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Psicologia da Educação

versão impressa ISSN 1414-6975

Psicol. educ.  no.30 São Paulo jun. 2010

 

Educação infantil e perspectiva construtivista

 

Education of the young child and constructivist prospect

 

Educación infantil y perspectiva constructivista

 

 

Silvia Parrat-Dayan

Archives Piaget, Université de Genève. E-mail: silvia.parrat-dayan@pse.unige.ch

 

 


RESUMO

O presente texto constitui uma análise sobre o problema da separação "cuidar-educar" na área da educação infantil. Ao mesmo tempo, é analisada a perspectiva interacionista e construtivista como uma possibilidade pedagógica interessante a se utilizar nesta área.

Palavras-chave: educação infantil; cuidar-educar; perspectiva interacionista e construtivista.


ABSTRACT

The present text is constituted by an analysis about the problem of the separation between taking care and educating in the field of infantile education. At the same time the interactionist and constructivist approach is analized as an interesting pedagogical possibility to be applied in this field.

Keywords: infantile education; take care-educate; interactionist and constructivist approach.


RESUMEN

Este artículo constituye un análisis del problema de la separación "cuidar-educar" en el campo de la educación infantil. Al mismo tiempo se analiza la perspectiva interaccionista y constructivista en tanto que una posibilidad pedagógica interesante para utilizar en este dominio.

Palabras clave: educación infantil; infancia; cuidar-educar; perspectiva interaccionista y constructivista.


 

 

Introdução

A importância que a sociedade atual atribui à criança pequena e à sua educação é paralela à construção de saberes com relação a essa faixa etária. O desenvolvimento do trabalho da mulher e a evolução da profissão de educador de criança pequena são fatores relevantes neste processo. Se o problema da acolhida das crianças é discutido e tematizado, a novidade principal neste domínio é a importância atribuída aos objetivos de aprendizagem das crianças mais novas, mesmo se às vezes as atitudes de uns e de outros podem ser opostas. Ou bem se insiste na individualização e na socialização das crianças numa perspectiva de educação para democracia, ou bem se insiste nas competências cognitivas que as crianças devem adquirir sem diferenciar educação infantil e ensino fundamental tradicional. De um ponto de vista ou de outro, a educação da criança pequena se tornou um domínio de estudo, de interesse e, consequentemente, de inovações diversas. Esse novo interesse se explica em parte pelos novos conhecimentos científicos que mostram a existência de competências precoces nas crianças pequenas ou que sublinham o interesse psicológico da acolhida delas. Por outro lado, se pensa que a educação infantil poderia prevenir as dificuldades de aprendizagem e de integração escolar. As demandas novas feitas pelos pais não são alheias a evolução que se observa nesta área. Enfim, a vontade de desenvolver ações para todas as crianças, inclusive para as mais novas, é um fator que deve ser considerado.

O debate em relação à crise da escola é conhecido de todos. Se a escola está em crise e ao mesmo tempo quer sobreviver, então a concepção da escola deve mudar. Se a escola deve mudar é porque a sociedade mudou. Como deveria ser a escola que deveríamos ter?

A missão da escola é de permitir a cada criança construir-se uma cultura e de se construir como pessoa.

Para isso, a escola deve deixar de ser o lugar onde o saber é sacralizado. Pelo contrário, a escola deveria relacionar-se com as características sociais de cada criança, deveria ser uma escola aberta para a comunidade, uma escola democrática. Essa escola não deveria pretender ser o único lugar da aprendizagem. Ela não deveria ser nem o lugar onde se transmitem saberes construídos nem o lugar onde se distribuem diplomas como se fossem mercadorias.

Esta escola que não é nem um santuário nem um supermercado é a escola em que cada aluno conseguirá construir-se uma cultura.

A escola maternal acompanha cada criança nesta entrada na cultura.

Entrar na cultura supõe ao mesmo tempo entrar nos valores, nas competências e nos saberes.

O domínio dos valores tem a ver com o que se chama o viver juntos, com o pluralismo. Esses valores se relacionam com a autonomia, a cooperação, o sentido crítico, a criatividade, a participação social. Podemos dizer que já na escola maternal podem se experimentar os valores de uma sociedade democrática. A criança pequena aprenderá o funcionamento de uma coletividade e se iniciará na resolução de problemas da coletividade respeitando os valores fundamentais da sociedade. Aprender a viver juntos implica aprender a comunicar, aprender a falar. A escola maternal apresentará situações e diálogos coletivos apoiados tanto em reais problemas para resolver quanto em reais temas de discussão. As crianças poderão aprender a falar no seio de um grupo. Elas poderão aprender também a escutar o outro. Um aspecto específico da escola maternal é de acompanhar a criança na aprendizagem da escrita, mesmo se ao chegar à escola ela já possui saberes sobre este domínio. Outro aspecto, também importante, é de ajudar a criança a entrar no imaginário com todo tipo de atividades artísticas. Enfim, é uma tarefa da escola maternal iniciar as crianças na cultura tecnológica e científica: descoberta do mundo dos objetos, das propriedades da matéria, descoberta dos seres vivos, sensibilização com problemas do meio ambiente, etc.

A escola maternal acompanha a criança nesta viagem em direção à cultura. É evidente que a criança não entra na cultura no momento de frequentar a escola. Ao nascer, ela já está na cultura e a família tem um papel importante nesta iniciação. A escola, particularmente a escola maternal, acompanhará a criança na cultura e nos valores próprios de cada país, ela acompanhará também a criança nos grandes domínios do saber. Nesta escola, o sujeito aprende a se construir como pessoa.

