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Aletheia
versão impressa ISSN 1413-0394
Aletheia no.47-48 Canoas dez. 2015
ARTIGOS EMPÍRICOS
Ansiedade, estresse, sintomas de TDAH e desempenho em candidatos no exame da Ordem dos Advogados do Brasil/RS
Anxiety, stress, ADHD symptoms and performance in candidates in the Bar Exam of theBrazilian Bar Association/RS
Laureane Hertlein Alcântara JoséI; Aline Groff VivianII; Fernando Elias Machado JoséIII; Fernanda Pasquoto de SouzaII
I Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
II Universidade Luterana do Brasil
III Universidade do Extremo Sul Catarinense
RESUMO
A ansiedade e o estresse são fatores de risco para o desempenho em concursos públicos. Este estudo buscou verificar associações entre ansiedade, estresse, sintomas de TDAH e desempenho no XVIII Exame de Ordem Unificado da prova da OAB. Participaram 82 bacharéis em Direito, com média de idade de 32,5 anos. A maioria eram mulheres (54,9%), fizeram uso de medicação psiquiátrica (24,4%), repescagem (7,3%), não haviam prestado exame antes (30,5%), de uma a duas vezes (29,3%), de três a cinco vezes (31,7%) e acima de cinco vezes (8,5%). Foram aprovados (56,1%), e nestes, o ISSL apontou presença de estresse (65,2%), na fase da resistência (76,7%) com presença de sintomas psicológicos (70%). O BAI demonstrou ansiedade moderada (21,7%) e severa (13%), presença de sintomas de déficit de atenção (41,7%), de hiperatividade/impulsividade (33,3%) e de ambos (25%). Foram encontradas associações significativas entre idade e desempenho (p=0,021) e a presença de sintomas de estresse e desempenho (p=0,041).
Palavras-chave: Ansiedade, Estresse, Prova OAB.
ABSTRACT
Anxiety and stress are risk factors in public tender performances. This study aimed to verify associations among anxiety, stress, ADHD symptoms and the performance in XVIII Unified Order Exam from OAB test. Eighty-two Law bachelors, at the average age of 32,5 years old, took part in the study. Mosto f them were women (54,9%), made use of psychiatric medication (24,4%), repechage (7,3%), haven't taken the exam before (30,5%), from once to twice (29,3%), from three to five times (31,7%) and more than five times (8,5%). It was approved (56,1%), in which, the LSSI showed the presence of stress (65,2%), in resistance phase (76,7%) with the presence of psychological symptoms (70%). The BAI demonstrated moderate anxiety (21,7%) and severe (13%), had presence of attention disorder symptoms (41,7%), hyperactivity/ impulsiveness (33,3%) and both (25%). It was found significant associations among age and performance (p=0,021) and the presence of stress symptoms and performance (p=0,041).
Keywords: Anxiety, Stress, BAR Exam.
Introdução
Os estudantes de Ciências Jurídicas e Sociais, ao se graduarem como bacharéis em Direito, precisam se submeter ao Exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), para a obtenção do seu registro profissional. A aprovação envolve fatores desafiadores relacionados à identidade profissional, emprego, carreira e questões financeiras, dentre outras (Silva, 2006). No que diz respeito à reprovação, o índice chega a 70%. O Exame divide-se em duas fases. A primeira trata-se de uma prova objetiva, composta por 80 questões de múltipla escolha, enquanto que a segunda é dissertativa, na qual o candidato responde a questões relacionadas às áreas do Direito que previamente elegeu – Civil, Penal, Direito do Trabalho e Direito Tributário, dentre as demais (Lobo, 1996).
Nesse contexto, a relação entre estresse e desempenho é considerada como um fator importante para a aprovação ou a reprovação dos candidatos que prestam o exame da OAB. A Organização Mundial de Saúde (OMS) aponta que 90% da população mundial é afetada pelo estresse, o que demonstra uma necessidade urgente de compreender melhor esse fenômeno que assumiu proporções de uma epidemia global (Monte e cols., 2013).
