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PsicoUSF
versão impressa ISSN 1413-8271
PsicoUSF v.13 n.2 Itatiba dez. 2008
ARTIGOS
Análise de contingências de um portador de diabetes mellitus tipo 2: estudo de caso
Contingency analysis of a type 2 diabetes mellitus pacient: a case study
Camila Ribeiro Coelho*; Vera Lúcia Adami Raposo do Amaral**
Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Brasil
RESUMO
O diabetes mellitus é uma doença crônica e o seu tratamento é altamente complexo. Pesquisas têm surgido com o objetivo de compreender as contribuições do estilo de vida e dos fatores comportamentais no desenvolvimento e no controle da doença. O presente estudo realizou uma análise de contingências dos comportamentos de adesão e de não-adesão ao tratamento, buscando, para isso, relações de dependência entre eventos comportamentais e ambientais, a partir de um estudo de caso único com uma paciente portadora de diabetes mellitus tipo 2. O procedimento adotado para a coleta de dados foi a caracterização dos comportamentos de acordo com as seguintes categorias: mensuração da glicemia, administração da insulina, controle da dieta e prática de exercício físico. Os resultados indicaram a prevalência de contingências aversivas e demonstraram a necessidade de se ensinar estratégias de autocontrole ao paciente, e regras por parte da equipe de saúde, que descrevam as contingências em operação no ambiente.
Palavras-chave: Contingências, Diabetes, Tratamento.
ABSTRACT
Diabetes mellitus is a chronic disease wich requires a highly complex treatment. Researches have been done with the objective of understanding the role that life style and behavioral factors play on the onset and control of the disease. The present study aimed at analysing the contingencies involved in the behavior of adherence and non adherence to treatment of a type 2diabetes mellitus patient and the dependency relationship between behavioral and environmental variables in a single case study. The procedure adopted for data collection was the characterization of behaviors according to the following categories: glucemia measurement, insulin administration, diet control and the practice of physical exercise. Results indicate the prevalence of aversive contingencies and demonstrate the need of teaching the pacient self control strategies, and rules by the health team which describe the environmental contingencies in operation.
Keywords: Contingencies, Diabetes, Treatment.
Introdução
De acordo com a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD, 2007) o diabetes mellitus é um grupo de doenças metabólicas caracterizado por problemas no metabolismo da glicose. É uma doença crônica resultante de deficiência na secreção de insulina, na ação da insulina ou ambos, e que irá influenciar negativamente o metabolismo do organismo.
O diabetes do tipo 2 corresponde a cerca de 90 a 95% dos casos de diabetes e associa-se a uma forte predisposição genética aliada a fatores ambientais e ao estilo de vida do indivíduo (ADA, 2004a).
Durante a evolução da doença, dependendo do controle metabólico obtido, podem advir complicações, tais como: perda de visão, insuficiência renal, problemas cardiovasculares, risco de úlceras ou amputações nos pés, além de disfunção sexual. No entanto, o tratamento adequado pode evitar ou reduzir a intensidade dessas complicações (ADA, 2004a).
O tratamento do paciente portador de diabetes inclui tanto medidas medicamentosas quanto não-medicamentosas e visa alcançar o equilíbrio metabólico, procurando tornar os níveis de glicemia, da pressão arterial e o peso o mais próximos do normal (ADA, 2004b).
Nesse sentido, Malerbi (2001) ressaltou que os portadores de diabetes necessitam de um tratamento altamente complexo, pois além da terapêutica medicamentosa, os pacientes devem seguir uma dieta alimentar, praticar exercícios físicos, monitorar os níveis de glicemia, além de tratar os sintomas relacionados ao diabetes.
Vários estudos mostraram que pacientes portadores de diabetes mellitus dificilmente seguem o tratamento proposto pelos profissionais de saúde, costumando as taxas de não-adesão variar de 40% a 90% (Gonder-Freederick, Julian, Cox, Clarke & Carter, 1988).
A adesão pode ser definida como o grau de concordância do comportamento do paciente e as recomendações dos profissionais de saúde ( Epstein & Cluss, 1982; Haynes, 1979). No entanto, essa definição vem sendo amplamente revisada por diversos autores, que consideram a adesão ao tratamento em um sentido mais amplo e complexo, uma vez que enfatizam a participação ativa do paciente no seu tratamento (Brawley & Culos Reed, 2000; Delamater, 2006).