Mantoan (2002), falando da escola inclusiva, assinala que nesta escola nenhum aluno é excluído nem de sua classe, nem se seu programa, nem de sua aula, nem das atividades e do convívio escolar mais amplo. Todos os alunos têm possibilidade de aprender frequentando uma mesma turma. Mas para ensinar a turma toda é preciso passar de um ensino de transmissão para uma pedagogia ativa, dialógica e interativa. Esta pedagogia rompe as fronteiras de disciplinas curriculares, forma redes de conhecimento e de significados em contraposição a currículos conteudistas, a verdades prontas e acabadas, integra os saberes, salienta a descoberta e autonomia do sujeito na conquista do conhecimento, propõe atividades abertas, diversificadas, que possam ser abordadas por diferentes níveis de compreensão e de desempenho dos alunos e em que não se destaquem nem os alunos que sabem, nem os que sabem menos. Assim, as atividades são exploradas segundo as possibilidades e os interesses dos alunos que optaram livremente por desenvolvê-las. Debate, pesquisas, registros escritos, falados, observação, vivências, são alguns processos pedagógicos indicados para a realização deste tipo de atividades.

A posição de Piaget com relação à educação e aos valores que ele defendeu durante meio século encontra um prolongamento nestas novas proposições educativas, tanto em relação com crianças do ensino fundamental quanto com crianças mais novas e, inclusive, com bebês.

 

Quem é que vai cuidar das crianças?

O dilema de como guardar as crianças pequenas

A tomada de consciência do isolamento das mães, o fato de não se considerar mais como ideal que seja a mãe quem fica com as crianças, assim como a idéia da necessidade de socialização de crianças e dos pais, contribuem às novas ações encontradas em diferentes países. Assim o início da escola obrigatória já não é mais aos 6 anos. Exagerando só um pouco, a idade da instrução obrigatória tende a estar próxima do nascimento. Na Suíça, quer se instituir o ensino obrigatório a partir dos 4 anos. Na França, a école maternelle é frequentada por crianças de 2 anos (35%) e por quase a totalidade de crianças de 3 anos (95%). Esta escola é gratuita. A escolarização precoce é interessante para crianças de classe sociais desfavorecidas. A idéia de que na escola de crianças pequenas se pode fazer mais e outras coisas diferentes do que se faz no seio da família é compartilhada por todas as classes sociais. Mas é por isso que a criança deveria ser considerada como um aluno?

Como veremos, a educação dos bebês não vai sem problemas.

A importância que se atribui à educação infantil é cada vez maior. Tanto que este reconhecimento acabou por dar origem a uma declaração dos direitos à educação na primeira infância. Diante dos graves problemas do analfabetismo e da exclusão escolar a UNESCO, a UNICEF e o Banco Mundial organizaram uma conferência na qual se chegou à conclusão de que a educação é um direito fundamental e a partir do nascimento, o que significa a expansão e atividades de proteção e de estimulação das crianças como uma ação prioritária.

Porém, a questão de quem cuida das crianças é um dilema importante na história da humanidade. Segundo as épocas e as classes sociais, diversas soluções foram propostas. No século XXI, o problema de saber quem fica com as crianças é ainda um problema fundamental.

O modelo familiar segundo o qual o pai trabalha no exterior da casa e a mãe fica no espaço doméstico assegurando a função educativa das crianças não é mais um modelo atual. A transformação funcional da família é um fato que não pode ser ignorado. A partir dos anos 1960, pelo menos na França, as mulheres se integram no mundo da produção, e o problema de quem cuida das crianças deve ser resolvido. A solução de partilhar o cuidado das crianças entre pai e mãe encontra muitos obstáculos econômicos e culturais no mundo atual e não é vista como uma boa solução. Assim, a idéia de estruturas educativas fora da casa é considerada uma alternativa. Notemos que no século XIX as estruturas que atendiam as crianças cujas mães deviam trabalhar tinham só uma finalidade assistencial. Tratava-se de cuidar das crianças. A escola para crianças de 2 a 5 anos, chamada na França école maternelle, era no final do século XIX um abrigo para crianças de classes populares. A generalização da frequência a este tipo de escola é um fenômeno mais recente. Nos anos 1945-1975, a frequência aumenta e o que é novo é a presença de crianças de classes médias e superiores. A socialização precoce se torna escolarização precoce aceita e reivindicada por todas as classes sociais. Esta evolução está em relação com a nova representação da criança pequena, que já não é considerada como um objeto de cuidados, mas sim como um objeto pedagógico. A valorização cultural da criança está em relação com a vulgarização da Psicologia, e considera, ao mesmo tempo, a importância dos primeiros anos da vida e a importância da escola. Segundo Plaisance (1986), a presença de crianças de classes mais favorecidas na escola teve uma influência nos novos modelos educativos. O autor caracteriza o período 1945-1950 como tendo um modelo educativo produtivo segundo o qual a criança é apreciada se realiza um esforço, se obtém bons resultados quando se aplica. Nos anos 1975-80, o modelo é substituído por um modelo que ele chama expressivo, no qual a criança é valorizada se é autônoma, criativa, original e se sabe cooperar. Este novo modelo pode criar dificuldades para as crianças de classes populares, que não valorizam essas qualidades. Como os professores compartilham os valores pertencendo às classes favorecidas, uma diferença se cria entre as crianças de diferentes classes sociais. Plaisance se pergunta: para quem os efeitos desta escola são mais positivos? Ele pensa que a utilização socialmente nova da instituição é favorável às crianças de meios favorecidos. Mas aqui entramos num outro problema bem mais sociológico.

