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Aletheia
versão impressa ISSN 1413-0394
Aletheia vol.51 no.1-2 Canoas jan./dez. 2018
ARTIGOS EMPÍRICOS - PSICOLOGIA
Análise da qualidade de laudos em avaliação psicológica forense
Quality analysis reports in forensic psychological assessment
Tanise Bavaresco1; Vinícius Renato Thomé Ferreira2; Tainá Katiúcia Simor e Simor3
IMED
RESUMO
A psicologia possui uma importante contribuição para outras áreas, em especial na avaliação forense. Através de uma análise documental, objetivou-se investigar trinta laudos psicológicos realizados em processos judiciais, buscando identificar como foi conduzida a avaliação psicológica e como se apresenta a qualidade do laudo redigido. Foi identificado que a maior parte dos laudos seguiu os aspectos formais da resolução CFP 07/2003, apresentando qualidade e relevância; houve maior frequência de pedidos gerais de avaliação psicológica do que específicas; houve uma maior realização de avaliações realizadas por psicólogos da rede pública; o número de sessões oscilou entre um e seis, e quase a metade dos laudos não informou este dado; a maior parte das avaliações foi emitida com base em entrevistas e houve um inexpressivo uso de instrumentos, além de alguma ocorrência da utilização de instrumentos sem indicação favorável pelo SATEPSI; todas as decisões judiciais consideraram elementos apontados na avaliação psicológica.
Palavras-chave: Avaliação psicológica; laudos psicológicos; psicologia forense.
ABSTRACT
Psychology has an important contribution to other areas, especially in the forensic assessment. This study, based on documentation analysis, aimed to investigate thirty psychological reports in order to identify how was conducted psychological assessment, and if the report offers written quality. It was identified that most reports presented quality and relevance and followed formal aspects of CFP resolution 7/2003; there was a higher frequency of generic requests than specific questions for psychological evaluation; most of assessments were done by psychologists at public work; the number of sessions ranged from one to six and almost half of the reports did not report this data; most of the assessments were issued based on interviews, occurred a reduced use of psychological instruments, as well was identified the use of non-favorable psychological instruments assessed by SATEPSI; and all court decisions considered the elements mentioned in the psychological assessment.
Keywords: psychological assessment; psychological documents; forensic psychology.
Introdução
O psicólogo tem seu campo de trabalho bastante abrangente, e a avaliação psicológica é uma de suas principais atividades. A avaliação antecede a intervenção, sendo considerada uma das habilidades essenciais a ser desenvolvida ao longo da formação profissional (Nunes et al., 2012). A avaliação psicológica tem por finalidade trazer a luz aspectos importante do sujeito avaliado, podendo produzir, orientar e encaminhar ações e intervenções. Neste sentido, faz-se necessário o domínio do profissional das várias áreas da psicologia para que possa associar e interpretar os dados levantados e propiciar a construção de novos saberes sobre o comportamento humano (Conselho Federal de Psicologia [CFP], 2010; Anache & Corrêa, 2010).
Uma das instâncias que crescentemente vem requisitando o trabalho do psicólogo, especialmente nas ações de avaliação, é o poder judiciário. A relação entre a psicologia e o direito vem ocorrendo desde meados do século XVIII; contudo, foi no século XX que a psicologia jurídica se constituiu no Brasil como área de atuação do psicólogo (Costa, Penso, Legnani & Sudbrack, 2009). Embora seja sabido que o papel do psicólogo junto ao judiciário não se limita à elaboração de avaliações, na perícia judicial essa continua sendo uma das grandes demandas. Isso se justificaria pela compreensão que a justiça tem de que a avaliação psicológica se constitui como prova técnica, permitindo conhecer o comportamento dos avaliados e suas motivações, e desta forma auxiliando os magistrados no momento de julgar e decidir (Shine, 2009; Polak, 2014; Biedermann, Bozza & Taroni, 2015; Yadav, 2017).
