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Aletheia
versão impressa ISSN 1413-0394
Aletheia vol.51 no.1-2 Canoas jan./dez. 2018
ARTIGOS EMPÍRICOS - PROSAÚDE
Condições funcionais e respiratórias no pós-operatório de cirurgia bariátrica
Functional and respiratory conditions in the postoperative bariatric surgery
Andressa de Almeida Kuhn1; Débora Zucco2; Laura Jurema dos Santos3
Universidade Luterana do Brasil – ULBRA – Canoas/RS
RESUMO
O número de cirurgias bariátricas nos últimos anos vem crescendo gradativamente. Entretanto, estudos mostram que esta alternativa de tratamento torna os indivíduos mais suscetíveis a alterações pulmonares. O objetivo foi avaliar as condições funcionais e respiratórias ocasionadas pela cirurgia bariátrica. Foi realizado teste para avaliação da capacidade funcional de membros inferiores a partir do teste do degrau de seis minutos, força muscular periférica conforme escala Medical Research Council e também teste de manovacuometria para avaliação de força muscular respiratória no pré-operatório e no 5º pós-operatório. Foram avaliados 25 pacientes durante o estudo. Houve uma diminuição da capacidade funcional de membros inferiores e uma perda da força muscular respiratória expiratória dos pacientes no pós-operatório. Foi concluído que ha uma diminuição da capacidade funcional e da força muscular expiratória no pós-operatório de cirurgia bariátrica, sugere-se um protocolo de treinamento respiratório e periférico para esses pacientes.
Palavras-chave: Cirurgia bariátrica, obesidade, fisioterapia.
ABSTRACT
The number of bariatric surgeries in recent years has been growing steadily, however, studies shows that this alternative treatment makes individuals more susceptible to lung changes. The objective was to evaluate the functional and respiratory conditions caused by bariatric surgery. We performed a test to evaluate functional capacity of lower limbs from the six-minute step test, peripheral muscle strength according to the Medical Research Council scale and also a manovacuometry test to evaluate respiratory muscle strength in the preoperative and in the 5th postoperative period. Twenty-five patients were evaluated during the study. There was a decrease in functional capacity of lower limbs and a loss of expiratory respiratory muscle strength in the postoperative period. It was concluded that there is a decrease in functional capacity and expiratory muscle strength in the postoperative period of bariatric surgery, it is suggested a respiratory and peripheral training protocol for these patients.
Keywords: Bariatric surgery, obesity, physical therapy specialty.
Introdução
A obesidade é considerada uma epidemia mundial, podendo ser definida como uma doença crônica não transmissível caracterizada pelo acúmulo excessivo de gordura corporal, com perda importante na qualidade e no tempo de vida, podendo ser prejudicial à saúde (Steyer, Oliveira, Gouvêa, Echer & Lucena, 2016). O tratamento da obesidade visa à melhora da qualidade de vida e à diminuição da morbidade e da mortalidade de pacientes obesos por meio da redução da quantidade de massa corporal. O tratamento é baseado em mudanças de hábitos como a alimentação e a atividade física. Nos casos em que a obesidade traz prejuízos à saúde e o tratamento clínico não é eficaz, o tratamento cirúrgico é indicado, mesmo com suas possíveis complicações. (Ribeiro, Maia & Chefer, 2016).
Em algumas cirurgias podem ocorrer complicação no pós-operatório (PO), tais como redução dos volumes pulmonares, aumento da frequência respiratória e disfunção da mecânica respiratória (Barbalho-Moulim, Miguel, Forti, Campos & Costa, 2011). Embolia pulmonar, insuficiência respiratória, atelectasias e hipoventilação alveolar também são complicações citadas em outro estudo (Delgado & Lunardi, 2011). A Fisioterapia pode atuar tanto no pré-operatório quanto no PO, onde seu principal objetivo é diminuir as chances de complicações o sistema cardiovascular após o procedimento (Nassif et al., 2011). Os efeitos da anestesia geral, associados ao longo tempo de duração da cirurgia e à obesidade, aumentam as possibilidades de complicações pulmonares no pós-operatório (Baltieri, Santos, Rasera-Junior, Montebelo & Pazzianotto-Forti, 2015).
As alterações da espirometria são a alteração respiratória mais frequentemente vista após a cirurgia bariátrica (CB). Além da espirometria, testes pulmonares e funcionais são essenciais para fins de avaliação fisioterapêutica (Delgado & Lunardi, 2011). O teste do degrau de seis minutos, além de ser um teste simples, permite avaliar a capacidade de exercício do indivíduo (Vilaró, Resqueti & Fregonezi, 2008). O uso do manovacuômetro também é indicado já que é possível verificar a força muscular inspiratória e expiratória, como foi utilizado no estudo de caso de (Guerra, Conti & Depieri, 2005).
