Serviços Personalizados
Journal
artigo
Indicadores
Compartilhar
Aletheia
versão impressa ISSN 1413-0394
Aletheia vol.52 no.2 Canoas jul./dez. 2019
RELATOS DE EXPERIÊNCIAS - PROMOÇÃO DA SAÚDE
Percepções sobre Organizações Familiares com alunos (as) do Ensino Fundamental no Município de Canoas/RS – Um relato de Experiência
Perceptions about Family Organization with Elementary School Students in the Municipality of Canoas / RS - An Experience Report
Fernanda Marques da Silva1; Elenise da Silva Pereira2; Maria Isabel Morgan-Martins3; Jussara Alves Pinheiro Sommer4; Eliane Fraga da Silveira5
Universidade Luterana do Brasil
RESUMO
As definições de família se originaram sob a influência de diversos aspectos sociais e culturais, estes são instáveis e modificáveis ao longo do tempo. Os bolsistas do Programa de Iniciação à Docência, do curso de Ciências Biológicas (PIBID), realizaram uma pesquisa em uma escola pública do município de Canoas/RS, no ano de 2016, com o objetivo de compreender as percepções de família dos educandos e promover o debate sobre as novas organizações familiares. Para coleta de dados foram realizados desenhos da família e roda de conversa. Os desenhos revelaram a existência de diferentes configurações familiares, tanto do modelo tradicional quanto do modelo de família monoparental. Foi observada a concepção de família quanto à convivência, à rede de parentes que se relacionam e também à qualidade da relação. A percepção das crianças sobre a família pode ajudar educadores a entender como o sistema familiar pode influenciar a percepção do mundo.
Palavras-chave: Família; Desenho; Criança.
ABSTRACT
Family definitions will originate under the influence of various social and cultural aspects, which are unstable and changeable over time. The scholarship recipients of the Biological Sciences Initiation Program (PIBID) carried out research at the public school in the municipality of Canoas/ RS in 2016, in order to understand the family perceptions of the students, and to promote the debate about the new family organization. Family drawings and conversations were used to collect. The drawings revealed the existence of different family configurations, both of the traditional model and of the single-parent family model. We observed the conception of the family in regards to the coexistence, the network of members that are related, and also the quality of the relationship. The children's perception of the family can help educators understand how the family system can influence the perception of the world.
Keywords: Family; Drawing; Child.
Introdução
A palavra família é derivada do latim 'famulus' e originou-se na Roma Antiga com o intuito de conceituar um grupo social (Antunes, 2016; Silva, 2009). A Organização Mundial de Saúde (OMS) defende que a família é um grupo de pessoas que têm grau de parentesco por sangue, adoção ou casamento, e é geralmente composta pelo chefe de família, esposa e filhos (Caniço, 2013). Nos dicionários a palavra família representa o conjunto de todos os parentes de um sujeito, inclusive aqueles que moram com este.
No âmbito contemporâneo ocidental, a família pode ser tida como a mais natural das instituições, sendo um núcleo organizador que irá estruturar e transmitir os valores mais importantes de uma cultura (Zambrano, 2006). As definições de família irão se originar sob a influência de diversos aspectos sociais e culturais, estes são instáveis e modificáveis ao longo do tempo, na medida em que a sociedade e seus valores também se modificam (Borsa & Nunes, 2011). Não há uma única definição de família, porém os conceitos mais difundidos na sociedade são aqueles oriundos da cultura ocidental. Para Lévi-Strauss (1972), filósofo e antropólogo francês, a família seria um grupo social que teve origem no casamento, composto pelo marido, esposa e os filhos que serão frutos desta união. Do ponto de vista de Minuchin (1982), a família seria um grupo social onde os membros interagem entre si e com o ambiente, onde este irá delinear o seu comportamento (Borsa & Nunes, 2011).
