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Aletheia
versão impressa ISSN 1413-0394
Aletheia vol.50 no.1-2 Canoas jan./dez. 2017
ARTIGOS TEÓRICOS - PSICOLOGIA
Contribuições de estudos empíricos da neurociência educacional às práticas educativas no período entre 2008 a 2013: revisão sistemática
Contributions of empirical studies of educational neuroscience to educational practices in the period between 2008 and 2013: Systematic review
Cristiane Marx Flor1
UPM
RESUMO
O surgimento do campo da neurociência educacional trouxe consigo controvérsias sobre a aplicabilidade das pesquisas sobre o cérebro às práticas educativas. O objetivo deste estudo foi investigar as contribuições dos estudos empíricos da neurociência educacional às práticas educativas no período entre 2008 a 2013. A literatura foi coletada via PsycInfo, Web of Science e duas revistas científicas da área. A seleção final abrangeu cinco estudos, que foram escrutinados utilizando-se a pergunta: Os achados dos estudos podem ser aplicados às práticas educativas? Os resultados mostraram que somente um deles trouxe contribuições diretas às práticas na sala de aula. Os demais trouxeram contribuições indiretas, apresentando uma perspectiva estado-da-arte a respeito de práticas educativas já conhecidas, ou trazendo contribuições para o lastro de conhecimentos a respeito dos fundamentos neurobiológicos dos processos de aprendizagem.
Palavras-chave: Neurociência educacional; Práticas em educação; Neuroeducação.
ABSTRACT
The emergence of the field of educational neuroscience has brought with it controversies about the applicability of brain-research to educational practices. The purpose of this study was to investigate the contributions of educational neuroscience's empirical studies to practices in education in the period of 2008 - 2013. The literature was retrieved via PsychMed, Web of Science, and two main journals in the field. The final selection comprised five studies, which were scrutinized using the guiding question: Can the findings of the research be applied to educational practices? The outcomes showed that only one of them brought direct contributions to classroom practices. The others brought indirect contributions, either by presenting a state-of-the-art view about wellknown educational practices or by enhancing the current knowledge about the neurobiological underpinnings of learning processes.
Keywords: Educational neuroscience; Practices in education; Neuroeducation.
Introdução
Professores enfrentam importantes desafios no trabalho cotidiano da sala de aula. Além de pleno domínio teórico em seu campo de atuação, precisam fazer uso de um arsenal de diferentes estratégias para atingirem seus objetivos no ensino. Esta pode ser uma das razões pelas quais professores costumam mostrar grande entusiasmo por novidades no campo da educação (Greenwood, 2009). A emergência da Neurociência Educacional (NE), enquanto um próspero campo interdisciplinar do conhecimento, trouxe consigo expectativas e especulações a respeito das possíveis aplicações dos achados das pesquisas científicas sobre o cérebro à educação (Organization for Economic Co-operation and Development [OECD], 2002). Centenas de estudos neurocientíficos foram publicadas nas últimas décadas, mas a dúvida se suas contribuições alcançarão as práticas na sala de aula ainda permanece (Tokuhama-Espinosa, 2008).
O escrutínio da literatura deste novo campo do conhecimento mostra que cientistas da área vem travando um intenso debate, há aproximadamente duas décadas, sobre as (im)possibilidades de contribuição dos achados da neurociência à educação. Alguns experts mostram-se céticos e negam esta possibilidade, enquanto outros se mostram mais otimistas. A partir da publicação do célebre artigo de Bruer (1997): "Education and the brain: A bridge too far?", muitos pesquisadores passaram a manifestar preocupações a respeito do futuro da relação entre a neurociência e a educação. No artigo supracitado, Bruer sustenta que a neurociência não poderia trazer contribuições diretas para as práticas educativas, devido aos seus objetivos e características metodológicas. Para este autor, seria a ciência cognitiva, cujo objeto de estudo são os processos mentais, a área do conhecimento com possibilidades de contribuir com a educação. Por sua vez, Bowers (2016b) sustenta que o campo do conhecimento que pode e já tem trazido importantes descobertas para o aperfeiçoamento das práticas de ensino e de testes diagnósticos para as dificuldades de aprendizagem é a Psicologia.
