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Psicologia da Educação
versão impressa ISSN 1414-6975versão On-line ISSN 2175-3520
Psicol. educ. n.22 São Paulo jun. 2006
A consolidação da psicologia no Brasil (1930-1962): sistematização de dados e algumas aproximações analíticas
Consolidation of Psychology in Brazil (1930-1962): sistematization of date and some analitical tentatives
La consolidación de la Psicología en Brasil (1930-1962): sistematización de datos y algunas aproximaciones analíticas
Mitsuko Aparecida Makino Antunes
Professora Titular do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: Psicologia da Educação da PUC-SP. E-mail: miantunes@pucsp.br
RESUMO
Este artigo é parte de uma pesquisa que teve como finalidade elaborar um quadro de referências sobre a Psicologia no Brasil, a partir de obras sobre o tema; os dados aqui apresentados referem-se ao período caracterizado pelo processo de consolidação da Psicologia no Brasil, entre os anos 1930 e 1962 (quando a profissão foi regulamentada). Percebe-se uma significativa produção, referente a: ensino, aplicação, publicações, pesquisas, congressos e criação de entidades e associações. O campo da educação, seguindo a tendência do período anterior é aquele que apresenta a maior quantidade de produção, assim como é ele a base para o desenvolvimento de outros campos de atuação. As produções desse período reforçam a tese de que aí ocorreu a consolidação dessa área de conhecimento e campo de atuação, condição fundamental para a regulamentação da profissão e estabelecimento dos cursos de Psicologia que viriam a seguir, em 1962, com a Lei 4119.
Palavras-chave: Psicologia no Brasil; história da Psicologia; investigação em história da Psicologia.
ABSTRACT
This article is part of a reasearch which aimed at elaborating references about Psychology in Brazil, based on papers about the theme; the data presented here refer to the period of the consolidation process of Psychology in Brazil, between 1930 and 1962 (when the profession was regulated). A significant production is perceptible, concerning: teaching, application, publications, researches, congresses, and creation of entities and associations. The education field, following the tendency of the previous period, is the one with most productions, and it is the basis for the development of other workfields. The productions of this period reinforce the thesis that it was then when the consolidation of this area of knowledge and workfield took place, what was the fundamental condition for the regulation of the profession and settlement of Psychology courses which would come next, in 1962, with Law 4119.
Keywords: psychology in Brazil; history of psychology; investigation in history of psychology.
RESUMEN
Este artículo hace parte de una investigación que tuvo por finalidad preparar un cuadro de referencias sobre la Psicología en Brasil, a partir de las obras sobre el tema; los datos aquí presentados se refieren al período caracterizado por el proceso de consolidación de la Psicología en Brasil, entre los años de 1930/1962 (cuando fue regulamentada la profesión). Se percibe una significativa producción, en lo que se refiere a: enseñanza, aplicación, publicaciones, investigaciones, congresos y creacciones de entidades y asociaciones. En el campo de la educación , siguiendo la tendencia del período anterior que presentó una mayor cantidad de producción, así como la base para el desarrollo de otros campos de atuacción. Las producciones de ese período validan la tesis de que en este momento ocurrió la consolidación de esa area de conocimiento y campo de actuación, hechos fundamentales para la regulamentación de la profesión y establecimento de los cursos de psicología que vendrián a seguir, en 1962, con la Ley 4119.
Palabras clave: psicología en Brasil; historia de la psicología; investigación en historia de la psicología.
Introdução
O presente artigo tem como finalidade expor parte dos resultados (especificamente aqueles referentes ao período compreendido entre 1930 e 1962) obtidos por uma pesquisa realizada no Programa de Estudos Pós-graduados em Educação: Psicologia da Educação, da PUC-SP, cujo objetivo foi elaborar um quadro de referências sobre a Psicologia no Brasil a partir do esquadrinhamento de obras, na época disponíveis, que tratam dessa temática.