A qualidade do laudo psicológico emitido para fins jurídicos é de fundamental importância (Ferreira, 2015), visto que os elementos levantados sobre o comportamento do avaliado poderá ter impactos profundos na sua vida, e considerando que há uma decisão judicial em jogo. Desta forma, o laudo precisa favorecer a objetividade e que realmente auxilie o juízo com informações relevantes. Excesso de linguagem técnica, falta de clareza dos dados, insuficiente fundamentação técnica e falta de exposição de elementos relevantes ao caso, bem como sequência lógica e conclusão sem boa clareza, acabam prejudicando a confiabilidade nos resultados (Polak, 2014); ainda, devem-se evitar erros na elaboração dos documentos (Iudici, Salvini, Faccio & Castelnuovo, 2015) e preservar o equilíbrio do juízo do perito (Neal, 2016). Em função disso o Conselho Federal de Psicologia (CFP) lançou em 2007 uma cartilha sobre avaliação psicológica, com o objetivo de orientar quanto a questões éticas, teóricas e metodológicas os profissionais da psicologia. No que tange a questão de elaboração dos documentos a resolução 07/2003 do CFP institui o manual de elaboração de documentos escritos produzidos pelos psicólogos decorrentes de avaliações psicológicas. A criação do manual fez-se necessária na medida em que o campo da avaliação psicológica cresceu e os profissionais psicólogos foram requisitados em outros campos. Outro aspecto que justificou a elaboração dessa normativa é a frequência com que psicólogos são denunciados ao comitê de ética, com questionamentos quanto a qualidade dos documentos escritos (Shine, 2009). O manual oferece os princípios mínimos de qualidade e organização do material de avaliação, nas modalidades de parecer e laudo psicológico. Considera-se que estes requisitos sejam aplicáveis a todos os documentos intitulados desta forma e produzidos pelos psicólogos, o que incluiria aqueles com finalidades jurídicas.
Desta forma, considerando-se a qualidade exigida para a avaliação e a elaboração de documentos psicológicos derivados, objetivou-se investigar se documentos elaborados por psicólogos e destinados à avaliação a pedido da justiça estão observando e respeitando as diretrizes apontadas pelo CFP. Para tanto, foram analisados laudos psicológicos emitidos ao poder judiciário de uma cidade do interior do Rio Grande do Sul, visando identificar sua finalidade, qualidade de informação e redação.
Método
Foi realizada uma análise documental de 30 laudos psicológicos em processos judiciais, emitidos a pedido do juízo de uma comarca do interior do Rio Grande do Sul. Inicialmente houve autorização do juiz de direito responsável pela comarca para acesso aos processos, mediante explicação dos objetivos do estudo e das garantias de sigilo do material. Após a submissão e aprovação do projeto por comitê de ética em pesquisa (CAAE 41871114.0.0000.5319), iniciou-se a busca pelo material de análise do trabalho. Os materiais foram localizados e selecionados através de busca física, de forma não sistematizada, em processos já julgados em primeira instância e arquivados em uma sala específica do fórum, considerando o período temporal entre janeiro de 2009 a dezembro de 2013. Após a seleção dos processos, foi realizada a leitura inicial dos laudos e posterior tabulação e análise, visando levantar se estes documentos apresentavam os critérios mencionados na resolução 07/2003 do CFP.
Resultados
Nos laudos psicológicos analisados foram levantados os seguintes elementos: qual foi a natureza do processo, se a solicitação do juiz foi geral (p. ex., "avaliação psicológica") ou específica (visando identificar elementos como p. ex., relação interpessoal ou inteligência), quem realizou a avaliação psicológica (se psicólogo locado no serviço público ou profissional privado), se ocorreu a utilização de testes no processo de avaliação psicológica, quais técnicas e testes foram utilizados, quem foi avaliado, o número de sessões realizadas, se houve ou não diagnóstico ou indicação clínica apontado no laudo, se o mesmo atendeu à resolução 07/2003 do CFP, se a redação apresentou qualidade técnica e/ou relevância para o caso e se a decisão judicial considerou os elementos apontados pelo laudo.