Este estudo baseou-se nos princípios da análise do comportamento, ciência que está fundamentada pelo behaviorismo radical, que por sua vez, trata-se de uma interpretação filosófica acerca dos dados obtidos mediante a investigação comportamental (Matos, 1997).
Entende-se por comportamento um conjunto de funções que se refere à interação do organismo com o ambiente, ressaltando que não existe comportamento sem levar em consideração as circunstâncias nas quais ele ocorre (Matos, 1997). A análise do comportamento preocupa-se com as relações funcionais entre a ação de um organismo e a sua conseqüência no ambiente. O comportamento não designa simplesmente o que um organismo faz, mas sim a sua relação com o mundo a sua volta (Tourinho, 2003).
De acordo com o behaviorismo radical, existem dois tipos de interação entre organismo e ambiente: as conseqüências seletivas (que ocorrem após o comportamento e que alteram a possibilidade de ocorrência de comportamentos equivalentes no futuro) e os contextos que instituem a circunstância para o comportamento ser afetado pelas suas conseqüências (que ocorreriam antes da emissão do comportamento e também afetariam a probabilidade futura desse comportamento). A esses dois tipos de interação entre o comportamento e o ambiente dá-se o nome de contingências (Matos, 1997).
A análise que busca descrever as relações estabelecidas entre organismo e ambiente deve especificar a tríplice relação de contingência: a) a ocasião na qual ocorreu a resposta; b) a própria resposta; e c) as conseqüências reforçadoras. E a inter-relação entre estes termos são as contingências de reforço (Skinner, 1993).
Portanto, por contingência entende-se a relação entre o estímulo antecedente, a resposta e a conseqüência, podendo haver diminuição ou aumento da freqüência de resposta, dependendo da contingência em operação.
Isso quer dizer que, para compreender um episódio ou uma determinada situação, o analista do comportamento buscará identificar as diferentes contingências envolvidas, ou seja, as diferentes inter-relações entre: situação antecedente (Sd) - resposta (R) - conseqüência (Sr) que compõem tal situação (Andery & Sério, 2007).
Segundo Tomanari (2004) existem basicamente dois tipos de relações, que descrevem a interação entre o comportamento e as suas conseqüências: um deles é o reforçamento, que torna mais provável a ocorrência de um determinado comportamento; o outro é a punição, que tem efeito contrário ao reforçamento, ou seja, torna a emissão de um comportamento menos provável. Dessa forma, eventos ambientais podem ser apresentados ou removidos de acordo com as relações de contingência entre a ação do indivíduo e a conseqüência que se segue.
Sidman (2003) fez uma distinção entre o tipo de controle exercido pelo reforçamento e pela punição. Para o autor, o controle por reforçamento positivo é não-coercitivo, no entanto a coerção ocorre quando as ações são controladas por reforçamento negativo e punição, quando os indivíduos deixam de fazer ou fazem coisas para cessar ou evitar determinados estímulos.
Realizar uma análise funcional implica descrever as contingências que produzem mudança nos comportamentos (Meyer, 1997), ou seja, identificar a relação de dependência entre eventos comportamentais e ambientais (Souza, 1997).
Silvares e Meyer (2000) ressaltaram que as análises funcionais são feitas procurando-se explicitar as contingências que podem estar operando para manter um comportamento inadaptado em detrimento da manutenção de comportamentos adaptativos.
De acordo com Matos (2004), a abordagem do analista comportamental pressupõe uma metodologia de sujeito único, onde os procedimentos envolvem técnicas elaboradas e a linguagem inclui uma série de conceitos descritivos.
Embora a análise funcional seja uma ferramenta fundamental para o trabalho do analista do comportamento, independente do seu campo de atuação, especialmente no contexto da saúde, ela pode ser utilizada para identificar as variáveis controladoras dos comportamentos de não-adesão ao tratamento, de alteração do estilo de vida ou de prevenção. E uma vez identificadas as variáveis de controle dos comportamentos relacionados à saúde, pode ser possível realizar um planejamento de intervenção que aumente a probabilidade de sucesso no controle de uma determinada doença.
Estudos vêm sendo realizados utilizando a análise funcional como instrumento de avaliação clínica. Costa e Marinho (2002) apresentaram o modelo de análise funcional aplicada em dois casos, onde inicialmente foi feita a descrição dos casos com as principais informações obtidas nas sessões de avaliação, com a análise em forma de esquema, contendo os antecedentes, o comportamento em si e as conseqüências, tornando possível verificar o comportamento como produto de interações do indivíduo com o ambiente. Com base nessa análise, as autoras puderam verificar a probabilidade de um dado comportamento ser apresentado por aquele indivíduo, diante de determinadas contingências.
