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Psicologia da Educação

versão impressa ISSN 1414-6975

Psicol. educ.  no.30 São Paulo jun. 2010

 

Mãe, mulher, feminino, professora e... o falo

 

Mother, woman, feminine, teacher and... the phallus

 

La madre, la mujer, el feminino, la profesora y... el falo

 

 

Raquel Braga Franco

UFMG. E-mail: raquel.braga1922@gmail.com

 

 


RESUMO

Ao serem convidados a pensar sobre sua prática, alguns docentes (sujeitos da pesquisa A subjetividade docente produzida em tempos de declínio do discurso do mestre, realizada no período de 2007 a 2009 na Faculdade de Educação da UFMG) fizeram associações tanto com o que denominamos "maternagem", quanto com aspectos relacionados ao gênero. Julgamos então necessário recorrer tanto à psicanálise quanto a teóricos da Educação que escrevem sobre o tema, pois o que parece estar em jogo é a "feminização do magistério", bem como sua domesticidade. Tais características acabam por acarretar alguns prejuízos políticos para a consolidação de um corpus epistemológico que dê conta do impossível ato de educar e para o próprio exercício da pratica docente.

Palavras-chave: Psicanálise; docência; feminino.


ABSTRACT

When asked to think about their practice, some teachers (subjects in the research project Teacher's subjectivity in times of decline of the master's discourse, at the Faculty of Education UFMG during the years 2007 to 2009) made associations with both what we call "mothering", as with aspects related to the gender of those involved. In order to analyze these findings, we deemed necessary to bring together approaches from both psychoanalysis and some Education's theorists since what seems at stake is the "feminization of teaching" as well as its domesticity. Such issues ultimately lead to some political damage to both the consolidation of an epistemological corpus able to give an account of the impossible act of teaching as to the actual teaching practice.

Keywords: Psychoanalysis; teaching; feminine.


RESUMEN

Cuando se invitó a pensar acerca de su práctica, algunos profesores (los sujetos de la investigación La subjetividad docente producida en tiempos de la declinación del discurso del maestro, realizada durante el período de 2007 a 2009, en la Facultad de Educación de la UFMG) hicieron asociaciones tanto con lo que llamamos "maternagen" como con los aspectos relacionados con el género. Para tal análisis, consideramos necesario aplicar tanto al psicoanálisis como algunos teóricos de la educación que escriben sobre el tema, porque lo que parece en juego es la "feminización del magisterio", así como su domesticidad. Estas características en última instancia conducen a un daño político tanto a la consolidación de un corpus epistemológico que dé cuenta del imposible del acto de educar como al ejercicio efectivo de la práctica docente.

Palabras clave: Psicoanálisis; docencia; femenino.


 

 

A Presente comunicação é parte de um dos vários desdobramentos a que a pesquisa A subjetividade docente produzida em tempos de declínio do discurso do mestre1, realizada de 2007 a 2009 na Faculdade de Educação da UFMG, deu origem. A pesquisa teve por objetivo central discorrer sobre como os professores entendem a chamada desautorização docente e quais seriam os modos de enfrentamento da mesma. Para tanto foi aplicado um questionário que continha duas questões a ser respondidas discursivamente ou em forma de itens, seguido por entrevista semidirecionada e posterior aprofundamento das mesmas. Utilizamos a análise qualitativa em ambas, e para o primeiro nos orientamos através dos meandros discursivos da análise de conteúdo e, para as entrevistas, nos valemos de uma orientação clínico-social.

No trabalho de análise de orientação clínica das entrevistas, os temas maternagem e gênero apareceram como sendo relevantes quando os docentes são convidados a pensar sobre sua prática. O texto que se segue é uma tentativa de discussão e aprofundamento sobre tais questões.

Para tentar articular aspectos teóricos e práticos sobre tais referências no exercício destes profissionais, pensamos ser de grande utilidade as contribuições que a psicanálise nos fornece, bem como a dos estudos culturais acerca de gênero. Teóricos da pedagogia que investigam ou investigaram o assunto também nos serão úteis por fornecer análises que lidam diretamente com essa questão.