Segundo este grupo de pesquisadores céticos, os métodos utilizados pela neurociência não são adequados para a investigação das questões educacionais, na medida em que demandam condições laboratoriais artificiais e controladas muito diferentes do contexto da sala de aula, com suas múltiplas contingências (Varma, McCandliss & Schwartz, 2008). Tais métodos também não permitem mensurações ecológicas válidas da atividade cerebral nos processos educacionais, nem os tamanhos de suas amostras permitem distribuições aleatórias aceitáveis em intervenções educacionais (Ansari, Smedt, & Grabner, 2012). Outras importantes preocupações deste grupo envolvem a diferença entre os níveis de análises entre as duas áreas (Willingham, 2009), diferenças de vocabulários (Varma et al., 2008) e a diferença de objetivos entre a neurociência e a educação (Willingham, 2009).
Por outro lado, alguns dos mesmos autores que expressam preocupações, também fazem esforços para enxergar novas oportunidades para pesquisas inovadoras entre os dois campos (Varma et al., 2008; Ansari et al., 2012; Willingham, 2009). Assim, apesar da diferença entre objetivos, Varma et al. (2008) sugerem que o foco de neurocientistas e educadores deveria ser em domínios, não em disciplinas. Ambos deveriam buscar identificar questões de pesquisa e interesses que se sobreponham. Em relação à diferença de vocabulários, Goswami (2006) defende a ideia de que, a curto prazo, deveria haver comunicadores de pesquisa específicos, ou seja, profissionais interdisciplinares que dominem os dois campos, traduzindo as informações neurocientíficas para professores e para a população em geral. Para Ansari et al. (2012), os educadores deveriam ser mais encorajados a pesquisar e trazer pesquisas baseadas em evidências para a sala de aula, assim como os neurocientistas deveriam entender as questões pedagógicas que envolvem suas pesquisas. Fischer, Goswami e Geake (2010) também esta ideia com veemência. Tecendo uma árida crítica ao status quo da educação, comparam o ramo industrial ao educacional, afirmando que, se Avon e Toyota podem gastar milhões em pesquisas para desenvolver melhores produtos, é inaceitável que as escolas continuem alegando a utilização de "melhores práticas" na sala de aula, sem coletar evidências sobre o que realmente funciona.
De forma indireta, sabe-se que a neurociência já tem trazido contribuições relevantes para a educação, através da ampliação do lastro de conhecimentos a respeito dos mecanismos cerebrais subjacentes aos processos de leitura, escrita e aritmética (Ansari et al., 2012; Byrnes & Vu, 2015). No entanto, uma das questões que ainda permanece, é se os achados dos estudos neurocientíficos seriam aplicáveis às práticas educativas na sala de aula. Com o objetivo de trazer subsídios para este debate, a presente revisão sistemática investigou se, no período entre 2008 a 2013, houve publicações de estudos empíricos no campo da neurociência educacional que efetivamente trouxeram contribuições relevantes para as práticas educativas ou, se como afirmou Bruer (1997), "esta ponte ainda está muito distante". Assim, esta investigação buscou trazer evidências empíricas para o referido debate, que poderão contribuir para uma compreensão mais aprofundada a respeito dos objetivos e futuras possibilidades da NE. Em consonância com a maior parte dos experts supracitados, este estudo teve como hipótese que seria encontrado um número bastante restrito de estudos com contribuições diretas para as práticas na sala de aula. Supôs-se que seriam encontrados mais estudos sobre o desenvolvimento ou funcionamento de mecanismos cerebrais e/ou distúrbios, sem aplicação direta às práticas educativas.
Metodologia
A pesquisa foi realizada na língua inglesa, como parte de uma dissertação de mestrado em Neurociência Aplicada à Educação e Estudos da Criança, apresentada à Universidade de Leiden, Holanda, no ano de 2014. Para o procedimento da busca, foram utilizados os sites PsycInfo e Web of Science, empregando as palavras-chave (neurociência OU neurociência educacional) E (imagens cerebrais OU ressonância nuclear magnética funcional OU potencial de eventos relacionados) E (aplicações educacionais OU implicações educacionais OU práticas educativas). Esta busca preliminar resultou em 54 estudos. Em um segundo momento, a palavra "neuroeducação" foi utilizada sozinha na busca e mais 13 artigos foram encontrados. Outros artigos foram coletados através de artigos citados e de três revisões da literatura sobre o tema (Bishop, 2013; Beauchamp & Beauchamp, 2012; Kroeger, Brown & O'Brien, 2012). Além disso, foram investigados todos os estudos publicados em duas importantes revistas científicas da área da neuroeducação: Mind, Brain and Education (Universidade de Harvard) e Trends in Neuroscience and Education (Elsevier), por se tratarem de revistas cujo escopo são pesquisas interdisciplinares entre os campos da neurociência, psicologia e educação. Para melhor caracterizar o trabalho em neurociência, foi estabelecido um rigoroso critério de inclusão de que os estudos deveriam conter mensurações do cérebro. Os demais critérios de inclusão foram: 1) Publicação no período entre 2008-2013, 2) Publicação em revistas científicas revisadas por pares, 3) Apresentação de contribuições diretas às práticas educativas, 4) Discussão de implicações para a prática educacional. Os critérios de exclusão foram: 1) Estudos sobre o funcionamento de mecanismos cerebrais e/ou distúrbios, sem aplicação direta às práticas educativas, 2) Estudos sem mensuração de atividades cerebrais.
