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Aletheia
versão impressa ISSN 1413-0394
Aletheia vol.50 no.1-2 Canoas jan./dez. 2017
ARTIGOS EMPÍRICOS - PSICOLOGIA
Níveis de estresse e apoio social em servidores públicos de serviços socioassistenciais de alta complexidade
Levels of Stress and Social Support in Public Servants of High-Complexity Social Assistance Services
Walkiria Stangl Nunes1; Fernanda Pasquoto de Souza2
Universidade Luterana do Brasil
RESUMO
Este estudo objetivou verificar níveis de estresse e percepção de apoio social em servidores públicos (SP) dos serviços de alta complexidade da Secretaria Municipal da Família, Cidadania e Assistência Social de um município na região metropolitana de Porto Alegre-RS. é um estudo descritivo, quantitativo, transversal, realizado por meio de aplicação de um questionário estruturado para caracterização da amostra, do Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp (ISSL) e da Escala de Satisfação com o Suporte Social (ESSS). Participaram da pesquisa 78 servidores públicos, dos quais 73,1% são do sexo feminino, 53,9% possuem nível superior (completo ou incompleto), e 62,8% são de cargo de cuidador. A fase mais frequente do ISSL foi a de resistência (56,4%), com sintomatologia psicológica prevalente (47,1%). O suporte social percebido, em média, é alto (51,3%), tendo associação negativa com as fases do estresse, bem como os níveis de estresse com o tempo no cargo. Conclui-se que é necessário um olhar preventivo à saúde do SP, podendo o estresse ser indicador patológico para saúde deste trabalhador, e o suporte social preditor da saúde na regulação do estresse.
Palavras-chave: Apoio social. Estresse. Servidor público.
ABSTRACT
This study aimed to verify levels of stress and perception of social support among public servants (PS) who work at highly complex services of the Municipal Department of Family, Citizenship and Social Assistance in Porto Alegre (RS) metropolitan region. It is a descriptive, quantitative, cross-sectional study, carried out by applying a structured questionnaire to characterize the sample, the Lipp Adult Stress Symptom Inventory (LSSI) and the Social Support Satisfaction Scale (SSSS). 78 public servants participated in the research, 73.1% of them are of female sex, 53.9% have complete or incomplete higher education, and 62.8% work as caretakers. The most frequent phase of LSSI was resistance (56,4%), with prevalent psychological symptomatology (47,1%). Social support perceived was, on average, high (51,3%), having negative association with stress phases, as well as stress levels due to the time in the post. It is concluded that a preventive approach towards SP`s health is necessary, considering stress as a pathological indicator of the workers' health, and social support as a means of regulating stress.
Keywords: Social support. Stress. Public servants.
Introdução
Neste estudo, pretendeu-se averiguar níveis de estresse em servidores públicos (SP) municipais e qual a relação com o apoio social e o perfil de forma de trabalho da amostra. Este tema, em um contexto geral, está inserido no âmbito da saúde ocupacional que compreende uma das particularidades que constroem esta área. Considerando o caráter variável do trabalho, de que o estresse ocupacional é situacional, é importante contextualizar as premissas das novas ordens organizacionais que aumentam as perspectivas relativas a resultados (Maffia & Pereira, 2014).
Este trabalhador contempla os indivíduos que ocupam cargos públicos (Ribeiro & Mancebo, 2013), que são caracterizados por uma rigidez de regras e controle que podem influenciar no processo saúde/doença (Souza & Reis, 2013), em que os servidores têm a aspiração de promover a cidadania. Porém, pela desvalorização, trabalham com exposição ao desgaste emocional, que acarreta consequências à sua saúde física e mental (Traesel & Merlo, 2014).