O estresse, apontado como a Síndrome de Adaptação Geral, baseia-se na observação de que diferentes tipos de condições físicas ou psicológicas que ameaçam o equilíbrio do organismo fazem emergir o mesmo conjunto de alterações corporais. Os estímulos ou situações que provocam tal síndrome são denominados estressores. O estresse apresenta três fases consecutivas que representam o esforço, a persistência e a falência do mecanismo de adaptação aos agentes estressores (Selye, 1936).
A primeira fase, de alerta, caracterizava-se por reações do eixo Hipotálamo-Pituitária Adrenal (HPA) em resposta ao evento estressor. Quando o núcleo central da amígdala é ativado, interfere no eixo HPA e a resposta ao estresse é emitida, sendo que a ativação inapropriada tem sido relacionada com os transtornos de ansiedade. Trata-se de uma resposta de luta ou fuga que objetiva a preservação da vida. A segunda fase, de resistência, apresenta-se quando o estressor permanece presente por períodos prolongados ou se é de grande dimensão. O organismo, então, tenta recuperar o equilíbrio homeostático. Na fase seguinte, de exaustão, o estresse ultrapassa a possibilidade de gerenciamento em virtude de o organismo ter exaurido a sua energia adaptativa. Tal fase está associada ao aparecimento de diversos problemas, tais como úlceras, gengivites, psoríase, hipertensão arterial, depressão, ansiedade, problemas sexuais, entre outros (Selye, 1936).
Além das três fases apontadas, Lipp e Guevara (1994) identificaram outra fase à qual nominaram de quase-exaustão, localizada entre a fase da resistência e da exaustão. Essa fase é caracterizada pelo enfraquecimento do indivíduo que não consegue adaptar-se e nem resistir ao estressor. Nessa fase ocorre o surgimento das doenças, porém de forma mais amena do que na exaustão (Segantin & Maia, 2007). Os sinais e sintomas que ocorrem com maior frequência são do nível físico como: aumento da sudorese, nó no estômago, tensão muscular, taquicardia, hipertensão, aperto da mandíbula e ranger de dentes, hiperatividade, mãos e pés frios, náuseas. Em termos psicológicos, vários sintomas podem ocorrer como: ansiedade, tensão, angústia, insônia, alienação, dificuldades interpessoais, dúvidas quanto a si próprio, preocupação excessiva, inabilidade de concentrar-se em outros assuntos que não o relacionado ao estressor, dificuldades de relaxar, tédio, ira, depressão, hipersensibilidade emotiva (Lipp, 2000). (Figura 1).
O estresse é um componente presente na contemporaneidade que, quando bem gerido, resulta em efeitos positivos. Trata-se de uma resposta do corpo que varia de acordo com as exigências feitas (Hargreaves, 2001). Destarte, pode-se dizer que o estresse nem sempre é negativo e se faz necessário um certo nível de estresse para que as pessoas se sintam motivadas ao crescimento profissional e ao desenvolvimento individual. Tal assertiva é corroborada por Bicho (2007), quando o autor explica que ocorre uma divisão do estresse em agradável e curativo (eutress) e algo desagradável (distress).
No que diz respeito à ansiedade, trata-se de um estado emocional desconfortável caracterizado por pressentimento de perigo iminente, atitude de espera em relação ao perigo, desestruturação ante o perigo, com sensação de estar desprotegido. A ansiedade é um medo sem objetivo, uma situação ou uma imagem mental – e o indivíduo que a experimenta sabe que não se trata de uma ameaça objetiva (Sadock & Sadock, 2007).
Corroborando, Andrade, Gorenstein, Vieira, Tung e Artes (2001) descrevem a ansiedade como uma resposta de adaptação do organismo que é propulsora do desempenho e possui componentes psicológicos e fisiológicos. Trata-se de um estado emocional transitório ou uma condição do organismo humano, caracterizada por sentimentos desagradáveis de tensão e apreensão, conscientemente percebidos.
