores se deparam com a problemática tarefa de ensinar aquele que não deseja aprender, aquele cuja falta não se instalou e para quem, segundo Kupfer (2004), o mundo exterior não oferece para ele interesse algum. Caberia ao professor, abdicar de sua posição de todo saber, ajudá-los a aproximarem-se desse mundo de significados e proporcionar instrumentos funcionais que estão dentro da possibilidade da criança.

A psicanálise tem sido convocada a dar respostas sobre o mal-estar da educação, mal-estar que ronda todas as formas de laço social e do qual a escola não pode escapar (Klinger & Souza, 2015). Freud (1930-1996) diz que educar, governar e analisar são profissões impossíveis. E Lacan (1992), partindo dessa afirmação freudiana, esboçou a produção dos quatro discursos – o discurso do mestre, o discurso da histérica, o discurso universitário e o discurso do analista, quatro maneiras de fazer laço social. Todos quatro discursos estão presentes na escola e, cada um com seu lugar, função e importância, por serem todos eles modos de fazer laço social.

Na perspectiva psicanalítica a criança autista se encontra no campo da linguagem, mas fora do discurso, ou seja, fora da trama significante que lhe possibilitaria ter um corpo libidinal e unificado, dada a presença de particularidades na operação lógica de separação. Haveria uma falha na simbolização tornando o Outro real, não simbolizado (Kupfer 2010).

Concepções psicanalíticas sobre o autismo

O autismo infantil é um quadro clínico que muito tem preocupado os pesquisadores, sendo um assunto que ao longo das décadas permanece polêmico em torno de sua definição, de suas causas e das diferentes teorias sobre o seu enfrentamento. Laznik (2004, p. 204) compreende o autismo como "um defeito de estruturação primeira do aparelho psíquico por conta do fracasso do circuito pulsional, podendo levar à constituição de patologias diversas com déficit gravíssimos que fazem lembrar a oligofrenia".

Laznik (2004) baseia-se em Lacan que, partindo da concepção de Freud em sua teoria das pulsões, afirma que a satisfação pulsional é obtida no percurso do circuito pulsional que engloba três tempos. No primeiro tempo, o ativo, o bebê se dirige para o objeto oral; no segundo tempo, o reflexivo, se caracteriza pelos processos autoeróticos no qual o bebê toma uma parte de seu próprio corpo como objeto da pulsão; e o terceiro tempo, dominativo passivo. Pode-se afirmar que há o assujeitamento a um outro que se tornará o sujeito da pulsão do bebê, isto é, o bebê se faz de objeto da mãe, quando por exemplo coloca seu dedo na boca da mãe que, brincando e sorrindo finge comê-lo, ocorrendo, assim, a necessária alienação para surgir um novo sujeito.

Segundo a autora, o mais importante sinal de autismo consistiria na não instauração do circuito pulsional completo, quando o terceiro tempo do circuito pulsional não foi alcançado. Portanto, identificar a presença do terceiro tempo pulsional no bebê parece fundamental para que se possa fazer um diagnóstico precoce, antes que se instale a síndrome autística.

Já Catão (2009) salienta a importância do estabelecimento do diagnóstico de risco de evolução autística desde os primeiros dias de vida do bebê, pela avaliação da qualidade do laço com o Outro, pois quanto maior o tempo decorrido da síndrome autística instalada, maior será a possibilidade de comprometimento. Citando Lacan, Catão também destaca a importância da voz, pulsão invocante, quando afirma que a voz do Outro Materno antecede a voz do bebê, por intermédio de vocalizes e balbucios, dando à criança o sustento para o exercício de sua existência como ser falante.

Para a autora, a criança autista não escuta, só ouve ruídos no real. Ela realiza um "evitamento seletivo da voz", seja ele defensivo ou primário, fazendo com que a voz permaneça como massa sonora, ruído. A autora afirma que antes de qualquer satisfação alimentar por via oral, o bebê se alimenta da voz, pois "o poder quase absoluto de invocação do manhês seria um dos determinantes da alienação radical do infans ao desejo do Outro" (Catão, 2009, p. 224).

Inclusão do autista no ensino regular e a posição do professor/tutor

A Constituição Federal de 1988 define, em seu artigo 205, que a educação deve ser direito de todos, estabelece a igualdade de acesso e permanência na escola, no artigo 206, e ainda afirma que é dever do Estado oferecer atendimento especializado aos alunos com deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, destaca que o atendimento aos alunos com necessidades especiais deve ser preferencialmente em classes regulares e em todos os níveis e etapas do ensino. Quando necessário deve haver apoio especializado para atender às peculiaridades desses alunos. Preconiza, ainda, que os sistemas de ensino devem assegurar aos alunos, com necessidades especiais, currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos.

As Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (2001) apontam a necessidade da inclusão de alunos especiais no ensino regular, mas não apenas isso. É importante salientar que busca, sobretudo, a valorização desses alunos em seus paradigmas, dificuldades e o desenvolvimento real de suas vidas, respeitando acima de tudo, suas diferenças (Bernardino, 2015).

A Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista garante o acesso do autista à educação e ao ensino profissionalizante, como também incentiva à formação e à capacitação de profissionais especializados no atendimento aos autistas. Conforme (Nascimento, Silva, & Dazzani, 2015), a lei também prevê um acompanhante especializado para os alunos autistas incluídos no ensino regular.

Kupfer (2005) considera que é muito difícil a inclusão escolar de crianças autistas, em virtude das dificuldades que elas têm em aceitar interferências externas. Da mesma forma, menciona alguns entraves para a inclusão de alunos autistas; como a carência de eventos para divulgação de estudos e descobertas, visando à socialização do conhecimento na área; e, o sentimento de despreparo dos profissionais para lidar com a referida inclusão, tendo ainda que atender aos outros alunos, ditos "normais".

Serra (2010) contribui apontando a presença de um mediador ou tutor para auxiliar o professor no processo de inclusão. O papel do tutor é de assessorar a criança autista nas atividades propostas, incentivando-a a participar nas atividades comuns à classe e quando isso não for possível, oferecer uma atividade paralela ao sujeito ou mesmo mudar de ambiente com ele. O tutor é também considerado uma ponte nas relações sociais entre o aluno autista e o grupo.

Ainda para Amâncio e Assali (2005), o importante é desapegar-se de manuais pedagógicos e psicológicos, sem visar a uma educação homogênea, a fim de que o processo de inclusão não seja comprometido. Para as autoras a grande contribuição de Freud e de Lacan é poder caminhar pelo saber sem ter que dar conta de tudo, sem ter que ser completo. Por isso acreditam que esse é o grande desafio da escola, quiçá da educação: poder não dar conta de tudo, poder ser incompleta.

Assim, para elas, o professor e a escola podem sustentar um olhar singularizado, deixar de lado a ideia de salas homogêneas, supor que as diferenças existam, perdendo o estatuto de que se devem solucionar todos os problemas (o que é da ordem do impossível), dessa forma, poderão viver a travessia da inclusão de outra maneira.

Entende-se que estudar a questão torna-se relevante para que, a partir de um olhar mais ampliado sobre o tema, as práticas pedagógicas possam ser ressignificadas e tragam novas possibilidades de reflexão à educação e a sociedade, como um todo. Escutar professores e tutores, protagonistas dessa história e que trabalham com alunos com necessidades educacionais especiais na escola regular, contribuirá com um olhar diferenciado sobre questões fundamentais a respeito da proposta de educação inclusa. Conhecer um pouco sobre a percepção do professor e do tutor em relação à inclusão do autismo na escola regular parece essencial, já que eles, ao se posicionarem em relação à questão, incluam-se enquanto sujeitos de seus saberes/fazeres, reflitam sobre suas práticas. Sabe-se que isso possibilita a construção de uma prática comprometida, podendo incluírem-se e incluírem o outro nesse processo.

 

Percurso metodológico

O processo de investigação foi fundamentado na Análise de Discurso (AD), a partir da qual se analisaram recortes discursivos (Authier-revuz, 2004) de uma professora e uma tutora, ambas com mais de dois anos de experiência docente, numa escola de ensino fundamental de Santa Maria. Elas atuam com alunos que possuem necessidades educacionais especiais, sobretudo o autismo. A AD visa à compreensão de como os discursos, que circulam no contexto do ensino regular, têm constituído o sujeito-professora e o sujeito-tutora em suas práticas cotidianas, especialmente, com a educação inclusiva e os sentidos que essas falas conferem ao aluno.

Considerando o objeto de estudo e os objetivos delineados anteriormente, a pesquisa foi realizada após a autorização do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da universidade. Refere-se a um único contexto que atende crianças com necessidades educacionais especiais, a fim de compreender as relações que constituem os dizeres e fazeres do professor e da tutora quanto à inclusão escolar no ensino regular.

