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Psicologia da Educação
versão impressa ISSN 1414-6975versão On-line ISSN 2175-3520
Psicol. educ. n.22 São Paulo jun. 2006
As "idéias psicológicas" sobre as condições de aprendizagem na província do Paraná (1854-1889)1
The "Psychological ideas" about the conditions of learning in the province of Paraná (1854-1889)
Las "ideas psicológicas" sobre las condiciones de aprendizaje en la provincia de Paraná (1854-1889)
Sheila Maria RosinI; Mitsuko Aparecida Makino AntunesII
IDoutora em Psicologia da Educação PUC-SP. Professora de Psicologia da Educação na Universidade Estadual de Maringá. E-mail: sheilarosin@onda.com.br
IIProfessora Titular do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: Psicologia da Educação da PUC-SP. E-mail: miantunes@pucsp.br
RESUMO
O presente artigo objetiva mostrar que as teorias acerca dos processos de ensino e aprendizagem desenvolvidas pela Psicologia científica já estavam espraiadas pelos documentos que discutiam questões educacionais antes mesmo de serem organizadas de forma sistematizada como objeto de estudo de uma ciência. Tomamos como fonte para o estudo os relatórios dos presidentes, vice-presidentes, inspetores e professores do ensino primário da província do Paraná. Os relatórios foram redigidos entre os anos de 1854, depois que o Paraná tornou-se independente da província de São Paulo, e 1889, quando ele deixou a condição de província do Império para tornar-se Estado. Os documentos revelam que existia um crescente interesse pela criança, pelo seu desenvolvimento físico, intelectual e psicológico. Dessa forma, assuntos ligados às melhores condições para a aprendizagem, como o método de ensino, o prédio e o material escolar, o número de crianças por turma, o sistema de graduação, o horário das aulas e a idade dos alunos dão a tônica aos documentos e revelam a preocupação com aspectos psicológicos do processo de ensino e aprendizagem.
Palavras-chave: Psicologia; educação; história; ensino-aprendizagem.
ABSTRACT
The present article has the purpose of showing that the theories concerning the teaching and learning processes developed by the scientific Psychology were already spread on the documents that discussed education subjects even before they were organized in a systematized way as a science study subject. Reports from presidents, vice-presidents, inspectors and primary education teachers of the province of Paraná were used as a study source. The reports were written from 1854, after the province becomes independent from the province of São Paulo, to 1889, when Paraná leaves the condition of province of the Empire to become a State. The documents reveal that there is a crescent interest in the development of physical, intellectual and psychological conditions of children. Thus, subjects regarding better conditions for learning, such as the teaching method, the school building, the school material, the number of children per classroom, the progressive system, the class schedule, and the students' age, give the tonic to the documents and at the same time reveal the concern with the psychological aspects of the teaching and learning process.
Keywords: Psychology; Education; History; Teaching and learning.
RESUMEN
Este artículo tiene el objetivo de mostrar que las teorías acerca de los procesos de enseñanza y aprendizaje desarrolladas por la Sicología científica ya estaban explayadas por los documentos que discutían cuestiones educacionales antes de que fueran organizadas de una manera sistematizada como objeto de estudio de una ciencia. Se tomaron los informes de los presidentes, vicepresidentes, inspectores y maestros de enseñanza primaria de la provincia de Paraná como fuente para este estudio. Los informes fueron escritos entre los años 1854 - después de que la provincia se torna independiente de la provincia de São Paulo - y 1889 - cuando Paraná deja la condición de provincia del Imperio para ser un Estado. Los documentos revelan que existe un interés creciente por el niño, por su desarrollo físico, intelectual y psicológico. Así, los asuntos vinculados a las mejores condiciones para el aprendizaje tales como el método de enseñanza, el edificio y el material escolar, el número de niños por grupo, el sistema de graduación, el horario de clases y la edad de los estudiantes dan la tónica a los documentos y revelan la preocupación con los aspectos psicológicos del proceso de enseñanza y aprendizaje.
Palabras clave: Sicología; educación; historia; enseñanza y aprendizaje.
Introdução
Com o presente artigo, objetivamos mostrar que as "idéias psicológicas"2 acerca dos processos de ensino e aprendizagem desenvolvidas pela Psicologia científica estavam espraiadas pelos documentos que discutiam questões educacionais antes mesmo de serem organizadas de forma sistematizada como objeto de estudo de uma ciência. Tomamos como fonte para a pesquisa os relatórios de presidentes, vice-presidentes, inspetores e professores do ensino primário redigidos no Paraná entre os anos de 1854, depois que ele se tornou independente da província de São Paulo, e 1889, quando, por ocasião da Proclamação da República, o Paraná deixa a condição de província do Império para tornar-se estado. Os documentos mostram que, em meio a uma infinidade de problemas a resolver, existia no âmbito educacional um crescente interesse pela criança, pelo seu desenvolvimento físico, intelectual e psicológico.
No contexto de valorização da escola primária, para além das funções que até então ela desempenhava - ler, escrever e contar - aparecia a preocupação com a infância "em situação especificamente escolar" (Norodowski, 1993, p. 20). A criança era, segundo Norodowski (ibid., p. 21), "a base para a construção teórica do aluno [e] o pressuposto universal para a produção pedagógica; pressuposto irrefutável, alicerce privilegiado do edifício escolar".
