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Aletheia
versão impressa ISSN 1413-0394
Aletheia no.47-48 Canoas dez. 2015
ARTIGOS EMPÍRICOS
Fatores preditivos de participação em uma intervenção psicológica intensiva para pessoas em sobrepeso e obesidade
Predicting factors for the participation in an intensive psychological intervention for overweight and obese people
Igor da Rosa Finger; Margareth da Silva Oliveira
RESUMO
A taxa de abandono das intervenções para a redução de peso continua muito elevada. Objetiva-se nesse estudo avaliar que fatores podem predizer a participação de pessoas com sobrepeso e obesidade em um programa psicossocial intensivo, de um dia, de 8h de duração, que compara uma intervenção baseada na Terapia de Aceitação e Compromisso com uma intervenção psicoeducativa. Método: Estudo quantitativo transversal em que 82 pessoas (77 delas, mulheres) com IMC a partir de 25 e idade entre 18 e 60 anos responderam ao recrutamento e confirmaram a participação. Os instrumentos foram: DES, AAQ – II, AAQ-W, VLQ, CFQ – 7, CFQ-BI, MEQ, ECAP, DASS-21, questionário sociodemográfico, peso e IMC. Regressão logística binária multivariada foi realizada para a análise dos dados. Resultados: comportamento relacionados à dieta e atividade física, flexibilidade psicológica e, mais específico, o processo psicológico de fusão cognitiva apresentaram algum grau de predição à adesão.
Palavras-chave: Obesidade, Sobrepeso, Fatores preditivos, Adesão.
ABSTRACT
The abandonment rate of these interventions continues very high. This study aims to evaluate which factors can predict the participation of overweight and obese people in an intensive psychosocial program of 8 hours in one day, that compares an intervention based on Commitment and Acceptance Therapy with a psychoeducational intervention. Method: This is a cross-sectional quantitative study in which 82 people (77 of them, women), with BMI 25 and higher and ages between 18 and 60 years, answered to a recruiting and confirmed participation. The instruments used were: DES, AAQ-II, AAQ-W, VLQ, CFQ-7, CFQ-BI, MEQ, BES, DASS – 21, sociodemographic questionnaire, weight and BMI. For the data analysis, it was conducted a multivariate binary logistic regression. Results: the variables with some degree of prediction in the adhesion to the intervention were the ones of behavior related to diet and physical activity, psychological flexibility and, more specifically, the psychological process of cognitive fusion.
Keywords: Obesity, Overweight, Predictive factors, Adherence.
Introdução
Estima-se que 1,46 bilhão de adultos (1,41-1,51 bilhão) em todo o mundo tenham o índice de massa corporal (IMC) de 25 kg/m2 ou mais. Destes, 205 milhões de homens (193-217 milhões) e 297 milhões de mulheres (280-315 milhões) são obesos (Finucane, et al, 2011). O mesmo estudo aponta uma taxa de morbidade anual associada à obesidade de mais de 3 milhões de pessoas. Diversos problemas estão relacionados ao excesso de peso e à obesidade. Entre eles o Diabetes Mellitus tipo 2, as dilipidemias, a apneia do sono, doenças cardiovasculares, além da alta mortalidade (ABESO, 2016). Devido aos elevados riscos à saúde (Flegal, Kit, Orpana, Graubard, 2013), estudos que abarcam sobre intervenções e sobre adesão aos tratamentos se fazem necessários.
Há uma grande dificuldade de adesão a programas de tratamento de obesidade em base populacional (Hadžiabdić, et al, 2015). Em estudos de fatores preditos de adesão e de não adesão ao tratamento, a desistência de participação em programas de tratamento de obesidade é bastante elevada, podendo chegar a 80% (Moroshko, Brennan, & O'Brien, 2011; Dalle Grave et al, 2005). Preocupação quanto à forma do corpo, condição atual de trabalho/ocupação, cuidado parental e organização geral predizem a desistência da intervenção (Sawamoto et al, 2016), bem como tratamentos psicopatológicos, tentativas de dieta precoces e uma resposta inicial pobre ao tratamento (Colombo et al, 2014).