No início do século XX, Yerks e Dodson (1908) demonstraram que a execução eficiente de uma tarefa requer certo grau de ansiedade. Esse princípio foi disseminado por meio da Lei de Yerks-Dodson, que prediz que existe um ponto ótimo de ansiedade necessário para a execução de determinada atividade. Esse ponto depende do grau de dificuldade da tarefa e, de acordo com Brunner e Suddarth, citado por Correia e Rocha (2000), as respostas orgânicas à ansiedade leve determinam o aprendizado. Entretanto, a concentração, o aprendizado e a percepção aumentam ou são distorcidos quando ocorre um aumento na intensidade da ansiedade (Figura 2).
Quando o indivíduo chega a um patamar patológico da ansiedade, significa que ele está tendo uma resposta inadequada a um determinado estímulo em virtude de sua intensidade ou duração. Sentir ansiedade ou desconforto em situações de exposição pessoal é normal. A patologia é definida a partir do momento em que o sofrimento trouxer prejuízo à pessoa em função dos comportamentos de fuga e esquiva de situações importantes da vida acadêmica, social ou profissional do indivíduo (Sadock & Sadock, 2007). No que diz respeito às condições psiquiátricas, os Transtornos de Ansiedade são os mais frequentes na maioria das populações estudadas, requerendo persistente intervenção dos serviços de cuidado da saúde (Shapiro, Shapiro & Schwartz, 2000). Ansiedade e estresse não traçam caminhos equidistantes, pois, por vezes, a ansiedade promove estresse, o que pode interferir nos recursos envolvidos com aprendizagem e desempenho. Basicamente, as alterações hormonais envolvidas na ativação do eixo HPA produzem respostas que tendem a ocasionar aumento de motivação e entusiasmo, o que gera maior produtividade (fase de alerta do estresse), o oposto do que ocorre como resposta de níveis altos de estresse e/ou ansiedade (Lipp & Melagris, 2001).
Ainda, os sintomas de déficit de atenção e hiperatividade que caracterizam o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) também se têm associado ao desempenho acadêmico (Pisecco, Wristers, Swank, Silva & Baker, 2001). No DSM-5 (APA, 2014), o TDAH apresenta-se dividido em três subtipos: apresentação predominantemente desatenta, apresentação predominantemente hiperativa/impulsiva e apresentação combinada. Diante da relevância do exposto, buscou-se verificar a associação de ansiedade, estresse, sintomas de TDAH e desempenho – compreendido como aprovação ou reprovação dos candidatos, na segunda fase do Exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) realizada no dia 13 de setembro de 2015.
Método
Trata-se de um estudo quantitativo analítico de corte transversal. O trabalho foi desenvolvido com bacharéis em Direito, alunos do curso preparatório no Instituto de Desenvolvimento Cultural de Porto Alegre (IDC) para o exame da Ordem dos Advogados (OAB), do sexo masculino e feminino, aprovados na 1º fase da prova objetiva. A coleta de dados foi realizada no dia 10 de setembro do presente ano, três dias antes da data prevista para a aplicação da prova prático-profissional da OAB. No que se refere ao Exame da Ordem, a partir de 2013, foi inserido um sistema de repescagem mediante o qual os candidatos aprovados na primeira fase (objetiva), porém reprovadas na segunda fase (dissertativa), são dispensados de refazer a primeira fase, o que inclui uma diminuição do valor a ser pago. Ou seja, antes da implementação desse sistema, uma vez reprovado na segunda fase, o candidato precisava refazer e pagar ambas as provas (Curso OAB na Web, 2014).