O termo "maternagem" foi empregado, entre outros autores, por Lopes (1991) ao debater o tema "a feminização do magistério"; no entanto, Pereira (2008) parece elucidar de outra forma tal conceito. Para o autor, "o saber dos profissionais da educação parece privilegiar a experiência sem relacioná-la à epistéme ou aos campos de conhecimento que fundamentam a pedagogia" (PEREIRA, 2008, p. 173). A preocupação estaria mais centrada em se ter um saber sobre o outro, em governá-lo, em ter um melhor convívio e um maior cuidado, que é caracterizado culturalmente como materno, fazendo com que este discurso se embarace com o discurso profissional da pedagogia moderna. Ao que parece, a pedagogia vem se afastando da consolidação de um corpus epistemológico e não demonstra deter ou refrear a domesticidade, o que traz para si alguns prejuízos fundamentais.

O discernimento entre o materno e o pedagógico faz-se um tanto obscuro devido ao fato de que existem várias formas de se educar alguém. "O vigor do saber-fazer parece superar a mais forte das racionalidades ou epistemologias. A educação prescinde da academia" (idem, p. 176). Com o declínio contemporâneo da imago paterna, como ressalta Pereira, o discurso da maternagem passa a demandar o carimbo científico, sendo a pedagogia essencial para tal intuito. Várias mulheres a buscam para tentar cientificizar seus saberes como mães ou futuras mães, fazendo com que o discurso pedagógico seja um espelhamento do discurso materno. Isso pode levar a um de seus prejuízos, a saber, seu enfraquecimento político.

Sobre o tema gênero, partimos de pressupostos teóricos de Scott, em seu reprisado artigo Gênero: uma categoria útil de analise histórica (1990), bem como de seus desdobramentos. Pretendemos entender como esta categoria se constituiu e também qual é o modo de seu funcionamento nas relações humanas, incluindo as relações pedagógicas. Inicialmente utilizado como um substituto ao termo "mulher", o termo gênero se mostrou mais adequado, por sugerir que qualquer informação sobre as mulheres, é também informação sobre os homens, ou seja, um estudo implica o outro. Além disso, o uso também tem como proposta "designar as relações sociais entre os sexos", rejeitando explicações biológicas e se referindo "às origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas de homens e de mulheres" (SCOTT, 1990, p. 75). A autora critica o fato de não se atribuírem razões pelas quais as relações são construídas como sociais, sendo necessário que se pense sobre como elas funcionam ou como elas mudam. E acrescenta: "sou de opinião que talvez tenha chegado o momento, não de retirar o termo gênero, mas de insistir sobre a idéia de que esse termo possui uma história; é preciso historicizar o gênero" (Idem, 1998, p. 122).

Existem basicamente três posições teóricas que as historiadoras feministas têm empregado nas suas várias abordagens na análise de gênero. A primeira tenta explicar as origens do patriarcado, a segunda, de tradição marxista, busca compromisso com as críticas feministas e a terceira, sobre a qual pretendemos nos deter, diz de uma inspiração de diferentes escolas de psicanálise para explicar a produção e a reprodução da identidade de gênero do sujeito.

Lacan aparece para as autoras feministas como figura central no contexto das teorias da linguagem. O sistema de significados para elas é essencial para se pensar as construções e associações que todos nós fazemos sobre feminino, masculino, relações de poder e valorações. As sociedades "representam o gênero, servem-se dele para articular as regras de relações sociais ou para construir o significado da experiência. Sem significado, não há experiência; sem processo de significação, não há significado" (SCOTT, 1990, p. 82).