Além de ter um público diferente na escola moderna, fala-se de estruturas educativas. Yves Fournel (2006), encarregado de educação e da infância na prefeitura de Lyon, afirma que se há 15 anos os pais procuravam uma babá para cuidar das crianças, agora as vagas na creche estão em primeira posição. Os pais querem para seus filhos uma socialização precoce, sinônimo de um melhor desenvolvimento. A idéia de que o êxito profissional das crianças depende dos primeiros anos de vida é um fato para estes pais. Nas creches, o termo pedagógico tende a ser interpretado como aprendizagem para combater o fracasso escolar. Esta mudança traz também uma exigência de qualificação mais importante para o pessoal que trabalha com as crianças pequenas, e a profissionalização deste pessoal aparece respondendo em grande parte ao pedagógico. Em geral, toda estrutura que recebe crianças pequenas deve elaborar um projeto compreendendo um aspecto educativo ao redor da autonomia, da socialização dos pequenos e do desenvolvimento psicológico e psicomotor.

Por outra parte, a descoberta de reais competências na criança pequena, como por exemplo a capacidade de se comunicar (MONTAGNER, 1978), a capacidade para se concentrar sobre problemas complexos, a capacidade para achar soluções de forma autônoma (CRESAS, 1991; STAMBAK et al., 1983; SINCLAIR et al., 1982; BAILLON et al., 1990) e a importância de um meio estimulante (CRESAS, 1991; STAMBAK et al., 1983; SINCLAIR et al., 1982; BAILLON et al., 1990) favoreceu a demanda de escolarização precoce, vista como um fator essencial do desenvolvimento no domínio da comunicação, socialização, aquisição da língua, autonomia e desenvolvimento cognitivo.

 

Cuidar ou educar?

Porém, o problema da separação cuidado-educação não está totalmente resolvido, e esta mudança comportando a idéia de educação precoce e de valorização do pessoal traz também problemas. G. Brougère (2006) assinala que a profissionalização do pessoal de crianças pequenas comporta o perigo de se desvalorizar a atividade das mães. A criança pode ser educada desde o nascimento, mas de que tipo de educação se está falando? Quando se trata de tirar as crianças de um meio julgado pouco estimulante para elas, as estruturas coletivas que acolhem estas crianças não conseguem estabelecer um diálogo com as famílias. Uma solução para isso foi a proposta de lugares de transição na separação mãe/criança.

Na França, o exemplo típico é La maison verte criada por F. Dolto. O objetivo era de facilitar a relação mãe-criança numa sociedade em que a ligação familiar e as relações de sociabilidade estavam fragilizadas. No final dos anos 1980, as casas de acolhimento de mães e crianças se multiplicaram. Uma delas foi criada em Nantes, num bairro difícil. As mães eram mulheres sem trabalho, com nível baixo de escolaridade, jovens, só com uma criança. O pai com um emprego precário. O objetivo da criação dessa casa era o de favorecer as relações com as instituições e prevenir as condutas de maltrato. Outro objetivo era o de prevenir as dificuldades de escolarização e de fracasso escolar, e finalmente, responsabilizar os pais por seus papéis no interior da família. Diferentes profissionais integravam a casa: uma educadora especializada, uma especialista de puericultura, uma conselheira em economia social e uma assistente para receber as mães e as crianças. Tratava-se de organizar o intercâmbio entre estes profissionais e as mães em relação às práticas maternas, assim como de incitar as mães a utilizar as instituições da infância. Os pais eram escolhidos e convidados a frequentar a casa para se encontrar e intercambiar idéias sobre as relações parentais com outros pais e diante de profissionais que conhecem. As mães e as crianças vão uma vez por semana. O tempo se fragmenta em três momentos: o recebimento, o jogo e o chá. No primeiro momento, recebem-se conselhos dos profissionais. O jogo é o tempo da confrontação de dois modelos educativos, de duas concepções de família. No tempo de chá, são as mães que impõem seus modelos de sociabilidade. Aqui, elas podem resistir e questionar os profissionais. O jogo revela a diferença cultural. O lugar atribuído ao jogo é diferente segundo a classe social. Ocupar o tempo para brincar com as crianças não faz sentido para as classes populares. Observam-se, assim, dificuldades das mães para se situar no espaço, na discussão e na ação durante o tempo do jogo quando se observa só a criança. Os profissionais adotam uma atitude de observação e ficam aguardando as solicitações das mães e/ou das crianças. Mas as mães não questionam o funcionamento da casa nem o momento do jogo. Um dos aspectos dessa casa é a confrontação de normas culturais. Dá-se uma exteriorização das práticas, representações, valores das mães. Essa exteriorização diante das outras mães e diante de diferentes profissionais permite modificar algumas práticas, representações e valores no espaço doméstico. A finalidade da casa é que a criança e a mãe aprendam a se separar, a adquirir certa distância que no final leve a mãe a deixar que outros se ocupem de seus filhos. Nessa casa, fala-se também sobre as dificuldades quotidianas e as soluções possíveis. Adquire-se assim reconhecimento social pelo fato de ajudar aos outros. As mães são reconhecidas como mães e são confrontadas com outras maneiras de fazer que podem modificar suas práticas e saberes.