O modelo de família tradicional é composto por pai, mãe e filhos, este modelo tem sido privilegiado ao longo da história, e nele a mulher tem como função exercer a maternidade que é considerada um elemento de extrema importância para o funcionamento do núcleo familiar. Já o homem foi deixado distante do contexto doméstico e da família (mulher e filho), e sua principal função seria o sustento da mesma. Este cenário contribuiu para que as relações entre pais, mães e filhos se tornassem diferentes e estabelecidas, além de enfatizar a ideia de que homens precisam trabalhar para manter a família e as mulheres cuidar da casa, dos filhos e do relacionamento entre os membros deste grupo (Silva & Piccinini, 2007). Chodorow (1990), afirma que a relação entre mãe e filha é mais intensa, em função de que em nossa cultura, é a figura mais presente na infância, enquanto o pai é uma figura ausente. Esta condição iria conduzir a processos de identificação distintos entre os gêneros, ou seja, a menina trilhará o caminho da mãe, fiel a conduta materna. Já a ausência paterna iria favorecer uma identificação mais diferenciada, ou seja, o menino iria aprender sozinho o que é ser homem e teria seu pai como um 'herói'. Portanto, a identidade feminina seria marcada pela sua condição de gerar e cuidar, enquanto que a masculina pela condição de 'não-pais'. Atualmente, o trabalho doméstico e o cuidado com os filhos ainda são atribuídos à mulher, portanto, a discussão sobre a maternidade é mais abordada do que a paternidade.
A família tradicional começou a sofrer mudanças com a entrada da mulher no mercado de trabalho, pois com o início da Revolução Industrial houve a necessidade de as mulheres contribuírem financeiramente, e os tradicionais de sustento da família foram se modificando ao longo dos anos (Baylão & Schettino, 2014). O desenvolvimento dos métodos contraceptivos também foi um propulsor para a inserção da mulher no mercado de trabalho, pois poderiam ter menos filhos além de investir mais na carreira profissional. Conforme D'Alonso (2008), as mulheres deixaram de serem donas-de-casa, esposas, mães e operárias, para se tornarem professoras, médicas, bancárias e qualquer outra profissão, passando a ocupar os cenários que eram apenas masculinos.
Segundo Vaitsman (1994) a participação das mulheres em atividades públicas e conquista de direitos formais não apenas afrontaram a hierarquia sexual moderna, mas também afetaram diretamente o modelo de família tradicional. O fato de a mulher tornar-se independente financeiramente do homem, contribuiu diretamente para o surgimento de novas configurações familiares (Wirth, 2013). Quando a divisão por gênero e o individualismo patriarcal foram redefinidos, homens e mulheres passaram a ter as mesmas responsabilidades abriu espaço para o conflito se manifestar ocasionando um maior número de separações (Vaitsman, 1994)
Com os divórcios veio surgi a discussão de quem deve ficar com os filhos, onde na maioria das vezes a guarda fica com a mãe, porém, atualmente tem crescido o número de casais que compartilham a guarda. A guarda compartilhada também representa uma conquista para as mulheres, que agora podem se dedicar a projetos pessoais e profissionais (Wirth, 2013)
Com as novas organizações de família, as crianças ficam sob os cuidados de creches, vizinhos, avós e babás. É significativo o aumento das avós que tomam conta dos seus netos para que mães e pais possam trabalhar (Wirth, 2013). Este novo rearranjo também possibilitou a construção de novos tipos de alianças, como as famílias de acolhimento e monoparentais (Zambrano, 2006).
As famílias homoparentais, termo criado em 1997 pela Associação de Pais e Futuros Pais Gays e Lésbicas (APGL) em Paris, nomeando a situação onde um adulto que se autodesigna homossexual é pai ou mãe (Zambrano, 2006). Este modelo alternativo existe o vínculo afetivo entre duas pessoas do mesmo sexo, incluindo também a parentalidade de transexuais e travestis, os quais não poderão ter filhos biológicos, nesta organização, mas poderão optar pela adoção. A adoção também é um novo vínculo familiar, refere-se a uma pessoa adquirir uma nova família não biológica (Araújo & Alkmin, 2017).
