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Aletheia
versão impressa ISSN 1413-0394
Aletheia vol.52 no.1 Canoas jan./jun. 2019
ARTIGOS EMPÍRICOS - PROMOÇÃO DA SAÚDE
Direito do consumidor às informações nos rótulos dos alimentos: perspectiva de profissionais envolvidos em políticas públicas
Consumer rights to information on food labels: Perspective of professionals involved in public policy
Mônica Cecília Santana Pereira1,I; Maria Cristina Pinto de Jesus2,II; Helena Siqueira Vassimon3,III; Lilian Cristina Gomes do Nascimento4,IV; Maria de Fátima Lobato Tavares5,V
IAlfa Faculdade de Almenara
IIUniversidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)
IIIPrefeitura de Ribeirão Preto
IVUniversidade de Franca Escola
VNacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, Fiocruz
RESUMO
Os rótulos podem contribuir para o exercício da autonomia decisória do cidadão na escolha de alimentos. Objetivou-se compreender a perspectiva de profissionais envolvidos em políticas públicas de alimentos sobre o direito do consumidor às informações nos rótulos de alimentos. Trata-se de uma pesquisa social do tipo descritivo-exploratório, de abordagem qualitativa que entrevistou, individualmente, 15 atores sociais dos setores público, incluindo o setor regulador; sociedade civil; industrial e academia e analisou memórias de reuniões do grupo de trabalho de revisão da rotulagem geral e nutricional. O resultado foi expresso em três categorias temáticas: "Rótulos dos alimentos: instrumento de informação e conscientização", "Rótulos dos alimentos versus propaganda", e "Rótulos dos alimentos e o Guia alimentar". As evidências produzidas podem apoiar profissionais que atuam direta ou indiretamente com o consumidor a elaborar estratégias que o auxiliem na escolha alimentar utilizando os rótulos dos alimentos, como instrumento de promoção da saúde.
Palavras-chave: Rótulos de alimentos; Promoção da saúde; Alimentação saudável.
ABSTRACT
The labels can contribute to the exercise of the decision autonomy of the citizen in the choice of food. The objective was to understand the perspective of professionals involved in public food policies on the consumer's right to information on food labels. It is a descriptive-exploratory social research, with a qualitative approach that interviewed, individually, 15 social actors from the public sectors, including the regulatory sector; civil society; industrial and academia and reviewed memoirs of the General and Nutrition Labeling Review Working Group meetings. The result was expressed in three thematic categories: Food Labels: Information and Awareness Tool, Food Labels Versus Advertising, and Food Labels and the Food Guide. The evidence produced can support professionals who act directly or indirectly with the consumer to devise strategies that help them to choose food using food labels as a tool to promote health.
Keywords: Food labeling; Health promotion; Healthy diet.
Introdução
Por meio da alimentação, procura-se, além de satisfazer as necessidades nutricionais básicas, promover saúde e reduzir o risco de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), como obesidade, hipertensão arterial sistêmica, osteoporose, diabetes mellitus e cânceres (Malta et al., 2015). Na busca pela promoção da saúde, os rótulos dos alimentos podem ser compreendidos como um importante instrumento de comunicação, capaz de fornecer informações que contribuam para o exercício da autonomia decisória do cidadão.
A Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN) determina que o protagonismo dos cidadãos deve ser reconhecido e incentivado assegurando dessa forma os direitos constitucionais à saúde, à informação verdadeira e a alimentação adequada e segura. Entretanto, para fazer valer seus direitos, o cidadão requer ser empoderado de modo a ampliar sua capacidade de interpretação sobre si e sobre o contexto que o envolve (Ministério da Saúde, 2012).
Em especial, a rotulagem nutricional pode ser um instrumento capaz de proporcionar conhecimento e mudança de comportamento, sendo apontada como uma das estratégias políticas para prevenção da obesidade (Hawkes et al., 2015). Trabalhados de forma efetiva e consciente, com linguagem menos técnica e legibilidade adequada, os rótulos podem contribuir para a redução de gastos pelo sistema de saúde com a obesidade e outras DCNT (Roberto et al., 2015; Silva & Senger, 2014).
Estudos mostraram que vêm crescendo as questões acerca do não cumprimento dos direitos do consumidor em relação ao uso das Informações Nutricionais Complementares (INC) disponibilizadas nos rótulos dos alimentos. A redução de sal, de açúcar e de gordura trans, por exemplo, apresenta-se nas INC, o que é benéfico à saúde dos consumidores. Contudo não será benéfico se a redução do açúcar for acompanhada de aumento no teor de gordura, ou se houver a adição de vitaminas e minerais sintéticos em alimentos e bebidas com alta densidade energética. Além disso, embora conste do rótulo que o produto é "light", este apresenta uma diminuição na quantidade de sódio, açúcar, gordura, mas continua possuindo concentrações muito maiores desses ingredientes do que os níveis recomendados (Monteiro et al., 2016; Rodrigues et al., 2016).
A literatura científica mostra que, a atenção para a confecção dos rótulos deve ser direcionada para a apresentação visual das informações nutricionais, levando em conta a carência de entendimento dessas informações pelos consumidores. Consumidores norte-americanos revelaram que a forma como as informações nutricionais encontramse dispostas nos rótulos e o tamanho de fonte não facilitam a utilização das informações (Schindler, Kiszko, Abrams, Islam & Elbel, 2013). Os estudos de Hersey, Wohlgenant, Arsenault, Kosa e Muth (2013) indicaram que os consumidores interpretavam mais facilmente informações nutricionais quando se incorporam cores aos textos e símbolos com informações resumidas do que quando havia apenas informações numéricas e orientações dos valores diários expressos em porcentagem e/ou gramas.