Nas classes sociais favorecidas, o problema é outro. O desenvolvimento e a apropriação de conhecimentos novos sobre a criança, os novos pais que desejam ao mesmo tempo ter direito a trabalhar e ser responsáveis por seus filhos, as transformações nas práticas coletivas das creches, permitiram, pelo menos na França (ver BAUDELOT & RAYNA, 2000) e na Suíça, a emergência de uma nova política para as crianças mais novas, a partir dos anos 1980. Esta nova política contribui para pensar os cuidados de crianças pequenas fora do domínio assistencial médico-social de crianças pobres. Pelo contrário, salienta-se a noção de acolhida e os pais são reconhecidos como os primeiros responsáveis por suas crianças. Paralelamente, desenvolve-se uma política local específica que responde a uma demanda social de conciliar vida profissional e familiar e se estabelecem estruturas de coordenação tendo uma dinâmica de abertura e de reflexão para pensar o problema da educação das crianças de 0 a 6 anos, e nas quais se pretende conseguir uma melhora quantitativa e qualitativa.

A solicitação das famílias, que é a de cuidar e acolher a criança, é cada vez mais diferenciada. Assim, são levadas em conta as particularidades da criança considerada como uma pessoa total, tendo um ritmo individual, e cuja autonomia deve ser respeitada através de uma organização apropriada do meio. Muitas vezes se fala de necessidades da criança, necessidade de ser ativo, de descobrir o mundo, de se encontrar com outras crianças para colaborar, jogar e explorar brinquedos e objetos, necessidade de socialização, de autonomia, enfim, necessidade de ir à creche. Mesmo se muitas dessas atividades se observam no desenvolvimento da criança, esta linguagem apresenta as necessidades como invariantes da natureza humana e não como a criação permanente da história e das estruturas sociais. Esta linguagem dá mais importância ao referencial psicológico. Assim se dá muito mais importância à relação e menos importância às condições materiais da acolhida da criança como seriam, por exemplo, os espaços adaptados, os meios suficientes, etc. A qualidade se traduz pela consideração das necessidades da criança, dos pais, e a formação do pessoal.

Com a mudança de normas na sociedade de hoje, a temática da carência ligada ao trabalho da mãe e a integração precoce das crianças em estruturas coletivas quase já não existe. As preocupações em relação à higiene também não. Mas a aproximação educativa para crianças de 0 a 2 anos não se percebe sempre de forma explícita. Muitas vezes, o que está em primeiro plano é o aspecto relacional, uma acolhida de qualidade. Outras vezes, trata-se de favorecer a inserção da criança num grupo maior. Enfim, insiste-se também na necessidade de aprendizagens precoces. Tudo depende do modelo de leitura e de representação com o qual a criança é vista. Se o modelo é psicológico, a criança é vista na ligação mãe-criança e se trata então de acompanhar a criança individualmente. Se o modelo é social, a ligação mãe-criança se insere nas relações sociais mais amplas. Trata-se de favorecer a inserção das crianças num grupo maior porque ali se formam interações sociais permitindo o bom funcionamento da criança. Associar pedagogia e crianças pequenas é complicado. Aqueles que se ocupam de crianças de 0 a 2 anos têm medo das aprendizagens precoces, entendidas como performances que devem ser adquiridas. Percebe-se a escola como uma guia que restringe demais a atividade da criança. Muitas vezes, o pessoal das creches considera que a criança é pequena demais para refletir. Para aqueles que trabalham com crianças de 3 a 6 anos, a exigência de uma acolhida de qualidade fica dominada pela preocupação de aprendizagem. A escola pensa a creche como permissiva demais, com uma tendência importante para desenvolver atividades de jogo livre que são consideradas como permissivas ("deixar fazer").

Porém, quando se chega a conciliar a preocupação pela aquisição de conhecimentos da escola com o desabrochamento da criança que se pretende desenvolver na creche, poder-se-ia estabelecer uma continuidade entre a creche e a escola para desenvolver as primeiras aprendizagens de todas as crianças. Trata-se de pensar uma pedagogia própria para a área, que busca definir a especificidade do trabalho a ser realizado com as crianças da faixa etária de 0 a 6 anos.

O problema é que quando se fala de projeto educativo, às vezes existe a tendência de se interpretar como educação tradicional. A pedagogia é vista como tecnologia para individualizar e normatizar sujeitos. Assim, os professores começam a pedir cada vez mais trabalho e a julgar as crianças segundo normas estabelecidas que não significam nada em relação à evolução de sua personalidade, que deveria ser a primeira finalidade da educação da criança pequena. Nesta concepção, observa-se a criança em função de um quadro de aquisição de competências determinadas. E a avaliação somativa faz parte da tarefa do professor, como no ensino fundamental.

Em relação a estas novas normas (competências) com as quais se julgam as crianças mais novas, Nauri (1998) diz: "As normas cada vez mais precisas definidas pela escola e as quais as crianças são convidadas a se conformar têm como efeito a criação de inquietude em relação ao bom desenvolvimento da criança sem nenhuma razão válida".