Houve maior frequência de avaliação psicológica em processos visando medidas protetivas e adoção (n=22, 73,33%). O pedido emitido pelo juízo foi, na maior parte das vezes, genérico (n=19, 63,33%) e o perito psicólogo nomeado para avaliação estava locado na rede pública (n=20, 66,67%). Houve heterogeneidade em relação a quem foi avaliado, variando de uma pessoa a várias pessoas da família (pais, casal, etc.), considerando-se a natureza do pedido e do processo. Foi identificada uma média de 4,19 sessões por avaliação (desvio padrão de 1,68 sessões), sendo um mínimo de uma sessão (em um processo, 3,3%) e um máximo de seis sessões (em cinco processos, 16,66%). Em relação ao uso de testes, a maioria das avaliações utilizou entrevista clínica sem o uso declarado de instrumentos de avaliação psicológica (n=21, 70%). Quando foram utilizados instrumentos, houve predominância de testes projetivos (n=8, 77,8%) enquanto foi utilizada apenas uma escala em dois processos (n=2, 22,2%). Em relação à conclusão, em 17 processos (56,67%) houve diagnóstico e/ou conclusão. Considerou-se a ocorrência de qualidade e relevância na redação (clareza e informações relevantes ao pedido) em 18 documentos (60%), e que 22 deles (73,33%) atenderam aos critérios formais de apresentação da resolução CFP 07/2003. Por fim, observou-se que a decisão do juiz sempre considerou o que foi apontado nos laudos psicológicos (n=30, 100%).
A análise estatística (Chi-square) apontou que, na comparação entre a avaliação realizada entre peritos públicos e particulares, não houve diferença entre a utilização de testes na avaliação conduzida (X2=0,71; p=0,40), na quantidade de instrumentos utilizados (X2=3,74; p=0,15), no número de sessões utilizadas (X2=8,63; p=0,20), se o laudo atendeu a resolução 07/2003 (X2=2,13; p=0,14), e não houve diferença entre o número de sessões realizadas entre estes avaliadores (Mann-Whitney U=25,5; p=0,25). Nesta comparação, apenas apresentou diferença estatisticamente significativa a apresentação de diagnóstico e/ou conclusões (X2=4,3; p=0,03), sendo que a avaliação conduzida por avaliadores públicos apresentou mais estes elementos do que os peritos privados.
Se comparadas a avaliação entre uma solicitação geral ("avaliação psicológica") e uma solicitação mais específica de avaliação, observou-se que não houve diferença estatisticamente significativa na utilização ou não de testes na avaliação (X2=0,06; p=0,8), na quantidade de testes utilizados (X2=0,28, p=0,87) e se houve diagnóstico ou indicação clínica (X2=0,03; p=0,86). Contudo, quando o pedido do juiz foi geral, houve um número maior de sessões realizadas (Mann-Whitney U=7, p<0,0001), os laudos atenderam mais a resolução do CFP (X2=18,84; p<0,001) e os laudos apresentaram mais qualidade e relevância na redação (X2=7,67; p=0,006) em comparação a quando a solicitação foi específica. Deve-se observar que quase a metade dos laudos (n=14, 46,6%) não mencionou o número de sessões realizadas, dificultando a análise deste dado.
Considerando-se a utilização ou não de testes na avaliação, não foi identificada uma diferença estatisticamente significativa entre a natureza do processo (X2=0,21; p=0,97), no tipo de avaliador (X2=0,18; 0,67), no número de sessões realizadas (U=15,50, p=0,24), se houve diagnóstico ou indicação clínica (X2=0,1; p=0,75), se atendeu aos critérios da resolução do CFP (X2=2,93; p=0,08) e na qualidade e relevância da redação (X2=0,8; p=0,37). Apenas observou-se uma diferença estatisticamente significativa pela maciça não utilização de testes psicológicos na avaliação (X2=22,5; p<0,001), sugerindo que estas ferramentas não foram frequentemente utilizadas na avaliação para fins forenses.
Discussão
O levantamento das informações obtidas pelos processos judiciais aponta que houve maior frequência de pedidos gerais de avaliação psicológica do que solicitações específicas. Pode-se cogitar a possibilidade de considerar que o sistema judiciário careça de um conhecimento mais preciso a respeito do que uma avaliação psicológica pode oferecer; solicitações genéricas via de regra são mais difíceis de serem atendidas pelo perito, pois ao se solicitar uma "avaliação psicológica" um grande número de variáveis do comportamento pode ser considerado para a avaliação. Já é referenciado há muito no campo da avaliação psicológica que o principal ponto de partida para o trabalho do psicólogo é uma demanda clara do que deve ser avaliado (Cunha, 2000); desta forma, se o pedido é genérico, o trabalho do psicólogo fica dificultado, tendo em vista que um grande espectro de comportamento poderá ser alvo da avaliação. É possível que o perito e o juiz tenham mantido algum contato não escrito no sentido de clarear a demanda de investigação (o que não foi possível identificar neste trabalho), mas um registro escrito seria desejável, tanto para manter a clareza processual quanto para permitir análises do trabalho do perito. Uma das formas de sanar esta lacuna, em relação às solicitações, pode ser o aprofundamento nos cursos de direito e de formação de magistrados sobre o que o psicólogo faz, o que aumentaria a precisão do pedido judicial e favoreceria o entendimento e o julgamento do judiciário sobre a solicitação em questão. E por óbvio a formação do psicólogo também deveria ser sensível a esta demanda específica, devendo este tema ser abordado durante a graduação e em cursos específicos de avaliação psicológica.