Dessa forma, discussões sobre métodos de ensinar, inteligência e melhores condições para a aprendizagem (prédio, material escolar, número de alunos, sistema de graduação e horário) dão a tônica aos documentos e revelam a preocupação com aspectos psicológicos do processo de ensino e aprendizagem.
Método de ensinar
O método de ensino é assunto bastante citado nos documentos. Oficialmente, o método que deveria ser adotado na província seria o simultâneo. Encontramos, nos próprios documentos, definições do que seria esse método. Na nota de visita feita à escola, regida por José Cleto da Silva, o inspetor geral, João Pereira Lago Júnior, apresenta a seguinte informação: "aos únicos esforços de um bom methodo um gruposinho de umas vinte e tantas crianças vivas e attentas, praticavam, a um só tempo os exercícios indicados para o momento"3 (Ap.4469, 1875, p. 216).
Em 1880, Honório Décio Lobo fala, em relatório enviado ao diretor da instrução, Euclides Francisco de Moura, sobre os métodos por ele adotados desde 1855, quando assumiu o cargo de docente na província. Conforme ele, o primeiro dos métodos adotados foi o individual, vantajoso a princípio, mas que aos poucos se tornou inviável pelo crescimento do número de alunos, além de que, conforme afirma o próprio professor, tornava estes egoístas e avaros pela "falta de emulação entre elles" (Ap. 609, 1880, p. 201).
Ante as dificuldades sentidas com o método individual, o professor adotou o método "mútuo por monitores": dividia a classe em dez monitorias cujos monitores deveriam transmitir aos outros alunos os seus conhecimentos, além de vigiar para que todos os deveres fossem cumpridos. Segundo Honório Décio Lobo, porém, esse método não deu bons resultados "porque muito mal se comportavam os próprios monitores não ensinando e os alunos não aprendendo" (Ap. 609, 1880, p. 202).
O professor adotou, em 1857, o método simultâneo, em cumprimento ao regulamento desse mesmo ano, que determinava o seu emprego. Contudo, ele continuou a contar com o auxílio dos monitores, agora não mais com a função de ensinar, mas apenas vigiar.
O professor declara que o ensino simultâneo tinha vantagens e desvantagens. As vantagens referem-se ao fato de que ele seria o mais adequado para a educação moral e intelectual dos alunos. Quanto aos inconvenientes, declara que estes "nascem das desigualdades de grão de intelligencia e adiantamento nos alumnos de uma classe, de que resulta ou o estacionamento dos mais adiantados ou o embaraço dos mais atrazados" (Ap. 609, 1880, p. 203).
O diretor interino da instrução pública, Francisco Alves Guimarães (1882), diz que o método adotado, tanto na província do Paraná como nas demais, era extremamente voltado à memorização.
Acusações semelhantes foram feitas pelo inspetor geral, Bento Fernandes de Barros, em seu relatório. Segundo ele, as aulas na província sofriam com o espírito de rotina, no qual o ensino mecânico tinha forte apelo para a memorização: "Nos outros objetos do ensino primário observei ainda o mesmo defeito, porque decorar e decorar muito parece ser o alvo de todos os esforços da escola" (Ap. 339, 1870, p. 427).
Além dos professores e inspetores, os presidentes da Província também faziam muitas objeções em relação ao método adotado. Os presidentes empregam termos como inadequado, mnemônico, verbalista, abstrato, antiquado, mecânico, entre outros, para defini-lo.
O presidente Bello (1883) assim se posicionava sobre o assunto: "Os methodos pelos quaes se educa e se instrue nas escolas da Província são esses, antiquados, proscritos á porfia pelas lições da pedagogia, como processos negativos da real cultura do espirito e do caracter" (Bello, 1883, p. 33).
Os métodos verbalistas e mnemônicos, utilizados pelos professores na província, somados à não preocupação com a educação física, geravam o que o presidente denominou "esfalfamento mental", no qual "ignora-se que a funcção cerebral depende das condições hygienicas dos órgãos em que se exercita; que o homem, na phrase de um phisiologista, é o producto moral do cérebro, e que este é solidário com o organismo inteiro, e que se ressente das contravenções aos preceitos da hygiene" (ibid., p. 33).
Mas, para além das críticas tecidas ao método, aparecem nos relatórios várias considerações sobre a importância da utilização de um bom método.
A primeira defesa é em favor da utilização de um método, qualquer que seja ele, pois o professor não poderia ensinar ao acaso, confiando na inspiração do momento ou apenas de forma improvisada. Sobre isso, assim se manifesta o presidente Ribeiro (1888, pp. 33-34): "a ausencia de methodo é a ruina da educação e não há nada a esperar-se de uma disciplina que hesita e tacteia, de um ensino incoherente e desordenado que fluctua ao grado das circunstancias e occasiões".
O presidente Zacarias Góes de Vasconcellos (1854) tece um interessante comentário a respeito do método, afirmando que ele deveria estar de acordo com a realidade na qual seria empregado. Ou seja, o método poderia ser individual, simultâneo, mútuo ou lancasteriano, misto ou simultâneo-misto, mas o que iria determinar sua aplicabilidade era o número de alunos que a escola possuía, "em certas localidades pode-se adptar hum, e em outras outro: huma escola de 15 alumnos por exemplo não há de reger-se pelo mesmo methodo que aquella onde houver um numero 10 vezes maior" (Vasconcellos, 1854, p. 18).