A linguagem, central na teoria lacaniana, nos diz a autora, é chave de acesso à ordem simbólica e é também através dela que uma identidade generificada é construída. Sendo o "falo" o significante central da diferença sexual - que deve ser lido de maneira metafórica - e "a ameaça de castração" o que coloca a criança em relação direta com o poder, com as regras da lei, esta relação dependerá de sua identificação imaginária (ou fantasmática) com a masculinidade e a feminilidade. As formas como o masculino e o feminino estabelecem relação com o falo e com a castração é inteiramente diferente. A identificação de gênero, mesmo parecendo ser fixa, é instável, e esse se constitui como ponto fundamental, segundo a teoria psicanalítica.

A idéia de masculinidade repousa na repressão necessária de aspectos femininos - do potencial do sujeito para a bissexualidade - e introduz o conflito na oposição entre o masculino e o feminino. Os desejos reprimidos estão presentes no inconsciente e constituem uma ameaça permanente para a estabilidade da identificação de gênero (...) as idéias sobre o masculino e o feminino não são fixas, uma vez que elas variam de acordo com as utilizações contextuais. (MITCHELL & ROSE, apud SCOTT, op. cit., p. 82)

Para Scott, tal teoria tem seus problemas por se fixar em questões individuais do sujeito e também por universalizar as categorias e as relações entre masculino e feminino "não permitindo introduzir uma noção de especificidade e de variabilidade histórica". E acrescenta: "o falo é o único significante, o processo de construção do sujeito generificado é, em ultima instância, previsível já que é sempre o mesmo" (idem, p. 83). Apesar de reconhecermos alguns elementos centrais dessas críticas, ainda assim julgamos pertinente examinar os dados das entrevistas seguindo os pressupostos da psicanálise, debatidos com os de gênero. Em momento algum nos esquecemos que tais dados devem ser pensados levando-se em consideração o caráter histórico que os constitui.

Nas entrevistas que analisamos, com o intuito de desenvolver especulações sobre a desautorização e a subjetividade docente, houve alguma recorrência acerca de referências implícitas ou explícitas à dicotomia mulher/mãe ou até mesmo mulher/mãe/professora. Apesar de tais alusões não serem em um número tão regular, achamos importante analisá-las porque podem fornecer material elucidativo sobre os próprios sujeitos e sobre a situação geral dos docentes no que concerne ao exercício de suas autoridades. Acreditamos ser a psicanálise uma ferramenta eficiente, uma vez que tem o discurso como sua maior base de sustentação. É através dele que podemos acessar o que há de singular no sujeito, ou seja, o inconsciente, bem como as marcas sociais e históricas que o caracterizam.

Antes de adentrarmos nessas contribuições da psicanálise acerca da construção do sujeito humano e, especialmente, do feminino, julgamos necessário discorrer sobre diferenças e aproximações entre a pedagogia e o feminino, motivo de contradições no exercício da própria prática dos envolvidos.

Sabemos que, anteriormente, até metade do século XIX, os professores, mestres, tutores, preceptores, eram em sua grande maioria homens. Somente eles tinham acesso ao saber e, portanto, somente eles podiam transmiti-lo. O que estava reservado às mulheres dizia respeito somente aos ofícios domésticos, como cozinhar, bordar, tecer, cantar. Toda educação propriamente intelectual lhes era proibida. As meninas, ainda crianças, eram enviadas aos conventos, onde aprenderiam o básico que uma mulher precisava para ser boa esposa e dona-de-casa eficiente. Os meninos ficavam com os tutores e aprendiam a ler, escrever, algumas palavras em latim, geografia e historia, tendo sua educação completada nos internatos quando eram maiores de idade. É importante ressaltar que isso ocorria em grande parte com as famílias abastadas (BADINTER, 1980).

De uns tempos para cá, algumas coisas mudaram. A pedagogia foi e ainda é um campo de atuação marcado predominantemente pela presença das mulheres. Lopes (1991) tenta articular alguns pontos sobre essa questão, com o intuito de entender a feminização do magistério, e pergunta: por que as mulheres se tornam professoras, têm se tornado professoras? O que essa profissão teria que as captura? Se antes, somente os homens tinham tal acesso e, se agora, as mulheres não só ocupam a grande maioria dos espaços da área da educação, mas também são as grandes responsáveis por sua transmissão, o que elas trouxeram de novo?