Outro tipo de trabalho que envolveu a análise funcional foi desenvolvido por Silvares e Meyer (2000) e consistiu em analisar funcionalmente a classe de comportamentos envolvida na categoria diagnóstica da fobia social. Partindo dos critérios que definem esta categoria segundo o Diagnostic and statistical manual of mental disorders (DSM -IV), as autoras dividiram a análise do transtorno em cinco itens a serem avaliados: o comportamento (dificuldade em ser assertivo, hipersensibilidade a críticas e avaliações, fuga e esquiva de situações sociais), os antecedentes (ser apresentado a outras pessoas, ser provocado ou criticado, ser o centro de atenções, ser observado, encontros sociais, especialmente com estranhos, entre outras circunstâncias), os conseqüentes (fuga ou esquiva da situação social ou de desempenho), a história de vida (responsável pelo desenvolvimento do comportamento e pela função de antecedente e conseqüente dos estímulos indicados) e, por fim, o tratamento (derivado da própria análise funcional).
Ribeiro (2006) realizou um estudou cujo objetivo foi analisar funcionalmente o relato de contingências atuais e a história de vida de quatro participantes com histórico de tentativa de suicídio, para o que foram feitas entrevistas com os participantes e familiares de cada um deles. Feitas as análises funcionais de cada participante, foi possível identificar contingências aversivas presentes na vida de todos os participantes no momento da tentativa de suicídio, entre elas a desestrutura familiar. A avaliação funcional também mostrou que as estratégias de enfrentamento podem colaborar na prevenção de futuras tentativas de suicídio
A análise do comportamento dentro do contexto da saúde visa lidar tanto com os comportamentos que mantêm a doença quanto com aqueles que promovem a saúde. Para isso, é necessário que o psicólogo trabalhe diretamente com as contingências em operação no ambiente e com as possíveis regras que poderão influenciar o comportamento do indivíduo no seu ambiente natural (Amaral, 1999).
Kerbauy (2002) ressaltou a importância de que o analista do comportamento considere as variáveis de controle do comportamento na busca de soluções teóricas ou técnicas para os problemas relacionados à saúde.
Para isso, a seguir serão apontadas algumas questões teóricas relevantes para a análise do comportamento e que podem contribuir para a análise de algumas dessas variáveis.
No contexto da saúde, podemos observar que as instruções médicas funcionam como regras. Para Skinner (1993) a regra é um estímulo discriminativo verbal que especifica uma determinada contingência.
Baum (2006) descreveu a proposta de Skinner sobre a distinção entre o comportamento governado pelas contingências e o comportamento governado por regras da seguinte maneira: o comportamento modelado pelas contingências é aquele modelado e mantido por conseqüências relativamente imediatas; já o comportamento governado por regras é mediado pelo comportamento verbal de outra pessoa, sendo esse comportamento a descrição de uma contingência.
O conceito de autocontrole também é fundamental na busca de variáveis de controle do comportamento humano. Para Skinner (1993) o comportamento de autocontrole está relacionado à escolha de duas respostas concorrentes: pode ser que o indivíduo tenha que escolher entre uma resposta reforçada imediatamente e punida a longo prazo, ou vice-versa. Portanto, o comportamento de autocontrole implica a existência de contingências conflitantes, onde o indivíduo terá que escolher entre duas respostas com conseqüências diferentes.
O presente estudo pretendeu utilizar os pressupostos da análise do comportamento a fim de contribuir com as pesquisas que visam compreender as contribuições dos fatores comportamentais no controle do diabetes. Portanto, este estudo teve como objetivo descrever as contingências de adesão e não-adesão ao tratamento do diabetes mellitus tipo 2, a partir de um estudo de caso único.
Método
Participantes
Uma participante do sexo feminino, 49 anos de idade, doméstica, com tempo de diagnóstico de diabetes mellitus do tipo dois a 10 anos e que realizava tratamento médico em um centro de saúde de uma cidade do interior do estado de São Paulo.
Material
Foi utilizado um roteiro de entrevista semi-estruturada organizado pelas autoras com o objetivo de abordar as questões relacionadas ao tratamento do diabetes. Sendo assim, foram abordadas as seguintes categorias: a) Mensuração da glicemia: auto-monitoramento do nível de glicemia no sangue, por meio de um aparelho; b) Administração da insulina: auto-aplicação da insulina subcutânea; c) Controle da dieta: ingestão de alimentos que colaborem para o controle da glicemia; e d) Prática de exercício físico: realização de exercício físico indicado pela equipe de saúde.