É incomum encontrar estudos que avaliam indicadores de adesão ao tratamento. O objetivo do presente estudo é identificar que fatores podem predizer a adesão e participação em uma intervenção psicossocial intensiva baseada na Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT), em comparação a um grupo-controle psicoeducativo, em pessoas com sobrepeso e obesidade que desejam reduzir seu peso. Objetiva-se, com isso, auxiliar na compreensão e discussão de dados referentes à adesão ou não de pessoas com sobrepeso ou obesidade em programas de tratamento de redução de peso.
Método
Este estudo quantitativo transversal visa avaliar os fatores preditivos da participação em uma intervenção psicossocial intensiva, de um único dia, de oito horas de duração, baseada na Terapia de Aceitação e Compromisso e outra Psicoeducativa, para pessoas com sobrepeso e obesidade. Ele foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da PUCRS (CAAE: 48471315.5.0000.5336). A amostra é composta por pessoas residentes no estado do Rio Grande do Sul, Brasil, em sua grande parte moradores da região metropolitana de Porto Alegre. Os critérios de inclusão foram ter IMC igual ou maior que 25, ter idade entre 18 e 60 anos e escolaridade mínima de oito anos de estudo.
Realizou-se o presente estudo com 82 pessoas que responderam ao recrutamento, preencheram os critérios de inclusão e afirmaram que participariam da intervenção na data agendada. Os(as) interessados(as) em participar da pesquisa foram recrutados a partir de divulgação em redes sociais digitais para uma intervenção psicológica para a redução do peso corporal. Após confirmação do interesse de participar do estudo, enviou-se um link ao e-mail dos interessados para responder aos instrumentos a partir da ferramenta de questionários online Qualtrics Research Suite. Todos concordaram em participar a partir do aceite ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
A análise foi realizada de acordo com os blocos de variáveis apresentados a seguir. O tempo médio para responder aos instrumentos foi de 35min.
Dados antropométricos, escolaridade e sociodemográficos
Para esse estudo foi utilizado o peso (Kg) e altura (m) autorrelatados no primeiro contato do (a) interessado (a) na pesquisa. Sexo (masculino e feminino), idade e escolaridade também foram considerados para a avaliação. Outro item avaliado foi se o (a) interessado(a) possui trabalho formal e qual é o seu rendimento mensal.
Sintomas depressivos, ansiosos e de estresse
Avaliaram-se esses sintomas com a Escala de Depressão Ansiedade e Stress – DASS-21 (Lovibond & Lovibond, 1995). A adaptação da versão brasileira foi realizada por c. A versão brasileira apresentou alfas de Cronbach de 0,92 para depressão, 0,90 para estresse e 0,86 para ansiedade.
Frequência de comportamentos relacionados a dieta e atividade física
Utilizou-se o instrumento Diet and Exercise Scale – DES (Lillis, 2007). A escala objetiva mensurar a frequência de comportamentos relacionados com dieta e atividade física, e seus itens são analisados de forma independente. A DES é composta por 7 itens e utiliza a medida de dias por semana para avaliar os seguintes comportamentos: 1) atividade física (qualquer atividade), 2) atividade física por mais de 30 minutos, 3) monitoramento de refeições, 4) monitoramento de todas as refeições, 5) comeu compulsivamente, 6) comeu fora de casa e escolheu uma refeição saudável e 7) comeu fora de casa e escolheu uma refeição não saudável.