No século XX, o trabalho extradomiciliar se tornou parte inalienável na realização dos homens. O trabalho feminino refletia o mercado disponível a elas, e não uma escolha individual. As mulheres estavam aonde se esperava encontrá-las. Era necessário que a mulher fosse encaminhada para determinadas carreiras adequadas ao sexo feminino, sem muitas barreiras que dificultassem o casamento. Sendo assim, as mulheres começaram então a trabalhar como professoras, seja porque desejavam ascender socialmente, e um trabalho não manual era mais adequado, seja porque o cargo era desvalorizado, com baixos salários, pouco tempo de serviço, o que lhes possibilitava dar atenção ao marido e aos filhos. Mas é importante ressaltar o que se pensava na época: "o melhor era que não trabalhassem" (PESSANHA, 1994, p. 37).

Diante desse contexto, as falas dos professores nos mostram que ainda hoje tanto a escola quanto o oficio da docência estão marcados por uma referência feminina ou que tem na mulher e na maternagem seu ponto de ancoragem. Esta referência é multifacetada e aparece na forma de nostalgia de uma época que a escola "era mãe" e passa a ser "madrasta", como nos mostra a fala de um professor do ensino médio público:

(...) a escola não tem tempo para a questão do aluno, ela não tem tempo pra isso, são assim, minutos corridos, tempo corrido, tem que aprender, o aprender, não importa, e hoje a escola perdeu mais a função ainda, porque se ela vem de uma escola mãe, que antes era mãe, tinha que [inaudível] por tudo, hoje ela não preocupa mais com isso, principalmente a coordenação da escola, hoje está preocupada, "o aluno está em sala?".

Quando perguntado sobre o que a escola seria hoje, o entrevistado respondeu que ela seria "madrasta", o que não deixa de ser outra referência feminina. Há outros apontamentos que caracterizam a pratica docente como essencialmente materna, como podemos exemplificar através da fala de outra professora do ensino médio particular: "(...) eu brinco demais com os meninos, eu brinco como eu brinco com meus filhos (...)".

A regularidade discursiva recoloca a referência docente no feminino, na mulher ou na mãe. Outro exemplo de fragmento de entrevista, igualmente reforça nossa investigação. Uma professora do fundamental particular nos diz que:

eu prefiro que conte pra mim pra eu tentar entrar com um lado de mãe que eu acho que toda mulher tem... mas acima de tudo a não repressão. Eu escuto coisas dos meninos ali que eu acho que eles nunca contaram pra mãe. Talvez se eu tivesse um tempo maior com esses meninos, ou se eu pudesse depois do serviço trazer um pouquinho aqui pra casa e tal ia ser uma coisa muito bacana. Ia ser muito bacana, eu ia ser um ótimo apoio para eles.

As falas citadas nos indicam que a complexidade de ensinar está algumas vezes ligada a essa função de mãe. Como foi ressaltado acima, o saber-fazer materno é levado para a prática em uma tentativa de tornar tal saber no nível do racional ou científico, sempre válido para aquele contexto específico. A relação professor-aluno parece estar pautada em um saber cotidiano afastado de uma epistéme, como se bastasse ser mãe para saber lidar com esses "meninos" e ensinar algo. É difícil saber até que ponto isso serve como uma sombra ao impossível ato de educar, ou se isso dificulta o desenvolvimento da pedagogia e o aperfeiçoamento da docência, mantendo-as fixadas a uma domesticidade que impede a consolidação de um corpus epistemológico.