O roteiro de entrevista semi-estruturada continha as seguintes questões: "Em que contexto você segue a orientação que foi passada pela equipe de saúde sobre o tratamento do diabetes?" (enfatizando as categorias acima descritas); "O que ocorre quando você não segue as orientações?". A cada resposta da participante, o pesquisador buscou investigar os antecedentes, comportamentos e conseqüências advindas de cada categoria analisada, bem como especificar e detalhar as condições do contexto da ocorrência do comportamento de adesão e do contexto da não ocorrência do comportamento de adesão.
Local
Uma sala de atendimento que continha uma mesa e três cadeiras, e que ficava localizada no centro de saúde onde a paciente realizava acompanhamento médico.
Procedimento
Inicialmente, foi solicitado para a equipe médica do centro de saúde, o encaminhamento de pacientes com o diagnóstico de diabetes mellitus tipo 2. Após o encaminhamento, a participante foi convidada para participar espontaneamente desse estudo, assinou o termo de consentimento e a sua entrevista foi agendada. A sessão durou 40 minutos e foi utilizado um gravador a fim de garantir a fidelidade dos dados.
Análise dos resultados
Foi realizada uma caracterização dos comportamentos de acordo com as categorias que foram abordadas: mensuração da glicemia, administração da insulina, controle da dieta e prática de exercício físico.
A análise dos dados levou em consideração:
a) o contexto da ocorrência do comportamento;
b) o contexto da não ocorrência do comportamento.
As análises estão descritas em esquemas de acordo com os termos específicos do behaviorismo radical: Sd refere-se aos estímulos que antecedem uma resposta e fornecem a ocasião para que ela ocorra; R é a própria resposta e Sr são as conseqüências reforçadoras. Posteriormente, as classes de comportamento foram relacionadas à descrição das suas contingências. Os dados são apresentados a seguir:
Diante de uma orientação médica (mensurar a glicemia duas vezes ao dia), a resposta de monitorar o nível de glicemia pode ter o efeito de punir esse comportamento (mensurar a glicemia), caso o resultado do exame mostre um elevado índice glicêmico, o que pode funcionar como uma punição positiva, pois consiste na apresentação de um estímulo aversivo (elevado índice glicêmico) contingente à resposta da paciente realizar o teste de glicemia.
A resposta de não monitorar o índice glicêmico, pode ter uma função de esquiva pelo fato de afastar o estímulo aversivo gerado pelo descontrole da glicemia. Nesse caso, contingências reforçadoras negativas estariam controlando esse comportamento, caracterizando assim um comportamento mantido por reforçamento negativo. A resposta de não monitorar a glicemia pode demonstrar que a paciente responde diante de um estímulo interno privado (tontura), ou seja, o seu comportamento fica sob controle desse estímulo e da conseqüência obtida pela não-mensuração da glicemia e, portanto, a não confirmação dos altos índices glicêmicos não se configura como uma conseqüência aversiva imediata e objetiva.
A resposta de administração da insulina, neste caso, é mantida pelo reforçamento positivo, ou seja, a ação de aplicar a insulina (comportamento) é seguida por uma sensação de bem-estar (reforçamento positivo), o que caracteriza a adição, o aparecimento ou a produção de algo novo, ou algo que não estava lá antes da ação do indivíduo, e que tornará mais provável que esta mesma ação ocorra novamente (Sidman, 2003).
O comportamento da paciente de não aplicar a insulina produz efeitos que diminuem a probabilidade de ocorrência futura dessa resposta novamente, pois consiste na apresentação imediata de um estímulo aversivo (estado corporal típico da glicemia alta: tontura, dores no corpo), contingente à não-aplicação da insulina (comportamento), podendo ser um exemplo de punição positiva.
O comportamento de seguir a orientação da dieta produz conseqüências positivas, tendo em vista que a paciente relata sentir-se bem, sendo assim reforçado positivamente, o que o torna mais provável de ocorrer.
Por outro lado, o comportamento de comer é reforçado de forma imediata pela sensação prazerosa que alguns alimentos produzem no organismo (reforço positivo), no entanto este mesmo comportamento pode produzir um efeito punitivo (elevação do índice glicêmico, dores nas pernas). Trata-se, portanto, da escolha entre dois tipos de reforços: um imediato e outro a longo prazo. Neste caso há a presença de contingências conflitantes, pois o não-seguimento da dieta (comportamento de não adesão) poderia ser explicado pelo reforçamento positivo, enfatizando o caráter reforçador presente em alguns alimentos e nas situações sociais, e ao mesmo tempo pode também ser entendido pelas contingências punitivas, caracterizadas pela dor e pelo descontrole da doença.