A relação entre trabalho e saúde mental se dá pelas diferentes formas de organização e gestão de atividades produtivas, que geram impactos ao trabalhador (Priuli, Moraes & Chiaravalloti, 2014). Todos os indivíduos estão sujeitos ao estresse, pois diversas circunstâncias podem exceder os recursos do mesmo, deixando-o em posição incapacitante (Lipp, 2005). A ideia de que o indivíduo é culpado pelo seu adoecimento, desresponsabilizando as práticas do ambiente laboral, é uma cultura que ocorre também fora do contexto organizacional (Arcosi & Magro, 2017).
Segundo Dejours (1998), as condições de trabalho têm ligação direta com a saúde psíquica do trabalhador. Entre elas, estão o ambiente físico e suas características, como questões de higiene e segurança. Uma possível má configuração acarreta sofrimento mental, devido à insatisfação do trabalhador com seu exercício profissional em nível significativo ao mesmo, podendo, dessa forma, surgir manifestações de doenças psíquicas/ somáticas.
O SP sofre com pressões para a produção de um serviço em execução intensificada, expondo-o a uma sobrecarga (Mattos & Schlindwein, 2014), geradora de tensão, predispondo este trabalhador ao estresse e ao adoecimento (Serafim, Campos, Cruz & Rabuske, 2012). O mesmo também está exposto ao estresse pelas diversas situações de risco e possivelmente de violência pelo desenvolvimento de suas práticas complexas (Vale, Maciel Nascimento, Vasconcelos & Pimentel, 2015). Existem questões estruturais do labor desse trabalhador que envolvem sua saúde. Entre eles estão as relações sociais, as condições de trabalho ea própria organização (Serafim et al., 2012) como a estabilidade/instabilidade, a rotina burocrática/flexibilidade e carreira linear/veículos frouxos (Ribeiro & Mancebo, 2013). Também se apontam como geradores de estresse ao SP o agravamento das condições de trabalho, a privatização das empresas públicas, ocasionando demissões e a culpabilização desse trabalhador pelo déficit nos serviços do setor público (Vale et al., 2015). Porém, para a qualificação dos serviços públicos, é necessário que os funcionários sejam motivados (Diniz, Cruz, Silva & Fontanillas, 2012). Esses fatores de risco psicossociais do trabalho reproduzem uma condição adoentada nos trabalhadores expostos, como incapacidade de exercer seu cargo ou irradiar em sua vida pessoal (Serafim et al.,2012).
Estresse, de forma geral, é um mecanismo de sobrevivência em que o sujeito reage de determinada forma para prevenir sua integridade, possuindo componentes físicos e/ ou psicológicos. Surge em função de um estímulo - positivo ou negativo - que altera a nível psicofisiológico, desequilibrando o funcionamento do sujeito e enfraquecendo seu sistema imunológico. O mesmo pode manifestar-se de diversas formas, entre elas estão a hipertensão, taquicardia, respiração afetada pela ansiedade, mãos e pés frios etc. Também podem ocorrer sintomas gastrointestinais, como indigestão, e na pele, como envelhecimento precoce (Lipp, 1996; Silva, 2010).
Lipp (2005) estabelece um modelo quadrifásico ao estresse, sendo uma reação do organismo em nível psicológico, físico, mental e hormonal, no momento de adaptação do sujeito à determinada situação-estímulo. Assim, existem 4 possíveis fases do estresse: I) Alerta; II) Resistência; III) Quase exaustão; IV) Exaustão. Na fase alerta, o estresse é considerado ainda positivo, pois produz apenas adrenalina no sujeito, com consequências favoráveis ao seu bom funcionamento. Nas fases seguintes, o estresse é considerado negativo, pois a produtividade do indivíduo é diminuída, podendo inclusive acarretar consequências físicas e emocionais - como falta de lucidez e desconforto - que vão se agravando conforme o estágio de estresse em que a pessoa se encontra. Silva e Silva (2015) destacam que as consequências se ramificam no ambiente de trabalho, vida pessoal e rede de apoio, trazendo impacto negativo em todos os aspectos.