Se no exemplo acima temos um professor nostálgico de um tempo em que "a escola era mãe" e "tinha tempo para a questão do aluno", temos também outro professor do ensino médio de uma escola particular, que, apesar de também ser nostálgico, teoriza sobre isso de maneira diferente:

(...) sabe qual é a impressão que dá? Que o pessoal que formou em pedagogia é quem não gostava do jeito que era a escola de jeito nenhum, quem não se deu bem na escola, que assim, tinha raiva da escola, e chegou lá queria mudar tudo, e mudar assim em termos de, de conteúdo, em termos de, de... aprendizagem, de exigência, mudar da água pro vinho e pra pior, sabe, cortar tudo, e falar não, é aquele famoso discurso: não o aluno também não agüenta ficar sentado, tipo assim, uma coisa que acho que eles aprenderam muito errado foi que o aprendizado tem que ser sempre divertido, ou não, melhor dizendo, tem que... nunca pode... o aprendizado não vem de um esforço.

Essa relação mulher-educação nos possibilita pensar em significados e desdobramentos. Ainda hoje características de uma suposta personalidade feminina se ligam à avaliação da prática dos envolvidos e isso se faz muitas vezes sob um viés negativo que condiciona a complexidade de ensinar a uma visão muitas vezes estereotipada. São pontuações como essas que nos levam a assinalar a importância de estudos que articulem a prática com o gênero dos envolvidos. Concordamos com Lopes quando esta nos diz: "a mim me parece que, se ao falar em professora, fala-se em mulher/feminino, mãe, não posso deixar de tentar ouvir a psicanálise" (op. cit., p. 34). O exercício do magistério mudou pouco, a função parece ter na maternagem sua principal ação.

A constatação de que tantas referências apontadas pelos docentes levam em conta aspectos relacionados ao feminino leva-nos a supor que ele estaria no lugar de um ideal de realização do magistério, ou até mesmo que o magistério seria o ideal de realização do feminino. Não podemos nos furtar da consideração de que ainda hoje a identidade da mulher esteja atrelada à função da maternidade e, a função da docência, à maternagem, como bem nos mostraram alguns segmentos das entrevistas.

É importante apontar que a noção de maternagem parece não equacionar a questão da feminilidade na subjetividade docente. Um impasse permanece. Em geral, mesmo nas falas desses professores, a mulher permanece sendo vista de forma passiva, com menor senso de justiça, mais débeis em seus interesses sociais e possuidoras de menor capacidade de sublimar suas paixões. Em oposição, os homens são considerados mais agressivos, mais ativos, com maior capacidade intelectual e consequente maior senso de justiça, ou seja, características diametralmente contrárias às das mulheres.

Muito embora as classificações e representações que se fazem sobre homens e mulheres sejam diferentes, há algo que os aproxima e os constitui: o falo. Freud (1924) introduz tal noção para deslocar a primazia sexual do pênis ou da vagina, ao priorizar não a presença desses órgãos, mas a ausência dos mesmos, sob a forma da castração. O falo passa a ser o signo de uma ausência ou um enigma. Lacan (1958) revisou essa idéia freudiana, dando-lhe uma consistência decisiva. Todo infante é confrontado com os movimentos e os desejos da mãe, que se constituem em um enigma. A operação que aglutina os enigmas da mãe para a criança dando a eles uma significação é o falo, ou seja, ele é o condensador desses enigmas.

Inicialmente a criança se considera como sendo o objeto mais importante do campo de desejo da mãe, sendo algo que ela mais deseja: o falo. Através das varias frustrações que ela vivencia, seja através do seio que lhe é negado, da vontade de estar sempre perto da mãe, dormir em sua cama, da imposição de controle dos esfíncteres, bem como por sua entrada na linguagem e pela lei do pai que lhe interdita, dentre outras, há a percepção de que existe algo que ela não consegue competir e que está fora de seu alcance. Assim, apesar de se perceber importante, ela não é exclusiva, e tal experiência é vivenciada pelo signo do falo.