Do mesmo modo, a equipe diretiva da escola mostrou-se receptiva à pesquisa e as articulações de aspectos que viabilizam o processo de inclusão escolar. Após conhecimento e consentimento da escola, apresentou-se a proposta de investigação, deixando de livre escolha a participação na pesquisa. Todavia, só poderia participar uma professora e uma tutora que tivessem, em sala de aula, alunos com diagnóstico de autismo.

Na coleta do material linguístico para análise, utilizou-se um roteiro de entrevista semiestruturada. As entrevistas foram gravadas e transcritas e constituiu-se de descrições contextuais coletivamente produzidas e posições enunciativas. Esta fase da pesquisa aconteceu durante o mês de abril de 2015.

A pesquisa garantiu a proteção do direito, bem estar e dignidade das participantes como também definiram a finalidade e veracidade dos dados obtidos. Foi enfatizado o caráter voluntário de participação na pesquisa, oportunizando informações e assinatura de cada participante no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Também foi assegurada nesse documento, a devolução dos resultados da pesquisa após sua conclusão.

Dessa maneira, construiu-se o corpus discursivo da pesquisa a partir dos relatos, no exercício de análise, conforme se comenta a seguir.

 

Análise

Aqui se ressalta o elenco de recortes discursivos que se consideram mais significativos no que se refere ao dizer da prática, por entender que falar é construir sentidos, buscar posições assumidas pelo sujeito-professora e sujeito-tutora e, principalmente, sentidos que emergem do acontecimento "atuar frente ao aluno autista".

Quanto ao que a professora entende por inclusão.

[...] existe esse paradigma, ele é bem latente... é bem a realidade hoje... quando se estudava parecia que era uma coisa mais distante e lá atrás eu já dizia que eu não concordava com a inclusão se ela fosse de colocar o aluno dentro da sala, sem interação e não fazendo nada com ele... para mim, isso não é inclusão... inclusão para mim, é o momento que eu consigo trazer esse aluno do jeito dele, com os limites dele, para a sala de aula, e fazendo as mesmas coisas que os demais... isso é inclusão. (Professora)

Nota-se que a fala da professora pressupõe certa inquietação com o paradigma da educação inclusiva. Encontra-se confusa em relação a ser pertinente ou não a inclusão na escola regular de alunos com necessidades educacionais especiais.

No ocidente, a diferença é percebida como um perigo, e, sob reivindicação da igualdade, o estranho é destruído, ou seja, normalizado, assimilado, neutralizado. Isso acontece porque a autoafirmação da subjetividade implica domínio da diferença. E, reconhecer a necessidade de atender/educar aceitando o outro em sua alteridade é um processo lento e trabalhoso. No entanto, considerar a pluralidade permite redimensionar a experiência educacional (Hermann, 2001).

Jerusalinsky (1997) aposta que o professor, sendo capaz de supor no autista um sujeito, mesmo sem desejo, possa proporcionar curiosidades por ínfimas que sejam para, a partir delas, construir significados e introduzir esse sujeito na cultura.

Em outro recorte de sua fala, a professora acrescenta que:

[...] já vi muitos casos, e muitas vezes, até em algumas situações me peguei fazendo isso, e é uma coisa desconfortante, porque eu me questionava muito: mas até que ponto eu estou incluindo esse aluno?! se eu estou deixando ele ali, e eu não estou fazendo nada com ele, isso é muito desconfortável para nós pedagogos, principalmente, que temos essa realidade mais evidente e que não tivemos um preparo na faculdade, e nós estamos tendo isso na realidade [...]. (Professora)

Pode-se notar que a narrativa acima apresenta uma formação discursiva dominante, isso pela repetição do desconforto que causa a realidade da inclusão. Aos olhos da professora, o autista "deixado ali", em nada lhe confere sentido de que pertença àquela sala de aula. Tampouco experienciou algum caso de educação inclusiva de estrangeiro nos bancos acadêmicos.

No tocante à visão diferenciada proporcionada pela escola, percebe-se a influência sofrida pelo "discurso do mestre", pelo qual toda instituição-educação está regida, pois a professora é submetida às leis e às regras existentes.