A psicopatologia surge quando ocorre o desequilíbrio, e o sofrimento não é passível de manejo pelo indivíduo, pois o mesmo já utilizou todos os seus recursos afetivos e intelectuais para suprir de forma satisfatória as demandas da organização, e vê-se incapacitado para adaptar-se e/ou transformar o trabalho (Vieira, 2014). Assim, torna-se vulnerável ao sofrimento patológico e sem meios para manejo de suas questões afetivas e concretas relacionadas ao trabalho (Dejours, 1998). Visto que o estresse ataca o sistema imunológico do sujeito, este estabelece maior vulnerabilidade a doenças somáticas (Lipp, 1996).
O sofrimento no trabalho inicia quando o trabalhador não é capaz, apesar do seu zelo, de exercer uma tarefa; já o prazer no trabalho dá-se quando o trabalhador, a partir do seu zelo, adapta-se e cria estratégias eficazes de resolução de problemas, sendo assim atributo significativo na execução do trabalho e na configuração da subjetividade (Dejours, 2012).
Considerar o trabalho como interface subjetiva e social, como significativa na saúde mental do trabalhador, é fundamental para o seu entendimento. Assim, deve-se considerar o indivíduo em sua totalidade; em um contexto amplo sociocultural e sua história de vida, dando significação ao simbolismo do trabalho ao profissional (Vieira, 2014). No contexto do trabalho do SP, há uma ausência de reconhecimento e valorização atribuídos ao seu labor, problematizando o sentido das motivações desse trabalhador para a ocupação do cargo, apenas pela estabilidade financeira. Porém, o trabalho pode surgir como forma de satisfação aos anseios pessoais do SP, quando há reconhecimento social (Ribeiro & Mancebo, 2013; Traesel & Merlo, 2014).
Então, altos níveis de apoio social é uma variável significativa para a saúde do trabalhador, tendo em vista a alta carga de estresse originada no ofício, podendo inclusive evoluir para a Síndrome de Burnout. Também é considerado promotor de saúde no ambiente laboral, reduzindo os efeitos de estresse e facilitando o manejo das situações originadas no mesmo; sendo assim um fator adaptativo/de proteção (Andrade, Hoch, Vieira & Rodrigues, 2012).
Cardoso e Baptista (2015) afirmam que há um moderado consenso entre as conceituações de apoio social, sendo ele um construto multidimensional caracterizado pelas interações que se tem com o meio e ao grau de percepção do sujeito quanto às suas necessidades serem atendidas satisfatoriamente, tendo papel significativo na regulação de bem-estar e saúde dos indivíduos.
O apoio social tem demasiada influência em como os sujeitos irão comportar-senos diferentes contextos, determinando aspectos de qualidade de vida e saúde dos mesmos (Gottardo & Ferreira, 2015). Existem diversos conceitos na literatura em que se encontram diversas definições, estando inseridos na dimensão pessoal do indivíduo (Cardoso & Baptista, 2015), englobando diversos aspectos estruturais e funcionais deste (Nunes, Lemos, Nunes & Costa, 2013).
Há uma necessidade em conhecer o comportamento dos colaboradores de uma organização, pois os mesmos influenciam, qualitativamente e quantitativamente, nas estruturas organizacionais (Kunkel & Vieira, 2012). Partindo dessa premissa, com o retrato do serviço público representando os servidores, o deixando vulnerável a julgamentos (Mattos & Schlindwein, 2014), muitas vezes, à personificação de algo pejorativo, como o labor diminuto (Ribeiro & Mancebo, 2013) ou a responsabilização pela qualificação geral dos serviços (Diniz et al., 2012; Ribeiro & Mancebo, 2013; Vale et al., 2015), se compreende uma simbologia de promoção de estresse e desapropriação de apoio social, na perspectiva de trabalho do servidor público.