A mãe por sua vez é também marcada pelo falo que é tanto o significante do desejo quanto o significante da falta e o que a mantém - como a todos nós - desejando. O que a criança tenta, é ser o que falta a mãe, ser o objeto de desejo dela. Posteriormente, com a entrada no simbólico, há a percepção que o falo é simultaneamente aquilo que a mãe deseja e aquilo que ela não tem, tampouco a criança. Logo, o falo aponta de maneira direta para uma incompletude. O falo neste sentido seria aquilo que ninguém tem, mas que todos querem, é uma tentativa de defesa contra a castração. Dado que ele é o que esconde a falta, seu refugio, ele também vira o significante da falta, algo que precisa ser coberto e que dá a idéia de uma dicotomia, ou seja, é algo que está no lugar da falta e é também o que nos lembra dela.

Se a castração e o complexo de Édipo, importantes conceitos freudianos, giram em torno do falo imaginário, a diferença sexual gira em torno do falo simbólico, ou seja, do significante do desejo do outro. É importante ressaltar que é a entrada no simbólico que distancia o sujeito do falo, isto é, o de ser o objeto de desejo da mãe.

Para que isso se dê, Lacan considera necessário que a criança supere três tempos lógicos que ele chama "tempos do Édipo". Em um primeiro tempo, como destacamos acima, a criança está identificada com o falo materno (o único objeto que pode satisfazer a mãe) estando o pai fora deste circuito e aparecendo apenas de forma velada. No segundo tempo, há a introdução de um intruso que interdita essa relação fusional mãe-criança fazendo com que a criança se depare com a falta. O pai aparecerá, então, como metáfora da ausência da mãe e também como o lugar do significante do desejo desta. A criança passará a ver o pai e não mais ela, como o falo da mãe, fazendo com que ele e falo se confundam, "marcando-o" como onipotente e privador. No terceiro tempo do Édipo, a criança não está mais preocupada em ser o falo, mas em ter ou não ter o falo. Neste sentido, o falo sai de sua condição de imaginário e passa a funcionar como simbólico.

Os emblemas fálicos são bastante conhecidos: poder, saber, arrogância, suficiência, não precariedade, que são em sua essência masculinos. Tais insígnias criam a ilusão de uma sociedade do espetáculo masculina por excelência. O contrário disso, ou seja, o vazio, a falta, o que nos escapa, estaria ligado a uma representação feminina, o que faz com que tanto os homens quanto as mulheres tenham horror a tal representação. É um território que não é fundado e nem regulado somente pelo operador fálico É importante destacar que tanto a sexualidade masculina quanto a feminina se ancoraria igualmente no falo, ou seja, está presente tanto no erotismo do homem quanto no erotismo da mulher. Sendo assim, a feminilidade é o que diz de uma condição, é um lugar de vazio, do enigma ou do nada absoluto. Para Pereira (2006) tudo está por se inventar.

Ao formular isso, a psicanálise também enunciou que a feminilidade estaria na origem do psiquismo e não totalmente na ordem fálica. Essa ordem seria uma recusa, por assim dizer, ao registro feminino e originário. A operação fálica estaria na derivação e no ocultamento de uma ausência. A imperfeição, o desamparo, a insuficiência e a finitude estariam na origem da subjetividade, sendo a maior das pretensões humanas recusá-las através da mediação fálica. O enigma, pois, é a origem. (Idem, p. 92)

A lógica fálica perpassa a relação que os professores estabelecem na escola. Muitos deles julgam ser referência fundamental para o aluno como, por exemplo, a professora que citamos acima que diz que se pudesse levaria os meninos para sua casa, ou então, o professor que considera que é necessário esforço - o esforço fálico. A nosso ver, existem determinadas posturas adotadas pelos professores que não parecem estar muito preocupadas com a relação com significantes, mas em ter o significante da cultura para restituírem a eles próprios o significante da falta.

Isto se expressa no desejo de ser mestre. Os professores esperam que o aluno entre no lugar de sua falta ou que o aluno seja um aluno-falo que irá "completá-lo". Por sua vez, o professor se coloca como falo para que o aluno se identifique e queira ser como ele. Existem várias maneiras de se colocar como objeto de desejo para o aluno, uma delas é através da maternagem, na qual, ao invés de se colocar o filho propriamente dito neste lugar do falo, se coloca o aluno.