O motivo que levou à elaboração da pesquisa foi a necessidade de organização e sistematização de dados que pudessem contribuir para futuras pesquisas, seja para fornecer um quadro sintético sobre o desenvolvimento dessa área de conhecimento, seja para fornecer pistas e referências para possíveis investigações e suas respectivas fontes.
A partir da coleta de dados, pelo esquadrinhamento das obras, verificou-se que as primeiras referências datam do século XVI, encontradas fundamentalmente em Massimi (1984, 1990) e Pessotti (1998). Observou-se ainda que, à medida que se avança no tempo, o número de referências aumenta significativamente. Os dados demonstram que, à guisa de periodização, algumas características, tomadas como um todo coerente, podem justificar os seguintes períodos na História das Idéias Psicológicas e da Psicologia no Brasil: 1. pré-institucional (ibid.), caracterizado pela produção de idéias psicológicas em obras escritas durante o período colonial; 2. institucional (ibid.), referente à produção de idéias psicológicas em instituições criadas ao longo do século XIX; 3. de autonomização, relativo ao momento em que se processa a conquista e o reconhecimento da autonomia da Psicologia como ciência independente (Antunes, 1991), que se dá entre a última década do século passado e as três primeiras décadas do século XX; 4. de consolidação, caracterizado pela efetivação e desenvolvimento do ensino, da produção de estudos e pesquisas e dos campos de aplicação, assim como o incremento da publicação de obras na área, criação dos primeiros periódicos especializados, promoção de congressos e encontros científicos e criação de associações profissionais; 5. de profissionalização, a partir da lei 4119/62, que reconhece a profissão de psicólogo e estabelece os cursos para sua formação e 6. de ampliação dos campos de atuação do psicólogo e explicitação de seu compromisso social.
Os dados aqui expostos são parciais; o quadro completo e sua respectiva análise, devido a sua extensão, deverão ser apresentados em publicação específica. No presente artigo serão tratados, especificamente, os dados referentes ao período compreendido entre 1930 e 1962, acima denominado consolidação, cuja escolha deveu-se ao fato de que há poucos trabalhos que tratam como um todo desse momento e aqueles que o fazem são de natureza mais genérica ou abordam recortes específicos desse período; além disso, os períodos anteriores já foram contemplados com estudos que os tratam de forma mais específica. Essa delimitação tem também o objetivo de fornecer um quadro mais abrangente do período, ainda que de forma aproximativa, por ter sido o desenvolvimento da Psicologia, nesse momento (no âmbito da intervenção, produção de estudos e pesquisas, ensino, produção de obras e organização de seus profissionais, dentre outras iniciativas), fundamental para o processo que deu as bases para o reconhecimento oficial da Psicologia como ciência e profissão, com sua regulamentação legal.
Método
Procurou-se, inicialmente, identificar as obras que deveriam ou poderiam compor a base desta pesquisa; decidiu-se que seriam estudadas obras que trouxessem dados a respeito das idéias psicológicas ou da Psicologia no Brasil, sendo excluídas aquelas que, tratando de temas afins (História da Medicina, por exemplo), abordavam indiretamente assuntos de natureza psicológica, assim como foram eventualmente incluídas obras que, não tratando especificamente do tema, pudessem contribuir com dados que esclarecessem pontos pouco claros nos textos trabalhados.
O processo de leitura e esquadrinhamento das obras constituiu-se dos seguintes passos: (1) leitura das obras para identificar a pertinência aos critérios estabelecidos; (2) leitura geral para estabelecer um primeiro contato com a temática tratada; (3) pré-esquadrinhamento, buscando identificar tipos de dados encontrados e elaborar forma de seu registro; (4) esquadrinhamento propriamente dito, com registro dos dados em quadro previamente elaborado e (5) integralização dos dados e elaboração do quadro definitivo.