A coleta foi realizada no turno da manhã e os participantes estavam distribuídos em três salas. Após explanação do projeto e convite à participação, os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e assim que este foi recolhido, foram distribuídos os seguintes instrumentos:
Ficha de dados sociodemográficos. A ficha de dados sociodemográficos incluiu as seguintes variáveis: idade, gênero, se fez uso de medicação psiquiátrica para melhorar o desempenho na prova, número de vezes que já realizou a prova e se foi incluído por repescagem.
Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp (ISSL) (Lipp, 2000) que visa identificar de modo objetivo a sintomatologia que o paciente apresenta, avaliando se este possui sintomas de stress, o tipo de sintoma existente (se somático ou psicológico) e a fase em que se encontra. O ISSL é composto por três quadros, sendo o quadro 1 para assinalar sintomas que tenham sido experienciados nas últimas 24 horas, o quadro 2 assinalar os sintomas presentes na última semana e no quadro 3 os sintomas que estiveram presentes no último mês.
Adult Self-Report Scale – ASRS (traduzida e validada para o Brasil por Mattos e cols. (2006): possui 18 itens para avaliação do TDAH que contemplam os sintomas do critério A do DSM-IV modificados para o contexto da vida adulta. A ASRS oferece cinco opções de resposta de frequência: nunca, raramente, algumas vezes, frequentemente e muito frequentemente.
Beck Anxiety Inventory – BAI (Beck, Epstein, Brown & Sterr, 1988) traduzido e validado para o Brasil por Cunha (2001). O BAI consiste em 21 questões sobre como o indivíduo tem se sentido na última semana, expressas em sintomas comuns de ansiedade (como sudorese e sentimentos de angústia). Cada questão apresenta quatro possíveis respostas, e a que se assemelha mais com o estado mental do indivíduo deve ser sinalizada. As possíveis respostas são: Não; Levemente: Não me incomodou muito; Moderadamente: Foi desagradável, mas pude suportar; Severamente: Quase não suportei. A BAI pode ter um resultado máximo de 63 e as categorias são: 0-7: Grau mínimo de ansiedade; 8-15: Ansiedade leve; 16-25 Ansiedade moderada; 26-63: Ansiedade severa.
Após a coleta de dados, os dados foram digitados e as análises foram realizadas no programa SPSS versão 21.0 (Statistical Package for the Social Sciences). As variáveis quantitativas foram descritas por média e desvio padrão ou mediana e amplitude interquartílica. As variáveis categóricas foram descritas por frequências absolutas e relativas. Para comparar médias entre os grupos, o teste t-Student foi aplicado. Em caso de assimetria, o teste de Mann-Whitney foi aplicado. Na comparação de proporções, os testes qui-quadrado de Pearson ou exato de Fisher foram utilizados. Em caso de significância estatística, o teste dos resíduos ajustados foi utilizado para localizar as associações. O nível de significância adotado foi de 5% (p<0,05). Os procedimentos de coleta de dados foram realizados respeitando-se os preceitos éticos, diretrizes e normas estabelecidas na Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde – CNS (Brasil, 2012), que regulamenta as pesquisas envolvendo seres humanos. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), CAAE 44034315.0.0000.5349.
Resultados
A amostra foi composta por 82 candidatos ao exame da OAB-RS, com média de idade de 32,5 anos (± 12,5), com predominância do sexo feminino (54,9%). Apenas 30,5% dos sujeitos estavam realizando o concurso pela primeira vez e 7,3% estavam realizando repescagem. Do total da amostra, 24,4% faziam uso de medicação psiquiátrica e 46 (56,1%) foram aprovados no concurso. Os reprovados eram significativamente mais velhos (p=0,021) e tenderam a ter mais repescagem (p=0,082) ou seja, foram aprovados os indivíduos mais jovens da amostra (Tabela 1).
Em relação à escala ISSL, 69,5% dos sujeitos apresentaram estresse. Destes, 80,7% estavam na fase de resistência e 75,4% tinham predominância de sintomas psicológicos.