O presidente ainda defendia para o ensino um método que fosse rápido e eficaz, pois, segundo ele, o filho do pobre tinha pressa em aprender "para ajudar seo pae nos trabalhos, com que alimenta a familia, e aprender com tempo huma profissão de que no futuro subsista" (ibid., p. 17).
Para o inspetor Bento Fernandes de Barros (1870), o ensino rotineiro e mecânico seria resolvido com o emprego de um método adequado. O inspetor tece várias considerações sobre como deveria ser um método adequado. Nestas, afirma que o método não deveria sobrecarregar a memória com coisas inúteis, mas formar e desenvolver a inteligência do aluno, exercitando-a ao máximo, sem fatigá-la ou desgastá-la. Formar e desenvolver a inteligência significava, no entendimento do inspetor, tornar os alunos capazes de conhecer, julgar e raciocinar, desenvolvendo-lhes as faculdades intelectuais de forma que pudessem assimilar as noções que todos deveriam possuir para poder aplicá-las nas diversas circunstâncias da vida, fazendo o aluno "comprehender a utilidade da regra por uma applicação immediata e raciocinada" (Ap. 343, 1870, p. 378). O mérito de toda a arte do ensino estava, conforme Bento Fernandes de Barros (1870), no método capaz de ensinar melhor a aprender.
Bento Fernandes de Barros continua, afirmando que o método deveria respeitar o grau de desenvolvimento da criança, principiando os estudos pelos fatos mais simples para, depois, gradualmente, seguir para as abstrações. De acordo com ele, as abstrações e as generalidades não convinham às primeiras idades, pois dificultavam e tornavam repulsivo o estudo para o espírito da criança: "O ensino deve condusil-o gradualmente as abstracções, aos princípios, mas deve começar pelos factos mais simples, desenvolvendo-lhes primeiro a intelligencia por meio de exercícios convenientes" (Ap. 340, 1870, p. 213). Conduzir o ensino do simples para o complexo e do conhecido para o desconhecido seria, segundo o inspetor, as duas regras principais da Pedagogia.
Para Bento Fernandes de Barros, o método deveria ser analítico para a primeira idade, tomando-se como ponto de partida os assuntos mais fáceis que os alunos poderiam compreender, dando-lhes definições claras e breves, tornando-os compreensíveis por meio de exemplos. Um assunto novo só poderia ser introduzido, acrescenta o inspetor, quando o anterior já tivesse sido bem compreendido.
Conforme o inspetor, o ensino que quisesse livrar-se da rotina deveria, antes de mais nada, considerar que o espírito das crianças é impressionável e curioso, muito mais receptível ao que ele chama de "lição viva". A "lição viva" era entendida, por Bento Fernandes de Barros, como aquela que prendia a atenção do aluno de forma mais profícua, porque era realizada à luz dos objetos, ao contrário do ensino mecânico, que se dava por meio da lição morta, fria e inanimada do livro. Segundo ele, "a lição viva é a melhor de todas, porque é a que abre a intelligencia para dar-lhe a luz que a expande e lhe faz visíveis os objetos dos conhecimentos" (Ap. 339, 1870, p. 48). A "lição viva" estaria entrelaçada à palavra "animada" e "flexível" do professor: "Essa palavra proporcionando o ensino às jovens intelligencias, é que excita sua curiosidade natural por meio de licções que sempre tem alguma coisa de novo, e que por isso mesmo atrahem sua attenção ainda móvel" (Ap. 343, 1870, p. 378).
A partir da década de 1880, observa-se nos documentos constantes referências ao método intuitivo, já adotado em outros países.
O método intuitivo, defendido pelo diretor Francisco Alves Guimarães (1873, p. 9), poderia conduzir e esclarecer a inteligência "levando-a á observação e estudo das cousas". Afirma o diretor: "o methodo intuitivo não dispensa, antes corrobora a attenção do menino sobre o que aprende, costumando-o também ou ainda melhor, a observar tudo quanto o rodêa" (Ap. 648, 1882, pp. 9-10).
O presidente Luiz Alves Bello (1884, p. 37) também defendia o emprego do método intuitivo que, segundo ele, embebia o espírito da criança na realidade da natureza. Assim, a criança estudava o objeto e não a palavra, as causas e não as noções abstratas, o mundo e seus fenômenos e não o formalismo doutrinal dos livros: "o que conduz a observar, verificar e reter, pela curiosidade que se desperta, a attenção que se fixa, a percepção que aprehende e a reflexão que encorpora e assimila automaticamente" (Bello, 1884, p. 37). O presidente recomendava aos professores da instrução moral, religiosa e cívica que "a ministrem, o quanto o possão, pelo methodo intuitivo, pratico e explicativamente, evitando o nocivo systema do ensino exclusivamente formal e da lição de cor" (ibid., p. 37).
Embora muitos presidentes reconhecessem a importância de se iniciar a reforma da instrução pública pela reforma do método, o que se observa é que espaços físicos insuficientes e/ou precários, inexistência de material escolar adequado, coexistência, dentro de uma mesma sala de aula, de crianças com diferentes idades e com níveis de raciocínio muito variados e, sobretudo, o despreparo do professor para lidar com essa realidade, tornavam muito difícil, segundo eles, a aplicação com resultados satisfatórios de qualquer método de ensino.