É compreensível que a família vem se modificando ao longo dos anos, com alterações complexas e não aceitas pela maioria, mas, atualmente, a noção de família patriarcal é vista como sendo de relevância limitada. Portanto, os bolsistas do Programa de Iniciação à Docência (PIBID/ULBRA) do curso de Ciências Biológicas, realizaram uma pesquisa em uma escola pública do município de Canoas/RS, objetivando compreender a percepção de família destes alunos, além de promover o debate sobre as novas organizações familiares.
Método
O estudo foi desenvolvido em uma escola pública localizada no município de Canoas/RS, com turmas do 2° e 3° ano do Ensino Fundamental I, totalizando 30 alunos (17 alunos/2º ano; 13 alunos/3º ano), na faixa etária de 6 a 10 anos. O estudo foi realizado nos meses de outubro e novembro do ano de 2016, onde o tempo estimado de cada atividade foi de 40 minutos. A primeira atividade era a elaboração de um desenho sobre sua família, e a segunda uma roda de conversa sobre o tema.
Desenho da família
alunos receberam uma folha em branco na qual deveriam desenhar a sua família, não lhes foram cobrados critérios, ou seja, o desenho era livre. É importante ressaltar a importância do desenho no desenvolvimento infantil, pois este é a primeira forma de expressão do sujeito, antes mesmo da escrita ou da leitura (Wechsler & Schelini, 2002). A partir de seus registros gráficos, as crianças expressam suas vivências, necessidades, desejos e também sua criatividade. A produção de um desenho estará impregnada de expressividade e de sentidos, compondo um discurso que carrega inúmeros saberes que serão expressos no ato de desenhar (Goés & Gontijo, 2017).
Segundo Grubits (2003), o desenho irá representar as interações do indivíduo com o meio, e através dele poderemos entender o passado e o presente de uma história pessoal, ou seja, através dele poderemos compreender sentimentos que muitas vezes são difíceis de descrever com palavras. O desenho é a conscientização de um diálogo inconsciente, um diálogo que organiza o conhecimento e permite reduzir a distância entre o eu e o 'não-eu' (Grubits, 2003). Para análise dos desenhos utilizou-se como base teórica a obra da autora canadense Bédard (2003) intitulada 'Como interpretar os desenhos das crianças'.
Roda de conversa
Após a atividade do desenho, os alunos foram reunidos em círculo para o início da conversa, neste momento poderiam relatar suas opiniões de uma forma dinâmica e espontânea. Para introduzir o tema os bolsistas levantaram algumas questões como 'há famílias compostas por dois pais ou por duas mães?', tais assuntos, foram abordados para os alunos expressarem e compartilharem suas vivências fora do âmbito escolar. Conforme Dias e Campos (2015) escutar as crianças se tornou algo fundamental, pois trocam conhecimentos sobre os acontecimentos e percepções dos fatos do seu dia a dia.
As crianças falam e se expressam com sua própria linguagem, e não é composta apenas por palavras, e sim por gestos, mímicas e expressões faciais, tais aspectos podem fazer com que seus discursos sejam considerados insignificantes e, portanto, suas opiniões acabam negligenciadas. Os adultos não se mostram interessados em escutar as crianças, pois argumentam que estas não sabem se expressar, porém ao silenciar as vozes infantis perde-se a oportunidade de ampliar o conhecimento sobre o mundo social pertencente aos adultos.
É preciso desvincular da ideia que crianças são adultos em miniatura e compreender que elas apresentam suas próprias características como também suas próprias opiniões (Eugênio & Boaretto, 2016). Trabalhos com metodologias que buscam informações através das vozes das crianças têm como principal objetivo conhecer as características e os processos destes sujeitos, e então tentar compreender o que eles pensam e sentem em relação aos temas em comum. Para compreender a fala das crianças, é preciso entender que a infância não é apenas uma fase do desenvolvimento, e sim uma construção cultural e social, que pode ser modificada conforme os sujeitos interagem entre si e com o meio. As crianças produzem e concebem o mundo com base em suas relações sociais (Dias & Campos, 2015).