Entre os brasileiros, pesquisas mostram que são altos os percentuais de respostas dos consumidores que dizem ler os rótulos dos alimentos, porém a informação mais consultada é a data de validade. Os consumidores possuem uma tendência a ler o rótulo dos alimentos, o que acham importante; no entanto, observa-se que eles ainda detêm baixo conhecimento com relação à tabela nutricional e à lista de ingredientes, o que dificulta a realização de escolhas mais saudáveis (Silva & Senger, 2014; Soares, Moura & Silva, 2016).
Apesar dos vários entraves e conflitos de interesses existentes na área de alimentos, entre eles o número excessivo de legislações para a confecção de um rótulo; processo regulatório moroso; informações muito técnicas e em excesso nos rótulos que carecem de regulação do design e melhorias na combinação das informações obrigatórias na rotulagem; carência de informação nos alimentos in natura, o Brasil vem promovendo melhorias das informações presentes nos rótulos de alimentos, haja vista a revisão dos regulamentos técnicos de rotulagem (Almeida, 2015; Brasil, 2014a; Pereira et al., 2014).
Tendo em vista a importância dos profissionais que atuam na elaboração e fiscalização de normas sobre rotulagem de alimentos, considera-se relevante investigar o ponto de vistas desses profissionais sobre os rótulos de alimentos. A seguinte questão norteou esta pesquisa: qual a perspectiva dos profissionais envolvidos em políticas públicas sobre o direito do consumidor às informações nos rótulos de alimentos? Objetivou-se com o presente estudo compreender a perspectiva de profissionais envolvidos em políticas públicas sobre o direito do consumidor às informações nos rótulos de alimentos.
Método
Desenho do estudo e participantes
Pesquisa social em saúde do tipo descritivo-exploratório, de abordagem qualitativa, que possibilitou o aprofundamento no universo dos significados das ações e relações humanas que não são perceptíveis e nem captáveis em equações, médias e estatísticas. A amostra foi intencional e o número de participantes foi definido tendo por base os princípios de saturação da pesquisa qualitativa que considera ideal aquela amostra que reflete, em quantidade e intensidade, as múltiplas dimensões do fenômeno investigado e busca a qualidade das ações e das interações em todo o decorrer do processo de pesquisa (Minayo, 2017).
Foram ouvidos atores sociais que integram instituições relacionadas diretamente com a redação, revisão e aprovação da regulamentação das políticas públicas de alimentos no Brasil, em especial de rotulagem de alimentos. Incluíram-se profissionais do setor público federal, inclusive órgãos reguladores: Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (Mapa), Coordenação Geral de Alimentação e Nutrição e também dois deputados federais.
Da academia incluíram-se representantes do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo, do Laboratório de Ensino e Pesquisa em Alimentação e Nutrição da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz e do Núcleo de Pesquisa de Nutrição em Produção de Refeições (Nuppre) da Universidade Federal de Santa Catariana (UFSC).
Da sociedade civil organizada participaram profissionais do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, do Conselho Federal dos Nutricionistas e um dos responsáveis pelo site Desrotulando. Do setor industrial, incluíram-se profissionais da Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação e do Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital).
Para seleção das instituições, verificaram-se aquelas que participaram da revisão da Política Nacional de Alimentação e Nutrição. Foi considerado o papel das instituições no apoio à alimentação saudável e na luta por melhorias nos rótulos de alimentos. O último critério de seleção foi a viabilidade de acesso geográfico, tendo sido escolhidas as três cidades onde se concentrava a maioria dos representantes (Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro). Com relação à seleção dos entrevistados, os mesmos deveriam ser representantes sociais do setor público (incluindo setor regulador), da sociedade civil organizada, da academia e do setor industrial das instituições previamente selecionadas.
Coleta dos dados
Para a obtenção dos dados, a pesquisadora principal, em doutoramento, utilizou duas técnicas: a entrevista individual semiestruturada e a análise documental. O roteiro semiestruturado da entrevista foi construído a partir de quatro eixos temáticos: Legislação de rotulagem de alimentos e o direito do consumidor; Entraves e melhorias nos rótulos e na qualidade nutricional dos alimentos; Rótulos e a qualidade nutricional dos alimentos no cenário das políticas; Iniciativas sobre rotulagem de alimentos e alimentação saudável. O presente manuscrito centrou nos resultados relativos à temática "direito do consumidor às informações nos rótulos dos alimentos".
O período de coleta das entrevistas foi de setembro de 2015 a fevereiro de 2016. O entrevistado definiu local, dia e horário da entrevista, tendo sido seis entrevistas realizadas presencialmente e nove por meio do Skype, totalizando 15 depoimentos. Todas as entrevistas foram realizadas após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido; gravadas em áudio MP3, com duração média de uma hora cada. As entrevistas presenciais aconteceram em sala privativa a fim de que os participantes se sentissem à vontade e seguros para verbalizarem sua perspectiva sobre os rótulos de alimentos.