Com o objetivo de assegurar a qualidade científica dos estudos selecionados, cada artigo foi primeiramente submetido a um escrutínio através da lista de verificação "Passos para Assegurar Qualidade de Informação", organizado por Tokuhama-Espinoza (2008). Este instrumento é produto de um painel Delphi, com 39 cientistas da área "Mente, Cérebro e Educação" (MCE), em versão adaptada para os objetivos deste estudo. "Passos para Assegurar Qualidade de Informação" abrange uma lista de verificação de itens/perguntas que devem ser examinados antes de se dar credibilidade a um estudo no campo da MCE: 1. O estudo encontra-se inserido em um contexto científico? 2. O estudo é suficientemente recente para refletir o entendimento "estado-da-arte" no campo? 3. A qual campo acadêmico o estudo pertence? 4. Considerando-se a metodologia: a) Qual o número de participantes no estudo? b) Quais eram as idades e características dos participantes? c) Havia grupo de controle? d) Qual foi o desenho do estudo? e) O estudo trouxe resultados que poderiam ser aplicados ao contexto da sala de aula?
Somente cinco artigos preencheram os critérios de inclusão propostos para este estudo. Na etapa seguinte, os artigos foram analisados de forma qualitativa, com a utilização da pergunta: "Os resultados dos estudos podem ser aplicados às práticas educativas?". Esta, por sua vez, foi dividida em dois subtópicos: 1) Contribuições dos resultados dos estudos para a educação; 2) Aplicações para as práticas na sala de aula.
Resultados
Os resultados das análises mostraram que os cinco estudos trouxeram contribuições para as práticas educativas de formas variadas. Somente o estudo 1 trouxe contribuições diretas para as práticas em sala de aula. Os demais contribuíram indiretamente. O programa computadorizado "Rescue Calcularis", no estudo 1, desenhado para uma intervenção de 5 semanas e visando o desenvolvimento da representação espacial e numérica, apresentou resultados com melhorias na representação numérica espacial e no raciocínio matemático, tanto em crianças típicas, como nas crianças com discalculia do desenvolvimento. Após o treinamento com o programa, as crianças melhoraram nas habilidades de localizar números, resultados de adição/subtração e número de pontos estimados em uma linha numérica. Nos exames de imagem, os resultados mostraram uma diminuição da ativação fronto-parietal, especificamente nas áreas frontais, no sulco intraparietal bilateral e no giro fusiforme esquerdo. Este programa pode ser aplicado diretamente nas salas de aula e possui a vantagem de ser facilmente instalado em qualquer computador, inclusive nas residências dos alunos.
Por outro lado, o estudo 2 mostrou a importância da escrita à mão, uma prática sensório-motora extremamente antiga e que hoje compete com teclados eletrônicos em muitas escolas. Os resultados deste estudo demonstraram que no momento em que se realiza um exercício de escrita autogerada, o cérebro recruta uma rede neuronal responsável pela leitura e escrita, mais especificamente, o giro inferior frontal, córtex parietal posterior, giro fusiforme e o córtex motor. O mesmo não acontece com o exercício de outras formas sensório-motoras, como, por exemplo, teclar ou desenhar. Assim, este estudo enfatizou a importância da experiência de escrita à mão para a percepção e categorização de letras no processo de alfabetização e que a digitação em teclados eletrônicos não a substitui.