Foi identificada uma maior ocorrência de laudos emitidos por psicólogos locados na rede pública (como p. ex. na saúde mental do município) do que peritos particulares. Este dado pode sugerir que o poder judiciário lança mão da estrutura do estado já existente para a realização da avaliação psicológica do que peritos particulares, o que pode em certa medida ser ocasionado pelos recursos financeiros das partes do processo. Psicólogos que estão na rede pública de atendimento usualmente fazem diversos trabalhos (Ronzani & Rodrigues, 2006) e atendem a diversas clientelas (Vanni & Maggi, 2005), e é possível que atendam também a demandas especializadas, como a avaliação psicológica. É importante assinalar que, mesmo que a formação de graduação do psicólogo abranja a avaliação psicológica, esta é uma área específica e especializada de trabalho e, portanto, o trabalho de avaliação exige conhecimentos e habilidades específicas. Esse elemento precisaria ser bem conhecido pelo juiz que nomeia o perito, para que a qualidade da avaliação atenda plenamente ao que está sendo solicitado.
Nos laudos avaliados o número de sessões oscilou entre um a seis e houve um grande número de documentos que não informou este dado, dificultando a análise desta variável. Uma avaliação psicológica para ser bem planejada no tempo e nas atividades necessita do conhecimento claro da demanda de trabalho (Cunha, 2000; Cohen, Swerdlik & Sturman, 2014). Não é possível avaliar se esta variabilidade de número de sessões foi suficiente para levantar o que foi solicitado pelo juízo, porque isso necessitaria de uma análise específica do processo de cada avaliação individual; contudo solicitações de avaliação com pedido genérico poderia exigir do profissional a realização de um maior número de sessões. Embora não haja um número mínimo de sessões para avaliação, é um ponto de reflexão a perspectiva das realizações de quatro sessões, em média, e sem o (provável) uso de instrumentos para a avaliação de situações que via de regra são complexas e que impactam de forma significativa na vida das pessoas pelo resultado judicial. Um fator que pode estar relacionado a este número reduzido de sessões é o exíguo prazo para o poder judiciário analisar provas e concluir o processo, o que pode levar o perito psicólogo a ter menos encontros com o avaliando e menos tempo para entregar o laudo pericial (Tavares, 2012; Shine, 2009; Machado & Matos, 2016). Contudo, se for este o caso, prazos reduzidos para a entrega de laudos psicológicos não deveriam ser motivo para uma avaliação eventualmente abreviada. A avaliação do número de sessões em relação à demanda judicial poderia ser uma sugestão importante de estudos futuros.
Os dados mostraram que 21 dos 30 laudos analisados foram emitidos essencialmente com base em entrevistas, constituindo-se em setenta por cento das avaliações, e apenas nove avaliações foram conduzidas utilizando entrevistas e testes. Sabe-se que a entrevista é de suma importância, pois a partir desta se estruturará grande parte do parecer (Freitas, 2013). No entanto, o uso de testagem psicológica é recomendado na avaliação forense, pois promove material mais objetivo e, além disso, a utilização de testes projetivos pode trazer a tona conteúdos que o sujeito gostaria de ocultar (Shine, 2009). Portanto, a baixa frequência de uso de instrumentos psicológicos nas avaliações judiciais é um ponto a ser refletido, visto que uma importante ferramenta de avaliação que são os testes psicológicos parecem estar sendo pouco explorados para finalidades judiciais. Uma das razões para o baixo uso de testes pode ser atribuído à escassez de treinamento durante a formação de graduação, que irá se refletir na prática profissional futura, e o conhecimento prévio e a habilidade de uso do instrumento são fundamentais para a seleção dos mesmos (CFP, 2007; Noronha & Reppold, 2010). Outro fator a ser considerado para o baixo uso de testes padronizados pode ser o custo, exigindo do perito um investimento financeiro nem sempre pequeno, onerando o processo de avaliação. Se for considerado que a maior parte dos peritos que realizou as avaliações estava locada em serviços públicos, deve-se considerar a eventual escassez de testes nestes serviços como um limitador de seu uso no processo de avaliação. Embora este fator não seja tecnicamente justificado, na prática ele deve ser considerado como uma variável para uma baixa frequência de uso.