Quando se trata de avaliar a criança pequena, os professores procuram ver o êxito ou o fracasso delas. Assim, a tolerância em relação às crianças que não manifestam uma performance boa diminui. Por quê? Porque o fracasso da criança é também o fracasso do professor. Esta avaliação criará a exclusão. Quando obedece a esta forma de se comportar, o professor favorece as situações de humilhação e sofrimento da criança. Poderíamos dizer que a violência na escola começa aí!

Além do princípio geral deste tipo de avaliação, podemos nos perguntar como é possível avaliar, por exemplo, as competências no domínio da linguagem? Sabemos que as crianças falam quando elas têm uma razão, por exemplo, pedir, trocar, etc. Portanto, não é possível avaliar a linguagem com perguntas do professor e respostas da criança que permitiriam observar o vocabulário adquirido. Este tipo de prática não permite observar as competências em linguagem. O que o professor faz é controlar a segurança que a criança tem, ou sua capacidade de fixar sua atenção numa tarefa, neste caso, responder ao professor. Para avaliar as competências em linguagem, é necessário dar à criança a oportunidade de poder se expressar e para isso é necessário imaginar situações, atividades. Assim, pode-se pedir a uma criança ou uma criança pode pedir a uma outra: Vai procurar um copo, coloque água até a metade, pegue 3 cubos vermelhos, etc. Estas consignas são também uma forma de abordar noções de quantidade, de dentro/fora, diante/atrás, acima/abaixo, etc. Os conflitos podem surgir: É minha vez, diz uma criança. Não, não é sua vez, etc., e assim pode surgir também uma linguagem em relação às emoções e aos sentimentos. O vocabulário em relação ao material (designação de objetos) é também praticado. Os deslocamentos necessários para se procurar o material, a identificação de seu próprio grupo, são meios de estimular a autonomia, de localizar os objetos no espaço, assim como de situar-se no espaço. Aqui as aprendizagens são variadas e lúdicas e favorecem a expressão livre da criança. O professor observa e intervém para obter a participação da criança e a partir destes dados poderia dar uma apreciação global da expressão verbal das crianças.

Muito diferente é seguir o quadro de competências que devem ser avaliadas no domínio da língua e que pode se apresentar da forma seguinte: Linguagem oral: competências: 1. tomar a palavra; 2. expressar-se de forma compreensível; 3. variar os tempos verbais, pronomes pessoais, palavras de ligação; 4. re-utilizar o vocabulário em atividades diferentes; 5. identificar, isolar, reproduzir, associar, combinar elementos da língua falada; 6. formular corretamente pedidos e respostas; 7. saber dizer de cor textos curtos; e todos estes pontos devem ser avaliados cada mês e durante três anos!!

O drama é que as crianças pequenas têm outros problemas, diferentes daqueles das crianças do ensino fundamental. A aprendizagem da leitura e da escrita pelas crianças que se interessam pelo sistema escrito só pode ocorrer num clima no qual a noção de fracasso não intervém. Quando a escolarização precoce vai junto com eficiência e rentabilidade, interpreta-se a descoberta das competências dos bebês como necessidade de estimular a criança para contribuir para seu desenvolvimento. Se estimular a criança é possível, isto não significa que deve ser praticado: fazer um bebê reconhecer as cores é possível, mas qual é o interesse? Como a sociedade dá prioridade aos indivíduos mais precoces e mais rápidos, pede-se à escola de pequenos que enfatize mais o desempenho. Aprender mais e mais cedo pareceria preparar o caminho do êxito ulterior.

Na verdade, é o desabrochamento inicial da criança que admite uma dinâmica própria à liberdade do pensamento e que permitirá, mais tarde, uma capacidade de adaptação, de abertura e de inventividade mais poderosas.

 

A especificidade do trabalho na creche

Os principais trabalhos que tiveram uma influência nas creches foram os trabalhos de Irène Lézine, uma das primeiras psicólogas francesas que observou nas creches bebês em situação de intercâmbio e se interessou pelo papel das interações no desenvolvimento. Logo depois vêm os trabalhos de Mira Stamback e sua equipe, que se interessam pelo papel das interações sociais na construção de conhecimentos a partir da observação dos bebês entre eles, em situação de jogo (STAMBAK, 1983; SINCLAIR, 1982; BALLION, 1990). O trabalho da creche de Loczy, na Hungria, insiste sobre a autonomia da criança. E, mais recentemente, as associações que se interessam pela inserção das crianças na cultura intervêm no interior das creches. Estes e outros trabalhos fizeram com que a creche fosse reconhecida como um lugar onde é possível a apropriação de saberes e aparece como um lugar de intervenção profissional, introduzindo uma relação diferente daquela realizada pela família não apenas como suplência, mas como especificidade pedagógica. As professoras, neste contexto, são capazes de perceber que possuem coisas a ensinar para as crianças, além de cuidados primários, que também fazem parte do quotidiano da creche. A dicotomia função assistencial/função educacional é considerada por Bujes (citado por AZEVEDO, 2006) como falsa. Para Bujes, cuidar e educar estiveram sempre associados. Wiggers (citado por AZEVEDO, 2006) assinala que o problema é a ausência de clareza dos profissionais quanto à especificidade da educação infantil. O caráter educativo é compreendido como espelho do modelo escolar. Segundo Wiggers, a articulação de cuidado e educação significa considerar os elementos do contexto social exterior à instituição tais como a família, a comunidade e a igreja, que exercem forte influência sobre a criança e precisam ser consideradas para a organização da prática pedagógica na educação infantil. Azevedo (2006) propõe a reconstrução da concepção da criança, a articulação teórico-prática na formação inicial, a necessidade de reconhecimento social do profissional da educação infantil.