Os serviços da Proteção Social Especial (PSE) de alta complexidade contemplam a proteção integral do usuário dos serviços como: "moradia, alimentação, higienização e trabalho protegido para famílias e indivíduos que se encontram sem referência e/ou em situação de ameaça, necessitando ser retirados do seu núcleo familiar e/ou comunitário". Sendo serviços que preconizam a mais elevada complexidade de assistência social, pelas características específicas de acompanhamento, que demandam maior dedicação dos servidores na proteção dos usuários (Brasil, 2005). Entre estes serviços estão: "serviço de acolhimento institucional, serviço de acolhimento em repúblicas, serviço de acolhimento em família acolhedora e serviço de proteção em situação de calamidade pública de emergências" (Brasil, 2014).
A partir do entendimento de que a percepção do trabalhador em relação ao suporte social está diretamente ligada à saúde do indivíduo, pelo fator relacional com o estresse, interferindo em seu comportamento social/profissional (Andrade et al., 2012; Serafim et al., 2012), buscou-se, através deste estudo, avaliar a relação entre os níveis de estresse do SP de serviços de alta complexidade com sua percepção do suporte social recebido, bem como as possíveis motivações para os níveis de estresse, sendo caracterizada no perfil de trabalho da amostra, baseada em questionário estruturado.
Método
Foi realizada uma pesquisa com temporalidade transversal e perfil de avaliação epidemiológico analítica, que utiliza uma abordagem de estudo seccional, com base em dados e métodos de natureza quantitativa, utilizando a prevalência como tipo de frequência.
O lócus de investigação para realização dessa pesquisa foram os serviços de alta complexidade de uma Secretaria Municipal da Família, Cidadania e Assistência Social (SMFCAS) de um município da região metropolitana de Porto Alegre, por conveniência do pesquisador. Esta secretaria é responsável pelo atendimento à população de rua infantil/ adulta nos serviços de alta complexidade.
Para realização do estudo foram considerados no total 107 servidores públicos que, no período de coleta de dados, estavam vinculados à secretaria do município em questão. Assim, foi realizado um cálculo amostral no programa WinPEPI (Programs for Epidemiologists for Windows) versão 11.43 e definido o público alvo como 78 servidores públicos. Considerando o nível de confiança de 95%, margem de erro de 6% da população estimada de 107 servidores públicos dos serviços de alta complexidade, obteve-se um total mínimo de 78 servidores. Para os SP que concordaram em participar da pesquisa, foi entregue o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e realizada a aplicação dos instrumentos. Participaram do estudo 78 servidores públicos dos serviços da alta complexidade de um município da região metropolitana de Porto Alegre, que estavam, no momento da coleta de dados, exercendo o cargo.
Para a coleta de dados foi elaborado um questionário sociodemográfico, para traçar um perfil da amostra, contendo questões acerca do trabalho e pessoais. Também foi realizada a aplicação do Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp (ISSL), no qual é indicado se o participante possui ou não estresse, em qual nível se encontra e se o estresse se manifesta por meio da sintomatologia física ou psicológica. Os níveis que o ISSL indicia são do modelo quadrifásico (alerta, resistência, quase exaustão e exaustão). O mesmo apresenta três quadros que se referem às fases do estresse: I) 15 itens referentes aos sintomas físicos e psicológicos do estresse que as pessoas tenham experienciado nas últimas 24 horas; II) 15 itens - 10 sintomas físicos e 5 psicológicos, com sintomas experienciados na última semana; III) 23 itens - 12 sintomas físicos e 11 psicológicos, com sintomas referentes ao último mês. Assim, neste inventário aparecem 37 itens de natureza somática e 19 de natureza psicológica. Alguns itens se repetem, mas mudam de intensidade, para ser possível sua mensuração (Lipp, 2005).