É importante frisar que apesar da colagem comumente feita entre os lugares do materno e do feminino, eles não coincidem. O lugar materno, como nos assinala Freud (1933), é um lugar fálico por excelência. Freud dizia que a única saída positiva para a mulher é ter um filho: tornar-se mulher sendo mãe. Lacan (1972) disse algo ressonante: a mulher só existe toda como mãe. O que contribuiu para que a identidade da mulher ficasse atrelada à função da maternidade é o fato de ela não possuir um pênis-falo e equacioná-lo com o filho. Já discorremos sobre isso: de mulheres inferiorizadas, faltosas, passam a mães fálicas. As mulheres, portanto, sentiriam uma inveja por não ter algo do suposto poder que aquele órgão parecia proporcionar a quem o portasse, daí a necessidade de ter um filho - ou aluno - que suprisse esta falta.

Neste sentido, o aluno também poderia entrar nesta lógica, tanto para homens quanto para mulheres, na medida em que ele supostamente equacionaria esta falta, daí as referências nas entrevistas que os professores fazem ao materno e a um feminino ligado a ele. Os homens, em contrapartida, teriam medo de perdê-lo. Em síntese: na ordem colocada pelo poder fálico, o que aparece em comum é o horror de ambos os sexos à feminilidade.

Ora, a condição feminina gera a impossibilidade de o sujeito fixar-se em algum sentido estrito. É impossível que o sujeito seja só masculino ou só feminino. Ele é, na verdade, efeito de seus atos de libido. E vale repisar: o feminino não é o lugar da mulher, mas é o lugar do vazio. (PEREIRA, 2006, p. 81)

Mas, convenhamos, a noção de maternagem parece não equacionar a questão da feminilidade, o impasse permanece. O texto freudiano lembra Néri (2005), nos traz também a idéia da transformação da feminilidade em um conceito teórico, que recoloca a problemática da castração. Para elaborá-la, ambos os sexos teriam que se confrontar com a feminilidade, ambos teriam que lidar com essa problemática impossível. Freud deixa no ar uma provocação:

Se vocês quiserem saber mais sobe a feminilidade interroguem suas próprias experiências de vida, enderecem-se aos poetas, ou então esperem que a ciência possa vos dar informações mais aprofundadas e coerentes. (FREUD, 1933, p. 165)

A feminilidade como enigma, como é abordada por Freud, parece ser um não-lugar da norma, que estaria no centro do erotismo do sujeito. Mas, a não inscrição da feminilidade na lógica fálica, além de causar horror, também fornece a esse conceito uma abertura maior ao novo. No lugar da falta, da poesia e da diferença, poderiam abrir-se caminhos à singularidade. Como coloca Birman (2000, p. 94), na feminilidade os enunciados parciais e fragmentados se opõem à lógica universalista: "a finitude e a incerteza humanas tomam corpo, colocando o sujeito em aberto em face ao seu fazer, o que evidencia sua impossibilidade de encontrar enunciados totalizantes". Contudo, na medida em que o apelo ao fálico não é ultrapassado mantêm-se as ilusões homogêneas e totalizantes, e o sujeito que hoje observamos, cada vez mais centrado em si, tem horror à diferença, que pode expor e denunciar sua fragilidade e finitude, como ressaltamos acima.

As idealizações fálicas, ligadas às idéias de poder e homogeneidade estariam nesse contexto, corroborando com a chamada cultura do narcisismo. Vemos sujeitos, incluindo professores e alunos, querendo manter a ilusão de um poder narcísico, tanto sobre o corpo do outro como sobre do seu próprio, voltados para suas intimidades e negando a alteridade.