Battisti et al. (2017) concluíram que a abordagem fisioterapêutica é necessária para promover aumento das funções, maior independência funcional e de qualidade de vida em obesos mórbidos. Assim, o tratamento fisioterapêutico pré-operatório de cirurgia bariátrica provavelmente seja benéfico para a melhoria desses aspectos, além de concluir, através do teste Medical Research Council (MRC), que obesos com maior força muscular têm uma melhor qualidade de vida e independência funcional.
O presente estudo visa avaliar pacientes submetidos à CB no pré e PO a fim de mensurar e conhecer as condições funcionais e respiratórias consequentes do tratamento cirúrgico da obesidade mórbida, bem como correlacionar tais achados com as características da amostra. Pesquisas que relacionam força muscular respiratória e periférica, em pré-operatório e PO são escassas atualmente, e especificamente em CB, não foram encontradas publicações recentes com as escalas e testes utilizados no presente estudo.
Método
Esse foi um estudo de coorte prospectivo aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da ULBRA (Parecer nº 1.755.498), sendo realizado no período de setembro de 2016 a novembro de 2017 no Hospital Universitário de Canoas. Fizeram parte da pesquisa indivíduos adultos, de ambos os sexos que estiveram internados no hospital para realizar cirurgia bariátrica por via aberta. Os pacientes inicialmente foram selecionados através dos prontuários médicos. Foram excluídos pacientes que apresentaram hipertensão arterial sistêmica e/ou hipertermia antes dos testes, índice de massa corpórea (IMC) < 40 kg/m2, alguma limitação cognitiva a modo de comprometer a realização de algum dos testes e indivíduos que realizaram reintervenção cirúrgica por complicações no PO.
Os pacientes foram convidados a participar do estudo, receberam informações sobre a pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), redigido segundo as Diretrizes e Normas Regulamentadoras da pesquisa envolvendo seres humanos, constantes da Resolução do Conselho Nacional da Saúde nº 466/12. A ficha de coleta de dados dos pacientes continha as seguintes informações: dados de identificação, peso, estatura, IMC, fatores de risco, sinais vitais pré-teste e valores obtidos nos testes, tanto no pré-operatório quanto no PO. Após o paciente assinar o TCLE, foram verificados os sinais vitais e se estivessem estáveis, a coleta era realizada. Os pacientes foram submetidos ao teste de manovacuometria, MRC (Medical Research Counci) e o teste do degrau de 6 minutos no pré-operatório e no 5º dia de PO. Foi escolhido este dia no pós-operatório de forma aleatória, não há um estudo que diga qual o melhor PO para se realizar o teste novamente.
A manovacuometria foi utilizada a fim de mensurar a pressão inspiratória e expiratória (PImáx e PEmáx, respectivamente). O teste foi realizado com o paciente sentado, em um ângulo de 90° com os membros inferiores apoiados no chão, braços relaxados e nariz clampeado por um clip nasal. Para mensuração da PImáx, o avaliador solicitou expiração máxima ao paciente até alcançar o volume residual. Em seguida, o avaliador conectou a peça bucal do manovacuômetro na boca do paciente, ocluindo imediatamente o orifício do manovacuômetro e solicitou inspiração máxima sustentada por 2 segundos. Para mensuração da PEmáx, o avaliador solicitou uma inspiração máxima, ou seja, até a capacidade pulmonar total, então conectou o bucal do manovacuômetro na boca do paciente e ocluiu imediatamente o orifício enquanto o paciente realizou uma expiração máxima sustentada por 2 segundos. O procedimento foi repetido 3 vezes na inspiração e 3 vezes na expiração, respeitando intervalos de 1 minuto entre as tentativas.
O teste MRC teve o objetivo de graduar a força muscular periférica, a partir de seis movimentos voluntários e bilaterais: abdução do ombro, flexão de cotovelo, extensão do punho, flexão do quadril, extensão do joelho e dorsiflexão do tornozelo. O grau de força para cada movimento dá uma pontuação, onde 0 equivale a paralisia total, 1 contração visível sem movimento do segmento, 2 movimento ativo com eliminação da gravidade, 3 movimento ativo contra a gravidade, 4 movimento ativo contra a gravidade e resistência e 5 força muscular normal. A pontuação total é obtida pela soma de cada item, onde 0 equivale a tetraparesia completa, 36 pontos ou menos músculos severamente fracos, entre 37 e 48 pontos músculos com fraqueza significativa e de 49 a 60 pontos força muscular normal, segundo Vanhoutte et al. (2012).