Com base no trabalho realizado no primeiro passo, isto é, a pertinência aos critérios estabelecidos acima, foram trabalhadas as seguintes obras: Olinto (1944); Cabral (1950); Lourenço Filho (1971); Pessotti (1975); Pfromm Netto (1981); Massimi (1984); Patto (1984); Massimi (1986); Pessotti (1988); Massimi (1990); Antunes (1991); Penna (1992); Lourenço Filho (1994); Rosas (1995) e outras, que foram utilizadas para esclarecer alguns pontos: Anais da Universidade Católica (1946); Arquivos Brasileiros de Psicologia Aplicada (1971); Campos (1998) e Sedes Sapientiae (1998).
Pela leitura geral das obras, decidiu-se que os dados fossem organizados a partir das seguintes categorias: data, local, instituição, personagem, obra ou realização, comentários e referências (identificação da obra da qual foi retirada a informação, a partir de agora identificada como obra-referência, e respectiva(s) página(s). Optou-se pela elaboração de um quadro contendo, em suas colunas, as categorias acima citadas como forma inicial de registro dos dados, sendo estes posteriormente agrupados e organizados em seqüência cronológica, embora outras formas de organização possam vir a ser utilizadas. Cada participante da pesquisa responsabilizou-se pelo esquadrinhamento de uma ou mais obras, sendo que cada quadro parcial elaborado foi revisado e conferido por outro pesquisador.
Os dados foram organizados a partir de categorias e subcategorias construídas a posteriori, tendo por base os elementos que emergiram das referências encontradas nas obras pesquisadas, sugerindo possibilidades de agrupamento. Os dados foram agrupados pelo tipo de produção encontrado nas referências: Ensino; Aplicação; Estudos e Pesquisas; Publicações e Outros (eventos; criação e atividades de associações científicas e profissionais). Além disso, as categorias acima citadas foram também subdivididas pelos campos de aplicação encontrados freqüentemente no período: Educação, Trabalho, Clínica ou de âmbito geral. Além do agrupamento por tipo de produção, as referências foram também organizadas geograficamente e, quando diretamente relacionadas a instituições, organizadas por sua natureza, isto é, pelo caráter privado ou público.
Resultados
Os dados obtidos apontam, num primeiro momento, para a quantidade de referências encontradas nesse período, significativamente maior que os períodos precedentes. Além disso, explicita-se claramente a diversificação de realizações, mostrando elementos que caracterizam um processo de consolidação da área e sua gradativa profissionalização. É importante salientar que esses dados não refletem com precisão os fatos ocorridos, uma vez que são eles tão-somente referências encontradas nas obras estudadas, que sofrem o risco de terem sido privilegiadas pelo olhar específico do autor, assim como muitas obras referem-se especificamente a determinados autores, instituições ou regiões; aliás, vale dizer que certas regiões do país são raramente citadas e outras (como a região Sudeste, de onde provém a maioria dos autores) o são freqüentemente. Entretanto, acreditamos que, apesar disso, os dados levantados podem certamente revelar tendências e contribuir para uma visão do período. Cabe, portanto, que se tome cuidado na interpretação dos dados e, sobretudo, que se trabalhe para que esse quadro possa ser continuamente alimentado.
A tabela abaixo mostra a distribuição geral das referências, por tipo de produção:
A Tabela 1 mostra a distribuição geral das referências encontradas para o período compreendido entre 1930 e 1962. Deve-se salientar que algumas referências comportam elementos que se enquadram em mais de uma categoria; assim, o total acima não se refere ao número de referências encontradas. As tabelas 2 e 3 compõem-se também de dados organizados em categorias não mutuamente exclusivas.
Os dados demonstram que houve uma quantidade substancial de publicações, ainda que nessa categoria estejam incluídas, indistintamente, referências a livros, relatórios de pesquisas ou artigos em periódicos; no entanto, essa diversidade demonstra que houve preocupação de sistematização e difusão do conhecimento, em especial pelos periódicos especializados então criados. É necessário também sublinhar que esse resultado é demonstrativo do efetivo desenvolvimento da área, sobretudo pela qualidade e diversidade das publicações.