Inteligência
A inteligência é um dos assuntos mais discutidos nos relatórios dos professores e inspetores. Segundo o inspetor geral da instrução pública, Bento Fernandes de Barros (Ap. 339, 1870, p. 88): "O ensino primário que deve ser dado a todos não será cousa alguma se não desenvolver e formar as intelligencias das gerações novas".
Várias são as causas apontadas nos documentos para explicar o baixo desenvolvimento da inteligência. A impossibilidade de dar continuidade aos conteúdos devido ao excessivo número de faltas dos alunos era uma delas. O inspetor João Pereira Lago Junior (1875), em visita à escola regida pela professora Leocardia Maria da Rocha Alves, declara que as faltas dos alunos eram responsáveis pelo atraso na aprendizagem. Segundo o inspetor: "Os lucros da aprendizagem obtidos com os constantes esforços de alguns dias, são inteiramente nullificados pelas ausências subseqüentes. As intelligencias infantis que as custas ageitam-se aos trabalhos que lhe são peculiares, embotão-se, retrahem-se pelo despreso da continuidade dos exercícios" (Ap. 469, 1875, p. 262).
O método de ensino utilizado nas escolas também aparece na lista das causas prováveis para o atraso do desenvolvimento da inteligência dos alunos. O inspetor geral Francisco Alves Guimarães (1882) afirma que o método de ensino não deveria sobrecarregar a memória das crianças, mas esclarecer e dirigir sua inteligência, levando-as à observação e à percepção das coisas, pois era desse modo que, segundo ele, elas receberiam as primeiras impressões, noções e conhecimentos. O inspetor defendia a utilização do método intuitivo que, conforme ele, fixaria a atenção das crianças, serviria de lição, de ensinamento e, ainda, exercitaria a memória.
O ensino que exigia muito da memória em detrimento de outras habilidades, como o raciocínio e a compreensão, era o maior alvo de críticas nos documentos. Para Bento Fernandes de Barros (1870), os alunos das escolas da província tinham a inteligência pouco desenvolvida porque estavam habituados a decorar. Segundo o inspetor, o professor deveria ensinar "de modo que seus alunnos cultivem a intelligencia e exerção-se gradualmente pelo estudo nas operações que constituem a vida do espirito a assim se habilitem a conhecer, julgar e reflectir" (Ap. 339, 1870, p. 88).
O presidente Brazilio Augusto Machado D'Oliveira (1884, p.12) argumentava que, para melhorar as condições do ensino público, não bastaria combater o absenteísmo nas escolas, mas que era preciso também, segundo ele, ministrar um ensino que fugisse da memorização, legado das aulas régias "o ensino são que actue sem cansar o espírito e quebrar o corpo, que eduque sem amontoar regras inuteis de uma moral incomprehensivel no coração do alumno, o ensino pratico, ao alcance das intelligencias mais retardatárias". Continua o presidente:
A criança uma vez prejudicada nessa vocação expontanea de aprender, a se revelar desde cedo na curiosidade com que por tudo inquire, fecha-se (...) teimosa vocação para o ensino. A escola despiu-se de seus atractivos; será sua prisão; sacrifica a liberdade sem compensação para a intelligencia ou para o sentimento. (D'Oliveira, 1884, p. 12)
O combate ao uso excessivo da memória nas escolas também era encampado pelo presidente Alfredo D'Escragnolle Taunay (1886). Segundo ele, o professor não deveria "ater-se ao processo, positivamente bárbaro, da soletração e de outros mais ou menos approximados e que dependem só do esforços da memoria" (1886, p. 8), ao contrário, o professor deveria adequar os "conhecimentos e explicações à intelligencia do seu educando, acordando-lhe o desejo e ambição de saber e aprender" (ibid., p. 8).
Condições de aprendizagem
Os aspectos psicológicos do aluno em situação de aprendizagem eram vislumbrados na arquitetura do prédio escolar e nos materiais utilizados em sala. Outras discussões que aparecem nos documentos dizem respeito ao melhor horário para aprender, ao número de crianças por turma e aos questionamentos sobre os castigos físicos. Percebe-se, então, que o ensino teria melhor possibilidade de êxito dependendo do estabelecimento de algumas condições adequadas.
Prédio escolar e utensílios
Nos documentos, aparecem referências às condições externas de aprendizagem, principalmente em relação aos aspectos que dizem respeito ao prédio escolar.