A partir das entrevistas iniciais, novos participantes foram indicados e, então, utilizou-se a técnica de amostragem snowball sampling (bola de neve) (Polit & Beck, 2011). Nessa técnica de amostragem não probabilística, os indivíduos selecionados para serem estudados sugerem novos participantes da sua rede de amigos e conhecidos. Entre as sugestões apresentadas pelos entrevistados, três se destacaram, sendo Campinas/SP, Florianópolis/SC e Porto Alegre/RS que correspondem respectivamente ao Ital, ao Nuppre e a um dos responsáveis pelo site "Desrotulando".
Para a análise documental, utilizou-se um roteiro semiestruturado, organizado a partir dos temas constantes do roteiro da entrevista. Este possibilitou a seleção de oito memórias do total de 17 analisadas, sendo três do grupo de trabalho de revisão da rotulagem geral (GTRRG) e cinco do grupo de trabalho de revisão de rotulagem nutricional (GTRRN).
Foram excluídas as memórias das reuniões que ficaram restritas apenas a representantes da Anvisa, Mapa, setor industrial e Ministério da Justiça e mantidas as memórias que continham representantes dos quatro setores: público, incluindo o setor regulador; sociedade civil; industrial e academia. Foi solicitada à Gerência Geral de Alimentos (Ggali)/Anvisa, órgão responsável pela cessão dos documentos, a autorização para publicizar os dados apresentados nas memórias das reuniões. A Agência concedeu a autorização via e-mail, no qual declarou se tratar de memórias das reuniões de documentos públicos.
Ordenação e análise dos dados
O material foi organizado em categorias e subcategorias temáticas e analisado com base no referencial de análise de conteúdo (Minayo, 2013). Inicialmente as entrevistas foram transcritas e as gravações foram ouvidas atentamente. A partir de uma segunda leitura, foram realizados os recortes nas entrevistas. Os fragmentos das entrevistas com os significados emergidos dos depoimentos que respondiam aos objetivos do estudo foram agrupados em categorias e subcategorias. Ao final do processo de ordenação das entrevistas, dedicou-se o mesmo cuidado de leitura e análise às memórias das reuniões.
O compilado de resultados obtidos na pesquisa possibilitou a triangulação dos dados, o que contribuiu para a convergência de evidências e ajudou a reforçar a validade dos dados apresentados no estudo. Para discutir os resultados obtidos, utilizou-se de referencial bibliográfico que permitiu a fundamentação teórica e subsidiou o processo de compreensão e interpretação do objeto estudado.
Da análise dos depoimentos de profissionais que integram instituições relacionadas diretamente às políticas públicas de alimentos no Brasil, emergiram três categorias temáticas: "Rótulos dos alimentos: instrumento de informação e conscientização", "Rótulos dos alimentos versus propaganda" e "Rótulos dos alimentos e o Guia alimentar".
A pesquisa foi aprovada pelo comitê de ética em pesquisa com seres humanos da Universidade de Franca e registrada sob o Parecer nº 1.220.919/2015 e CAAE: 452.19715.0.0000.5495.
Resultados e discussão
A categoria profissional da maioria dos entrevistados era de nutricionista, com tempo de atuação em políticas públicas entre 5 a 30 anos. Em relação ao gênero, houve equilíbrio entre o número de homens e mulheres.
Categoria 1 – Rótulos dos alimentos: instrumento de informação e conscientização
Para os entrevistados, o conteúdo disposto nos rótulos nem sempre exerce o papel de informar para promover escolhas alimentares saudáveis: "A rotulagem de alimentos não é utilizada como um método de comunicação que seja compreensível para o cidadão, o direito dele à informação não está garantido". (Participante 1). [...]. "É fundamental que o rótulo seja um instrumento que empodere o consumidor com relação às suas escolhas alimentares [...] ". (Participante 13).
Os rótulos têm muitas informações contraditórias. O que acontece é que as empresas destacam as informações positivas, as características que fazem bem à saúde, e as características negativas são escondidas. Eles colocam de uma forma que as pessoas não entendem [...] as informações acabam não ficando claras. Então, não estão cumprindo com o direito do consumidor. (Participante 11)
"[...] um produto destinado ao público infantil, por exemplo, cujo rótulo supervaloriza o leite [...], mas o produto está cheio de açúcar, isso desrespeita o direito do consumidor". (Participante 15).
A análise das memórias da reunião do GTRN mostra a preocupação dos profissionais envolvidos em políticas públicas quanto à necessidade de observar o disposto no Código de Defesa do Consumidor, em relação ao direito à informação adequada e clara acerca das características, composição, qualidade e riscos dos alimentos (GTRN – 03/12/2014). Para a rotulagem ser considerada um canal de comunicação efetivo, exercendo adequadamente sua função de informar, o consumidor deveria ter plenas condições de apropriar-se do seu conteúdo do rótulo (Marins, Araújo & Jacob, 2014).
Estudo de intervenção educativa realizado em Natal/RN com 118 estudantes maiores de 18 anos de uma instituição de ensino de formação técnica mostrou resultados positivos. Foram dadas orientações, utilizando folders sobre informações nutricionais e seu uso para escolhas alimentares saudáveis, assim como houve a participação dos estudantes em uma exposição dialogada em relação à rotulagem nutricional e sua ligação com as escolhas alimentares e as doenças crônicas não transmissíveis. Isso elevou o número de participantes que consultavam as informações nutricionais e também aumentou o nível de compreensão dos mesmos acerca dessas informações (Souza, Lima & Alves 2014).