Ainda, com relação à inclusão, a professora aduziu:

[...] eu participei do PNAIC ano passado, que é um programa de alfabetização do município... algumas reuniões eu participei, e nós tivemos uma educadora especial do município e as professoras, assim, bombardearam a síndrome, era o pior problema para elas, a inclusão, porque elas não conseguiam lidar com aquilo... então assim, elas se sentiam inseguras e é uma situação complicada a inclusão para o professor... e aí tem aquela questão também, se tu não estás aberto para isso, fica mais difícil ainda. (Professora)

O discurso acima revela que a Pedagogia não ensina que aprender dói e que para o professor educar uma criança autista, ele precisa renegar ao desejo de tê-la como objeto do seu narcisismo. Quando o professor "não está aberto para isso", ou seja, quando um professor passa a não atuar em nome próprio, tão mais difícil será para o seu aluno ser "incluído", com nome e sobrenome.

O fragmento "...bombardearam a síndrome, era o pior problema para elas, a inclusão, porque elas não conseguiam lidar com aquilo...", também nos suscita pensar a noção de transferência enquanto mola mestra da relação professor-aluno. O termo transferência denota a ideia de deslocamento, substituição de um lugar para o outro, reconhecido pela teoria freudiana como elemento fundamental em todas as relações humanas. Essa relação professor-aluno implica uma relação de amor, uma relação afetiva, pois no professor, enquanto objeto de uma transferência, estão depositadas projeções alheias a ele enquanto pessoa.

Vale dizer que muitas vezes o professor ignora esse lugar outorgado pelo aluno (Askofaré & Sauret, 2015). E quando se tem uma desigualdade entre os elementos, principalmente em relação ao saber, tem-se uma relação de elementos em que um está na posição de saber para o outro. Nesse sentido, lida-se com o fenômeno da transferência. Se o professor se colocar na posição de que 'tudo sabe', não restará alternativa ao aluno, a não ser submeter-se à posição de objeto diante desse professor. No entanto, para que o aluno possa se constituir como um sujeito 'desejante do saber', o professor deveria reconhecerse um sujeito faltante, castrado. Na mesma medida, o professor deveria sustentar a sua posição como representante do conhecimento. O que nos remete repetidamente a algo do registro do impossível, do fracasso, da impotência.

Quanto ao que a professora sabe sobre o autismo.

[...] autismo, falando bem artificialmente, para mim é um transtorno aonde a criança, a pessoa não interage... uma das primeiras características que a gente percebe do autismo... penso assim que o autismo seja aquelas crianças extremamente inteligentes, são crianças, assim, que vivem no mundo delas e que é muito difícil a interação; é claro que a novidade para eles, é muito complicado... para mim o autismo assim, ele é uma incógnita. (Professora)

Conforme a fala acima, existe uma dificuldade de a professora conceituar o autismo pelo não saber, pois os autistas vivem em um mundo reservado e de difícil acesso. Alguns impasses no trabalho com essas crianças são próprios da sua estruturação psíquica, mas o desconhecimento sobre o conceito de sujeito faz com que a professora sinta-se angustiada quando confrontada com o fracasso do processo de aprendizagem.

A noção de inteligência/deficiência mental se coloca em questão, pois é resultado de uma criação social coerente com os valores e ideologias dominantes da circunstância histórica onde as funções de diagnóstico e de prognóstico parecem representar operações desejáveis e necessárias. A "inteligência", o intelecto, do autista é colocada no fragmento acima como um "recurso para resolver a situação aflitiva" dessa criança. Como talvez a única possibilidade de redenção do autista, isso reflete mais uma construção discursiva do que propriamente um conceito apoiado na reflexão cuidadosa e crítica sobre a subjetividade.

É interessante ressaltar que Kupfer (2013, p. 67) afirma que embora não seja possível encontrar um padrão típico de desenvolvimento cognitivo nas crianças autistas, há algumas "ilhas de inteligência" que se constituem, "capazes de aprender, em maior ou menos grau, dependendo da sua posição singular." Alguns sinais de inscrições apontam uma direção no desejo.

Dessa forma, na tentativa de relatar como o seu aluno se relaciona com a aprendizagem, com o conhecimento, com os limites na escola, na maioria das vezes, os professores referem-se à construção pela criança de um mundo próprio, particular. A professora fala de um mundo reservado, isolado, de difícil acesso.

Quanto à percepção de sua atividade docente frente ao autista.