Seguem-se a isso as referências ao ensino de Psicologia, sendo estas relativas em sua maioria ao ensino superior, principalmente as seções de Filosofia e Pedagogia das Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras, das quais a Universidade de São Paulo aparece com um maior número de referências, embora também apareçam as Universidades do Brasil e do Distrito Federal, além de instituições confessionais, como as Pontifícias Universidades Católicas do Rio de Janeiro e de São Paulo e institutos que mais tarde viriam a se integrar a esta última. Também aparecem referências ao ensino de Psicologia em outros cursos superiores, como Medicina, Enfermagem, Educação Física, Economia e Sociologia e Política. O ensino normal e o ensino secundário, mantendo a tendência do período anterior, continuavam sendo importantes espaços para o desenvolvimento do ensino da Psicologia.
A aplicação da Psicologia em várias instâncias da vida social aparece em seguida, demonstrando que a profissionalização da Psicologia vinha sendo gestada a partir da ampliação cada vez maior de seu campo de atuação, abrangendo a Educação (dando continuidade à tendência do período anterior, no qual esse campo se constituiu num dos mais férteis terrenos para o desenvolvimento da Psicologia), a aplicação à Organização do Trabalho (incluindo uma grande diversidade de instituições que demandavam os serviços prestados pela Psicologia) e a Clínica (que esboça sua autonomização em relação à Medicina e gradativamente conquista um espaço que viria mais tarde se ampliar significativamente).
Seguem-se as referências a eventos (congressos, encontros, etc.) e criação ou atividades desenvolvidas por associações/entidades científicas ou profissionais, que tendem a aparecer mais freqüentemente no final do período estudado. Não há dúvida de que tais dados demonstram o desenvolvimento e o amadurecimento da Psicologia como ciência e profissão no Brasil, não apenas por demonstrar o grau de organização dos profissionais que exerciam atividades nesse campo, a partir de ações coletivas, mas também porque tais fatos sustentam-se em realizações concretas e reconhecidas por entidades científicas nacionais de cunho mais amplo, como é o caso da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - SBPC e entidades internacionais de Psicologia, como a Sociedade Interamericana de Psicologia - SIP.
Como o período aqui estudado compreende o intervalo entre 1930 e 1962, deve-se considerar que o objeto em estudo está evidentemente em desenvolvimento; assim, optou-se por dividi-lo em três momentos, cada um compreendendo 11 anos, com a finalidade de verificar se houve mudanças e, em caso afirmativo, em que direção ou com quais características. Para isso, a tabela abaixo procura mostrar a distribuição geral de referências, divididas nos respectivos períodos.
A Tabela 2 demonstra uma diminuição gradativa de referências ao longo do tempo. Entretanto, deve-se salientar que não é possível afirmar que houve um decréscimo, uma vez que várias obras-referência foram escritas antes de 1962, ano-limite do estudo, contribuindo para uma possível diminuição no número de referências nos anos seguintes; destas, cabe ressaltar as obras de Olinto (1944) e Cabral (1950). Além disso, outras obras dedicaram-se especificamente a certas delimitações temporais. Mais importante, no entanto, é que as obras-referência tiveram, em sua maioria, a preocupação em identificar atividades pioneiras, de tal forma que o menor número de referências pode ser indicador menos de uma possível diminuição de produção do que da efetiva incorporação das produções antes citadas ao trabalho ordinário da Psicologia que, já não se constituindo como novidades e fazendo parte do cotidiano da profissão, já não merecem referência específica, por estarem consolidadas e integradas à área e até pela ampliação da freqüência com que aparecem em nosso meio.
Vale reiterar, no entanto, que muitas referências relativas a eventos e associações aparecem com freqüência maior no período que vai de 1953 a 1962, o que é demonstrativo do grau de amadurecimento que a Psicologia foi conquistando ao longo do tempo no país, sobretudo porque tais dados são indicativos de atividades de organização e sistematização da área, tanto no plano da ciência, quanto da profissão.