O uso do rótulo de alimento com o propósito de fortalecimento da autonomia do consumidor na pretensão de escolhas alimentares saudáveis é uma realidade que se faz presente nas políticas de saúde brasileira. A rotulagem de alimentos está inserida no Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Plansan) 2016-2019, com duas metas a serem cumpridas. A primeira delimita que, até 2018, a Anvisa disponibilize em seu portal eletrônico, em formato apropriado ao consumidor, informações que permitam a correta interpretação da rotulagem de alimentos. A segunda meta propõe a revisão das resoluções de rotulagem geral e rotulagem nutricional até 2019 (Brasil, 2016b).
O fato de a informação estar disponibilizada no rótulo não assegura escolhas saudáveis e nem a proteção do consumidor. Os entrevistados ressaltaram a questão da heterogeneidade de condutas frente ao hábito de ler os rótulos dos alimentos:
[...] o rótulo em si não é garantia de escolhas saudáveis. [...]às vezes, é passado como se a rotulagem de alimento fosse resolver todo o tipo de problema, e não vai. [...] porém, sem a rotulagem, os problemas com certeza seriam muito maiores. [...] a rotulagem não resolve todos os problemas de saúde, e nem tem como função resolver. A função da rotulagem é informar [...]. (Participante 3)
[...] a população brasileira é muito heterogênea, o que dificulta o entendimento [...] ou o consumidor não entende porque não sabe da importância, não sabe o que consultar no rótulo, ou ele sabe, mas não se interessa pelas informações, só vê o que interessa para ele [...]. Outra questão é que o consumidor não tem o hábito de ler o rótulo [...]. (Participante 2)
[...] o rótulo traz a marca, e a primeira coisa que fazemos é olhar aquela marca [...]. [...] muitas vezes, a última coisa que o consumidor olha é se o produto é nutritivo. [...] vai depender do grau de informação, de preocupação que o consumidor tem com relação a sua alimentação. (Participante 5)
Investigação realizada com consumidores, profissionais da saúde e técnicos do governo e da indústria alimentícia aponta entre os motivos que impulsionam a leitura dos rótulos os problemas de saúde, a prevenção de doenças, a religião, o interesse por emagrecer, o interesse por não engordar, a curiosidade de se informar sobre a composição do alimento e a realização das escolhas por meio das comparações entre produtos/marcas (Silva & Senger, 2014).
Salienta-se que, no cenário brasileiro, o consumidor é denominado de "acomodado", "pouco crítico", por não estar habituado a ser promotor de suas próprias demandas, a não ser em casos que ocasionem riscos ou em que ele seja lesado. Em outras situações, o consumidor é visto como "vítima" do sistema social, carente de conhecimento e de educação. No entanto, o ideal é que ele seja caracterizado como "cidadão" que quer se engajar na luta pela garantia de seus direitos legais (Marins, Araújo & Jacob, 2014).
Com a aplicação de 500 questionários em supermercados entre novembro de 2013 a março de 2014, para avaliação do conhecimento a respeito da rotulagem nutricional, um projeto de extensão realizado pela Universidade Federal de Goiás (UFG), denominado "Rotulagem Nutricional: conheça o que você consome", pôde verificar que a maioria dos indivíduos entrevistados não possuía o hábito da leitura de rótulos de alimentos e/ou não detinha conhecimento suficiente para compreensão de termos como contém/não contém glúten, fenilalanina, diet, light, e até mesmo de termos mais simples como proteína, carboidratos, colesterol, entre outros (Santos, Araújo, Soares, Jesuíno & Morais, 2016). Nesse sentido, salienta-se a importância de os consumidores entenderem as informações dos rótulos de produtos alimentícios e saber como usá-las a seu favor (Marins & Jacob, 2015).
Para os profissionais entrevistados, o rótulo de alimentos deveria ser utilizado para promover educação alimentar e nutricional. Se trabalhadas como ações educativas, as informações trazidas pelos rótulos poderiam auxiliar os consumidores a escolher alimentos saudáveis:
[...] usar o rótulo como um elemento informativo de saúde deveria ser uma ação educativa mais ampla, que envolvesse não só o Mapa, a Anvisa, mas que envolvesse o próprio Ministério da Saúde nos Postos de Saúde, o Ministério da Educação nas escolas. (Participante 4)
"[...] ações públicas educativas parecem ainda muito incipientes. [...] o acesso a essa informação educativa não é muito fácil [...]". (Participante 6).
[...] tem que ter um trabalho de base, não tem jeito. Campanhas educativas. [...] não adianta ter uma visão de eventos, episódios, campanhas pontuais, é preciso que haja um trabalho de efetiva educação para a cidadania em geral e, no caso da educação, para uma alimentação, para vida saudável. (Participante 7)
Na escola, ensinar os meninos e as meninas que eles devem ler o rótulo dos alimentos, o que tem nos rótulos dos alimentos, o que significa alimentar-se saudável, o que ele está fazendo consigo mesmo quando se alimenta mal [...]. (Participante 9)
Nas memórias da reunião do GTRN, registrou-se a fala do representante da Confederação Nacional da Indústria sobre a importância da educação para que o rótulo seja entendido e utilizado corretamente pelo consumidor. Contudo, segundo o representante do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, as limitações na educação e conhecimento nutricional da população brasileira não podem ser utilizadas para justificar a manutenção de um modelo de rotulagem demasiadamente técnico e de difícil entendimento (GTRN – 03 e 04/12/2015).