O presidente Brazilio Augusto Machado D'Oliveira (1885), ao referir-se à construção do prédio escolar, manifesta a preocupação de adequá-lo à criança. O presidente chamava as escolas da província de "aleijões", nas quais, segundo ele, "abafamos a infancia, acabando por tornal-a surda, meyope, vesga e contrafeita, quando não a escrophulisam e emphatizicam" (D'Oliveira, 1885, p. 60). Afirma o presidente que a resolução dos problemas do ensino primário deveria levar em conta, além da higiene intelectual e moral, também a higiene física da criança. Tudo deveria ser considerado na construção do prédio escolar: o local, a disposição e a preparação do terreno, a orientação e o plano do edifício em todas as suas partes, o material empregado, o ornato interno e externo, a fachada, os alicerces, a cor e a climatização. Garante o presidente:
As primeiras impressões sobre um organismo em desenvolvimento, qual o da criança actuam sempre com intensidade, de modo que são ellas os mais poderosos factores da expansão do physico, da direção da intelligencia, da formação do caracter. Dahi o escrupulo com que rodeal-a de um ambiente são que deve envolver essa triplice manifestação da natureza humana; dahi essa preocupação que ganha todos os espiritos, toda a vez que se trata de crear esse estadio escolar que a criança atravessa para chegar - homem á sociedade. (Ibid., p. 60)
O presidente Carlos Augusto de Carvalho (1882, p. 88) denuncia o "aspecto repugnante" dos móveis escolares, acrescentando que: "Basta entrar em uma escola, apreciar a collocação dos moveis para concluir-se que n'estes últimos tempos não penetrou ahi instrucção alguma pedagógica nem menos quanto á luz". O presidente atesta que as condições impróprias nas quais funcionavam as escolas na província anulavam a influência moral e social da instrução pública "produzindo o duplo resultado de amesquinhar o espírito das crianças e inocular no professor o tédio, o aborrecimento" (Carvalho, 1882, p. 90). Ele defendia que educando a criança em um meio no qual existisse o "sentimento do belo", elas poderiam adquirir hábitos de ordem, limpeza, atenção e economia e "ao mesmo tempo augmentar a frequencia das escolas e assentar a instrução popular em base larga e sólida" (ibid., p .90).
A professora Emilia de Faria Erichser (1880) afirma que muitas providências precisavam ser tomadas em prol da instrução na província, mas que, entre elas, a mais importante era o estabelecimento de casas escolares. A professora acusa as salas existentes de serem mesquinhas, acanhadas e mal decoradas, influindo, segundo ela, de forma prejudicial sobre professores e alunos. Sugere que as escolas fossem "espaçosas, elevadas, com salas banhadas profusamente de ar e de luz, esses dous poderosos elementos de saúde, de bem estar e de alegria" (Ap. 619, 1880, p. 77).
O regulamento para a construção de casas escolares, aprovado em 1884, determinava alguns preceitos básicos que deveriam ser observados na construção delas: quanto ao local da construção, as exigências diziam respeito à capacidade de isolamento do edifício; quanto à disposição do prédio, dever-se-ia cuidar para que a iluminação fosse profusa; quanto ao prédio, determinava-se que ele possuísse vestíbulo, sala do professor, vestuário para os alunos, classe, ginásio ou avarandado coberto, um banheiro ou dois para as escolas promíscuas mistas, pátio, jardim e aparelho para ventilação.5
Material escolar
O presidente Brazilio Augusto Machado D'Oliveira (1885), em visita às escolas, constata que elas estavam desprovidas dos materiais necessários para uma boa aprendizagem; cita, entre eles, quadro de leitura, imagens e mapas murais, contadores mecânicos, caixas e museus escolares, biblioteca e aparelhos de ginástica. Também denuncia que as mesas e bancos não obedeciam aos padrões exigidos pelos higienistas, asseverando que era preciso acomodar o banco à criança e não o inverso.
O presidente assegura que, quando encontrava materiais nas escolas, eles eram elementos estranhos ao solo e à indústria brasileira, distantes da realidade e dos usos e costumes das crianças e dos professores, desajustados à natureza e à sociedade. Ele sustenta que a "lição de cousas" ministradas com esses materiais traziam pouco proveito para a criança:
Demais, se na lição de cousas, do pessoal docente se exige uma somma de conhecimentos tal que os habilite a preparal-a, já interrogando, já expondo, seria augmentar difficuldades o entregar ao mestre caixas de objectos com que não esteja familiarisado, e cuja applicação apenas conheça por uma leitura que nem sempre pode supprir a experiencia directa, a observação pessoal. (D'Oliveira, 1885, p. 62)
O presidente também apontava como problema da instrução pública na província do Paraná a diversidade de livros escolares usados nas escolas, que, segundo ele, indicava "diversidade a mais das vezes radical, de methodos e por tanto a nenhuma comprehensão de um programma qualquer" (ibid., p. 66).
Número de alunos e o sistema de graduação
O sistema de graduação nas escolas está bem marcado no programa de ensino elaborado na presidência de Brazilio Augusto Machado D'Oliveira (1885). Conforme esse programa, o ensino seria dividido em primeira e segunda seção; a primeira seção seria dividida em primeiro grau, primeira classe, destinado a crianças menores, o segundo e o terceiro grau corresponderiam à segunda e à terceira classe, respectivamente; a segunda seção atenderia às crianças maiores e seria dividida em primeiro e segundo graus. Os conteúdos eram distribuídos no programa seguindo uma escala, cujo nível de dificuldade ia aumentando à medida que se alteravam os graus.
Joaquim de Almeida Faria Sobrinho (1886, p. 83) defendia a adoção de "um programma capaz de satisfazer as condições ordinárias da Educação", nas quais o ensino primário perderia cada vez mais sua forma abstrata, tornando-se, pouco a pouco, concreto e útil à vida cotidiana.
As diferenças de idade, de temperamento, de aptidões e de níveis mentais fez com que o presidente reconhecesse a importância da existência de muitos graus de ensino, de se estabelecer um sistema de graduação nas escolas:
O melhor seria aquelle systema que na graduação escolar reflectisse a imagem mesma da escola, engrandecendo-a; que agrupasse as crianças em tantas classes diferentes, quantas aconselhassem os tambem differentes estados mentaes de adiantamento ou atrazo em que se mostrassem. Elle levaria mais promptamente aos dois grandes fins da bôa methodologia - economia de tempo e de trabalho. (Ibid., p. 84)
O presidente aconselha que a escola não aceitasse número superior a 60 alunos, pois, segundo ele, não existia método que desse conta de desenvolver um bom trabalho com um grande número de alunos "de edade, temperamentos, sexos, ás vezes, e aptidões differentes" (ibid., p. 84).