Resultados
Na turma de segundo ano (n=17) da escola do Ensino Fundamental I verificou-se que para 12% dos alunos a família é composta apenas pelo pai, também foi observado que para 18% a família é composta apenas pela mãe. Somente 12% consideraram família como primos, tios, avós e até animais de estimação, e 58% consideraram família como pais e irmãos. Os alunos que desenharam a família composta apenas pelo pai ou pela mãe relataram que os pais são divorciados, conclui-se que para estes, família são as pessoas que moram na mesma casa.
Na turma do terceiro ano (n=13), observou-se que 8% dos alunos, possui a família composta pelo pai, como também para 8% a família é composta pela mãe. Apenas 8% considerou família como pais, irmãos, avós, primos, tios, incluindo animais domésticos. Para 76% dos alunos a família está constituída por pais e irmãos. Os alunos que desenharam a família composta apenas pelo pai, também relataram que os pais são divorciados, constatou-se para estes alunos, assim como para os alunos do 2º ano, família está constituída por pessoas que moram na mesma casa.
Referente ao aspecto dos desenhos verificou-se que na turma do segundo ano 76% dos alunos coloriram seus desenhos, e na turma do terceiro ano 85%. De todos os desenhos analisados um possuía uma mensagem para a família que era 'te amo família'. Quanto aos adereços sol, nuvens, árvores, flores e pássaros, na turma do segundo ano 65% dos desenhos continham tais características. Na turma do terceiro ano 15% não apresentaram. Também foi perceptível que alguns alunos desenhavam a família próxima da casa e outros não. Na turma do segundo ano 82% dos alunos não desenharam suas casas, contudo na turma do terceiro ano apenas 46% não desenharam.
Na roda de conversa foi debatido sobre os diferentes tipos de família atualmente, na turma do segundo ano não houve interação dos alunos quanto a este tema. Já na turma do terceiro ano relatos foram interessantes como: 'tenho um amigo que tem dois pais, e não vejo problema nenhum nisso, eles se amam e é isso que importa', outro também afirmou '... Não importa se há duas mães ou dois pais em uma família, o que realmente tem significado é o amor'. Outros alunos chegaram a relatar que há famílias onde não há pais e sim avós ou tios que cuidam das crianças porque perderam os pais. Também foi relatado '... Não entendo uma família com dois pais', tal fala não foi caracterizada como preconceituosa e sim uma repetição de um discurso pronto.
Discussão
Numa sociedade com vários grupos sociais que regularmente não conseguem inserir-se de modo adequado no ambiente escolar, a expressão na forma de desenho permite acessar alguns temas, muitos latentes ou impedidos de expressão, devido as dificuldades de aceitação das novas representações sociais dentro de uma sociedade com normas convencionais. Usar representações gráficas como linguagem, ou como forma de expressão não é um tema recente, esta forma foi a primeira maneira que o homem utilizou para se comunicar, conforme as pinturas rupestres encontradas em diversas regiões do nosso planeta, datadas desde o período paleolítico da história da humanidade, portanto, a representação de observações e sentimentos transformou o desenho em uma forma de comunicação tão inerente à evolução do ser humano, quanto à própria linguagem oral e escrita. Para os educadores, o desenho pode ser um instrumento fulcral em vários fatores, neste estudo, os desenhos revelaram a existência de diferentes configurações familiares, tanto do modelo tradicional, como família nuclear (pai e mãe) ou família extensa (pais, avós e outros parentes), ou ainda, o modelo de famílias monoparentais. Toda imagem contém determinadas informações e tem um determinado significado, os desenhos realizados pelos alunos foram muito simbólicos, apresentando a concepção individual da família quanto à convivência, ou seja, aqueles que moram na mesma residência, como uma rede de parentes que se relacionam (avós, tios, primos, outros), como também pela qualidade da relação (irmãos). As concepções de família observadas corroboram com os resultados obtidos por Ribeiro e Cruz (2013).