Para verificar o nível de apoio social percebido pelos SP, foi aplicada a Escala de Satisfação com Suporte Social (ESSS), que é constituída por 15 itens e tem por objetivo avaliar a satisfação com o suporte social recebido, incluindo as dimensões de satisfação com amigos, com a família, relações de intimidade e atividades sociais. Os itens devem ser respondidos em escala tipo Likert, de cinco pontos, que indicam o grau em que cada afirmação se aplica. A pontuação da escala expressa três níveis (alto, médio e baixo) de suporte social, de acordo com os escores indicados (Ribeiro, 1999).
Para realizar a aplicação dos instrumentos, foi realizado contato com a Diretora da Proteção Social Especial (PSE) da SMFCAS, para que esta autorizasse a coleta nos serviços da alta complexidade. Após a autorização concedida, foi realizado contato com as coordenações dos serviços e combinações acerca das aplicações.
Os dados levantados dos instrumentos foram digitados em planilha Excel® para análise no programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 21.0. As variáveis quantitativas foram descritas por média e desvio padrão e as categóricas por frequências absolutas e relativas. Para comparar médias, o teste t-student foi aplicado. Para avaliar a associação entre as variáveis contínuas e ordinais, os testes da correlação de Pearson ou Spearman foram utilizados. Para avaliar a associação entre as variáveis categóricas, o teste qui-quadrado de Pearson foi aplicado. O nível de significância adotado foi de 5% (p<0,05).
Para a realização deste estudo, o projeto foi submetido ao Comitê de ética da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), campus de Canoas, conforme a Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), o qual regulamenta as pesquisas com seres humanos. (Brasil, 2012). A presente pesquisa foi aprovada na emissão do projeto ao Comitê de ética em Pesquisa da ULBRA Canoas conforme parecer CAAE: 78041317.2.0000.5349.
Caso seja avaliado como necessário, através do nível elevado ou não de estresse, pelo pesquisador responsável, o participante será encaminhado para acompanhamento psicológico/assistencial na Clínica Escola da Ulbra Gravataí, conforme previamente autorizado pela coordenação do curso de Psicologia do campus.
Resultados
A amostra foi composta por 78 sujeitos com média de idade 41,2 anos (± 11), com predominância do sexo feminino (73,1%), nível superior (53,9%) e cargo de cuidador (62,8%). O período do exercício do cargo mais frequente foi o de 5 a 10 anos (42,3%) no turno manhã-tarde (44,9%), com média de carga horária de 38,3 horas (± 3,9). A tabela 1 contém a frequência e a porcentagem das variáveis categóricas que podem estar associadas aos níveis de estresse e percepção de apoio social.
Relativo à fase do ISSL mais frequente foi a de resistência (56,4%). Dentre os sujeitos que apresentaram estresse, a sintomatologia mais prevalente foi a psicológica (47,1%). Considerando que a ESSS expressa três níveis de suporte social (Ribeiro, 1999), os dados levantados apresentam um escore total alto (± 51,3) de percepção. Os escores médios da escala de satisfação com o suporte social estão apresentados na Tabela 2.
A associação entre estresse e percepção do suporte social foi realizada pelo coeficiente de correlação de Spearman. Houve associação negativa significativa entre a fase do ISSL com os escores de Satisfação com o Suporte Social, ou seja, quanto pior a fase de estresse, menor a percepção de suporte social em todos os domínios, conforme Tabela 3.
Associando os dados do perfil da amostra com os escores de níveis de estresse e percepção do apoio social, foi possível constatar que houve uma associação negativa significativa entre a fase do ISSL com o tempo no cargo, ou seja, quanto maior o tempo no cargo, pior a fase do estresse (Tabela 4).
Também foi realizada uma correlação entre os dados do ISSL e do ESSS com o gênero e o turno de trabalho dos SP. Não houve diferença significativa entre os gêneros (conforme Tabela 5), ou entre os turnos (p>0,10).
Na associação entre as fases de estresse e o cargo indica-se que os Atendentes apresentaram maior percentual de exaustão quando comparados aos demais cargos e Agente Administrativo e Coordenação apresentam maior percentual de quase-exaustão quando comparados aos demais (p=0,005), conforme apresenta a Figura 1.