Flexibilidade psicológica (processos psicológicos de acordo com a ACT)
Os seguintes instrumentos foram utilizados para avaliar a flexibilidade psicológica, conceito base da ACT:
Questionário de Aceitação e Ação (AAQ – II): desenvolvido por Bond et al. (2011), o AAQ – II objetiva mensurar a esquiva experiencial. Os escores mais baixos correspondem a maior aceitação e habilidade de agir na presença de pensamento e emoções difíceis. O alfa original é α = 0,84 (Bond et al, 2011) e na versão brasileira: α = 0,87 (Barbosa & Murta, 2015).
Questionário de Aceitação e Ação para o Peso (AAQ-W): o AAQ-W objetiva mensurar a esquiva experiencial no contexto de redução ou manutenção de peso. O alfa original é de α = 0,88 (Lillis, & Hayes, 2008) e a versão brasileira está em análise.
Questionário de Valores de Vida (VLQ): O VLQ, desenvolvido por Wilson et al. (2010), tem o objetivo de mensurar a importância que o indivíduo dá para diferentes domínios da sua vida e quão condizentes com esses valores estão as suas ações. Apresenta consistência interna satisfatória, com alfa de Cronbach de 0,74 (Wilson, Sandoz, & Kitchens, 2010). A versão brasileira em análise estatística.
Questionário de Fusão Cognitiva (CFQ): O CFQ visa avaliar especificamente o processo de fusão cognitiva, que diz respeito ao emaranhamento psicológico do indivíduo com o conteúdo ou a forma dos seus pensamentos. Apresenta adequada consistência interna, com alfa de Cronbach do instrumento original de 0,88 (Gillanders et al, 2014) e alfa da versão brasileira de α = 0,93 (Lucena-Santos, Pinto-Gouveia, Zancan & Oliveira, 2015).
Questionário de Fusão Cognitiva – Imagem Corporal (CFQ-BI): O CFQ-BI visa avaliar especificamente o processo de fusão cognitiva referente à imagem corporal. O alfa de Cronbach no estudo original é de α = 0,96 (Ferreira, Trindade, Duarte, & Pinto-Gouveia, 2015); e o alfa na versão brasileira do questionário é de α = 0,95 (Lucena-Santos, Pinto-Gouveia & Oliveira, 2015).
Mindful Eating Questionnaire (MEQ): O MEQ foi desenvolvido por Framson et al. (2009) com o intuito de mensurar a consciência plena (mindfulness) associada ao ato de comer. A versão brasileira está em fase de análises estatísticas. Pontuações mais elevadas significam maior contato com o momento presente durante a alimentação. O questionário original possui alfa de Cronbach α = 0,64 (Framson et al., 2009).
Utilizou-se a Escala de Compulsão Alimentar Periódica (ECAP) para avaliar a frequência de compulsão alimentar. A ECAP foi desenvolvida por Gormally, Black, Daston, & Rardin (1982) e traduzida para a língua portuguesa por Freitas, Lopes, Coutinho, e Appolinario, (2001). A escala possui consistência interna moderadamente alta (alfa de Cronbah = 0,85) (Gormally et al., 1982).
Tentativas de redução de peso anteriores foram avaliadas através das seguintes perguntas aos participantes: Quantas vezes tentou perder peso? Quantas vezes tentou perder peso com programa de tratamento? Atualmente participa de algum programa para perder peso? Se sim, quanto perdeu (20%, 10%, atingiu a meta)? Já alcançou peso ideal fazendo dietas? Você perde e ganha peso frequentemente?