O mundo acadêmico da compreensão da leitura recebeu importantes contribuições através do estudo 3 , após a intervenção de um programa intensivo para compreensão da leitura, com duração de 100 horas e destinado a alunos do 5o ano, com e sem dificuldades de leitura. Os estudos de imagem de RNMf mostraram aumento significativo de ativação no giro angular esquerdo e no lobo parietal superior esquerdo após a intervenção. Esta ativação continuou crescendo um ano após o término da intervenção, o que resultou na normalização das ativações do lobo parietal superior esquerdo, região associada à leitura. Desse modo, este estudo mostrou efeitos imediatos e duradouros de remediação na leitura nas redes corticais subjacentes à leitura.
O estudo 4 trouxe contribuições para o campo do ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras. Através da investigação das atividades cerebrais de participantes que utilizavam diferentes sistemas de escrita de segundas línguas, os resultados deste estudo mostraram que durante a leitura de inglês ou Japonês Kana como 2ª língua, tanto os leitores em inglês como em Japonês Kana, recrutaram regiões cerebrais semelhantes àquelas recrutadas pelo grupo de leitores da 1ª. Língua. Portanto, japoneses aprendizes de inglês (que possui uma linguagem ortográfica irregular) como segunda língua, precisam aprimorar habilidades fonológicas que são intrínsecas a ortografias irregulares. Aprendizes de Japonês Kana como segunda língua precisam capacitar-se para uma maior demanda visual, inerente aos símbolos japoneses. Este estudo não mostra como estas habilidades deveriam ser desenvolvidas, somente enfatiza quais habilidades deveriam ser desenvolvidas e por quê.
Finalmente, o estudo 5 também trouxe contribuições indiretas relevantes para o campo da aprendizagem de línguas estrangeiras. Investigando os correlatos neurais do alto desempenho na aprendizagem de vocabulário, Macedonia, Muller e Friederici (2010) encontraram correlação positiva entre o desempenho e atividade cerebral em duas áreas localizadas na rede de linguagem ampla: o giro angular esquerdo e o córtex extra estriado direito. Estas áreas são responsáveis pela integração das informações multimodais e dos processos de memória. Assim, este estudo demonstrou que participantes com alto desempenho são mais eficientes na resposta a determinados estímulos durante a codificação por causa de uma maior habilidade para integrar informações multimodais. Os resultados deste estudo apontam para uma necessidade de foco no treinamento e melhoria das capacidades de processamento multissensorial no ensino de vocabulário a alunos com baixo desempenho.
Discussão
O fato de que a neurociência já tenha trazido contribuições relevantes para a educação, ainda que de forma indireta, é inegável. Citam-se, como exemplo, estudos com exames de neuroimagem (Gabrieli, 2016), mostrando que indivíduos disléxicos apresentam uma redução na atividade do córtex temporoparietal esquerdo, uma área conhecida, em outros estudos, como responsável pela fonologia. Neste caso, as pesquisas neurocientíficas contribuíram para a compreensão de que a dislexia do desenvolvimento não é, como se pensava, primariamente, um transtorno perceptivo visual, mas que déficits fonológicos estão no cerne da sua etiologia (Willingham, 2009).
O objetivo desta revisão sistemática foi verificar se, no período entre 2008 a 2013, houve publicações de estudos empíricos no campo da neurociência educacional, cujos resultados pudessem trazer contribuições relevantes para as práticas na sala de aula. A expectativa de que seriam encontrados poucos estudos que preenchessem os critérios de inclusão propostos foi alcançada. Somente um dos estudos (estudo1) trouxe contribuições diretas às práticas na sala de aula. Os demais trouxeram contribuições indiretas, através de uma compreensão estado-da-arte de práticas educativas já bastante conhecidas e utilizadas (estudo2), ou da ampliação do entendimento a respeito dos mecanismos neurobiológicos subjacentes aos processos de ensino/aprendizagem (estudo 3, 4 e 5).
Os resultados deste estudo ratificariam a posição de que a neurociência não pode trazer contribuições à educação (Bowers, 2016a), se educação fosse unicamente considerada como ensino na sala de aula. Entretanto, se educação for entendida em seu sentido amplo e NE definida como um ramo de pesquisa da neurociência que investiga tópicos importantes para a educação, como aprender a ler ou resolver problemas de matemática (Gabrieli, 2016), os resultados deste estudo confirmaram a posição de que a NE pode, sim, contribuir com a educação. Subentende-se, portanto, que a resposta à pergunta de pesquisa deste estudo depende da definição que se atribui à educação e da forma como se delimitam as funções e objetivos da NE.