Associando os cargos com os escores de Satisfação com o Suporte Social do ESSS, é possível indicar que, apesar de haver apenas um agente administrativo na amostra, este apresenta significativamente menor percepção de satisfação com suporte social quando comparado aos demais (p=0,026), conforme demonstra a Figura 2.
Discussão
Considerando os resultados obtidos neste estudo, de uma amostra composta por 78 servidores públicos, buscou-se verificar os níveis de estresse em SP e relacioná-los com a percepção de suporte social percebido.
A carga horária média da amostra foi de 38,3 horas. Porém, dentre os participantes que compõem a frequência do cargo de cuidador (62,8%), a prevalência é de uma alta carga horária de trabalho, no período da noite. Esta pode ser um indicador de estresse que, por conseguinte, é um gerador de doenças, configurando um quadro vulnerável do SP, bem como as rotinas do trabalho e o papel da função no cotidiano (Silva & Silva, 2015).
Entre os SP que apresentaram sintomas significativos de estresse, a prevalência proeminente foi na fase de resistência (56,4%). Para Lipp (2005), nesta fase, o organismo tenta estabelecer o equilíbrio impactado pelo estresse, deixando-o vulnerável à contração de vírus e bactérias. Este movimento é o organismo resistindo aos estímulos estressores, afetando negativamente seu rendimento nas diversas áreas. Santos e Moreira (2016), realizaram um estudo, para investigar quadros de estresse em servidores públicos de Salvador. Dentre os servidores que apresentaram estresse, 100% encontravam-se em fase de resistência. Em uma pesquisa realizada com agentes socioeducativos, Soares (2013) identificou uma prevalência (83,5%) de trabalhadores em fase de resistência, com sintomatologia psicológica predominante.
é importante realizar o levantamento da sintomatologia presente no indivíduo, pois esta indica em qual - somática ou emocional - o mesmo está mais vulnerável (Lipp, 2005). No presente estudo, a sintomatologia prevalente foi a de sintomas psicológicos, podendo estar relacionada ao predomínio da amostra feminina (73,1%), bem como em um estudo realizado com trabalhadoras autônomas, registradas em um serviço de intermediação pública, identificou entre sua amostra totalmente feminina, uma predominância da fase de resistência e de sintomas psicológicos (Queiroz, 2014). Em um estudo sobre níveis de estresse e fatores geradores do mesmo em mulheres, Allegretti (2006) concluiu, após constatar uma maior prevalência de sintomas psicológicos, que este é um agente importante a ser considerado para pensar em prevenção da saúde e manejo do estresse.
Calais, Andrade e Lipp (2003), constataram em um estudo comparativo, quanto ao sexo e às manifestações de estresse, que a fase mais prevalente foi a de resistência entre ambos os sexos. Porém, dentre as mulheres, com maior frequência de sintomatologia psicológica, o sintoma mais mencionado foi o de Sensibilidade emotiva excessiva. Concluíram que o estresse é mais prevalente no sexo feminino, podendo estar relacionado às novas configurações profissionais das mulheres, que assumem cargos de maior responsabilidade neste contexto e na vida pessoal. Areias e Guimarães (2004) verificaram que mulheres estão mais expostas a fatores de riscos psicossociais, o que poderia indicar maior vulnerabilidade na percepção dos sintomas, visto sua posição social altamente demandada.
Estresse ocupacional refere-se à percepção do ambiente de trabalho como incapacitante para realização profissional e pessoal, e responsável por seu estado de saúde mental e/ou física. Dessa forma, prejudica sua prática laboral, pois, à medida que as demandas expandem, o sujeito se vê sem recursos de enfrentamento (Silva, 2010). Também pode ser caracterizado quando o trabalhador se esforça para cumprir as demandas excedentes à sua adaptação individual e social, desencadeando distúrbios comportamentais e/ou biológicos (Dejours, 2012; Guido, Linch, Pitthan & Umann, 2011). Provoca danos físicos, psíquicos, sociais e culturais, que afetam a vida do trabalhador no seu ambiente de trabalho, bem como no seu cotidiano (Silva, 2010).