Os desenhos de famílias extensas, aquelas compostas por avós, tios e primos, podem indicar o grau de afetividade que as crianças possuem com tais parentes. Segundo os estudos de Ribeiro e Cruz (2013), a representação dos pais nos desenhos simboliza o núcleo central da família, mas a representação de figuras como avós, tios e primos são elementos periféricos deste núcleo que funcionam coletivamente. Ampliando os vínculos de parentescos, alguns desenhos apresentavam como membros da família os animais de estimação, provavelmente porque a criança estabelece um vínculo afetivo com o animal, que passa a ser representado dentro da percepção de família.
O surgimento de famílias monoparentais tem aumentado significativamente nos últimos anos, conforme Boamorte (2014) os fatores que influenciam diretamente a formação destas famílias são: morte de um dos progenitores, separação, adoção por um adulto solteiro ou também gravidez por uma mulher sem companheiro. Estas podem ser classificadas como monoparentais femininas ou masculinas (Antunes, 2016). O termo 'famílias monoparentais' surgiu na década de 70 na Itália e, posteriormente, na França por sociólogas feministas, com o intuito de distinguir as famílias quando apenas um dos pais arca com as responsabilidades de criar o filho ou os filhos (Antunes, 2016; Baliana, 2013; Wall & Lobo, 1999).
Nesta pesquisa foi perceptível que os alunos que desenharam somente um dos progenitores, família monoparental, foi originada pelo divórcio, que atualmente é um dos principais fatores para a formação deste modelo familiar. A separação é a interrupção de um ciclo que trará consequências emocionais e também afetará o desenvolvimento desta família, na maioria dos casos os filhos vivenciam um estresse ao ter que presenciar os conflitos entre os progenitores durante a transição de uma família 'tradicional' para 'monoparental' (Antunes, 2016).
As famílias monoparentais femininas, conforme Baliana (2013) podem ser compostas a partir de três formas: mulheres que se divorciam e ganham a guarda dos filhos, viúvas que criam seus filhos, ou mulheres que optaram por adoção ou também inseminação artificial. Este tipo de família ainda é percebido com 'maus olhos', pois sendo uma escolha feminina possui total isenção da presença de uma figura masculina, sendo considerada independente. As famílias monoparentais femininas tendem a ser mais frequentes do que às masculinas (Baliana, 2013), mas neste estudo, as famílias monoparentais masculinas foram as mais prevalentes.
As famílias monoparentais masculinas podem ser compostas de formas similares às femininas: por divórcio e com a guarda das crianças, viuvez ou optado por ser pai solteiro através da adoção (Correia, 2010). Os relatos obtidos, neste estudo, sobre famílias monoparentais masculinas são de progenitores que se divorciaram, e o pai ficou com a guarda dos filhos. Este tipo de família também sofre com o preconceito, pois ainda há um tabu referente a homens sendo 'pães' (pai e mãe), devido ao senso comum que pais apenas sustentam a casa (Wirth, 2013). Portanto, o preconceito existe, pais cuidando de filhos pode indicar fragilidade masculina, em função da cultura da ausência da figura paterna na criação dos filhos, entretanto, atualmente percebe-se um maior envolvimento e comprometimento de pais como cuidador.
Diante dos dados obtidos, para amostra pesquisada, a 'família' foi representada de diversas formas: composta por pessoas que moram na mesma casa, unidas pelo parentesco, pessoas que promovem o afeto e a comunicação; como também pessoas que são importantes em suas vidas. Estudos realizados na última década registraram as mesmas características através de representação gráfica e relatos de crianças (Chantre, 2015; Cunha, 2008; Dessen & Ramos, 2010; Louro, 2012).
Em relação aos desenhos coloridos (vermelho, azul, amarelo, rosa, verde, laranja e preto), conforme Bédard (2003), o vermelho é uma cor ativa, e está relacionada com a energia da criança, amarela costuma ser usada por crianças mais expressivas, pois significa curiosidade, alegria e conhecimento; azul de um tom mais claro simboliza paz e tranquilidade, mas também pode indicar introversão; verde indica curiosidade e bemestar, e a cor preta que muitas vezes é tida como uma cor depressiva, quando utilizada em desenhos, pode representar segurança. A cor rosa, frequente na pintura das flores, pode indicar uma necessidade de contato com coisas mais agradáveis. As representações gráficas sem o uso de cor, conforme Bédard (2003), pode indicar uma tendência a esquecer o que passou e recomeçar.