Na verdade, o trabalho com as crianças se planeja em função da maneira como se concebe a criança. Se a concepção do profissional se pauta numa perspectiva romântica e assistencialista da criança, suas ações em relação a ela estarão centradas em lhe oferecer apenas cuidados de saúde, higiene e de alimentação. Se a concepção se pauta numa perspectiva cognitivista, ou seja, que admite que a educação infantil deve ter uma função pedagógica entendida como fase de preparação da criança para a escola fundamental, ele organizará seu trabalho de forma a cumprir a tarefa de alfabetizar as crianças, garantindo-lhes o aprendizado da leitura, da escrita e de alguns conteúdos escolares. Isto acontece em geral com as crianças de 4 a 6 anos. Aqui a educação é reduzida a uma visão escolar, acadêmica.

Para Rocha (1999), a educação infantil não precisa funcionar como preparação para a escola fundamental porque na creche a criança não é vista como aluno, nem o espaço da instituição de atendimento como escola, nem o adulto como professor. Se a creche não é escola, nem tem aluno, nem professores, ela é o quê?

Arce (citado por AZEVEDO, 2006), critica a visão construtivista porque valoriza a individualização, não introduz a criança no mundo da cultura e existe um esvaziamento do papel do professor e da escola. Interpretação totalmente errônea, como logo veremos.

Os trabalhos do CRESAS, em Paris, mostram que associar a dimensão pedagógica ao problema de uma acolhida de qualidade responde à necessidade de dar às crianças já desde muito cedo os meios de desenvolver múltiplas competências sociais, afetivas, motoras e intelectuais, e de respeitar a globalidade e a continuidade do funcionamento psicológico delas como foi mostrado por Piaget, Wallon, Vygotski e Bruner. Mas não se trata aqui de uma pedagogia tradicional, mas de uma pedagogia interativa e construtivista que considera que as crianças têm um papel ativo na organização da aprendizagem e na construção de saberes.

 

A especificidade da educação pré-escolar

A creche aparece como um lugar de intervenção profissional, introduzindo uma relação distinta daquela realizada pela família. Para além de cuidados primários, existem outras coisas a ensinar às crianças. Se se quer favorecer as iniciativas interativas das crianças tanto com objetos quanto com outras crianças e com adultos, educadores ou pais, o jogo e as situações lúdicas se apresentam como ferramentas privilegiadas para a aprendizagem, porque são fonte de atividade espontânea e permitem o exercício da imaginação e a possibilidade de fazer descobertas. As situações lúdicas são pensadas pelos adultos, mas não são necessariamente dirigidas por eles. Estas situações constituem também uma ocasião de transmissão cultural.

Esta opção pedagógica articula aprendizagem e desenvolvimento e favorece valores tais como autonomia, cooperação, senso crítico, criatividade, participação social, que podem ser atribuídos à escola nova e à teoria de Piaget.

Sabemos que existem outras tentativas de educação pré-escolar que favorecem outros valores tais como a competição, e que se veem nos programas de treinamento precoce. Mas não vou entrar nesta temática.

A concepção construtivista da aprendizagem significa que a aprendizagem é um método ativo de construção de conhecimentos iniciado pelo aluno e não uma recepção passiva de saberes pré-construídos pelo professor. Nesta concepção, as interações sociais são indispensáveis para a construção do conhecimento.

É fundamental partir das características das crianças pequenas. Diferentes pesquisas mostraram que as crianças pequenas têm vontade e competências para se comunicar, manifestam interesse pelas outras crianças, podem participar e ajudar-se mutuamente na construção de conhecimentos, se observam mutuamente - o que favorece a circulação das idéias -, podem resistir - o que incita a reflexão e obriga a argumentar, a objetivar o pensamento. Esta pedagogia pode ser qualificada de interativa (ver CRESAS, 1991).

Diferente da educação infantil tradicional, em que mesmo quando se trabalha em grupos pequenos, as crianças devem realizar tarefas pré-construídas pelo professor e essa realização é individual, a pedagogia interativa deixa liberdade, e a comunicação entre as crianças é desejada.

Qual seria o trabalho específico a desenvolver nas creches e escolas de crianças pequenas? A escola deveria permitir a cada criança a construção de uma cultura. A escola permitirá a inclusão da criança no domínio dos valores e da ética, da língua oral e escrita e da cultura tecnológica e científica. Mas como? A criança pequena deveria, em diferentes tipos de situações, aprender a viver junto, resolver problemas e expressar seus sentimentos. Isto incita ao mesmo tempo à aprendizagem da língua, à comunicação, à escuta do outro, à descoberta da escrita, de atividades artísticas, tecnológicas e científicas. É importante que a criança seja ativa em todas estas áreas. O profissional acompanha a criança na sua necessidade de se sentir ator e autor de seu desenvolvimento, mesmo se sabemos que a criança precisa ser ajudada para bem se situar.

 

Que tipo de intervenção há numa pedagogia interativa?