Quanto à ansiedade avaliada pela escala BAI, 72% da amostra apresentou algum grau de ansiedade, sendo o leve o mais prevalente (35,4%). Referente à escala ASRS, dois participantes foram excluídos por não terem preenchido completamente o questionário. Dos 80 candidatos, 47,5% tiveram suspeita de TDAH. Destes, com predominância do subtipo de desatenção (52,6%).
Na associação das escalas com a aprovação ou reprovação no teste houve associação estatisticamente significativa da predominância de sintomas de estresse com o desfecho (p=0,041). Sujeitos que tem estresse e que estão igualmente distribuídos em sintomas físicos e psicológicos apresentam maior probabilidade de aprovação. Apesar de não significativo (p=0,129), destaca-se que sujeitos com sintomas de TDAH de desatenção tem maior probabilidade de reprovação e os com hiperatividade-impulsividade tem maior probabilidade de aprovação. Em relação à escala de ansiedade (BAI), as associações não foram estatisticamente significativas (p>0,30). (Tabela 2).
Discussão
Este estudo buscou verificar associações entre ansiedade, estresse, sintomas de TDAH e desempenho na prova da OAB. Participaram da pesquisa 82 bacharéis, sendo que 36 (43,9%) foram reprovados, um percentual abaixo da média nacional que gira em torno de 70% (Silva, 2006). A idade mostrou ser um fator associado ao desempenho (p=0,021).
No estudo realizado por José (2014) também foi encontrada associação significativa entre essas duas variáveis (p=0,015). Poderia se pensar que uma hipótese que explicaria esse achado seria a diferença da capacidade cognitiva associada à idade, porque mesmo que muitas pesquisas tracem comparações entre as diversas faixas etárias (jovens versus idosos, por exemplo), tem-se o conhecimento que a partir dos vinte anos ocorre um declínio nas funções cognitivas. Sabe-se que na prática da vida diária os adultos apresentam uma diminuição da capacidade de memorização – que se potencializa na terceira idade, bem como uma maior dificuldade na recuperação dos dados armazenados. Entretanto, pode-se pensar em outros aspectos que explicariam, da mesma forma, a diferença que se observou no que diz respeito à idade, como fatores genéticos, ambientais, tipos de personalidade, entre outros (Nunes e Oliveira, 2010).
Os resultados apontados neste estudo mostram que a prova de habilitação profissional pode desempenhar um papel estressor na vida dos bacharéis em fase de preparação para o exame da OAB, uma vez que 65,2% dos aprovados e 75% dos reprovados estavam em alguma fase de estresse. Diversos fatores acabam por contribuir para que o processo seletivo se torne um evento estressor, tais como: tempo de espera, cobrança pessoal e social, competição e preparação para a prova, sendo que o interesse pelos estudos voltadas a esses fatores remete às décadas de 1960, 1970 (Karino & Laros, 2014). Cabe ressaltar que o estresse pode se originar em fontes internas – que abrangem as ideias preconcebidas do sujeito como perfeccionismo, pessimismo, pensamento distorcido, pressa, ansiedade e outras, ou em fontes externas – que envolvem problemas laborais, familiares, sociais e cobranças na vida diária. Diante disso, a adaptação do candidato vai depender das crenças que ele tem estabelecidas e de como ele organiza as suas expectativas. Em outras palavras, vai exigir um investimento psíquico que está ligado a forma de ser do sujeito que se relaciona à forma que o evento será interpretado, mais do que o acontecimento em si (Lipp, 1984/2005).