O teste do degrau de 6 minutos avaliou a capacidade funcional de membros inferiores. O teste foi realizado com o paciente posicionado em ortostase em frente a uma plataforma de 20 cm de altura, conforme Marrara, Marino, Jamami, Oliveira e Lorenzo (2012). O avaliador orientou o paciente a subir e descer da plataforma, o mais rápido possível, sem usar os membros superiores que deviam ficar ao longo do corpo, alternando os membros inferiores, por 6 minutos. Em caso de cansaço durante este período, o avaliador orientou que o paciente retornasse assim que possível para o teste, pois o cronômetro não foi pausado. O avaliador contou o número de subidas no degrau, até o encerramento dos 6 minutos e esta foi a pontuação obtida no teste, na qual foi comparada no pré e PO.
O cálculo do tamanho da amostra foi baseado nos resultados de Barcelos, Dias, Forgiarini e Monteiro (2008). Com um tamanho de efeito mínimo de 0,5 desvio padrão entre as avaliações de capacidade funcional, nível de significância de 5%, poder de 80%, o tamanho amostral estimado pelo programa estatístico WinPepi versão 11.43 foi de 27 pacientes. As variáveis quantitativas foram descritas por média e desvio padrão e as variáveis categóricas por frequências absolutas e relativas. Para comparar médias, o teste t-student para amostras pareadas foi aplicado. As associações dos parâmetros com idade e IMC foram realizadas pelo coeficiente de correlação de Pearson. O nível de significância adotado foi de 5% (p<0,05) e as análises foram realizadas no programa SPSS versão 21.0.
Resultados
No período do estudo foram observados 27 pacientes, destes 25 entraram para o estudo. Os demais pacientes foram excluídos por desistência da cirurgia.
A tabela 1 representa a caracterização da amostra onde podemos observar a prevalência do sexo feminino (96%). Observa-se também uma média de peso de 137,8 kg.
Na figura 1 observa-se a correlação do teste de degrau de 6 minutos e a idade dos pacientes. Houve uma associação limítrofe entre idade e a variação no teste do degrau (r=0,417; p=0,096), sendo que os mais jovens foram os que tenderam a reduzir mais os valores. Não houve associação estatisticamente significativa entre as mudanças observadas nos demais parâmetros funcionais com a idade e o IMC prévio.
Na tabela 2 pode-se observar que houve uma perda de peso significativa após a cirurgia. Observamos também uma diminuição significativa da força muscular expiratória. Já no TD6, notamos um declínio significativo da capacidade funcional de membros inferiores no PO.
Discussão
No período do estudo foi possível observar um declínio da força muscular expiratória e da capacidade funcional de membros inferiores dos pacientes. Também foi possível analisar que os pacientes não perderam força muscular periférica no pós-operatório, uma vez que todos mantiveram a mesma pontuação obtida no pré-operatório.
No presente trabalho observamos que houve uma perda da força muscular respiratória, especialmente na PEmax nos pacientes após a cirurgia bariátrica. Paisani, Chiavegato e Faresin (2005) também utilizaram a manovacuometria e encontraram a pressão inspiratória e expiratória diminuídas no 1º e 3º PO e ainda ressaltaram que até o 5º PO os pacientes ainda não tinham retornado aos valores referentes ao pré operatório. outro estudo de Parreira et al. (2012) também avaliou força muscular respiratória neste mesmo grupo de pacientes, porém a longo prazo, após 36 meses da CB, e concluíram que após esse período a força muscular inspiratória aumentou significativamente e a força muscular expiratória retornou os valores do pré-operatório.
O MRC também foi avaliado neste estudo, onde foi observado que os pacientes chegaram para realizar a cirurgia sem alteração da força muscular periférica e que após a cirurgia não houve perda destes valores, todos se mantiveram iguais. Já Silva et al. (2017) realizaram um estudo com obesos em preparo para a CB e identificaram que boa parte da amostra tinha perda da força muscular periférica e da capacidade funcional, onde correlacionaram esta perda com a obesidade sarcopênica, também descrita por Lopes et al. (2013).
Também foi possível observar nesta pesquisa que os pacientes têm uma perda da capacidade funcional de membros inferiores após a CB. Foi utilizado o TD6 para esta avaliação. Vilaró et al. (2008) indicam o uso deste teste tanto em avaliações pré e PO e Oliveira et al. (2016) apontam o teste como também um modo de estimar a tolerância do paciente ao exercício. Já Morais (2016) realizou esse mesmo teste em um programa de exercícios físicos com pacientes obesos, porém não em âmbito hospitalar e concluiu que os números de degraus aumentaram após o programa com esses indivíduos.