Com objetivo de esclarecer esta questão, Gabrieli (2016), tece uma comparação entre as pesquisas da NE e as pesquisas da neurociência cognitiva, afetiva, ou sociocognitiva, que investigam a organização cerebral funcional da percepção, aprendizagem, memória, pensamento, emoção e cognição social. O objetivo imediato destas pesquisas não é produzir melhoria da capacidade de raciocinar, expandir a memória, modificar emoções ou tornar o mundo mais empático, e sim, investigar o funcionamento do cérebro nestes domínios. Da mesma forma, o objetivo imediato da NE não seria contribuir para a melhoria das práticas na sala de aula e sim, investigar as bases neurobiológicas dos processos de ensino e aprendizagem.
Se por um lado, a neurociência não se mostra prescritiva para a educação (Willingham, 2009), por outro, é através da investigação do hardware da aprendizagem, ou seja, daquilo que acontece entre o input e o output, que ela pode acrescentar um nível mais complexo de explicações a respeito dos processos de aprendizagem e dos possíveis meios para maximizar sua eficácia (Hille, 2011). Varma et al. (2008), sustentam que a investigação dos níveis de análises menos complexos pode ser útil para a educação. Para estas autoras, assim como a biologia traça um caminho de explicações da biologia molecular até a ecologia, também é possível traçar-se um caminho análogo de explicações neurobiológicas da neurociência até a educação.
Quase vinte anos após a primeira polêmica provocada por Bruer (1997), a literatura ainda mostra controvérsias a respeito das aplicações da neurociência à educação. Exemplo disso é o novo debate incitado por um artigo de Bowers (2016a). Em resposta ao referido artigo e com o objetivo de contestar seus argumentos céticos, um grupo de renomados pesquisadores da área (Howard-Jones et al., 2016) propôs uma nova definição de NE. Segundo este grupo, a NE seria uma tentativa de cooperação para a construção de pontes teóricas e metodológicas entre a neurociência cognitiva, a psicologia cognitiva e a prática educacional, sem imposição de hierarquias entre si. Estes autores deixam claro que a NE não estabelece uma ligação direta entre as mensurações cerebrais e as práticas na sala de aula. Ainda em resposta ao polêmico artigo, Gabrieli (2016), propõe um novo modelo integrativo, onde a NE deveria se vincular à ciência comportamental para produzir intervenções experimentais que, se efetivas, poderiam ser utilizadas em larga escala nas práticas escolares. Por sua vez, a consideração das necessidades educacionais deveria inspirar a direção das pesquisas em NE e dar prioridade ao desenvolvimento de intervenções.
A conclusão deste grupo de experts e do presente estudo é que, a longo prazo, a NE contribuirá para que alunos possam obter melhores desempenhos acadêmicos, ainda que seu objetivo direto não seja melhorar as práticas de ensino na sala de aula. Ou seja, a ponte entre a neurociência e a educação seria indireta e complexa. Os resultados deste estudo corroboraram estas considerações, mostrando que a neurociência está longe de satisfazer as expectativas daqueles professores que desejam pôr em prática o que leem na imprensa comum a respeito de pesquisas sobre o cérebro (OECD, 2002).
Uma das limitações deste estudo foi o restrito critério de inclusão de que, para melhor caracterizar o trabalho neurocientífico, os estudos deveriam conter mensurações do cérebro. Foram encontrados muitos estudos que possivelmente trariam contribuições para a educação, mas como não apresentavam mensurações do cérebro, não puderam ser incluídos no presente estudo. Sugere-se que futuros estudos ampliem o espectro dos critérios de inclusão, para que se possa alcançar uma visão mais ampla e acurada das possibilidades e limitações na relação entre a neurociência e a educação.
Referências
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Endereço para correspondência
E-mail: crismarxflor@gmail.com
Recebido em outubro de 2017
Aprovado em novembro de 2017
1 Cristiane Marx Flor: Doutoranda em Distúrbios do Desenvolvimento (UPM), Mestre em Neurociência Aplicada à Educação e Estudos da Criança (Leiden University), Psicóloga (USP) e Neuropsicóloga (FMUSP), Universidade Presbiteriana Mackenzie Rua da Consolação, 930 São Paulo-SP, 01302-907 (11) 2114-8000.