[...] eu tenho um autista... eu estou caminhando ainda... eu não sei os limites dele, eu sei das dificuldades, aos poucos eu sei o que ele gosta de fazer e o que ele não gosta; então a tutora que já acompanhava ele no ano passado vem me passando algumas coisas [...] tento, assim, adequar as minhas atividades, mas eu sei que coisas ele pode fazer sem adaptação e sei que algumas coisas ele não faz, porque ele não quer, porque ele não gosta, e sei de algumas coisas que ele tem dificuldade, que é a escrita, a leitura [...] a partir de agora nós estamos pensando na alfabetização dele, porque ele sabe tudo, mas ele não escreve [...] então, assim é uma caminhada; estou enxergando isso aos poucos, porque eu tinha alunos alfabetizados no ano passado com as limitações deles, mas iam...esse não..., então esse eu tenho que parar, eu tenho que focar nele, ver até onde ele vai, até onde ele não vai... mas eu sei das capacidades dele, é impressionante. (Professora)

Nota-se, no comentário, o processo de construção acerca das diferentes posições subjetivas que a criança autista pode vir a constituir, para poder entender qual lugar ela fala ou não. Apesar de algum movimento de investimento da professora na relação transferencial com a criança autista, ainda convoca um terceiro elemento que exerce a função de tutela do incapaz, a tutora. Ela serve como mediadora entre o aluno, a instituição, os educadores e a família.

Acredita-se que ao ser reconhecida, no âmbito da própria ação educativa, a impossibilidade propicia a emergência do sujeito. Se, como diz Freud, educar é impossível, faz-se necessário analisar como, em cada caso, a inserção na escola se defronta com essa impossibilidade e como responde a ela.

É certo que se há espaço para o impossível, há também abertura para o possível. Por vezes, a solução fora da "norma" institucional que se baseia em "regras iguais para todos" faz com que a criança aprenda onde é impossível se socializar, e se socializar onde é impossível aprender.

A formação docente para atender a educação inclusiva do autista.

[...] penso que deveria ter muito mais estudos sobre isso dentro da graduação, cadeiras extras que a gente pudesse fazer, e também dentro dos estágios, ter essa realidade no estágios... acho que tu tendo um estágio bonitinho, perfeitinho com crianças ditas normais e aí tu sai dali, [...] se depara com a realidade que tu não tem conhecimento, então como que tu lida com isso e dá um desespero mesmo, dá um pavor, tu não sabe como lidar [...]. (Professora)

Os fragmentos acima demonstram o tom queixoso da professora quando afirma nada saber e dirige-se a um suposto Outro, colocado no lugar de mestre, do qual espera o saber e as informações que irão solucionar suas dúvidas e dificuldades e, por consequência, viabilizar a inclusão escolar. Isso tudo de maneira a satisfazer suas expectativas individuais, além dos requisitos pedagógicos e legais.

É provável que quando não se sabe como lidar com o autista ou não se tem noção de que há um sujeito ali, ou de como fazer o outro que não deseja, desejar, aparece o sentimento de desespero e pavor da educadora, pois pensa falar com um objeto e não consegue ensinar nada para esse suposto objeto. Para Kupfer (2013), o professor só ouve falar do sujeito. Mas continua sem saber como atingi-lo, como manipulá-lo, como enfiar em sua cabeça o que sua racionalidade supõe que ele deveria aprender. O professor continua sem métodos, e o sujeito, do qual ouviu falar, torna-se mais misterioso do que nunca.

A sala de aula para o autista, segunda a professora.

[...] a sala de aula para mim, seria com esse maior tempo e com as possibilidades de eu trazer ele para a realidade da turma e ele se sentir igual aos demais... eu percebo que aos poucos nós estamos conseguindo trazer ele, coisas que ele não gosta ele está fazendo, mas é uma conquista, dia após dia... às vezes ele vem e tudo está ótimo, outro dia já não está legal, é uma coisa que é dia após dia... eu gostaria só... a minha vontade era que tivesse mais tempo... mais tempo para planejar coisas para ele e mais tempo com ele. (Professora)

Diferentemente do senso comum, o trabalho docente é uma ação complexa. É necessário o movimento de discutir, refletir e reinventar a própria prática para que possam ser identificados os efeitos da idealização no ato educativo e principalmente na educação inclusiva.

Mais um aspecto que nos remete a pensar na complexidade da questão educação inclusiva a qualquer custo, pois além de destacar o processo ensino-aprendizagem, levanta uma problemática particular das características típicas do aluno com autismo. As alternativas precisam ser mais amplas, envolvendo a flexibilidade de procedimentos relativos às várias dimensões do ambiente escolar, até aquelas direcionadas as ações pedagógicas e de sala de aula.