Nosso método escolhido para avaliar a capacidade de membros inferiores foi o TD6, pois existem poucos estudos com este teste e não encontramos nenhum com paciente hospitalar, apenas ambulatorial. Já Gontijo et al. (2011) optaram por utilizar o teste de caminhada de seis minutos (TC6M) para avaliar indivíduos obesos por ser um teste prático e que também determina o estado funcional do paciente, neste estudo foi possível concluir que pacientes obesos percorrem uma menor distância no teste quando comparado com pacientes eutróficos. No estudo de Nascimento et al. (2014) também foi escolhido este teste já que ele avalia a resposta global e integrada dos sistemas envolvidos durante o exercício, onde o objetivo era correlacionar a qualidade do sono com a tolerância ao esforço em pacientes com sobrepeso e apneia obstrutiva do sono, porém não foi encontrado relação entre eles.
É possível observar na tabela 1 uma prevalência do sexo feminino e uma idade média de 39 anos na amostra estudada. No estudo de Silva-Neto et al. (2014) também é observado um maior número de mulheres (72%) e idade média de 44 anos. Vale ainda ressaltar que a média do IMC do nosso estudo foi de 51 kg/m2 e no estudo citado acima foi de 53 kg/m2, o que nos mostra uma semelhança na caracterização da amostra nos estudos com pacientes obesos. Delgado e Lunardi (2011) realizaram uma revisão de literatura sobre as complicações pós-operatórias da cirurgia bariátrica, concluindo que na medida em que o IMC aumenta, há aumento consequente da incidência de complicações respiratórias pós-operatórias.
Os pacientes neste trabalho realizaram Fisioterapia a partir do 1º PO da cirurgia bariátrica. O objetivo não foi avaliar os efeitos da Fisioterapia, porém vale ressaltar que há uma padronização no atendimento destes pacientes durante o período de internação na Unidade de Terapia Intensiva. Um estudo descrito por Barbalho-Moulim et al. (2011) com pacientes obesos analisou PImax e PEmax no pré e PO, onde também houve diminuição dos resultados na manovacuometria, porém não foi descrito se houve acompanhamento fisioterapêutico após a cirurgia. Outro estudo realizado por Oliveira (2016) com pacientes que realizaram CB teve como objetivo comparar dois grupos: o grupo que realizou Fisioterapia do 30º ao 60º dia de PO e o grupo que só recebeu orientação fisioterapêutica. O estudo concluiu que o programa de tratamento neste período melhorou a capacidade funcional avaliada pelo TC6M, porém não modificou a força muscular respiratória, comparando os valores avaliados na manovacuometria.
A fisioterapia no pré-operatório, nem sempre é realizada, normalmente os pacientes recebem orientações e informações sobre a importância da tosse e deambulação precoce, além de como realizar exercícios respiratórios no preparo para a cirurgia (Paisani et al., 2005). Porém Silva (2009) realizou fisioterapia no pré-operatório de CB a fim de tentar melhorar função pulmonar antes da cirurgia concluindo que um programa de fisioterapia respiratória é capaz de melhorar volumes, capacidade pulmonar e força muscular respiratória em obesos mórbidos. Dalegrave (2015) realizou uma revisão de literatura concluindo que a fisioterapia é de grande importância na prevenção de complicações respiratórias no PO, tendo em vista que o elevado tempo cirúrgico e anestésico aumentam as chances de complicações.
O fator limitante durante o estudo foi a pouca quantidade de cirurgias realizadas, prolongando assim o período de coleta de dados.
Considerações finais
No presente estudo foi concluído que os pacientes que realizam cirurgia bariátrica têm uma perda da força muscular expiratória e da capacidade funcional de membros inferiores no pós-operatório imediato. Com isso, sugere-se um protocolo de Fisioterapia com treino muscular respiratório e periférico.
Referências
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Endereço para correspondência
E-mail: dessa.kuhn@hotmail.com
Recebido em dezembro de 2017
Aprovado em março de 2018
1 Andressa de Almeida Kuhn: Fisioterapeuta, pós-graduanda – Universidade Luterana do Brasil – ULBRA – Canoas/RS.
2 Débora Zucco: Fisioterapeuta – Universidade Luterana do Brasil – ULBRA – Canoas/RS.
3 Laura Jurema dos Santos: Orientadora, docente do Curso de Fisioterapia da Universidade Luterana do Brasil – ULBRA – Canoas/RS. Av. Farroupilha, 8001. Bairro São José, Canoas/RS, Brasil CEP: 92425-900.