Quanto às fases do estresse, verificou-se que um percentual significativo dos aprovados (76,7%) e dos reprovados (85,2%) se encontravam na fase da resistência, enquanto que na fase de quase-exaustão foram encontrados 16,7% dos aprovados e 14,8 % dos reprovados. Os achados do presente estudo encontram similaridade no estudo de Loricchio e Leite (2012), realizado com 237 bacharéis em Direito, cujos resultados apontaram que grande parte da amostra investigada (71%) estava em estresse, com ênfase na fase de resistência (53%) e 16% na fase da quase-exaustão. Dos participantes que foram aprovados, 64% estavam em alguma fase de estresse e 36% não apresentaram sintomas. Dentre os candidatos que apresentaram sintomas de estresse, 48% estavam na fase de resistência. Percorrendo caminhos correlatos, estudo realizado por José (2014) entre 117 bacharéis em Direito, candidatos à 1ª fase da prova da OAB, indicou que 70,5¨% dos bacharéis aprovados estavam na fase da resistência. A reação ao estressor faz com que o organismo se modifique fisiologicamente para lidar com um ataque, alterando a forma somática temporariamente para uma ação de "luta ou fuga", o que permite ao organismo dirigir toda a sua energia ao manejo da ameaça (Lipp & Novaes, 2000; Kristensen, Schaefer & Busnello, 2010).
Caso o estressor não seja eliminado, o organismo passa para a fase de resistência, na qual a pessoa tenta adaptar-se gastando muita energia para lidar com o fator estressante, e as defesas do organismo são preparadas para um ataque mais longo, predominando a reação passiva na busca pela adaptação (Lipp & Novaes, 2000; Santos & Alves Júnior, 2007; Rangé, 2001). Os sintomas possíveis de ocorrer nesse período incluem hipertensão arterial, isolamento social, queda da produtividade e criatividade, cansaço, diminuição da libido, dificuldade de atenção e problemas com a memória (Lipp, 2003; Allegretti, 2006).
No presente estudo, no que tange à presença de sintomas de estresse, sintomas psicológicos foram encontrados em 70% dos aprovados e em 81,5% dos reprovados, que preponderaram sobre os sintomas físicos e os sintomas psicológicos e físicos. Foi encontrada associação significativa entre sintomas físicos e psicológicos e desempenho (p=0,024). Tais achados corroboram os resultados encontrados por José (2014) em que os sintomas psicológicos perfizeram 78,4%. Entretanto, o autor não encontrou níveis de significância nas associações entre essas variáveis.
Grande parte das pessoas acabará por se submeter a um processo seletivo ou avaliativo durante a sua vida. Tais processos poderão englobar variadas necessidades e exigência que alcancem patamares de importância que poderão influenciar negativamente nos níveis de ansiedade (Karino & Laros, 2014).
O levantamento dos dados a partir da aplicação do BAI, no presente estudo, mostrou que os participantes aprovados apresentaram ansiedade leve (32,6%), moderada (21,7%), cabendo à ansiedade severa (13%) percentual menor. Nos reprovados os níveis preeminentes de ansiedade foram: leve (38,9%) e moderado (27,8%). Corroborando estes achados, Lipp (2003) refere que ao se verificar estresse, ansiedade e desempenho acadêmico, percebe-se a presença de um percentual mais expressivo de aprovação entre os participantes com grau menor de ansiedade.
De acordo com Rocha e Correia (2005), um nível saudável de ansiedade é necessário para que as pessoas consigam lidar com situações potencialmente estressoras. Assim sendo, a ansiedade prepara o organismo para que ele tome as medidas cabíveis para impedir que se efetivem os possíveis prejuízos, ou pelo menos minimize os efeitos deletérios. Então, a ansiedade é uma reação esperada, por ser natural e necessária para que o sujeito busque a autopreservação. Contudo, uma vez ultrapassados os níveis considerados como saudáveis e necessários, programas de gerenciamento são essenciais para que a saúde seja promovida (Shapiro e cols., 2000)
Além do estresse e da ansiedade, deve-se considerar também os fatores concernentes ao TDAH quando se for pensar em avaliar o desempenho em provas. O TDAH se caracteriza por desconcentração frequente, falta de controle sobre os impulsos e um comportamento hiperativo que tem início na infância, podendo permanecer nas fases posteriores em até 75% dos casos (Silva, 2014). Segundo a autora, o TDAH é um fator de risco no que diz respeito ao baixo desempenho acadêmico. No presente estudo, a prevalência de sintomas de TDAH foram similares entre os grupos, o que vai de encontro ao referido por Silva (2014), uma vez que os níveis mais elevados foram encontrados entre os aprovados. Estudo realizado por José (2014) procurou investigar a associação entre possíveis sintomas de TDAH e o desempenho na prova da OAB. Os aprovados também apresentaram maior probabilidade de terem os sintomas de déficit de atenção e hiperatividade em relação aos reprovados.