Por meio da análise dos dados deste estudo, também foi possível observar que no tempo de serviço dos SP participantes da pesquisa é prevalente o período de cinco a dez anos de exercício do cargo. Porém foi constatada uma correlação negativa entre estresse e tempo no cargo (p=0,039), ou seja, quanto maior o tempo no cargo, maior será o estresse desse trabalhador. Pereira (2014) refere que diversos estudos apontam que o tempo de serviço é um fator que acarreta adoecimento ao trabalhador. Baasch, Trevisan e Cruz (2017) buscaram em sua pesquisa traçar um perfil do servidor público catarinense, afastado do trabalho por transtornos mentais. Dentre os que receberam licenças para tratamento de saúde o tempo no cargo foi de, em média, 15 anos. Estes achados reforçam uma problemática carente no setor público. Porém, é significativo destacar que a amostra, em sua predominância, encontra-se em fase de resistência do estresse, o que não caracteriza um quadro adoentado do SP, mas uma necessidade de uma orientação preventiva à saúde deste trabalhador.
Corroborando dados da pesquisa, um estudo com cuidadores apresentou dados prevalentes na fase de resistência do estresse e mais sintomas psicológicos dentre a amostra. Também objetivaram correlacionar estes dados com o suporte social percebido pela amostra. Dentre os cuidadores entrevistados, a maioria indicou os familiares como principal rede de apoio (Oliveira & Matsukura, 2013). Neste estudo, dentre ambos os sexos, foi possível constatar uma maior percepção de suporte social no indicador de amigos (média de 16,9 no sexo masculino e 18,3 no sexo feminino).
Oliveira e Matsukura (2013) afirmam que a percepção de apoio social é um indicador importante na proteção contra e no manejo de estresse. Neste estudo, apesar de haver uma correlação negativa dos níveis de estresse e a percepção geral do suporte social entre os SP, a média dessa percepção foi alta (51,3). Kunkel e Vieira (2012) concluíram, em sua pesquisa com servidores públicos com altos níveis de percepção com o suporte social, que o mesmo é um fator preditivo de bem-estar.
Conforme podemos observar nos dados deste estudo, a média de percepção com o apoio social é alta, porém há uma correlação negativa com os níveis de estresse dos SP, ou seja, quanto maior o nível de estresse, menor a percepção com o apoio social. Chou, Robb, Clay e Chronister (2013) e Marques, Landim, Collares e Mesquita (2011) apontam o apoio social como preditor de saúde, visto que este é essencial na regulação do estresse, prevenindo o desenvolvimento de doenças e auxiliando nas situações de crise.
A prática do SP é permeada por diversos estressores como a competição com colegas de trabalho, invisibilidade e falta de reconhecimento (Traesel & Merlo, 2014). Corroborando esses achados Arcosi e Magro (2017) afirmam que a prevalência de afastamento de SP por distúrbios mentais e comportamentais gerados por sofrimentos experienciados por eles, é alta, e que os constantes afastamentos e retornos ao trabalho geram mais sofrimento ao indivíduo, agravando sua condição inicial.
A vulnerabilização da saúde do trabalhador é uma forma de manifestação do sofrimento dos indivíduos no contexto laboral (Campos, Silva, Merino & Cruz, 2012). Então, identificar a sobrecarga dos profissionais no ambiente de trabalho, com finalidade de intervir na organização, é fundamental para a promoção da saúde do trabalhador (Katsurayama, Parente, Moraes & Pires, 2013). O trabalho e a saúde do trabalhador são direitos de cidadania, pois o labor é parte representativa da identidade subjetiva (Bobroff & Martins, 2013). Na construção dessa identidade, é necessário se reconhecer na prática do trabalho, sendo representado na forma que o trabalhador irá contribuir com a organização, sendo, assim, uma ferramenta importante para ação frente a qualquer conflito no ambiente de trabalho (Mattos & Schlindwein, 2014).