Devido, porém, à escassez de recursos existentes na província, o presidente sugere que o ensino fosse dividido em apenas dois únicos graus: o primeiro, comum a toda a província, compreenderia a aprendizagem elementar e média "apropriando-a, quanto possível, o professor a côr e as necessidades do lugar da escola" (ibid., p. 83), e o segundo aprofundaria o conteúdo do primeiro e seria instituído nos lugares de maior população.
Sobre a improdutividade do trabalho em uma sala com elevado número de alunos, o inspetor geral, João Franco de Oliveira Souza (1873), tece a seguinte ponderação:
Comprehende-se facilmente que um professor que se achar sobrecarregado com o avultado numero de 50 alumnos, 80, 90, 100 e mais. Não poderá vantajosamente ensinar a todos elles, não é crivel que em 2 ½ horas de aula de manhã e outras tantas a tarde, o professor, por mais applicado e paciente que seja, tenha tempo sufficente para por si so dirigir com proveito o estudo de tantos alumnos, desigualmente distribuídos por muitas classes, conforme o maior ou menor desenvolvimento intellectual que apresenta cada menino, e o dia differente em que cada um entra para a escola. (Souza, 1872, p. 15)
Horário
Nos documentos também aparecem referências quanto ao melhor horário para aprender. O ensino dado em dois turnos passou a ser questionado. Segundo o professor Domingos Carneiro da Silva Braga (Ap. 344, 1870), o melhor horário para se aprender seria de manhã, pois o corpo estaria descansado, a memória fresca e a mesma atmosfera estaria presente nos sentidos, nos órgãos intelectuais que, sem esforço, seriam cultivados. Afirma o professor que havia nas escolas mais aplicação por parte dos alunos que estudavam de manhã do que à tarde.
O professor José Cleto da Silva (Ap. 345, 1870, p. 3), em relatório enviado ao inspetor Bento Fernandes de Barros, também faz referências favoráveis ao ensino em um só turno "Posso afirmar (...) sem temer errar (...) que sendo dado o ensino uma só vez no dia muito mais profícuos serão os resultados obtidos. Deve começar a sessão as 9 horas da manhã e terminar as 2 da tarde".
José Cleto da Silva (Ap. 345, 1870, p. 3) defendia o ensino contínuo em detrimento daquele dado em dois turnos porque, segundo ele, as crianças comiam demais na refeição do intervalo da aula, a qual ele chama de jantar, empanturrando-se de alimentos pesados e de difícil digestão, tornando-se preguiçosas e sonolentas e com a "intelligencia totalmente entorpecida, não sendo raridade dormirem muitos nos bancos". Nessas circunstâncias, continua o professor José Cleto da Silva (Ap. 345, 1870, p. 3), "é inteiramente impossível fasel-os comprehender qualquer materia que se explique, sendo mais fácil causar-selhes lesão nos órgãos cerebraes do que aproveitarem elles a mais insignificante explicação".
Dez anos após, o professor Honório Décio da Costa Lobo (Ap. 609, 1880, p. 201), nas afirmações feitas no relatório enviado ao diretor geral da instrução pública, Euclides Francisco de Moura, demonstra que a luta por um ensino em apenas um turno continuava:
Sou o primeiro a reconhecer que estudo muito longo e muito seguido é prejudicial a saude, como o é para o bom desempenho delle, pelo enfado e pelo tédio de que se possuem os meninos, amigos, como são de distracções, que procuro sempre evitar tornando o ensino agradável (...) não posso com tudo deixar de pronunciar-me a favor do ensino em uma sesão diária attendendo aos inconvenientes que do modo actual resultão.
O professor queixa-se dos intervalos entre as sessões que eram, segundo ele, inconvenientes. Comenta Honório Décio da Costa Lobo (Ap. 609, 1880, p. 201) que os alunos que moravam longe chegavam sempre atrasados e cansados na parte vespertina da aula porque eram obrigados a caminhar muito: "a mortificação e o cançaço que soffrem esse meninos pelo exercício impróprio para a sua idade, de idas e vindas, chegando a escola (servindo-me desta expressão) a deitar a alma pela boca, quase a verterem sangue pelas faces, pelo sol ardente do meio dia".