Quanto a presença de sintomas de TDAH do tipo desatento maior nos reprovados (71,4%), e de sintomas do Hiperativo/Impulsivo (41,7%), a literatura aponta que há uma tendência de os aprovados serem mais hiperativos, em média. Esse dado chamou a atenção de José (2014) uma vez que o hiperativo não teria o foco necessário para a realização da prova. Entretanto, o autor partiu do pressuposto de que o candidato com sintomas de hiperatividade/impulsividade seria um sujeito mais proativo, ou seja, alguém que buscaria um maior número de informações o que contribuiria para um melhor desempenho.
Considerações finais
Diante do exposto no presente estudo, conclui-se que estresse e a ansiedade são inelutáveis frente à forma dinâmica que as pessoas vivem atualmente. Dentre os diversos eventos estressores aos quais os candidatos estão sujeitos, há alguns que, dada a sua relevância para a vida profissional, acabam por potencializar os níveis de estresse e ansiedade como, por exemplo, o Exame da OAB. Sabe-se que, diante dos altos níveis de reprovação, submeter-se ao exame é um momento que suscita angústias, incertezas e insegurança. Ser aprovado no Exame da OAB é receber o aval de que o bacharel em Direito é capaz de exercer a profissão com autonomia.
Diante disso, era esperado que as variáveis estresse e ansiedade apresentassem associação significativa com o desempenho. No que diz respeito ao estresse, foi encontrada associação significativa com a presença de sintomas, indicando que a hipótese de que o exame da OAB representa um agente estressor relevante demonstrou-se confirmada neste estudo, entretanto, não foi encontrada significância nas associações entre sintomas de TDAH e desempenho.
Sugere-se que outros estudos sejam realizados, buscando complementar possíveis lacunas no que se refere à temática em foco, comparando o desempenho dos bacharéis participantes e não participantes de cursos preparatórios, por exemplo, com isso, ampliar o escopo do que aqui foi investigado. Por fim, com os dados levantados espera-se oferecer subsídios para que se planejem em intervenções, sejam elas em caráter preventivo ou preparatório, que busquem minimizar os níveis inadequados de estresse, ansiedade e TDAH.
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Endereço para contato
E-mail: laurialcantara@hotmail.com
Recebido em março de 2016
Aprovado em dezembro de 2016
Laureane H. A. José: Psicóloga Clínica. Universidade Luterana do Brasil (ULBRA/Canoas). Especializanda em Avaliação Psicológica (PUC/RS).
Aline Groff Vivian: Psicóloga. Doutora em Psicologia. Professora do Programa de Pós-Graduação em Promoção da Saúde e Coordenadora Adjunta do Curso de Psicologia da Universidade Luterana do Brasil.
Fernando Elias Machado José: Psicólogo Clínico. Mestre em Psicologia Clínica (PUC/RS). Especialista em Diagnóstico Psicológico (PUC/RS). Especialista em Psicoterapia Cognitivo Comportamental (WP). Professor do Programa de Pós-Graduação da UNESC (SC).
Fernanda Pasquoto de Souza: Psicóloga. Doutora em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Mestrado em Ciências Médicas: Psiquiatria pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Especialista em Psicoterapia Cognitivo-Comportamental (WP). Professora e Coordenadora Adjunta do Curso de Psicologia da Universidade Luterana do Brasil.