Os dados foram analisados no programa Statistical Package for Social Sciences versão 20.0 (IBM SPSS Statistics for Windows) para Windows, sendo que, para critérios de decisão estatística, adotou-se o nível de significância de 5%. A simetria dos dados contínuos foi estudada pelo teste Kolmogorov Smrnov. Para a análise bivariada entre variáveis categóricas, foram utilizados os testes Qui-quadrado de Pearson ou Exato de Fisher. Sobre as variáveis contínuas, foram aplicados os testes de t-Student (grupos independentes) ou de Mann Whitney U. Quando a comparação ocorreu entre três grupos, foi empregada a ANOVA One Way (Welch) – Post Hoc Tukey. A relação de linearidade foi investigada pelo coeficiente de correlação de Pearson ou Spearman. Para identificar as variáveis preditivas para responder pela adesão, utilizou-se a análise de regressão logística binária método backward condicional, com análise de associação pelo teste da razão de máxima verossimilhança (likelihood-ratiotest – 2LL ou -2log), e, na avaliação da qualidade do ajuste do modelo final da regressão logística, consideram-se os estimadores de R2 de Nagelkerk e Hosmer-Lemeshow. Para a análise multivariada, as variáveis foram agrupadas em blocos hierarquizados (Bloco 1: Dados antropométricos, escolaridade e características sociodemográficas; Bloco 2: sintomas depressivos e ansiosos; etc.), e sobre cada bloco foi conduzida a análise de regressão logística, a fim de ajustar os possíveis efeitos de confusão.
Resultados
Dos 82 participantes do estudo, 77 eram mulheres. A média de idade foi de 37,82 anos (DP = 8,98). Realizaram a intervenção 47 pessoas, ao passo que 35 confirmaram que fariam a intervenção, mas não participaram (a taxa de adesão à intervenção foi de 57,30%). A altura média de quem participou da intervenção foi de 1,63m (DP = 0,09) e de quem não participou, 1,61m (DP = 0,09). O peso médio de quem participou foi de 93,5Kg (DP = 20,30) e de quem não participou, 91,3Kg (DP = 18,30). O índice de massa corporal (IMC) foi o mesmo entre os grupos (34,9, tendo o grupo que participou da intervenção um DP = 7 e o grupo que não participou um DP = 5,30). Essas informações podem ser observadas na Tabela 1.
Para identificar possíveis fatores que pudessem descrever a participação dos interessados na intervenção, buscou-se, mediante análise de regressão logística binária (backward conditional), identificar quais as variáveis, restritas em cada bloco de análise, mostraram-se capazes de identificar as variáveis de maior impacto para responder à adesão. No bloco referente aos dados antropométricos e escolaridade, não foram detectados possíveis fatores para responder pela adesão (p>0,200), indicando que as referidas variáveis não se mostraram relevantes para identificar quem participou ou deixou de participar do estudo. Relativamente aos sintomas de depressão, ansiedade e estresse avaliados pelo DASS-21, o único fator que permaneceu no modelo final de regressão (proporção de acertos, matriz de confusão: 67,1% / um R2 de Nagelkerke de 0,175) foi o de estresse, que, embora não significativo, apontou como fator de chance para a adesão as classificações Zero (OR: 2,567; IC95%: 0,684 – 9,628) e 3 (OR: 3,033; IC95%: 0,676 – 13,607).
Conforme consta na tabela 2, no que se refere ao modelo de regressão sobre bloco de variáveis relacionadas à dieta e exercícios físicos (DES), no modelo de regressão final (proporção geral de acerto – matriz de confusão: 64,6% / R2 de Nagelkerke 0,132) foi caracterizado como fator de risco a variável "DES 1: realização de alguma atividade física" (OR = 1,342; IC95%: 0,970-1,857; p=0,076), e como fatores de proteção para descrever a adesão o "DES 4: monitorou todas as refeições" (OR = 0,75; IC95%: 0,574-0,983; p=0,037), e o "DES 7: comeu fora de casa e escolheu alimentação não saudável" (OR = 0,823; IC95%: 0,667-1,014; p=0,067).
Ao analisar a renda e remuneração como possíveis variáveis preditivas de participação na intervenção, é possível verificar na tabela 3 que o modelo final (Proporção geral de acerto – matriz de confusão: 64,3%; / R2 de Nagelkerke 0,399) apontou como representativas a ausência de rendimento fixo (OR: 8,377; IC95%: 0,807 – 86,912), como fator de risco, e as menores faixas de rendimento mensal individual, como fatores de proteção: até 2 salários mínimos (OR: 0,132; IC95%: 0,008 – 2,337) e entre 2 e 5 salários mínimos (OR: 0,947; IC95%: 0,131 – 6,828).