Categoria 2 – Rótulos dos alimentos versus propaganda
Na visão dos entrevistados, o consumidor brasileiro é pouco crítico e está muito suscetível à linguagem mercadológica e publicitária utilizada nos rótulos: "[...] tomamos consciência nos últimos anos que temos que olhar a frente e o verso do rótulo. Porque, na frente do rótulo, tem um comercial, ali é que está a propaganda [...]" (Participante 14).
[...] o cidadão-consumidor está muito suscetível à linguagem mercadológica e publicitária que é utilizada nos rótulos. [...] às vezes, a pessoa compra um produto porque no rótulo consta alguma alegação de qualidade, algum personagem ou imagem atrativa que induz a pessoa ao consumo, sem que ela necessariamente entenda o que está disponível na informação nutricional, nos ingredientes ou, até mesmo, saiba o que está comprando [...]. (Participante 13)
A partir do momento que o rótulo se torna uma peça de publicidade, essa questão, por exemplo, de agregação de vitaminas, ou redução de um nutriente ou outro, tudo isso fica magnificado dentro do rótulo [...]. O importante é que consigamos ter uma discussão do produto como um todo, e não da qualidade específica de um nutriente ou outro [...]. Não existe um monitoramento adequado, não existe fiscalização adequada, não existe uma política, uma estratégia estabelecida e desenvolvida de informação, de comunicação e de educação. (Participante 12)
Registrou-se nas memórias da reunião do GTRN que as embalagens de alimentos industrializados desempenham um papel importante na comunicação das propriedades nutricionais dos alimentos, mas que as áreas mais visíveis, como, por exemplo, o painel principal, são geralmente reservadas para informações promocionais. Já as informações obrigatórias, que informam os detalhes da composição do produto, estão declaradas nas áreas de menor visibilidade (painel secundário) (GTRN – 03 e 04/12/2015).
Segundo os profissionais envolvidos em políticas públicas de alimentos, as informações contidas nos rótulos deveriam visar à proteção à saúde do consumidor e não ser objeto de interesses comerciais. As alegações, com o auxílio do marketing, muitas vezes são supervalorizadas e o rótulo ganha status de peça publicitária. Assim como a maioria dos atores entrevistados, Chandon (2013) salientou que a INC está sendo mais usada como marketing nutricional. Ressaltou a possibilidade de o seu uso induzir os consumidores a considerarem o alimento como mais saudável do que ele é realmente devido à adição, por exemplo, de vitaminas, minerais, fibras, ômega 3/6/9 e redução nos teores de açúcar e gordura.
Estudo realizado com 331 participantes constatou que muitos consumidores estão dispostos a pagar um pouco mais caro por um produto que apresenta uma propaganda no seu rótulo. Isso foi verificado quando dois produtos com a mesma composição nutricional foram apresentados aos consumidores, e o que possuía propaganda no rótulo era um pouco mais caro e foi o escolhido pela maioria dos participantes. Boa parte dos indivíduos não teve a capacidade ou a vontade de comparar os produtos e avaliar as informações nutricionais dispostas no verso dos rótulos (Silva, 2015).
Entre as estratégias utilizadas pelas empresas para atrair o público e convencê-lo de que vale a pena adquirir seu produto, inclui-se o trabalho de designers e publicitários, utilizando-se de tecnologias digitais e gráficas de imagem, texto ou número. Nesse processo de comunicação entre os rótulos dos alimentos e os consumidores, o compartilhamento de espaço entre as mensagens publicitárias e as informações obrigatórias fica a critério dos interesses do fabricante. Nas faces laterais de menor destaque são disponibilizadas as informações obrigatórias, como a tabela nutricional, a data de validade, o endereço da fábrica, a lista de ingredientes, entre outras (Lima, 2014).
Os entrevistados ressaltaram que a publicidade infantil é proibida pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), contudo muitos rótulos de alimentos se utilizam de estratégias de marketing e trazem imagens dos heróis de programas infantis ou de filmes para chamar a atenção desse público:
[...] proibir que determinados alimentos utilizem personagens infantis, ou venham com brindes, estratégias que são utilizadas pelas empresas para anunciar os produtos, não só no rótulo, como também em outros meios de comunicação. E, se não tiver uma intervenção forte nesta parte, que é importante para mudar o ambiente, é muito difícil que as outras medidas regulatórias também tenham efetividade. (Participante 10)
O representante da Coordenação Geral de Alimentação e Nutrição do Ministério da Saúde (Cgan/MS), nas memórias da reunião do GTRG, destacou que o uso de personagens do universo infantil e de outros elementos persuasivos dirigidos às crianças em nada contribui para o objetivo da rotulagem de alimentos, que é oferecer informações relevantes para proteção de sua saúde, a fim de permitir escolhas adequadas às necessidades individuais (GTRG – 25/02/2015).
A literatura científica ratifica os depoimentos dos participantes deste estudo quanto à influência que a publicidade exerce na formação dos hábitos alimentares, especialmente das crianças, uma vez que elas carecem das ferramentas cognitivas necessárias para compreender o caráter persuasivo das mensagens comerciais. Desse modo, ressaltase a necessidade de diminuir a vulnerabilidade do público infantil frente aos apelos promocionais e colocar em prática a regulamentação da publicidade infantil em alimentos com vistas a estimular o consumo de alimentos saudáveis e contribuir para a diminuição da obesidade infantil (Ferreira, Silva, Moraes & Tancredi 2015; Henriques, Dias & Burlandy, 2014).