Os dados da pesquisa evidenciaram que 30% dos laudos (n=9) continham entre 1 ou 2 testes aplicados, sendo que consistiram no HTP (Casa-Árvore-Pessoa), na EFE (Entrevista Familiar Estruturada), ESI (Escala de Estresse Infantil), DFH (Desenho da Figura Humana, versão adulta) e Fábulas. Destes laudos, a maioria trazia os resultados da avaliação de forma clara e objetiva e em dois laudos os testes apenas foram citados como instrumentos utilizados na avaliação, não tendo seus resultados descritos (os dois testes mencionados e não descritos foram o DFH e HTP, em processos diferentes). O teste de fábulas e o DFH versão adulta foram utilizados em dois laudos distintos (foi mencionado o uso do DFH adulto numa das avaliações, mas o mesmo não apareceu nos resultados do laudo); entretanto, estes testes apresentavam-se, na época da avaliação, sem parecer favorável pelo Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (SATEPSI). A estrutura do laudo psicológico, proposta pela resolução 07/2003 do CFP consiste na presença de no mínimo cinco itens, sendo eles: identificação, descrição da demanda, procedimento, análise e conclusão, sendo que a indicação dos instrumentos e procedimentos utilizados é necessária (CFP, 2003). Portanto, a ausência de menção dos testes como instrumentos utilizados no processo de avaliação é um indicador de inconsistência na redação do laudo. Finalmente, a utilização da testagem com padrão de qualidade se faz importante na medida em que pode corroborar ou afastar hipóteses sobre o comportamento do avaliando (Silveira, 2001). O uso de instrumentos favoráveis pelo SATEPSI é um elemento que aponta para a qualidade de avaliação, visto que os instrumentos passaram por uma revisão de especialistas que atestaram a qualidade do material. Todos os instrumentos utilizados em avaliação psicológica devem ter parecer favorável pelo SATEPSI, conforme o disposto na resolução 07/2003.
No que se refere à solicitação pelo judiciário para avaliações com peritos públicos ou particulares, observou-se que as mesmas são designadas tanto para uns quanto para outros, e comparando os dados não foi possível perceber grandes diferenças na qualidade do documento redigido. No entanto, a maior citação de diagnóstico e conclusão foi dada por peritos públicos. Esse dado pode estar sugerindo que peritos particulares tenham certa reserva no estabelecimento de uma conclusão ou diagnóstico, restringindo-se mais aos aspectos solicitados pelo juiz. Os honorários estabelecidos aos profissionais que trabalham no processo pericial são fundamentais na condução do planejamento da perícia, podendo influenciar em sua qualidade (Aguiar, Cabral, Silva & Silva, 2006). Esta variável pode ser mais bem investigada em estudos futuros.
Os resultados apontaram que aproximadamente três quartos (73,33%), dos laudos seguiram os aspectos formais da resolução, e no quesito qualidade e relevância o percentual foi ligeiramente menor (70%). Embora estes números possam parecer altos, deveriam ser maiores considerando-se o impacto na vida das pessoas pela influência na decisão judicial, aproximando-se substancialmente de cem por cento. O laudo psicológico é um documento científico e que deve ser elaborado com base técnica e utilizar todos os recursos dos quais a psicologia tem disponível (Shine, 2009). Logo, a forma de expor as informações, a clareza dos dados e de raciocínio, a fundamentação técnica, a exposição de elementos relevantes ao caso e a sequência lógica e conclusão são fundamentais para definir a confiabilidade do resultado e para poder auxiliar os juízes de forma consistente na tomada de suas decisões (Polak, 2014).