Não se pode esquecer que existe um mal-estar inevitável que advém das impossibilidades do processo educativo, e isso se acentua quando, além das condições de formação e trabalho precárias, o professor tem diante de si a tarefa de ensinar uma criança autista. A acolhida de uma criança diferente na escola requer, como afirma Bastos, Monteiro e Ribeiro (2005, p.187), que seja primeiramente feita a inclusão dos professores, fazendo circular os "não ditos" que adoecem o indivíduo e o tecido social.

Quanto ao que a tutora entende por inclusão.

[...] inclusão é um tema muito difícil de se falar sobre... talvez... o falar não seja tão difícil quanto agir, quanto trabalhar... quanto o entender [...] tu vir para um instituição e trabalhar com uma criança ou um adolescente, aí que tu percebe o quão difícil é... eu adoro trabalhar com autista [...] tem que estar preparado, mas o local também precisa ser preparado pra isso... os profissionais que trabalham, desde no caso aqui da escola, da portaria... o porteiro tem que saber o que é a inclusão [...]. (Tutora)

Pode-se perceber que há reticências e interrupções ao ter que falar sobre a inclusão, como se nesse assunto estivesse instalado um impasse, algo difícil de falar, isso revela um vazio um tanto perturbador. A fala indica que a educação inclusiva exige mudanças na escola quanto à adequação de recursos humanos que trabalham direto ou indiretamente com as crianças com necessidades educacionais especiais.

É certo que a tutora é reconhecida na legislação pelo auxilio no processo de aprendizagem das disciplinas e nas relações da criança com o meio e com os outros. Dessa forma, deve conhecer as necessidades do ambiente e do aluno para apresentar soluções rápidas e efetivas. A escola é um ambiente configurado como lugar de aquisição de conhecimento, lugar de regras estabelecidas e posições simbólicas claras.

Assim, cabe à tutora acompanhar e comunicar-se com seu aluno, identificar as dificuldades dele e mediar as questões de vínculo com o professor, auxiliando-os no estabelecimento de dinâmicas que facilitem o processo de aprendizagem, pois aí se integram os aspectos afetivos e cognitivos. A tutora tem o compromisso com o conteúdo curricular educacional e com a cognição.

Mas qual seria realmente o papel da tutora? Sabe-se que a tutora funciona mais como um instrumento no enlaçamento do conteúdo nas relações com outros possíveis. Interrogarse sobre o que é da ordem do tratar e o que é da ordem do educar, parece necessário, pois à tutora, caberia cuidar da transferência. Ocupar-se de aspectos constitutivos do sujeito é diferente de ocupar-se da educação dele, já que o conhecimento exigido pela escola, não pode, ao menos num primeiro momento, ser concretizado.

Quanto ao que a tutora sabe sobre o autismo.

[...] que é uma síndrome... genética, pouco divulgada, tem pouca coisa que se sabe a respeito das causas, né, mas, principalmente o que tem certo que é algo genético [...] que é uma síndrome que tem vários níveis, que pode ser de bem leve à grave... que acomete mais meninos do que meninas, e que o trabalho pra se fazer com eles, por serem de níveis diferentes, também é bem diferenciado. (Tutora)

Percebe-se que a tutora faz referência ao discurso psico-médico para justificar a presença ou ausência de certezas sobre o diagnóstico do autismo. E na falta de uma explicação são criadas fantasias que repercutem na prática.

Quanto à percepção da atividade da tutora frente ao autista.

[...] que a pessoa tem que estar muito preparada... esse profissional tem que estar preparado, porque assim, em sendo cada um de um jeito, tu tens que saber trabalhar e criar coisas, pesquisar de diferentes formas, aquele conteúdo.... porque junto com tua turma vão ter vinte e dois diferentes, porque todos são diferentes... então tu vais ter que fazer uma adaptação pra vinte e dois e mais um ou talvez mais dois... porque se não der certo, tu vais ter que fazer de uma outra forma, né... não é fácil, mas não é impossível trabalhar. (Tutora)

Logo no começo da fala já se percebe que não há espaço nesse discurso para o não saber, deve saber, deve estar preparada. Ao mesmo tempo parece acolher as diferenças, rebate as diferenças no mesmo plano, e não há a preocupação com um saber que toque numa verdade subjetiva.

A sala de aula para o autista, segundo a tutora.