O significado do sol nos desenhos pode representar a energia masculina, segundo Bédard (2003) o seu posicionamento na folha pode indicar diferentes sentimentos. Quando este está à direita da folha pode estar relacionado com a percepção que a criança tem de seu pai, e quando se encontra na esquerda, refere à figura materna, e está relacionado com o passado. Entre os desenhos analisados, as localizações do sol estavam nos dois lados (esquerdo e direito), apenas em um desenho o sol estava localizado no centro da folha, simbolizando o próprio indivíduo, ou seja, esta criança se sente responsável pelos pais conforme Bédard (2003), o que pode ser corroborado por ser uma família monoparental feminina.
A presença de nuvens pode indicar sentimentos bons ou ruins, mas nos desenhos realizados foram observadas apenas nuvens azuis, que representam bom tempo. As árvores representadas eram grandes, com galhos e folhagens, o desenho do tronco pode indicar a estabilidade que a criança sente em seu meio social, e os galhos e folhas mostram a imaginação e a criatividade. As flores que apareceram em alguns desenhos simbolizam o amor (Bédard, 2003).
Referente à análise das casas desenhadas, diferentes aspectos foram observados: grandes ou pequenas, com portas e janelas também de diferentes tamanhos, ao desenharem suas casas as crianças também estão representando sentimentos. Quando a casa é grande pode significar que este indivíduo esta passando por uma fase mais emocional, mas quando a casa é pequena este indivíduo é mais introspectivo. Uma porta pequena pode simbolizar a dificuldade de convidar outras pessoas a entrarem, representando uma criança mais reservada, enquanto que a porta grande indica boas-vindas. Todas as casas representadas apresentavam janelas, que indicam curiosidade e satisfação do desejo de saber (Bédard, 2003).
Na roda de conversa, em relação à formação de família, para os alunos o importante foi o sentimento de amor, portanto, e não importa os integrantes da família, mas sim a relação do sentimento. As crianças como observadoras do mundo adulto, reproduzem discursos de casa, e até da escola, por isso, para alguns alunos ainda é complexa as novas formações de família. Mesmo que tenham repetido falas adultas, ao debater com os colegas eles foram capazes de chegar as suas próprias conclusões.
Considerações finais
É evidente que a 'instituição família' vem sofrendo muitas modificações desde a Revolução Industrial, e continuará a sofrer metamorfoses conforme o passar do tempo para se adequar as novas realidades. Portanto, a percepção das crianças sobre a família, pode ajudar os profissionais e educadores que trabalham com o público infantil a entender como o sistema familiar pode influenciar a percepção do mundo, e a partir disso, aceitar a dinâmica das relações e compreender que o importante não é quais indivíduos constituem estas famílias, e sim os sentimentos que constituem estes laços.
Neste artigo salientamos o uso das expressões gráficas na educação, é uma adequada de captar a percepção das crianças, mas necessita de conhecimento do educador, pois sozinhas não transmitem o conhecimento de forma plena. Leitura e interpretação de imagens são formas de alfabetização visual, metodologia que deve ser abordado nos cursos de licenciatura de modo a preparar os professores para utilizar estas representações como uma ferramenta de avaliação do estado emocional dos alunos, dessa forma a representação gráfica da família é uma possibilidade de acesso a vida dos educandos fora do contexto escolar. No contexto familiar a criança inicia seus vínculos e relacionamentos construindo o seu modelo de aprendizagem e os primeiros conhecimentos acerca do mundo à sua volta, estas interações influenciarão na sua vida escolar. Dessa forma, a família se torna importante instrumento na formação afetiva do indivíduo como também potencializadora do processo que a escola realizará no desenvolvimento da criança, portanto, conhecer esta realidade torna-se fundamental para o processo ensino-aprendizagem.