Podemos antecipar também que, ao longo do tempo, ocorreu uma maior diversificação das atividades, que se ampliaram para os campos da Organização do Trabalho e Clínica, o que, no início, relacionava-se mais freqüentemente à Educação, em função de que foi essa área, e fundamentalmente em seu interior, que foram criadas as bases para o processo de autonomização da Psicologia no Brasil.
A tabela abaixo tem como objetivo demonstrar a diversidade de produções por sua distribuição pelos campos de atuação da Psicologia na época. Mostra a distribuição das referências relativas a obras/publicações, ensino, aplicação e estudos e pesquisas por campos de atuação, a saber: geral, educação, trabalho e clínica.
A Tabela 3 demonstra que, com exceção das produções psicológicas de caráter geral, a Educação, como já foi dito acima, é o campo que apresenta uma quantidade de produção significativamente maior que os demais, mantendo de certa maneira a tendência já verificada no período anterior da história da Psicologia no Brasil, embora seja evidente que os campos de atuação do psicólogo se ampliam consideravelmente. A isso deve-se acrescentar o fato de que muitas produções consideradas como pertinentes ao campo do Trabalho guardam estreita relação com a Educação, sobretudo aquelas relacionadas à Orientação Profissional, geralmente tratadas no âmbito da Orientação Educacional, cuja base teórica encontra-se na Psicologia, assim como são desta as técnicas de que se valem, em especial a Psicometria.
Outro elemento que se mostra com clareza na tabela é o número significativo de referências relativas à aplicação da Psicologia no campo do Trabalho. Esse fato pode ser interpretado como relacionado ao desenvolvimento do processo de industrialização do país, sobretudo num período em geral dominado pela ideologia do "nacional-desenvolvimentismo", caracterizado pela intervenção do Estado sobre a economia, em busca da substituição de importações. Esse fato é, de certa maneira, confirmado pelos dados, pois muitas referências à aplicação da Psicologia ao Trabalho ocorreram em instâncias do poder público (principalmente pelo governo federal) ou por ele criadas. Vale reiterar a relação estabelecida entre os campos de Educação e Trabalho, pois muitas das realizações estiveram, como já apontado acima, diretamente ligadas à Orientação Profissional, inserida nas preocupações de cunho educacional, assim como muitos de seus autores tinham sua origem, formação e dedicação a esse campo. É importante ressaltar que muitas referências dizem respeito à seleção profissional, atividade essa que se revestia de grande importância numa estrutura social que se preocupava especialmente com a racionalização do trabalho, uma das bases da "modernidade", desde há muito tempo objeto de desejo, cultuado pelas elites intelectuais e, sobretudo, políticas e econômicas brasileiras.
No que diz respeito ao campo da Clínica, é importante salientar que a maioria das referências situa-se nos últimos anos, de tal maneira que se pode levantar a hipótese de que essa modalidade de atuação é mais recente na história da Psicologia no Brasil, ainda que a Medicina tenha sido uma das mais importantes áreas do conhecimento por dentro da qual as idéias psicológicas tenham se desenvolvido. Para reforçar essa interpretação deve-se salientar que as primeiras realizações do campo clínico tiveram sua origem em preocupações de natureza educacional, como foram os Serviços de Orientação Infantil criados em São Paulo e no Rio de Janeiro, sob a direção de Durval Marcondes e Arthur Ramos, respectivamente, no âmbito das Secretarias de Educação, com a finalidade de atender crianças que apresentavam problemas no processo de escolarização; o mesmo pode ser afirmado a respeito da Clínica Psicológica do Instituto Sedes Sapientiae, em cuja origem estava a preocupação com o atendimento de crianças que apresentavam problemas semelhantes. Deve-se acrescentar que à Clínica Psicológica do Instituto Sedes Sapientiae pertence a maior parte das referências que relacionam o campo da Clínica ao Ensino.