Corroborando com a ideia de que a INC está sendo utilizada como marketing nutricional, pesquisa realizada com crianças de 8 a 10 anos, utilizando embalagens dos alimentos, constatou que a presença da INC nas embalagens influenciou a escolha dos alimentos e induziu o pensamento de que os alimentos com essa informação são nutricionalmente melhores do que realmente são. Os pesquisadores sugeriram melhoria na regulamentação que determina o uso de INC, proibindo sua utilização em determinadas classes de alimentos (Zucchi & Fiates, 2016).
Estudo que comparou a qualidade nutricional de alimentos com e sem INC de um total de 5.620 produtos provenientes de um levantamento censitário realizado em um supermercado no Brasil constatou que 535 possuíam algum atrativo de marketing direcionado ao público infantil. Destes, mais da metade (270) apresentava pelo menos uma INC (Rodrigues et al., 2016).
Categoria 3 – "Rótulos dos alimentos e o Guia alimentar"
De acordo com alguns participantes, o grande desafio é alinhar as informações do Guia Alimentar para População Brasileira (GAPB) com as informações dispostas nos rótulos dos alimentos:
Vamos ver como a nossa rotulagem vai conseguir traduzir esse novo olhar do Guia alimentar, não só em relação aos ingredientes, a tabela nutricional, mas, principalmente, em relação ao grau de processamento, que tem ligação direta com a composição dos alimentos, mas também com o perfil alimentar, com a forma de produção e outras questões que vão além do produto. (Participante 8)
[...] infelizmente o Guia não trabalhou muito essa questão da rotulagem. [...] realmente aquilo que não tem rótulo é aquilo que o Guia recomenda. E aquilo que tem rótulo, que tem a lista de ingredientes, que tem a informação nutricional, que tem aquelas informações, teoricamente seriam os alimentos que deveriam ser menos consumidos. Isso tudo torna a rotulagem muito mais um fator de minimizar risco do que realmente de estimular uma alimentação saudável. Pelo menos quando se olha isso frente às recomendações atuais do Guia alimentar. (Participante 10)
Nas memórias da reunião do GTRN, os depoimentos dos atores ressaltaram as divergências conceituais entre as recomendações do novo GAPB, que estão baseadas em alimentos, e da rotulagem, que se fundamenta em nutrientes (GTRN – 03/12/2014). Segundo enfatizam os membros do Grupo de Trabalho (GT) de rotulagem da Anvisa, o excesso de nutricionismo existente nos rótulos dos alimentos diverge da proposta do GAPB, que aborda a questão da qualidade nutricional voltada para os alimentos e seus níveis de processamento.
O GAPB é o mensageiro em defesa de uma alimentação que valorize o alimento na sua totalidade, ele não defende o produto alimentício considerado veículo carreador de nutrientes, exemplo disso, é que ele não recomenda o consumo dos produtos ultraprocessados. O GAPB considera os aspectos biológicos e socioculturais envolvidos na alimentação. Nesse sentido, o alimento é o grande destaque e não mais os nutrientes das tabelas e pirâmides nutricionais (Brasil, 2014c; Brasil, 2016a).
Na percepção dos entrevistados, muitas das informações que são obrigatórias nos rótulos dos alimentos processados também deveriam ser obrigatórias para os alimentos in natura e minimamente processados:
[...] os alimentos in natura e minimamente processados também deveriam ter algum tipo de rotulagem, algum sistema de rotulagem, onde o consumidor pudesse ver o quanto aquele produto tem de carboidratos, de proteínas, se tem ou não gordura trans [...]. (Participante 4)
[...] o rótulo pode não estar presente no alimento minimamente processado e in natura, mas não quer dizer que não tenha que ter informações nesses produtos, e não quer dizer que hoje não tenha problema de informação com esses produtos [...]. (Participante 10)
Por mais que o GAPB recomende o consumo de produtos in natura e orgânicos, existem algumas questões que carecem de adequações, uma delas é a falta de informação nesses alimentos. O Regulamento Técnico de Rotulagem Geral (RDC nº 259/2002) não determina a obrigatoriedade de rótulos para os alimentos in natura e minimamente processados, mas isso não indica que os alimentos estejam desobrigados de ofertar informações aos consumidores. O GT ressalta que o Código de Defesa do Consumidor obriga os fornecedores a disponibilizar as informações básicas desses produtos (Brasil, 2014b).
Entre as muitas críticas dos participantes direcionadas ao GAPB está o uso da classificação da qualidade nutricional tendo como base o nível de processamento do alimento. O GAPB se estruturou seguindo o Modelo Nova – que classifica por meio de quatro grupos todos os alimentos e produtos alimentícios conforme o tipo de processamento empregado. O modelo baseia-se na extensão e no propósito do processamento usado pelas indústrias para preservar, extrair, modificar ou criar alimentos. A classificação Nova foi adotada em vários0 países e por órgãos internacionais de saúde, com diversas finalidades: avaliação do perfil alimentar, análises de impacto do aumento do consumo dos ultraprocessados associado ao risco de doenças crônicas, avaliação das alterações do consumo alimentar relativo à ingestão desses produtos ao longo do tempo e também foi utilizado por outros guias alimentares (Monteiro et al., 2016).