Sentir dor na coluna e no corpo é algo aversivo, assim, quando a paciente realiza atividade física (comportamento), para terminar um evento aversivo (a dor), conseqüentemente a paciente é reforçada a repetir esse comportamento - reforçamento negativo. Nesse caso, o reforçamento negativo ocorre dentro de uma situação de fuga, onde o indivíduo emite uma resposta que visa à remoção de um estímulo aversivo (Sidman, 2003).
O comportamento de não realizar atividade física é seguido pela apresentação de um estímulo aversivo (dores no corpo), caracterizando assim uma contingência de punição positiva.
Discussão
Muitos dos repertórios comportamentais relacionados à saúde ilustram a necessidade de estratégias de autocontrole. De acordo com este caso, foi possível observar que em muitas situações torna-se necessário que o indivíduo portador de uma doença crônica, como o diabetes, aprenda a se autocontrolar e a seguir as regras da equipe de saúde, a fim de instalar e manter os comportamentos de adesão ao tratamento, uma vez que muitos reforçadores imediatos podem ser produzidos a partir da emissão de comportamentos prejudiciais à saúde. Por exemplo: o comportamento de comer (alimentos não-permitidos ou restritivos à dieta) pode produzir inúmeras conseqüências negativas a longo prazo para esta paciente, como: aumento do peso e, conseqüentemente, um descontrole da doença, mas também pode produzir conseqüências reforçadoras a curto prazo, muito efetivas no fortalecimento do comportamento de comer alimentos inadequados.
No relato da paciente, além da questão do autocontrole, também ficou clara a presença de contingências coercitivas, as quais, segundo Guilhardi (2004), produzem comportamentos de fuga (que levam ao fim do contato com o estímulo aversivo) e esquiva (que evitam o contato com este estímulo), como foi demonstrado especialmente nos contextos da não-ocorrência do comportamento de adesão, onde os resultados mostraram a prevalência de contingências de reforçamento negativo diante de respostas da paciente que tinha por objetivo se esquivar das orientações da equipe de saúde, como, por exemplo, não realizar o automonitoramento da glicemia no número de vezes solicitado pelo médico ou não seguir corretamente a dieta, ou então, quando a resposta da paciente era contingente à retirada de um estímulo aversivo, por exemplo, dor, e que tinham como conseqüência a fuga ou esquiva de estímulos aversivos presentes no ambiente.
A ocorrência de contingências punitivas esteve presente em todas as categorias analisadas: mensuração da glicemia, administração da insulina, controle da dieta e prática de exercício físico; entretanto, cabe ressaltar que houve um predomínio das contingências punitivas no contexto da ocorrência do comportamento de não adesão ao tratamento.
De acordo com Skinner (1993), a punição pode reduzir o comportamento punido imediatamente, mas esse resultado não se mantém a longo prazo. Assim, uma pessoa que foi punida continua fortemente inclinada a se comportar da mesma maneira pela qual foi punida, mas irá esquivar-se da ameaça de punição, buscando fazer alguma outra forma e, em alguns casos, não fazendo nada (Skinner, 1993; 1995).
Outro aspecto importante diz respeito ao comportamento governado por regras, já que as instruções médicas funcionam como regras que especificam um estímulo discriminativo verbal. Matos (2001) ressaltou que as regras são particularmente importantes quando se trata de situações em que as contingências naturais são fracas ou operam a longo prazo. Fazendo um paralelo com essa afirmação, pode-se supor que o comportamento de aderir ao tratamento tem conseqüências naturais imediatas muito fracas, sendo instalado primeiramente a partir das regras, para somente depois passar a ser mantido pelas suas conseqüências naturais a longo prazo.
Partindo do estudo de Skinner (1993) a respeito da pesquisa e aplicação do termo autocontrole, pode-se hipotetizar que as regras que a paciente deve seguir são emitidas por uma agência controladora (neste caso, a equipe de saúde) e têm a função de estímulo discriminativo, ou seja, seguir essas regras/instruções produziria conseqüências reforçadoras de duas fontes: da agência controladora (por ter seguido a regra) e da própria situação que fornece conseqüências reforçadoras, isso quando a regra é uma descrição correta da contingência em vigor.