Aqui, mais uma vez fica patente a presença marcante da Educação no processo de desenvolvimento da Psicologia no país, uma vez que demandas educacionais estiveram no cerne daquilo que viria mais tarde constituir-se em campo específico de atuação do psicólogo, assim como seus desdobramentos em formas variadas de intervenção.
Além do tipo de produção, os dados foram também organizados por sua origem geográfica; segue abaixo tabela correspondente:
Os dados acima demonstram uma acentuada concentração na região Sudeste, com Distrito Federal/Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais com a maior parte das referências, excetuando-se as referências de caráter nacional, identificadas na tabela pela sigla "BR". Deve-se, antes de mais nada, reconhecer que no Rio de Janeiro e em São Paulo encontravam-se os pólos político e econômico do país, e, conseqüentemente, aí se localizava grande parte das instituições administrativas, prestadoras de serviços e educacionais, responsáveis por uma significativa contribuição para o desenvolvimento científico em geral e da Psicologia em particular; devem-se destacar nesse caso, as instituições: Instituto de Desenvolvimento Racional do Trabalho - Idort, Instituto de Seleção e Orientação Profissional da Fundação Getúlio Vargas - Isop/FGV, Serviço Nacional da Indústria - Senai, Serviço Nacional do Comércio - Senac, as Universidades de São Paulo, do Brasil, do Distrito Federal/Rio de Janeiro, Católica de São Paulo e Católica do Rio de Janeiro, os Institutos de Educação, a Escola de Aperfeiçoamento de Professores de Belo Horizonte, o Inep e outras, que bem caracterizam essa época. É preciso reiterar que os autores das obras-referência são, em sua maioria, dessas regiões, o que leva à hipótese de que as realizações mais próximas sejam, pelo contato mais direto, mais conhecidas.
Entretanto, apesar de possuir um menor número de referências, fica claro que Pernambuco, Rio Grande do Sul e Bahia são estados que possuem realizações significativas, pois, apesar da relativa distância, os dados demonstram que houve produção sistemática na área da Psicologia. Cabe, certamente, um aprofundamento no estudo da produção dessas regiões, pois é provável (e sabido) que muitas outras realizações foram aí efetivadas na construção da Psicologia como ciência e profissão no Brasil.
Por outro lado, dois estados foram apenas pontualmente citados (Paraná e Ceará) e outros sequer aparecem. Antes de dizer que não houve produção ou que as que ocorreram foram pontuais ou pouco significativas, é importante questionar se não são elas simplesmente omissões ou, em outras palavras, desconhecidas ou negligenciadas pela Historiografia da Psicologia no Brasil. Esse questionamento ganha sentido quando analisamos a primeira referência ao Estado do Paraná, relativa ao I Congresso Brasileiro de Psicologia (a segunda refere-se a uma Reunião Anual da SBPC, em 1962, e tem, portanto, um caráter mais geral); ora, se houve um congresso nacional da área nesse estado, isso indica que deveria haver, no mínimo, um certo desenvolvimento da Psicologia na região e, no entanto, não há referências a atividades mais explícitas ou personagens nas obras pesquisadas, com exceção de uma breve menção a Erasmo Piloto. Além disso, mesmo as referências aos estados que têm um número maior de citações indicam que há muito mais a ser identificado e aprofundado. Isso demonstra o quanto há ainda por ser feito no âmbito da pesquisa em História da Psicologia no Brasil e, sobretudo, a necessidade de ampliar o espectro das investigações em vários sentidos, incluindo o plano do desenvolvimento regional e local.