Para alguns dos entrevistados, é um equívoco afirmar que um alimento que não passou por processamento seja considerado melhor do que aquele que foi processado e que se encontra em uma embalagem. Segundo alguns participantes, a afirmação de que a qualidade do alimento está ligada ao processamento indica um desconhecimento de tecnologia de alimentos. Eles refutam a afirmação de que quanto mais processado menos saudável é o alimento, quando exemplificam casos de frutas que não passaram por processamento, mas que nem por isso podem ser consideradas saudáveis, pois podem conter altas concentrações de resíduos de agrotóxicos, até mesmo agrotóxicos não aprovados pela Anvisa, conforme evidenciado no Programa de análise de resíduos de agrotóxicos em alimentos (Para) 2013-2015 (Brasil, 2016c). O fato de o GAPB atribuir importância ao aspecto saudável de um alimento ao nível de processamento constitui uma das razões de alguns atores afirmarem que o GAPB apresenta uma visão unilateral.
Os guias alimentares anteriores falavam em dieta equilibrada com aconselhamentos de consumo por meio de porções, incluindo todos os nutrientes, proteínas, gorduras, carboidratos, conforme aconselhamentos disponibilizados pelas pirâmides nutricionais e os rótulos dos alimentos. Já o GAPB revisado em 2014 penaliza os alimentos ultraprocessados, desaconselhando o consumo desse grupo de produtos (Brasil, 2014c).
Ao serem adotadas as orientações do GAPB como norteadoras de política pública para estímulo à alimentação adequada e saudável, seguiram-se as recomendações científicas e as orientações dos órgãos internacionais que desaconselham o consumo de alimentos com excesso de sal, açúcar e gordura. Como esses componentes são encontrados em grandes concentrações nos alimentos ultraprocessados, seria uma incoerência política que demandaria um alto custo ao sistema de saúde brasileiro se o GAPB não fizesse ressalvas e desaconselhasse o consumo desses produtos (Kliemann, Veiros, González- Chica & Proença, 2014; Monteiro et al., 2016; Organización Panamericana de la Salud [OPAS], 2015).
Não diferente disso, o Guia Alimentar Americano lançado em 2015 também ocasionou discussões e debates entre profissionais da área, representantes da indústria de alimentos, sociedade, médicos, ambientalistas, entre outros. Com recomendações semelhantes às dispostas no GAPB, a 8ª edição do guia americano aconselhou uma dieta rica em vegetais, verduras, frutas, grãos. O guia também recomendou limitar a ingestão de calorias de alimentos com adição de açúcar e gorduras saturadas (menos que 10% das calorias diárias); reduzir o consumo de sódio a quantidades menores que 2,3 g/dia, sendo que o consumo atual é de 3,4 g/dia. Foi recomendada a substituição das gorduras saturadas e gordura trans por gorduras insaturadas (nozes, abacate, azeite) (Dietary Guidelines, 2015).
Segundo os participantes, o GAPB deu um novo significado à rotulagem, quando reforça a importância de o consumidor olhar a lista de ingredientes.
O novo guia alimentar traz uma nova perspectiva da rotulagem que é olhar a lista de ingredientes. [...] pela lista de ingredientes, é possível ver a quantidade de aditivos, edulcorantes, conservantes. A lista de ingredientes hoje na perspectiva do Guia Alimentar é muito mais informativa, orientadora da escolha alimentar do que a rotulagem de nutrientes. (Participante 1)
[...] o que é alimento in natura é muito claro, o grupo do minimamente processado para cima, precisa ser melhor traduzido para a população à luz do que o GAPB preconiza. É um dos nossos pontos de Agenda para discutir [...] (Participante 8)
O representante do Ministério da Saúde ressaltou, nos registros das memórias da reunião do GTRN, que as recomendações do GAPB representam uma quebra de paradigma e que é necessário alinhar as informações de rotulagem a essas recomendações. Nesse sentido, o papel da lista de ingredientes deveria ser valorizado, não devendo estar dissociado da informação nutricional (GTRN – 03/12/2014).
A inclusão da declaração de ingredientes (lista de ingredientes, declaração quantitativa de ingredientes) no conceito de rotulagem nutricional foi um ponto bastante frisado nos comentários dos membros do GT junto a Anvisa. Considerou-se que a declaração de ingredientes é essencial para uma correta compreensão da qualidade nutricional do alimento e para a seleção de alimentos mais adequados (GTRN – 03 e 04/12/2015).
Para o consumidor diferenciar o alimento processado do ultraprocessado, o GAPB não mais orienta consultar a tabela nutricional dos rótulos, o termo não é nem mais mencionado no guia, a orientação ao consumidor é de que ele consulte a lista de ingredientes. O número elevado de ingredientes (cinco ou mais), associado à presença de ingredientes com nomes não familiares, indica que o produto pertence ao grupo dos ultraprocessados (Brasil, 2014c).
A orientação do guia que realça o protagonismo da lista de ingredientes ratifica um dos depoimentos dos atores de que a técnica para escolhas alimentares mais saudáveis continua não possibilitando que o consumidor interprete as informações disponibilizadas nos rótulos, ou seja, o consumidor continuará com suas vulnerabilidades de compreender e fazer uso das informações. Assim, a maioria dos consumidores continuará desconhecendo que os ingredientes são listados na lista de ingredientes em ordem decrescente de quantidade.
Também se manterá alheia às diversas nomenclaturas presentes na lista de ingredientes para designar os açúcares e as gorduras (Scapin, 2016; Silveira, Gonzalez- Chica, Proença, 2013). Scapin (2016), em seu estudo, investigou como os açúcares de adição são notificados na lista de ingredientes de alimentos industrializados comercializados no Brasil. Foram avaliados 4.539 rótulos de alimentos, sendo que 70% apresentaram açúcares de adição ou ingredientes passíveis de contê-los. Foram identificadas 262 diferentes nomenclaturas para designá-los.