[...] é muito difícil eu te responder isso... poderia ser assim... algo amplo, em termos de estrutura, uma sala ampla, né... por que ele não senta muito tempo, então ele precisa andar, ele precisa tocar nas coisas, não todos, mas cada um é um cada um [...] teria que ser uma sala bem ampla, com coisas diversas [...] vou trabalhar cores, vou trabalhar formas [...] eu tenho que ir aonde ele está, onde está o interesse dele, isso em relação a qualquer um deles ... no caso do autista que eu atendo, as vezes ele não tá com o interesse dele no que a professora regente tá falando... eu tenho que ter algo próximo de mim, pra eu incluir ... ele viu um carro num livro, então tem cores, eu já pego meu joguinho de cores e já tento... olha o carro é assim... é assim, eu ir em direção a ele, no interesse dele e não ao contrário. (Tutora)

O recorte acima revela as demandas feitas ao autista em sala de aula. A forma de tratar o insuportável, um real que é da ordem do impossível de suportar. E, ainda, desvela a tendência de universalizar, através do engodo que toda criança tem, o mesmo acesso ao gozo na escola.

A formação da tutora.

[...] existe um curso na universidade, é atendimento educacional especializado... ele te dá uma boa base pra trabalhar, partindo do princípio que, primeiro tu tens que gostar muito... tu tens que gostar do desafio, trabalhar com inclusão é um desafio [...] deveria ter mais cursos, mais palestras que fosse mais acessível essa parte, que chegasse mais material... independentemente de tu ter que procurar, porque hoje em dia, pra tu saber, tu tens que ir atrás.... nós temos uma educadora especial maravilhosa que nos propicia isso, é novidades e vídeos, claro que a tecnologia te ajuda muito [...] então, a escola teria que dar mais condições pra tu... receber isso, sem precisar sair daqui.... coisas que tu pudesse ler e conhecer mais e descobrir [...] pra ser tutora tem que gostar muito, tem que emocionar... amo o que faço. (Tutora)

Compreende-se, de acordo com esse outro ponto, que o saber se encontra em cursos especializados, palestras, material informativo e tecnologias. É o discurso da burocracia que está preocupado, exclusivamente, em dialogar com objetos como produtos, já que é o objeto a ele mesmo que está no lugar do outro nesse discurso.

 

Considerações finais

Este trabalho teve como objetivo investigar a percepção dos professores e do tutor frente à inclusão de alunos autistas no ensino regular. Destacou-se a importância da inclusão de alunos autistas, pois possibilita uma identificação com esse significante denominado criança, isso pode produzir em outros e no Outro primordial um deslocamento na posição subjetiva destinada à criança e, mais ainda, o caráter humanizante da educação. Assim, pode-se construir uma estrutura simbolizada das relações humanas, ajudando-a a ser reconhecida na sociedade.

Vale salientar que, considerando a singularidade e as vicissitudes de constituição do sujeito autista, o desafio da escola é acatar e entender essa criança que não está inscrita no campo da linguagem; e, para quem, portanto, não há um registro simbólico, não há falta e nem mesmo se instalou o desejo de saber.

Convém dizer que a análise dos recortes das falas das entrevistadas não esgotam as diversas possibilidades de interpretação. Ainda mais considerando que o sentido muitas vezes escapa, pois não é fixo, é flexível. As falas da professora e tutora nos remetem à complexidade do ideário da educação inclusiva no ensino regular.

A professora, influenciada pelo discurso do mestre e, atravessada por uma formação discursiva que a impede de contar suas fantasias, de se manifestar-se contra a inclusão, sob pena de ferir o código do politicamente correto, apresenta-se compelida a expressar sua queixa. Essa queixa toma forma ecolálica do desconforto da realidade da inclusão, da falta de melhor formação. Assim, ainda que mude o atual quadro, provavelmente, não cessará a queixa, já que ela vem no lugar de uma verdade recalcada.

A tutora, que orientada por um ideal de homogeneidade, de uma escola ideal para a inclusão, deixa de refletir sobre o lugar na qual se coloca e de que posição fala. Por vezes parece adotar o discurso universitário, na medida em que não dá espaço ao não saber e coloca o objeto no lugar do outro.

É importante destacar que os recortes analisados evidenciam o mal-estar da escola regular diante da alteridade, cuja diferença remete à educadora e a tutora ao exercício constante da impotência, da incapacidade, da angústia, marcas significantes da castração. Nesse aspecto, as participantes mencionaram apenas sentimentos negativos em relação à proposta de inclusão, pois prevaleceram as dificuldades e o não saber.

Dessa forma, a dificuldade em conceituar e compreender o autismo, devido à complexidade que envolve o conhecimento a respeito da estrutura diagnóstica dessa síndrome, leva à reprodução do discurso psico-médico e ao sentimento de que os autistas vivem em um mundo particular, isolados da realidade. Isso os leva a práticas inclusivas que se limitam a ações educativas sem dar importância à subjetividade e ao comportamento dessas crianças.