Um dos objetivos desse estudo foi verificar se maiores ou menores índices nos processos de flexibilidade psicológica (FP) tem potencial de predição sobre a participação das pessoas com sobrepeso e obesidade na intervenção. Conforme segue na tabela 4, foram elencados como potenciais preditores no modelo final (proporção geral de acerto – matriz de confusão: 63,4% / R2 de Nagelkerke 0,121) maiores pontuações no CFQ (OR: 1,078; IC95%: 1,009 – 1,152; p = 0,025), que avalia fusão e desfusão cognitiva, e menores escores no AAQ-II (OR: 0,908; IC95%: 0,843 – 0,977; p = 0,010), que avalia esquiva e aceitação experiencial.
Quanto às variáveis de frequência e intensidade de compulsão alimentar e de redução de peso a partir de participação em programas de redução de peso anteriores, nenhuma delas, após realização de regressão logística, mostrou-se representativa de forma fidedigna para predizer a participação na intervenção. O R2 de Nagelkerke para o modelo final de compulsão alimentar teve um potencial de explicação de apenas 0,8% e no modelo final de redução de peso anterior apenas 1,1%.
Buscando identificar as variáveis de maior impacto na predição de participação na intervenção, realizou-se uma análise de regressão logística utilizando apenas as variáveis de cada um dos grupos de análise apresentados até agora que se mostraram representativas e com potencial de predição sobre a participação na intervenção. As variáveis alocadas nessa análise geral foram: 1) remuneração: possui rendimento fixo (sim/não); rendimento mensal (até 2 salários mínimos; entre 2 e 5 salários mínimos e acima de 5 salários mínimos); 2) comportamentos relacionados a dieta e atividade física: DES-1 (realizou alguma atividade física); DES-4 (monitorou todas as refeições); DES-7 (comeu fora de casa e escolheu alimentação não saudável); 3) flexibilidade psicológica: CFQ (fusão e desfusão cognitiva); AAQ-II (esquiva e aceitação experiencial).
Os resultados dessa análise podem ser observados na tabela 5. O modelo inicial, considerando a influência mútua entre as variáveis (proporção geral de acerto – matriz de confusão: 70,8%; / R2 de Nagelkerke 0,292), indicou que menores pontuações no DES-4 e no AAQ-II e maiores no CFQ mostraram-se com maior potencial para predizer quem participou da intervenção. Porém, utilizando o método backward, eliminando-se variáveis com maiores vieses após seis etapas, chegou-se a um modelo final de regressão logística em que apenas maiores pontuações no CFQ restaram como preditores (proporção geral de acerto – matriz de confusão: 64,6%/ R2 de Nagelkerke 0,014), mesmo assim sem representatividade.
Discussão
O objetivo desse artigo foi identificar fatores preditivos da adesão e da participação de pessoas com sobrepeso e obesidade em uma intervenção psicossocial intensiva. Para melhor compreensão, as variáveis foram organizadas dentro de escopos em comum. Assim, organizaram-se blocos de análise que avaliam dados antropométricos, escolaridade, remuneração, sintomas de depressão, ansiedade, estresse, flexibilidade psicológica, entre outros. Todas as informações foram autorrelatadas.
O poder de explicação dos modelos de regressão logística que apresentaram potenciais fatores preditivos variou de 12,1% a 39,9%. Ainda que seja pequeno e não se possa ficar satisfeito com os resultados apresentados, eles não ficaram longe do que a literatura está apresentando no tocante a intervenções com pessoas com sobrepeso ou obesidade: entre 20% e 30% (Moroshko, Brennan, & O'Brien, 2011). Boa parte da explicação do porquê de não haver variáveis que predigam melhor a participação completa em um programa de redução de peso pode estar no fato de que, na ampla maioria dos estudos, inclusive o presente, as variáveis utilizadas foram coletadas no pré-tratamento e para objetivos outros que não o de avaliar exclusivamente os fatores preditivos (Colombo et al, 2014). De toda a forma, e levando em consideração os pontos acima citados, é possível discutir e analisar a partir dos resultados apresentados.