O horário adequado como uma condição de aprendizagem também aparece no modelo do programa que o diretor Dr. João Kopke e o co-diretor Silva Jardim (apud D'Oliveira, 1884) da Escola da Neutralidade apresentam ao presidente Brazílio Augusto Machado D'Oliveira. Eles afirmam que a boa realização do programa de ensino dessa escola baseava-se em algumas medidas, entre elas, intervalos entre as lições, ou seja, o recreio. A quinta cláusula desse modelo faz a seguinte recomendação:
Quinta: Modificar o horario consecutivo, geralmente seguido, intercalando intervalos, recreios entre as licções, tão necessario ao desenvolvimento physico da criança, como ao descanço intellectual, preparador da assimilação de novos conhecimetos. (Kopke apud D'Oliveira, 1884, p. 50)
Castigo físico
Sobre o castigo físico, o professor José Cleto da Silva (1870), em relatório enviado ao inspetor geral Bento Fernandes de Barros, diz que, embora proibido por lei, muitos professores ainda o praticavam, e ele também o fazia, não porque o achasse necessário, mas pelo preconceito existente entre os pais de que o bom professor era aquele que o empregava. De acordo com ele:
O castigo corporal é o maior insulto as idêas do século presente, não só nas escolas como no seio das famílias, elle embrutece, amedronta; mas não corrige; ensina e dissimulação, torna as crianças coléricas, vingativas e não evita o mal (...). E como pode ter amisade ao mestre (base de todo o ensino que se quer fazer proveitoso) o menino que acaba de ser aviltado perante os seus companheiros? Como ouvir com attenção o que se explica si tímido e vergonhoso, tem o espírito preocupado? (Ap. 345, 1870)
Com o recrudescimento das discussões em torno dessas novas questões, crescia em importância e em responsabilidade a figura do professor. Se, até então, se exigia que ele ensinasse minimamente a ler, escrever e contar, agora se tornava necessário que ele tivesse conhecimentos sobre o aluno, suas características físicas, psíquicas e intelectuais. O vice-presidente Manoel Antonio Guimarães (1873, p. 2) afirma que era necessário que o professor possuísse conhecimentos que lhe permitisse apreciar "as jovens intelligencias dos meninos, explorando a aptidão, a maior ou menor capacidade de cada um", sem os quais seria muito difícil saber qual "a occasião propria de impressional-os, transmitindo-lhes idéias". O vice-presidente conclui, afirmando que "o entendimento das crianças é como a terra fertil que semeada em estação impropria e por mão inhabil, mostra-se esteril e não deixa fructificar a semente lançada".
O presidente Brazilio Augusto Machado D'Oliveira (1884, p. 12) também se refere à necessidade da boa formação do mestre e da importância dele para a criança, dizendo não saber se era pior nenhuma aprendizagem ou uma má aprendizagem, pois:
A criança uma vez prejudicada nessa vocação expontanea de aprender a se revelar desde cedo na curiosidade, com que, por tudo inquiri fecha-se, teimosa vocação para o ensino. A escola despiu-se de seus attractivos; será sua prisão; sacrifica a liberdade sem compensações; para a intelligencia ou para o sentimento. E a causa, outra não é, além do mestre si, educado ao molde antigo, "maquina de moer" regras, não leva em conta a natureza physica, moral e intellectual da criança, exatamente na phase inicial e decisiva de seu desenvolvimento.
Considerações finais
A investigação que procedemos nos documentos escritos por professores, inspetores, diretores e presidentes da província do Paraná, no século XIX, possibilitou conhecer as idéias psicológicas que estavam sendo veiculadas por meio deles. Alguns assuntos relacionados à psique infantil e à melhor maneira de ensinar e aprender são recorrentes nos documentos. As discussões apresentam o reconhecimento das peculiaridades da infância em condições de aprendizagem e demonstram preocupações específicas com os fenômenos propriamente psicológicos dessas condições.
Assim, por exemplo, quando o assunto é "método de ensino," mais do que apresentar encaminhamentos ou procedimentos, os documentos preocupam-se com formas de ensino que fujam ao mecanicismo, ao verbalismo, à abstração e à memorização, não mais condizentes com as "inovações pedagógicas" difundidas.
As idéias psicológicas subjacentes nos documentos aparecem quando o método é defendido como procedimento que deveria respeitar o grau de desenvolvimento da criança, considerando, desse modo, que, nos primeiros anos, ela teria dificuldade em aprender por meio das abstrações e das generalizações. O ensino, psicologicamente pensado, deveria partir do simples para o complexo, do concreto para o abstrato e do conhecido para o desconhecido. O professor, suficientemente instruído sobre as melhores condições de aprendizagem, atenderia à organização racional dos conteúdos, só introduzindo um novo assunto quando o anterior já tivesse sido compreendido. Procedendo assim, estaria respeitando os princípios psicológicos da organização do ensino.
A importância dada a um ensino que tivesse como ponto de partida a observação do próprio objeto a ser estudado, atendendo aos princípios de concretude e simplicidade propagados pela "moderna pedagogia", também faz parte do reconhecimento da dimensão psicológica dos fenômenos educacionais. A criança, naturalmente curiosa e ativa, aprenderia muito melhor se o ensino "mecânico", "inanimado" e "rotineiro" fosse substituído pelas "lições vivas" que a instigariam a perguntar e querer saber mais. As ações concretas levariam o aluno a desempenhar um papel ativo na aquisição de seu conhecimento.
A capacidade de aprender, tida como uma "vocação espontânea" da criança, poderia ser cabalmente comprometida por situações externas ao próprio ato de aprender. Desse modo, se condições pedagógicas inadequadas poderiam influir negativamente no aprendizado infantil, o mesmo ocorreria com as condições materiais.
A escola deveria respeitar as características infantis do aluno por meio de métodos adequados e condições físicas atrativas. Os aspectos psicológicos do aluno em situação de aprendizagem são vislumbrados na arquitetura do prédio escolar e nos materiais utilizados em sala.