A idéia de acompanhar a criança no seu desenvolvimento é uma forma de ver a intervenção. A intervenção acontece em função da atividade iniciada pela criança e responde às necessidades individuais de cada um. Dá-se uma importância fundamental ao jogo iniciado pela criança. Ou seja, para intervir o adulto parte do que ele considera que a criança é. O adulto não está nem diante da criança para proteger, nem detrás para puxar, ele está do lado para sustentar, ajudar e propor as condições necessárias para o desenvolvimento e a satisfação da criança. Tudo isto supõe que o adulto saiba reconhecer o potencial de desenvolvimento da criança. Para intervir, é preciso competência, conhecimentos que se construirão na prática e na reflexão sobre a prática. O adulto precisa saber se comunicar com a criança, saber improvisar, saber individualizar sua intervenção. Assim, coloca-se numa posição de escuta da criança para poder decodificar e responder. Para decodificar, o adulto precisa estar atento, observar a criança, fazer hipóteses sobre aquilo que a criança está fazendo, propor ajudas, verificar as hipóteses. A intervenção pode ser feita pela linguagem ou pelo diálogo corporal. Para tudo se precisa também ter conhecimentos sobre o desenvolvimento da criança.

 

O papel do professor

O papel do professor é modificado em relação ao professor tradicional, mas sua importância não é diminuída. O professor é responsável pelas crianças e, por consequência, tem poder sobre a organização da vida educativa. Seu papel muda no sentido que ele deve intervir a partir da observação das crianças: o professor deve encontrar as condições que favorecem o desenvolvimento das colaborações entre crianças a partir das quais ele conseguirá compreender como elas pensam. A partir desta compreensão, o professor pode intervir nos debates entre crianças para contribuir com elementos de conhecimento ajustados, validar tal ou qual argumentação ou tal método de pesquisa proposto pelas crianças.

Trata-se de respeitar, como diz Piaget, a inteligência em formação. Esta atitude observadora e respeitosa das crianças se baseia numa transformação das relações adultos-crianças, relações que têm uma tendência a se equilibrar na comunicação. Na pedagogia tradicional, a comunicação é desequilibrada porque o professor explica, interroga e a criança escuta, compreende, responde. Na pedagogia interativa, ocorre uma inversão de papéis. As crianças propõem, se expressam e o professor responde em função de sua compreensão das condutas e das afirmações das crianças. Assim, já não são as crianças que seguem ao professor, mas o professor que quer seguir as crianças no pensamento delas, para poder dar no momento exato os elementos de conhecimento necessários às questões que elas se colocam. Para isso, trabalha-se com grupos pequenos, e esta prática de trabalho em grupos pequenos observados e regulados pelos professores permite também considerar todas as crianças. Isto significa que todas as crianças podem entrar num método ativo de construção do conhecimento mesmo se não progridem a um mesmo ritmo.

É evidente que para construir este tipo de práticas educativas os educadores precisam também de condições particulares de trabalho: trabalho em equipe, autoavaliação. A elaboração destas práticas exige do professor uma pesquisa permanente e o questionamento de suas próprias idéias. Os educadores fazem a experiência da construção de conhecimentos novos na interação, o que lhes permite compreender e interpretar melhor os métodos das crianças quando estas estão construindo conhecimentos e saberes.

 

O projeto educativo nas creches

Diferentes momentos organizam a atividade quotidiana da creche: o recebimento e a acolhida de crianças e pais, a separação, as refeições, a sesta, a toalete, as situações de jogo entre crianças e a organização do espaço e do material proposto às crianças, o re-encontro.

Além das diferentes situações nas quais todo estabelecimento se vê envolvido, é preciso elaborar um projeto pedagógico particular. Por exemplo, a importância da consideração individual de cada criança; a organização de grupos pequenos, a reflexão sobre as situações educativas propostas às crianças e sobre como favorecer a autonomia, como estimular a comunicação, pensar o porquê propor uma mistura das idades ou não, a importância de um trabalho em equipe de tipo institucional e a criação de espaços de regulação e de convivência para a equipe educativa, a importância de estabelecer ligações com os pais, a necessidade de abrir a creche ao exterior, a necessidade de um trabalho de reflexão dos diretores/as de creche sobre suas responsabilidades, etc.

As situações de jogo caracterizam as situações educativas no sentido de serem atividades que estimulam a construção de conhecimentos. Baseio-me nos estudos do CRESAS (Centro de pesquisa de educação especial e da adaptação escolar), constituído por Mira Stambak no ano de 1969, para caracterizar as situações educativas de uma pedagogia interativa.

As características destas situações implicam diferentes escolhas. Primeiro, está a organização de atividades em grupos pequenos. Existe uma tendência nas crianças pequenas a formar pequenos grupos. Trata-se então de respeitar esta tendência. Precisa-se também definir diferentes tipos de material propostos às crianças em função de objetivos formulados. Por exemplo, deve-se ser arrumado o canto dos tapetes para favorecer o intercâmbio entre bebês. Para isso se escolhem objetos únicos que podem ser manipulados por várias crianças ao mesmo tempo, por exemplo, o tapete de descobertas, e também se escolhem vários objetos pequenos bem adaptados à preensão, os quais os bebês podem manipular sozinhos. Em todos os casos, o material deve ser aberto e constitui o suporte das manipulações no decorrer das quais podem surgir preocupações cognitivas das crianças. As caixas vazias, as caixas de sabão, etc. constituem um material interessante. A partir deste material as crianças podem manifestar seus interesses, por exemplo: jogos sociais (esconde-esconde), jogos motores, atividades lógico-matemáticas.