A tabela a seguir indica, para as realizações que tiveram base institucional, a natureza dessas instituições:
A Tabela 5 demonstra uma preponderância de instituições públicas na base das atividades desenvolvidas em Psicologia. Deve-se ressaltar que as universidades públicas são responsáveis por uma parte desses números, geralmente relacionados ao ensino e, em menor grau, à pesquisa, cujo desenvolvimento nesse momento deu-se em boa parte nos institutos (públicos ou a eles diretamente relacionados), cuja finalidade mais específica constituía-se na prestação de serviços. Há um número relevante de referências à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, Universidade do Brasil e Universidade do Distrito Federal; deve-se lembrar, no entanto, que no âmbito das citações relacionadas às universidades, são muito freqüentes as referências às universidades católicas, o que faz aumentar consideravelmente a distância entre os números relativos às instituições públicas e privadas, uma vez que estas últimas têm nas universidades católicas uma parte significativa de seus dados.
Deve-se destacar, nessa discussão, algumas referências vinculadas ao Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos - Inep, incluindo aí alguns artigos publicados na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - RBEP. Essa revista deu um grande espaço para publicações na área da Psicologia, inclusive muitos relatos de pesquisa, artigos de natureza teórica e exposição de experiências educacionais com base na ciência psicológica; vale sublinhar que, nesse caso, como em vários outros, a presença da psicometria é bastante significativa. A relação estreita entre as atividades do Inep e as realizações na Psicologia é particularmente relevante, pois demonstra, mais uma vez, a íntima relação entre a Educação e o desenvolvimento da Psicologia no Brasil, mantendo de certa forma a tendência iniciada no período anterior. Entretanto, merece especial consideração e deve ser objeto específico de estudo a presença marcante da psicometria, não apenas nas publicações da RBEP, mas em grande parte das realizações em Psicologia nesse período, seja no âmbito da aplicação, de estudos e pesquisas ou das publicações em geral.
No que se refere à aplicação da Psicologia, sem dúvida, a investida estatal aparece com ênfase, principalmente no que diz respeito ao trabalho, pela Seleção e Orientação Profissional; deve-se ressaltar que o número poderia ser maior se fossem consideradas como públicas algumas instituições como Senai e Senac, que, embora funcionassem como fundações, tinham estreitas relações com o poder público. Mais uma vez, a relação entre as diretrizes estabelecidas pela política econômica, de caráter nacional-desenvolvimentista, em busca do incremento do processo de industrialização e da racionalização de sua administração, vêm encontrar na Psicologia um cabedal de conhecimentos úteis para seus propósitos, além de mais uma vez demonstrar a presença direta e marcante do Estado na economia e nos meios para sua efetivação, à medida em que investia diretamente no desenvolvimento de uma área de saber que lhe proporcionava um conjunto de técnicas e conhecimentos necessários para a concretização de seus projetos.
Além disso, faz-se necessário acrescentar que a maioria das referências específicas a estudos e pesquisas esteve relacionada às instituições públicas, não diferindo muito do que ocorre até hoje, salvo algumas situações que se constituem em exceções.
No conjunto da iniciativa privada, o Instituto de Desenvolvimento Racional do Trabalho - Idort teve papel de fundamental importância no desenvolvimento da Psicologia Aplicada à Organização do Trabalho, tendo seu alicerce em São Paulo, palco principal do processo de industrialização e fonte das idéias de modernização da administração, para as quais o conhecimento psicológico trouxe grandes contribuições. A figura de maior destaque nessa atuação pioneira foi o engenheiro suiço Roberto Mange, que, além de seu vasto rol de realizações, também participou da formação dos primeiros profissionais nesse campo, como Italo Bologna e Osvaldo de Barros Santos; com ele também trabalharam as psicólogas estrangeiras Aniela Ginsberg e Betti Katzenstein, que atuaram no Idort, na Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo e depois em várias outras instituições. Entretanto, é preciso ressaltar que Mange participou ativamente na concretização dos trabalhos desenvolvidos pelo Senai e pelo Senac, além de ter sido professor da Escola Politécnica da USP. Deve-se considerar também a participação de muitas empresas privadas no desenvolvimento da Psicologia, particularmente no que diz respeito à incorporação de conhecimentos e técnicas da Psicologia nas atividades de Seleção e Orientação Profissional, para as quais a psicometria teve também papel primordial.