Influenciado por estudo anterior (Myers et al., 2013), analisou-se se tentativas de perda de peso anteriores, participantes ou não de programas de tratamento, podem predizer a participação e adesão na intervenção objeto dessa pesquisa. Porém, essas variáveis não se mostraram preditivas na participação do programa. Já se sabe que maiores tentativas de perda de peso estão associadas ao abandono no tratamento (Moroshko, Brennan, & O'Brien, 2011). O que o presente estudo revela é que ter tentado perder peso anteriormente, com ou sem sucesso, não influenciou na decisão de participar desta intervenção.
No que tange aos comportamentos relacionados a dieta e atividades físicas, sugeriu-se que realizar qualquer prática de atividade física e menores frequências de, ao comer fora de casa, escolher comida não saudável estivessem associados ao estágio motivacional em que a pessoa se encontra, de acordo com o modelo transteórico de mudança (Prochaska, Norcross, & DiClemente, 2013; Susin et al, 2016). Isso pode explicar o porquê de tais variáveis poderem predizer a participação na intervenção. Diferenciam-se dessa explicação as menores frequências no monitoramento das refeições como fator preditivo. Por esse modelo, parece que ter menor contato com o que se come prediz a participação na intervenção. Uma limitação desse estudo é não poder avançar na compreensão desse dado a partir das avaliações realizadas.
Dentre todos os fatores preditivos, o que apresentou maior poder explicativo do efeito das variáveis na participação da intervenção, e com uma taxa de acerto razoável, foi o modelo final de renda (R2 = 0,399; matriz de confusão: 64,3%), em que não possuir rendimento fixo e ter menor renda mensal foram possíveis preditores. Cabe informar que a variável "rendimento fixo" inclui o trabalho autônomo. Essas duas variáveis têm poder de explicação sobre a participação na intervenção, mas, como o coeficiente de regressão não foi significativo, esse resultado deve ser visto com ressalva.
Partindo para a análise da influência dos processos psicológicos na adesão ao tratamento, cabe abordar sobre a ACT. A ACT sustenta, que a mudança comportamental é possível a partir do desenvolvimento de um conjunto de seis processos chamado Flexibilidade Psicológica (FP). As estratégias terapêuticas da ACT objetivam o desenvolvimento de FP. Os seis processos são: aceitação, desfusão cognitiva, contato com o momento presente, eu como contexto, valores de vida e ações comprometidas com valores (Hayes, Strosahl, & Wilson, 2012; Barbosa & Murta, 2014).
Os processos de FP avaliados são indicados como importantes para a compreensão da regulação emocional através do comportamento alimentar (Sairanen et al, 2015; Lillis & Hayes, 2008). Embora no presente estudo essas variáveis tiveram um pequeno poder de explicação (r2 = 12,1), foram as que apresentaram melhor significância no coeficiente de regressão. De todos os instrumentos que avaliam a FP e que se mostraram com poder de predição, nenhum é relacionado diretamente ao comer ou à imagem corporal (os quais seriam o CFQ-BI e AAQ-W). Isso não quer dizer que esses instrumentos relacionados ao comer não sejam válidos. Indica, apenas, que suas pontuações não explicam a participação na intervenção. As informações da análise desse bloco de variáveis referente aos processos psicológicos são contraditórias: quanto maior pontuação no CFQ (p = 0,025), o que indica maior fusão cognitiva (isso é, crença na realidade e veracidade do pensamento, não o distinguindo da realidade), maiores as chances de participar do estudo. Porém, no que se refere ao AAQ-II (p = 0,010), que avalia esquiva e aceitação experiencial, quanto menor for a pontuação, isto é, quanto mais aberto a aceitar as experiências emocionais e os pensamentos, sem tentar controlá-los, maiores as possibilidades de participação na intervenção. Havia a expectativa dos autores desse estudo de que ambos os processos, avaliados nesses instrumentos, contribuíssem positivamente, e não de forma inversa, para a participação na intervenção.