Percebe-se também o desconforto das entrevistadas com o espectro do autismo, já que não receberam na formação acadêmica, respostas a esse mal-estar. Dessa maneira, o processo de inclusão torna-se difícil para não dizer impossível. A criança autista não aprende como aos demais e está distante do aluno ideal.

Nesse sentido, os alunos autistas são aqueles que "talvez não aprendam" colocando em dúvida o resultado do processo de ensino ou da impossibilidade da educação. Para Freud educar é impossível, não que seja de fato, mas porque nunca se ensina e nem se educa da mesma forma e, porque não existe a educação perfeita e assim como o professor perfeito. Dessa forma há a sinalização de que a inclusão no ensino regular ainda não dá conta de atender as especificidades do sujeito autista, pois ele não se comporta como o aluno ideal.

É bom acrescentar ainda que a concepção idealizada de aluno, que existe na escola desde que a escola é escola, não suporta o fracasso do ideal que uma criança autista representa. Como o fracasso do ideal também simboliza o fracasso escolar, para esse último significa o fracasso da cultura que valoriza a compulsão ao imediato e privilegia o gozo. Nesse contexto, pode-se dizer que quem fracassa na escola é o sujeito do inconsciente, ser de linguagem e de desejo.

Sabe-se que o discurso dominante evidencia uma estrutura escolar avessa à subjetividade, não considerando a existência de um sujeito autista. Isso dificulta ainda mais as chances para que a criança se desloque dessa posição de impossibilidade. Tal sujeito, submetido ao inconsciente, é constituído a partir das palavras, de suas marcas significantes, veiculadas pelo discurso dos pais, sustentado por um desejo que implica as relações humanas. Com a constituição subjetiva, essa criança poderá colocar-se como sujeito que também deseja adquirir um contorno próprio e que atuará por si própria.

Por conseguinte, a professora e tutora representam o outro social na inclusão do autista, tendo em vista que seus papéis vão mais longe do que se preveem as funções educativas. A atuação dessas profissionais possui um poder subjetivante, na medida em que se situam como um terceiro na relação mãe-criança que vai proporcionar o rompimento desse círculo limitado de relações, abrindo caminho para outras possibilidades sociais da criança.

Ademais, com a prática em sala de aula, espera-se que o professor compreenda que não há saber absoluto que dará conta de atender igualmente a todos os alunos. Assim, ou ele se mobiliza para buscar meios para ensinar a quem supostamente não aprende, ou ignora as crianças que apresentam dificuldades maiores.

A relação professora/tutora/aluno também está pautada numa relação transferencial, na qual a criança concebe imaginariamente estas como extensões afetivas da função materna. Tendo em vista essa concepção, a partir do mecanismo da transferência é que a professora/tutora vai se colocar na relação com a criança autista, valendo-se desse efeito para estabelecimento de um vínculo positivo.

O não dito que emerge nas entrelinhas dos discursos analisados sugere que a professora/tutora não tem encontrado espaço para falar sobre as vicissitudes que estão experienciando com seus alunos autistas. Entende-se que esse espaço é tão necessário para reflexão de questões tão importantes no contexto da inclusão escolar.

Assim, escutar, falar e refletir sobre a inclusão escolar de crianças autistas seria mais do que proporcionar informações de cunho didático-metodológicas. Implicaria revisar concepções, isso exigiria do professor/tutor equilíbrio e postura ética na condução do seu ato educativo, a fim de que possa renunciar ao "saber-todo" e se lançar no exercício de ser um "mestre não-todo." Pensar a inclusão significaria convidar cada professor/tutor a ter um novo olhar sobre a singularidade dessas crianças e, em última análise, um novo olhar sobre a educação. Esta pesquisa não encerra aqui, mas sim faz uma pausa que significa a abertura de novas possibilidades.

 

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Endereço para contato
E-mail: cristiana.rg@hotmail.com

Recebido em setembro de 2015
Aceito em junho de 2016

 

 

Cristiana Rezende Gonçalves Caneda: Mestre em Psicologia Clínica pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Professora Titular do Curso de Psicologia da Universidade Luterana do Brasil – ULBRA – Santa Maria.
Tânia Marisa Lopes Chaves: Graduada em Psicologia pela Universidade Luterana do Brasil –ULBRA – Santa Maria.

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