Retomando segmento das entrevistas, a impressão que temos, segundo a fala de um professor do ensino médio de uma escola particular, é que os profissionais da pedagogia, em sua maioria mulheres, se nivelam à espontaneidade, à fruição, à diversão, ao prazer, à castração e à passividade; em oposição aos homens, que seriam nivelados à racionalidade, ao esforço, ao trabalho, à atividade. Esse professor diz:

(...) às vezes, um lado mais light, mas tem hora que não, tem hora que é pesado mesmo, tem que estudar, tem que esforçar, tá, e aí eu acho que o pedagogo vem muito com essa noção que o aprendizado tem que ser muito natural, fluir. Não, tem hora que tem, que exige um esforço do aluno mesmo, não tem jeito, não tem como. E aí eu bati de frente demais com todas as coordenadoras que eu trabalhei, com todas as pedagogas eu tive problema.

A fala do professor de ensino fundamental de uma escola pública também nos revela concepções que nos ajudam a pensar a questão de gênero e como ela pode estar interferindo no espaço da escola:

(...) acho que tá arraigado na sociedade, que a mulher tem o poder da casa, o homem acredita que tem o poder de fora, ele manda em tudo, mas ele é sempre submisso à mulher, ele sempre tem que se ajoelhar ali, porque o mundo é cruel.

Fica assim evidente o impasse em que nos encontramos. A opinião dos professores sobre a mulher e a feminilidade é muitas vezes ambígua, transitória, e reflete um enigma. A questão que aparece para nós é a necessidade de se pensar o feminino como alteridade, e não por uma divisão hierárquica como se o feminino fosse a negativa do masculino. Se o magistério aparece como ideal de realização para mulheres (LOPES, 1998), cabe perguntar se na decisão delas em se tornar professoras haveria algo da ordem do inconsciente, que como tal é constituído na história.

A escola transita entre o espaço masculino do saber cientifico técnico-racionalista e a docilização materna. Alguns professores parecem conseguir tirar desse lugar feminino (para além do materno) algo que suscita o diferente; esse lugar de falta acaba por escrever o novo, que mesmo momentaneamente possibilita a troca com o aluno.

Por fim, é importante ressaltar que lidar com a desautorização docente e o declínio do discurso do mestre não é algo sem complexidade. Isso implica discutir questões tão fundamentais como desejo, inconsciente, gênero, maternagem, poder, ética, dentre outros. A tentativa aqui é lançar luz para que se apreendam, através do próprio discurso dos professores, formas de se discutir tais questões, sem cair no risco da manutenção de estereótipos que muitas vezes caracterizam modos de produção de conhecimento.

A condição feminina, como aqui investigada, induz ao plural, não a uma pluralidade de masculinos e femininos, que reafirmaria o padrão opositor de gênero, mas à própria estrutura vazia e aberta à inventividade - em que a existência pode depositar sua multiplicidade de sentidos para escapar do horror ao vazio de tal estrutura. Se couber aqui algum indicativo, e não uma solução, já que não é disso que se trata, que as escolas, os agentes formadores e o pensamento educacional evoquem o feminino, seu enigma e seus novos modos de saber. Se há um impossível no ato de educar, há também no de se criar o novo ou em se sentir menos desautorizado - no caso dos professores desta pesquisa - se insistirmos na tentativa de assegurar o falo a todo custo e evitar a invenção que o vazio da condição feminilidade nos impõe. Somente quando admitirmos o imprevisível, o não inscrito, o não todo, poderemos talvez admitir igualmente nosso desamparo fundamental para nós mesmos e para o outro; e, daí, quem sabe, fazer alguma diferença.

 

Referências

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1 A pesquisa foi parcialmente financiada pelo CNPq e pela FAPEMIG.é caracterizado culturalmente como materno, fazendo com que este discurso se embarace com o discurso profissional da pedagogia moderna. Ao que parece, a pedagogia vem se afastando da consolidação de um corpus epistemológico e não demonstra deter ou refrear a domesticidade, o que traz para si alguns prejuízos fundamentais.

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