A centralidade deste trabalho tange a correlação dos níveis de estresse de SP com a percepção de satisfação com o suporte social percebido. Em conluio com outras pesquisas, esta estabeleceu um quadro a este trabalhador de necessidade de medidas preventivas acerca de sua saúde. Visto que, apesar de a percepção do suporte ser alto, ainda pode-se afirmar, a partir dos resultados, que o estresse prejudica a assimilação de rede de apoio.
Evidenciar que o tamanho da amostra e a região na qual foi aplicada a pesquisa limitam a globalização de suas repercussões é importante para ampliar as perspectivas a respeito dos seguimentos possíveis de resolução da problemática levantada. Também é considerável descentralizar a discussão do cenário dos serviços do setor público para as sequentes pesquisas sobre o tema, que podem investigar outras hipóteses de possíveis motivações para o contexto organizacional aqui abordado.
Considerações Finais
O presente artigo apresentou uma investigação com 78 servidores públicos, no qual se objetivou correlacionar escores de percepção com o suporte social e níveis de estresse. Dentre os participantes, a prevalência foi do sexo feminino, nível superior, cargo de cuidador, período do exercício do cargo de 5 a 10 anos, no turno manhã-tarde, com carga horária média de 38,3 horas. Referente às fases do estresse, a mais prevalente foi a de resistência e com sintomatologia psicológica. Sobre os escores de percepção com o suporte social foi possível constatar um alto nível de satisfação, porém, em associação estatística com os níveis de estresse, foi possível concluir uma associação negativa. Assim, quanto menor a percepção ao suporte social, maior os níveis de estresse em SP.
Em consonância com a literatura, foi possível concluir a necessidade da elaboração de estratégias eficazes a serem implementadas no sentido da saúde deste trabalhador. Atendo-se à sintomatologia do quadro resultante desta pesquisa, percebe-se que, apesar de o suporte social ser altamente percebido pelos participantes, estes são influenciados por esta percepção quando em situações de estresse, pois surgiu no levantamento esta associação negativa. Tais estudos corroboram os achados nesta pesquisa, reforçando a necessidade de medidas preventivas à saúde do trabalhador público, com o intuito de minimizar os efeitos do estresse, identificando sintomas e promovendo a identificação de rede de apoio, ou criando uma no contexto organizacional.
Estes achados necessitam de investigações mais amplas para a compreensão de outros aspectos que, possivelmente, podem interferir na demanda psicológica do SP, podendo ampliar a discussão para outros conflitos que estabelecem agravamentos à saúde mental desse trabalhador. Cumpre ressaltar que o estudo limitou-se a um município do Rio Grande do Sul, dificultando a generalização de seus resultados. Ademais, o estresse é provindo de diversos outros fatores que não apenas o trabalho, tendo outros determinantes que acarretam consequências possivelmente negativas para o indivíduo.
Ainda assim, esta pesquisa dispõe de importância teórica e prática pela discussão acerca da saúde do servidor público, correlacionando o estresse com suas possíveis motivações e com a percepção com o suporte social.
Referências
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Endereço para correspondência
E-mail: walkiriasn@hotmail.com
Recebido em abril de 2018
Aprovado em maio de 2018
1 Walkiria Stangl Nunes: Acadêmica do Curso de Psicologia - ULBRA/Canoas-RS.
2 Fernanda Pasquoto de Souza: Psicóloga, Doutora em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Mestre em Ciências Médicas: Psiquiatria pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Especialista em Psicoterapia Cognitivo-Comportamental pela WP e Docente no Curso de Psicologia ULBRA/Canoas.