Entre os tipos de açúcares de adição mais frequentes foram encontrados o açúcar, a maltodextrina e xarope de glicose. Desse modo, o consumidor pode se confundir e até ser enganado por ocasião da compra quando procurar entre os ingredientes o termo açúcar e não o achar, ou, quando o encontrar, o mesmo estiver entre os últimos da lista, dando a entender que se trata de um produto com baixa ou nenhuma concentração de açúcar (Scapin, 2016).
Com relação ao uso das mais de 20 nomenclaturas que recebe a gordura trans, Silveira et al. (2013) destacaram que o consumidor, mesmo consultando a lista de ingredientes, pode ficar em dúvida sobre a qualidade da gordura presente no alimento. Isso demonstra que, por mais que o GAPB recomende a consulta da lista de ingredientes para realizar escolhas alimentares mais saudáveis, fica evidente que a obtenção de informação por meio da lista ainda não é uma avaliação tão fácil de ser realizada por um consumidor leigo. Alertou-se para a necessidade de revisão da legislação com vistas a padronizar as denominações, bem como reforçar a necessidade de investimentos em políticas públicas que privilegiem as ações educativas direcionadas ao consumidor para auxiliá-lo a entender as informações presentes nos rótulos dos alimentos.
Contribuições do estudo
A perspectiva dos representantes de políticas públicas federais sobre os rótulos de alimentos identificada neste estudo poderá apoiar os profissionais que atuam direta ou indiretamente com o consumidor a elaborar estratégias que o auxiliem na escolha alimentar utilizando os rótulos dos alimentos, com vistas à melhoria da saúde e qualidade de vida. As evidências produzidas apontam a necessidade de incentivar, no âmbito das mídias sociais, unidades de atenção primária à saúde, escolas, creches e outros equipamentos sociais para conscientização sobre a utilização do rótulo pelo consumidor para escolher uma alimentação saudável. Isso poderá contribuir para a promoção e proteção da saúde, exercício do direito do consumidor e para o enfrentamento da obesidade e demais doenças crônicas não transmissíveis.
Limitações
Como todo trabalho de caráter qualitativo, os resultados desta investigação não podem ser generalizados, considerando a especificidade do grupo estudado, contextualizado em uma determinada realidade.
Outra questão que merece destaque é o fato de terem sido ouvidos somente os representantes das políticas responsáveis pelas elaborações e revisões das normas federais da área de alimentos. Conhecer a perspectiva dos profissionais envolvidos nos três níveis de atuação (municipal, estadual e federal), assim como obter a perspectiva do consumidor, poderia apontar nuances que somariam evidências ao conhecimento sobre a temática estudada.
Conclusões
A abordagem qualitativa que fundamentou este estudo possibilitou analisar a perspectiva de representantes do setor público federal (incluindo órgãos reguladores), setor industrial, representantes da sociedade civil organizada e academia sobre o direito do consumidor às informações nos rótulos de alimentos no Brasil. Evidenciou-se que, para os entrevistados, a informação nos rótulos dos alimentos é um direito do consumidor que nem sempre é cumprido. Mesmo estando disponibilizada a informação no rótulo, esta não garante escolhas saudáveis e proteção ao consumidor.
Embora proibida pelo Código de Defesa do Consumidor, a publicidade da alimentação, especialmente a infantil, é utilizada pelas indústrias como estratégia de marketing. Faz-se necessário que as informações trazidas pelos rótulos sejam elaboradas como ações educativas, auxiliando os consumidores a escolher alimentos saudáveis.
O Guia alimentar incentiva o consumo de alimentos in natura e minimamente processados. Na percepção dos entrevistados, muitas das informações que são obrigatórias nos rótulos dos alimentos processados também deveriam ser obrigatórias naqueles in natura e minimamente processados.
Sugere-se a realização de novas pesquisas de abordagem qualitativa sobre a temática da rotulagem de alimentos com vistas à proposição de melhorias nessa área. Assegurar investimentos em pesquisa que deem suporte à fundamentação regulatória baseada em estudos científicos nacionais pode ser uma estratégia para vencer os desafios que envolvem a rotulagem de alimentos no Brasil.
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Endereço para correspondência
E-mail: lilian.nascimento@unifran.edu.br
Recebido em: agosto de 2018
Aprovado em: fevereiro de 2019
1 Mônica Cecília Santana Pereira: Farmacêutica. Doutora em Promoção da Saúde pela Universidade de Franca. Professora da Alfa Faculdade de Almenara.
2 Maria Cristina Pinto de Jesus: Enfermeira. Doutora em Enfermagem pela Universidade de São Paulo. Professora Titular da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
3 Helena Siqueira Vassimon: Nutricionista. Doutora pelo Programa de Clínica Médica da Universidade de São Paulo (USP). Nutricionista da Prefeitura de Ribeirão Preto.
4 Lilian Cristina Gomes do Nascimento: Fisioterapeuta. Doutora em Promoção da Saúde pela Universidade de Franca. Docente do Programa de Mestrado e Doutorado em Promoção da Saúde da Universidade de Franca.
5 Maria de Fátima Lobato Tavares: Médica. Doutora em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, Fiocruz. Pesquisadora titular e docente do Departamento de Administração e Planejamento em Saúde, Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, Fiocruz.