Um aspecto favorável à atuação do psicólogo como perito forense é o fato de que cem por cento das decisões judiciais estudadas ocorreram em harmonia com a posição ou direcionamento do laudo psicológico. Como cabe ao poder judiciário, na figura do juiz de direito, julgar e decidir, e estas decisões podem interferir na vida de uma ou mais pessoas, os magistrados vem requisitando o trabalho de psicólogos, utilizando seus conhecimentos como um elemento importante para auxiliá-los com as sentenças (Polak, 2014). Portanto, a compreensão do profundo impacto dos laudos psicológicos nas decisões judiciais deve ser considerada pelo perito durante o processo de elaboração do laudo.
Os resultados levantados por este estudo apontaram que aproximadamente três quartos dos laudos seguiram os aspectos formais da resolução 07/2003, e que sua maioria apresentou qualidade e relevância; houve maior frequência de pedidos gerais de avaliação psicológica do que solicitações específicas; foi identificada uma maior ocorrência de laudos emitidos por psicólogos locados na rede pública do que por peritos particulares; nos laudos avaliados o número de sessões oscilou entre um a seis, e grande parcela de laudos que não informou este dado; a maior parte das avaliações psicológicas foram emitidas com base em entrevistas e houve um reduzido uso de instrumentos psicológicos, além de alguma ocorrência de uso de instrumentos sem indicação favorável pelo SATEPSI; e finalmente, todas as decisões judiciais consideraram os elementos apontados na avaliação psicológica conduzida.
Os dados apresentados na pesquisa apresentam um cenário sobre a qualidade com que vem sendo realizadas as avaliações psicológicas para o judiciário. Embora não seja possível concluir que a qualidade seja insatisfatória, é necessário apontar que a atuação dos psicólogos na elaboração de avaliações para o contexto jurídico deve ser constantemente aperfeiçoada em benefício da sociedade e da profissão.
Um dos elemento essenciais para esse aprimoramento está na formação em graduação. Faz-se necessário que os cursos de psicologia invistam mais na instrumentalização dos graduandos no que se refere a avaliação psicológica, bem como há uma grande necessidade para que profissionais que se dispõem a trabalhar com perícia busquem investir em especialização compatível. Além disso, é fundamental que haja um monitoramento contínuo da qualidade dos laudos em diversos contextos, visto que a avaliação psicológica é uma prática exclusiva dos psicólogos e se constitui numa de nossas principais atribuições. A melhoria contínua da avaliação contribui de forma muito significativa para o reconhecimento social da profissão e para a identificação da importância do trabalho do psicólogo. Finalmente, a formação jurídica deve ter informações atualizadas e de qualidade a respeito do que é, como é realizada e no que pode contribuir a avaliação psicológica, o que favoreceria em muito a solicitação objetiva da demanda e o trabalho mais preciso do psicólogo.
Dentre as limitações deste estudo, podem ser apontadas a limitação geográfica e temporal do material coletado, restringindo-se a processos julgados em apenas uma comarca. Estudos mais amplos, que abranjam várias comarcas e considerem um maior período de tempo poderão oferecer novos elementos de análise.
A psicologia tem também como compromisso olhar para seu próprio campo de trabalho e atuação, pois desta forma poderá lançar um olhar crítico sobre sua prática e identificar áreas onde ainda precisa avançar. O reconhecimento crescente do estudo do comportamento humano por outras áreas, tais como a jurídica, representa um aval importante para a ciência e a prática psicológica. Nesse sentido, é fundamental que estudos consistentes sobre as práticas dos psicólogos sejam conduzidas, a fim de que a qualidade do serviço oferecido à comunidade seja continuamente aprimorado. O campo jurídico tem muito a ganhar com a colaboração da psicologia, e quanto mais os psicólogos e os operadores do direito estiverem cientes do potencial da avaliação psicológica, mais será possível fazer na concretização da justiça.
Referências
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Endereço para correspondência
E-mail: tani_psico@yahoo.com.br
Recebido em março de 2018
Aprovado em setembro de 2018
1 Tanise Bavaresco: Psicóloga, especialista em Avaliação e Diagnóstico Psicológico: Enfoque Clínico pela IMED.
2 Vinícius Renato Thomé Ferreira: Psicólogo, doutor em Psicologia pela PUCRS, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da IMED.
3 Tainá Katiúcia Simor e Simor: Mestranda em psicologia – IMED.