Referências
Antunes, S. A. F. (2016). As crianças perante as novas famílias: famílias monoparentais vs famílias tradicionais um estudo exploratório. Dissertação de Mestrado em Psicologia, área de especialização em Psicologia da Educação, Universidade de Évora, Portugal. [ Links ]
Araújo, W., & Alkmin, F. P. (2017). A evolução do poder familiar e a adoção de crianças e adolescentes por famílias homoafetivas. Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, 7(1), 80-89. [ Links ]
Baliana, L. K. (2013). Monoparentalidade feminina e seus desafios: um estudo exploratório. Dissertação de Mestrado em Política Social, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade de Lisboa, Lisboa [ Links ]
Baylão, A. L. S., & Schettino, E. M. O. (2014). A Inserção da mulher no mercado de trabalho brasileiro. XI Simpósio de Excelência em Gestão e Tecnologia. Recuperado em: 10/07/2017, <http://www.aedb.br/seget/arquivos/artigos14/20320175.pdf> [ Links ].
Bédard, I. N. (2003). Como interpretar os desenhos das crianças (Vol. 1, 1ª ed.). São Paulo: Isis. [ Links ]
Boamorte, J. B. (2014). As funções materna e paterna na família monoparental. PT, O portal dos psicólogos. Recuperado em: 10/07/2017, <http://www.psicologia.pt/ artigos/ver_artigo.php?as-funcoes-materna-e-paterna-na-familia-monoparental&c odigo=A0787&area=D11A> [ Links ].
Borsa, J. C., & Nunes, M. L. T. (2011). Aspectos psicossociais da parentalidade: O papel dos homens e mulheres na família nuclear. Psicol. Argum, 29, 31-39. [ Links ]
Caniço, H. P. (2013). Os novos tipos de família e novo método de avaliação em saúde da pessoa – Apgar Saudável. Dissertação de Doutorado em Ciências da Saúde, especialização em Medicina preventiva, Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, Coimbra.
Chantre, S. L. S. (2015). Representação social de famílias: a percepção das crianças institucionalizadas vs a percepção das crianças não institucionalizadas. Dissertação de licenciatura em Psicologia Clínica e da Saúde, Universidade Jean de Cabo Verde. [ Links ]
Chodorow, N. (1990). Psicanálise da maternidade: Uma crítica a Freud a partir da mulher. Rio de Janeiro: Rosa dos tempos. [ Links ]
Correia, S. V. (2010). A articulação família-trabalho em famílias monoparentais masculinas. In Wall, K, Aboim, S. & Cunha, V. (coords). A vida familiar no masculino: negociando velhas e novas masculinidades. Comissão para a igualdade no trabalho e no emprego, Lisboa. [ Links ]
Cunha, S. (2008). Representações e expectativas sobre a família e a adoção em crianças e jovens institucionalizados. Família e Gênero. Simpósio conduzido no VI Congresso Português de Sociologia. Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa. [ Links ]
D'Alonso, G. L. (2008). Trabalhadoras brasileiras e a relação com o trabalho: trajetórias e travessias. Psicologia para América Latina. Recuperado em: 10/07/2017, <http:// pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1870350X2008000400003> [ Links ]. Dessen, M., & Ramos, P. C. C. (2010). Crianças pré-escolares e suas concepções de família. Paidéia, 20(47), 345-357. [ Links ]
Dias, E. B., & Campos, R. (2015). Sob o olhar das crianças: o processo de transição escolar da educação infantil para o ensino fundamental na contemporaneidade. Revi. Brasileira de Estudos Pedagógicos, 96, 635-649. [ Links ]
Eugenio, B. G., & Boaretto, G. (2016). No interior da sala de aula: as relações de gênero nos anos iniciais do ensino fundamental. Interfaces Científicas – Educação, 4(3), 139 – 150.