Como havia muitos grupos de variáveis sendo analisados, ao final se organizaram todas as variáveis com algum poder de explicação sobre a participação dos interessados na pesquisa em uma análise geral. De todas as variáveis, a que restou no modelo final da regressão logística foi maiores pontuações no CFQ (OR = 1,018; 0,969-1,069) como possível preditor de participação na intervenção. Tal resultado corrobora a ideia de que os fatores psicológicos, talvez mais do que os antropométricos e sociodemográficos, exercem um papel importante na participação e desistência das pessoas em manterse e engajar-se em programas de tratamento para redução do peso e modificação do comportamento alimentar (Huisman, Maes, De Gucht, Chatrou, & Haak, 2010) e, por isso, precisam ser melhores estudados e especificados. No presente estudo, essa análise geral não foi representativa (R2 = 0,014), porém o CFQ possuiu um alto impacto na predição de quem participou, tendo uma matriz de confusão de 64,9%. Mesmo assim, ainda que promissor, o CFQ não conseguiu explicar sozinho a participação das pessoas com sobrepeso e obesidade no estudo.
Algumas limitações do estudo precisam ser destacadas. Uma delas é a de que não foi avaliado se a data da semana escolhida para a intervenção (sábado) influenciou na vinda ou não para o estudo. Não foi avaliado se o/a interessado/a trabalha no sábado. Também não se avaliou se a pessoa é cuidadora de outrem ou se é mãe/pai e não teria com quem deixar o/a filho/a, ficando impedida de participar da intervenção não porque não quer, mas porque não pode. Outro ponto que merece observação é que a ampla maioria das pessoas que demonstraram interesse em participar da intervenção são mulheres, mesmo sendo ambos os sexos critério de inclusão no estudo. Foge do escopo desse estudo a análise e aprofundamento dessa questão para compreender por que as mulheres responderam em maior quantidade ao recrutamento da intervenção.
Considerações finais
Esse estudo tem como objetivo ampliar o escopo de conhecimento acerca de fatores preditivos da participação de pessoas com sobrepeso e obesidade em um programa psicológico para redução do peso e mudança do comportamento alimentar. Levando em consideração as limitações do estudo, foi possível encontrar algumas variáveis com poder de explicação da adesão quando analisadas em grupos com temáticas comuns. Porém, quando unidas em um único modelo de regressão, essas variáveis perdem praticamente todo o poder de explicação. Todavia, o modelo geral de regressão logística apresentado levanta especulações sobre influência de fatores psicológicos, especificamente referente à flexibilidade psicológica. Sugere-se que futuros estudos foquem suas atenções nos fatores psicológicos, tais como crença na realidade dos pensamentos e o sofrimento associado a essa crença, bem como na estação do ano em que as intervenções ocorrem, para identificar fatores preditivos de adesão a intervençõses para pessoas com sobrepeso e obesidade.
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Endereço para contato
E-mail: igor.finger@gmail.com
Recebido em dezembro de 2016
Aceito em maio de 2017
Igor Finger: Psicólgo. Doutor em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Mestre em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Especialista em Terapias Cognitivo-Comportamentais e Terapias Cognitivo-Comportamentais na Infância e Adolescência.
Margareth da Silva Oliveira: Psicólga. Pós-Doutora pela University os Mayland Baltimore Country. Doutora em Psiquiatria e Psicologia Médica pela Universidade Federal de São Paulo. Mestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).