As instituições católicas de ensino tiveram grande importância no desenvolvimento da Psicologia no país. Destaque deve ser dado às Universidades Católicas, particularmente as de São Paulo e Rio de Janeiro. O Instituto de Psicologia da PUC de São Paulo, criado em 1950, foi uma das primeiras instituições que aliaram ensino, pesquisa e aplicação da Psicologia, tendo sido uma das mais importantes bases para o estabelecimento da Psicologia Clínica e para a formação de profissionais nesse campo.
À guisa de conclusão
Os resultados aqui apresentados, ainda que parciais, pois são constituídos apenas de uma primeira aproximação com os dados relativos ao período compreendido entre 1930 e 1962, obtidos pelas referências encontradas em obras que tratam da Psicologia no Brasil, demonstram que esse momento foi de grande importância para o desenvolvimento da Psicologia como ciência e profissão no país, confirmando a hipótese de que nele ocorreu sua consolidação.
Mostram os dados que houve significativo desenvolvimento da Psicologia nas seguintes instâncias: ensino, aplicação, produção de estudos e pesquisas, publicações, organização de eventos científicos e organização em associações científicas e profissionais. A existência dessas instâncias e seu gradativo incremento são fatores demonstrativos da inserção efetiva da Psicologia no Brasil, quer como área de conhecimento ou campo de atuação, o que certamente determinou seu precoce (se comparado a vários outros países) reconhecimento como profissão.
Os dados, porém, apontam para outras questões, em especial a urgente necessidade de empreendimento de pesquisas que possam contribuir para o aprofundamento do conhecimento sobre a Psicologia desenvolvida no país nesse momento, aqui apenas insinuada, pois não é este trabalho senão um passo obviamente inicial nesse processo.
Na perspectiva acima apontada, algumas possibilidades, dentre uma infinidade de pesquisas possíveis, podem ser sugeridas. A questão que aparece de maneira mais contundente talvez seja a premente necessidade de expandir o conhecimento sobre a História da Psicologia no Brasil para além do eixo Rio de Janeiro-São Paulo-Minas Gerais. Parece suficientemente claro que não apenas nesses pólos houve efetivas contribuições para o estabelecimento dessa área de saber. Além disso, outras delimitações podem ser empreendidas, tomando por base a produção de conhecimento, o ensino, as publicações, os campos de atuação, as organizações associativas, as teorias que foram incorporadas, as técnicas desenvolvidas e seus usos, o movimento pela regulamentação da profissão e o estabelecimento do currículo para os cursos de formação, além da importância de estudos que enfoquem as personagens que construíram essa história. Não faltam, enfim, temas para pesquisa, nem argumentos para se desenvolvê-las, num momento em que tantas mudanças substanciais ocorrem no cenário da Psicologia em muitas de suas manifestações e, sobretudo, neste momento, em que estão sendo implementadas as novas diretrizes curriculares para a formação do psicólogo, o que exige, para se enfrentar os novos desafios, um conhecimento mais profundo e articulado de suas raízes, bases do processo que trouxe a nós a Psicologia de hoje, e condição para que, melhor a compreendendo, com mais autonomia e consciência possamos construir seu futuro.
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Recebido em maio de 2006.
Aprovado em julho de 2006.
1 Colaboradores
Este trabalho contou com a colaboração de: Eveline Bouteiller Kavakama e Rita de Cássia Maskell Rapold (doutoras em Psicologia da Educação, PUC-SP); Carmem Rotondano Taverna (doutora em Psicologia Social, PUC-SP); Alessandra Argolo Maruto, Ana Cristina G. Teixeira Arzabe, André da Silva Mello, Claudia Gil Ryckebusch, Jane Persinotti Trujillo, Lilia Midori S. P. Santos, Lina Maria de M. Carvalho, Maria de Fátima F. de O. Peruchi, Maria Lucia A. G. Lima, Silvia Mendes Pessoa, Regina C. Norkus e Sonia Regina Bueno (mestres em Psicologia da Educação).