Goés, M. S., & Gontijo, C. M. M. (2017). Relações entre desenho e escrita no processo de produção textual. Educação Unisinos, 21(2), 223-232. [ Links ]
Grubits, S. (2003). A casa: cultura e sociedade na expressão do desenho infantil. Psicologia em Estudo, 8, 97-105. [ Links ]
Lévi-Strauss, C. (1972). As estruturas elementares do parentesco. R io de Janeiro: Vozes. [ Links ]
Louro, C. F. (2012). Os maus-tratos a crianças: representações das crianças sobre a família e o risco psicossocial. Dissertação de Mestrado, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Lisboa. [ Links ]
Minuchin, S. (1982). Famílias: Funcionamento e tratamento. Porto Alegre: Artmed. [ Links ] Ribeiro, F. S., & Cruz, F. M. L. (2013). Representações sociais de família por crianças na cidade de Recife. Psicologia & Realidade, 25(3), 612-662. [ Links ]
Silva, M. R., & Piccinini, C. A. (2007). Sentimentos sobre a paternidade e o envolvimento paterno: um estudo qualitativo. Estudos de Psicologia, 24(4), 561-573. [ Links ]
Silva, S. C. de S. da (2009). Famílias de risco, Crianças de risco? Representações das crianças acerca da família e do risco. Dissertação de Mestrado em Estudos da Criança, na Área de Especialização em Intervenção Psicossocial com crianças jovens e famílias. Instituto de Estudos da Criança, Universidade do Minho, Minho. [ Links ]
Vaitsman, J. (1994). Flexíveis e plurais: identidade, casamento e família em circunstâncias pós-moderna. Rio de Janeiro: Rocco. [ Links ]
Wall, K., & Lobo, C (1999). Famílias monoparentais em Portugal. Análise Social, 34(150), 123-145. [ Links ]
Wechsler, S. M., & Schelini, P. W. (2002). Validade do Desenho da Figura Humana para Avaliação Cognitiva Infantil. Avaliação Psicológica, 1, 29-38. [ Links ]
Wirth, N. M. (2013). As novas configurações da família contemporânea e o discurso religioso. Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos), Florianópolis. [ Links ]
Zambrano, E. (2006). Parentalidades impensáveis: pais/mães homossexuais, travestis e transexuais. Horizontes Antropológicos, 12(26), 123-147. [ Links ]
Endereço para correspondência
E-mail: fmarques028@gmail.com
Recebido em: agosto de 2018
Aceito em: setembro de 2018
1 Fernanda Marques da Silva: Graduanda do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da Universidade Luterana do Brasil – Canoas. Afiliação Institucional: Universidade Luterana do Brasil; Av. Panamericana, Jardim Lindoia, 150 - 91050-000; Porto Alegre, RS, Brasil. Telefone: (51) 997601806.
2 Elenise da Silva Pereira: Graduada do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da Universidade Luterana do Brasil – Canoas; Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática (PPGECIM) da Universidade Luterana do Brasil – Canoas. Afiliação Institucional: Universidade Luterana do Brasil; Rua vinte e seis de março, 28 - 91260-712; Protásio Alves, Porto Alegre, RS, Brasil. Telefone: (51) 992713211.
3Maria Isabel Morgan-Martins: Graduada em Ciências Biológicas – Unisinos; Mestre em Fisiologia – UFRGS; Doutorado em Fisiologia – UFRGS; Doutora em Fisiologia. Afiliação Institucional – ULBRA; Rua Domingos Martins, 585/402 – 92310190; Centro, Canoas, RS, Brasil. Telefone: (51) 993112960.
4 Jussara Alves Pinheiro Sommer: Graduada em Geografia – Ulbra; Mestre em Geociências – UFRGS; Doutorado em Geografia- UFGRS; Doutora em Geografia. Afiliação institucional – Universidade Luterana do Brasil; Rua Bauru, 204 B - 93540-180; Canudos, Novo Hamburgo, RS, Brasil. Telefone: (51) 984077087.
5 Eliane Fraga da Silveira: Graduada em Ciências Biológicas – PUC; Mestre em Zoologia – PUC; Doutora em Biologia Animal – UFRGS.Afiliação Institucional – Universidade Luterana do Brasil; Rua Maestro S. Campanella, 220/301 - 91220-390; Jardim Planalto, Porto Alegre, RS, Brasil. Telefone: (51) 999570058.