Quando as regras descrevem a necessidade de alterações comportamentais (como é o caso do tratamento para o diabetes), cabe analisar as relações entre as regras e as contingências às quais o indivíduo está exposto, a fim de compreender quais são as contingências de reforçamento presentes no ambiente de vida deste paciente, pois as instruções fornecidas pela equipe médica irão competir com as contingências ambientais em vigor, ou seja, as mesmas contingências que mantinham os comportamentos habituais do indivíduo.
Quando as regras descrevem contingências de acordo com a realidade na qual o indivíduo está inserido, elas podem ajudar o paciente a lidar de forma mais eficaz com a doença. Por outro lado, quando as regras não descreverem as contingências reais em operação, os efeitos não serão os mesmos. Ou ainda, o seguimento rígido das regras fornecidas pela equipe médica pode muitas vezes oferecer riscos para o próprio paciente, caso essas regras não especifiquem as contingências ambientais em vigor, como quando o paciente diabético não desenvolve habilidade para discriminar os eventos internos relacionados à doença, nesse caso, a hipoglicemia e a hiperglicemia. Isso demonstra que, ao mesmo tempo, é importante que o paciente siga as regras do tratamento; também é essencial que ele se torne suscetível às contingências.
Além do comportamento governado por regras, a questão do autocontrole, as contingências coercitivas (reforçamento negativo e punição), houve também a presença de contingências positivas para o contexto da ocorrência de comportamentos de adesão ao tratamento nas seguintes categorias: administração da insulina e controle da dieta, onde a resposta da paciente em emitir os comportamentos necessários para o controle da doença parece ser mantida mediante reforço positivo, pois consiste na adição de um estímulo reforçador no ambiente (relato verbal: "sinto-me bem, fico mais animada"; "... passo um bom tempo controlada" (quando segue a dieta), o que aumenta a probabilidade do comportamento (de aplicar a insulina e seguir as orientações com relação à dieta) voltar a ocorrer.
Conclusão e considerações finais
O comportamento do paciente tem um importante papel, seja no desenvolvimento seja no controle do seu estado de saúde, uma vez que a maneira com que o indivíduo age, quando exposto às contingências diárias, pode afetar a relação saúde-doença.
É importante salientar que, por se tratar de um estudo de caso único, os resultados aqui obtidos têm sua generalização limitada. Portanto, sugerem-se novos estudos descritivos com a mesma população, a fim de identificar as variáveis e as contingências que controlariam os comportamentos de adesão ao tratamento em portadores de diabetes, com o objetivo de obter dados mais consistentes sobre suas variáveis controladoras.
Dessa forma, estudos que têm como objetivo a temática da adesão ao tratamento são de extrema importância, uma vez que os dados aqui encontrados apontam para a necessidade de os profissionais da área da saúde direcionarem as suas ações para o desenvolvimento de intervenções que contribuam para a promoção de programas de adesão ao tratamento.
Ressalta-se ainda a relevância do trabalho do psicólogo como parte integrante das equipes de saúde, pois o analista do comportamento dispõe de instrumentos de avaliação e de atuação que permitem a construção de hábitos de vida mais saudáveis, além do desenvolvimento de repertórios comportamentais de prevenção e de promoção da saúde, bem como a redução dos fatores comportamentais relacionados ao desenvolvimento ou manutenção de doenças.
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Endereço para correspondência
E-mail: camilarico@terra.com.br
Recebido em novembro de 2007
Reformulado em abril de 2008
Aprovado em setembro de 2008
Sobre as autoras:
* Camila Ribeiro Coelho é psicóloga pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (2003), aprimoramento profissional em Psicologia no Hospital Geral (2005), especialização em Terapia Comportamental e Cognitiva: teoria e aplicação, pela Universidade de São Paulo (2006) e mestrado em Psicologia como Profissão e Ciência na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (2008).
** Vera Lucia Adami Raposo do Amaral é psicóloga pela PUC-Campinas(1971), com especialização em Psychologie Experimenta le Prof. Paul Fraisse pela École Pratique Des Hautes Études (1974), mestrado em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela USP (1980) e doutorado em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela USP (1986). Atualmente é Psicóloga-chefe do Setor de Psicologia da Sociedade de Pesquisa e Assistência para Reabilitação Crâniofacial e professora titular da Pontifícia Universidade Católica de Campinas.
Agradecimentos pelo apoio financeiro do CNPq.