Deve-se também considerar uma organização flexível do tempo para se adaptar às atividades das crianças. Em função do interesse da criança, a situação pode se prolongar ou se interromper.

Enfim, é importante se definir o papel e as atitudes dos adultos. O adulto é observador presente e participante que demonstra um interesse real pelas atividades realizadas pelas as crianças. A atitude do adulto é de se envolver naquilo que as crianças fazem. O educador constrói hipóteses em função de uma concepção teórica que possui. Com essas hipóteses, observa o decorrer da atividade das crianças e procura comprovar essas hipóteses. Seu papel é ativo, ele interpreta as atividades das crianças, o que implica certa distância em relação à atividade, mas estando presente na situação. O adulto deve responder também a pedidos de ajuda, por exemplo, quando a criança fica bloqueada na atividade. Mas as crianças aprendem entre elas organizando tarefas compartilhadas.

Para realizar uma atividade, as crianças se escolhem e ficam juntas. Uma delas enuncia uma idéia. O sentido desta proposição é mais ou menos explícito. Para que esta proposta possa ser realizada entre as crianças, ela deve ser compreendida por elas. As crianças devem também concordar sobre sua realização. Logo se dá um processo de ajuste recíproco. Cada criança desenvolve ou completa o que foi enunciado. No decorrer destas atividades, podem aparecer incompreensões ou pode acontecer que as crianças não consigam concordar, mas elas farão de tudo para que a realização comum continue. Por isso podem entrar num processo de negociação.

Geralmente não se pode identificar claramente os momentos de incompreensão e de não concordância entre crianças. Na maioria dos casos, elas expressam ao mesmo tempo a incompreensão, a resistência, a vontade de clarificar as intenções e o conteúdo das propostas. Mas em qualquer idade, as crianças querem realizar a atividade.

O projeto educativo que está por trás das situações educativas responde a uma concepção construtivista e interacionista, que oferece ao pedagogo uma visão criativa do conhecimento. Nesta perspectiva, a tarefa educativa não é a difusão de informação, mas a organização de um meio que incite e obrigue as crianças a realizar reorganizações contínuas. Neste tipo de pedagogia, o como se constroem os conhecimentos importa tanto como os próprios conhecimentos. Um problema importante é a proposta de situações. Para isso, é preciso observar as crianças diante de diferentes tipos de objetos. Uma análise das observações permitirá propor situações que favoreçam o desenvolvimento intelectual das crianças. Outro problema é saber que tipo de interação criança/adulto, por exemplo, estimula a conduta de assimilação da criança e a transformação numa conduta majorante. Por exemplo, observou-se que quando a educadora solicita uma interrupção de uma conduta ou uma mudança na orientação do olhar, obtém-se um efeito maior do quando se solicita uma ação ou uma verbalização. Ou seja, todo projeto de pedagogia construtivista exige uma atividade de pesquisa permanente.

 

Conclusão

Os modos de vida das crianças pequenas foram objeto de importantes transformações sob a influência dos modos de vida dos pais e do interesse que provocou a difusão de conhecimentos psicológicos da criança pequena. Os limites impostos pelo mundo do trabalho e o interesse nos primeiros meses de vida legitimaram novas formas de socialização da criança. Cada vez mais nos vemos confrontados a uma educação precoce.

A normatividade da precocidade não só desenvolve tarefas de educação e de socialização pensadas para as crianças mais novas, mas leva também a uma modificação das exigências dos pais e dos educadores. O julgamento de imaturidade na criança pequena e a busca de autonomia a qualquer preço são marcas dessa nova normatividade social da criança.

A creche representa o fim da conquista do direito ao trabalho e da responsabilidade social das mulheres. Ela representa também o direito da mulher a ter um mundo pessoal fora das tarefas domésticas. Sabemos que, quando os sistemas de cuidar das crianças não são desenvolvidos, são as mulheres as primeiras que deixam de trabalhar para se ocupar das crianças. Pelo contrário, em países onde a acolhida da criança é um direito, o resultado é que o trabalho da mulher se multiplica, representando 80 ou 85%.

Por outro lado, a creche simboliza também o reconhecimento social dos direitos da criança. A passagem da noção de guardar à noção de educar traduz o reconhecimento da especificidade e riqueza do primeiro período da vida. A creche seria o meio próprio à criança, o lugar onde ela pode desenvolver suas potencialidades, o lugar onde ela se sente bem.

A socialização da criança se confunde cada vez mais com uma educação em que predomina a visão escolar. A observação do êxito escolar invade a vida das crianças. A continuidade entre creche e escola é interessante, mas não explica o predomínio da dimensão escolar na educação de crianças pequenas. O desejo de continuidade fixa na verdade uma escolha de um fato de sociedade. Assim, as exigências sociais intervêm na orientação e difusão de conhecimentos sobre o desenvolvimento da criança, conhecimentos que justificam logo estas mesmas exigências.

Estas reflexões não significam que a creche não deve existir. Aliás, existem diferentes países onde o projeto de educação infantil é outro. Assim e como tentamos mostrar, existe outro projeto de educação infantil que se relaciona com a perspectiva construtivista e interacionista, inspirada na teoria de Piaget. Esta concepção oferece ao professor uma visão criativa do conhecimento. A exigência desta perspectiva é que o professor deve se submeter a uma atividade de pesquisa permanente.

 

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