Prédios construídos em condições adequadas referentes ao local, à iluminação, à ventilação, pintados com cores agradáveis e com espaço para pátios e jardins, tornariam a escola um ambiente alegre, propício para o desenvolvimento do senso estético e para criar hábitos de ordem e limpeza.
Admite-se que o ensino não pode se fazer apenas com "saliva e giz". A necessidade de outros materiais, como mapas, globos, contadores, aparelhos de ginástica, é reconhecida, e, mais do que isso, percebe-se também que esses materiais não podem ser escolhidos a esmo, mas devem fazer parte da realidade da criança.
A idéia de que o ensino deve ser motivado por um ambiente bonito e agradável e por meio de materiais interessantes, que se anuncia nos documentos, farão parte das teorias motivacionais que se enfronharão no âmbito da educação.
A influência das condições do prédio e dos materiais escolares na aprendizagem faz parte de discussões que futuramente serão elencadas como "influências dos fatores externos na aprendizagem". Outra discussão que pode ser arrolada diz respeito ao melhor horário para aprender. Percebe-se, então, que o ensino teria melhores condições de êxito dependendo do horário do dia em que ocorresse. O ensino dado em dois turnos passa a ser questionado. Considera-se o período da tarde, quando a criança está cansada, sonolenta, preguiçosa e "empanturrada de comida", bastante improdutivo. A manhã é defendida como o melhor período para se aprender, pois, nas primeiras horas, a criança estaria descansada e, assim, "seus órgãos intelectuais poderiam ser cultivados com menor esforço". Vale dizer que muitas das pesquisas realizadas nas primeiras décadas do século XX, nos laboratórios brasileiros de Psicologia, tratam da fadiga escolar.
É recorrente nos documentos, também, a idéia de que as diferenças entre os alunos, diferenças de temperamento, de aptidão e inteligência, tornariam improdutivo o trabalho do professor. Admite-se, como mais tarde aparecerá nos conteúdos da Psicologia da Aprendizagem, a necessidade de se separarem os alunos em classes de acordo com a sua idade. Essa medida atenderia a um sistema de graduação no qual os conteúdos seriam distribuídos de forma que as dificuldades iriam aumentando à medida que se alteravam os níveis de desenvolvimento dos alunos.
Outra questão, bastante polêmica nos documentos, refere-se ao castigo físico como forma de punição. O castigo, embora praticado, é veementemente atacado por ser considerado um ultraje às crianças. Ele amedronta e embrutece, tornando-as vingativas, coléricas e tirando delas o interesse espontâneo pela escola.
Dessa forma, como procuramos demonstrar, diante desse novo contexto, alguns assuntos relacionados à psique infantil e à melhor maneira de ensinar e aprender passaram a ser recorrentes nos documentos. As discussões apresentam o reconhecimento das peculiaridades da infância em condições de aprendizagem.
A difusão dessas idéias intensifica-se no fim do século XIX e, no século XX, serão desenvolvidas pela Psicologia em vários campos. A educação, um desses campos, fica fundamentalmente com as idéias referentes às condições psicológicas da aprendizagem, ou seja, as discussões que se apresentam trazem questões que podem ser discutidas tanto no âmbito da Pedagogia quanto no âmbito da Didática, porém, o que é mais evidente é a dimensão psicológica atribuída às questões educacionais e a busca da Psicologia da Educação como a que daria sustentação a essas disciplinas.
Bibliografia
Fonte impressas
Relatórios de Presidentes e Vice-Presidentes da Província do Paraná
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Leis, Decretos e Regulamentos
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Fontes manuscritas
Coleção "Correspondência do Governo"
1870 - Ap.339, v.16, Ap.340, v.17, Ap.343, v.20, Ap.344, v.21, Ap.345, v.22
1875 - Ap.469, v.14
1880 - Ap.609, v.21, Ap.619, v.6
1882 - Ap.648, v.2
Referências
Massimi, M. (1996). "Estudos históricos acerca da psicologia brasileira: uma contribuição". In: Campos, R. H. de F. (org.). História da Psicologia. São Paulo, Educ, v. 1, n. 15, pp. 79-93 [Coletânea Anpepp]. [ Links ]
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Rosin, S. M. (2002). Das idéias psicológicas à Psicologia da Educação no Brasil: o caso do Paraná. Tese de doutorado. São Paulo, PUC. [ Links ]
Recebido em março de 2006.
Aprovado em julho de 2006.
1 Este artigo faz parte da tese de doutorado Das "idéias psicológicas" a psicologia da educação no Brasil: o caso do Paraná, defendida na PUC, no ano de 2002, sob a orientação da Profª Drª Mitsuko Makino Antunes.
2 Expressão que, segundo Marina Massimi (1996, p. 80), utilizada no contexto da história cultural denomina "todas as práticas de intervenção com indivíduos e grupos, geralmente definíveis como 'psicológicas', mas formuladas e aplicadas em épocas anteriores ao advento da Psicologia científica, por diferentes culturas e em diversos contextos geográficos e sociais".
3 Manteremos a ortografia original nas citações retiradas dos relatórios.
4 "Ap" é o nome dado aos livros nos quais está organizada a Coleção "Correspondência do Governo".
5 Acto n. 237, Regulamento para a construção de casas escolares, 14 de outubro de 1884. In: Leis, Decretos e Regulamentos da Província do Paraná, Tomo XXXI, Curytiba, 1884, pp. 33-38.