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Psicologia da Educação
versão impressa ISSN 1414-6975
Psicol. educ. no.37 São Paulo dez. 2013
ARTIGOS
Estrutura das representações sociais dos alunos do 9º ano sobre a indisciplina1
The Structure of social representations of students from 9th grade on indiscipline
Estructura de las representaciones sociales de los estudiantes de 9º grado sobre la indisciplina
Adriano Charles FerreiraI; Ademir José RossoII
IUniversidade Estadual de Ponta Grossa. Mestrando em Educação pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). adrianoacfuepg@hotmail.com
IIUniversidade Estadual de Ponta Grossa. Professor de Licenciatura em Biologia e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG)
RESUMO
O artigo analisa as representações sociais discentes sobre a indisciplina escolar segundo a abordagem estrutural de Abric, à luz do desenvolvimento moral de Piaget. As informações foram coletadas mediante questionários aplicados a 402 alunos do 9º ano de quatro colégios estaduais do ensino fundamental de Ponta Grossa, Paraná. A análise das informações adota procedimentos quantitativos com o auxílio dos softwares EVOC e SIMI, seguidos de procedimentos qualitativos de análise de conteúdo. As representações dos alunos apontam como provável núcleo central o desrespeito e a bagunça, indicando representações de base moral e funcional de tendência heterônoma.
Palavras-chave: indisciplina escolar; autonomia; altruísmo.
ABSTRACT
This paper analyzes students' social representations of school indiscipline according to the Abric structural approach, under the light of Piaget's moral development. Information was collected through questionnaires applied to 402 students in the 9th year in four State elementary schools in Ponta Grossa, Paraná. Data analysis follows quantitative procedures with content analysis. These students' representations point to disrespect and mess as the most probable central nucleus, indicating representations of a moral and functional basis of heteronomous tendency.
Keywords: school indiscipline; autonomy; altruism.
RESUMEN
El artículo analiza las representaciones sociales de los estudiantes acerca de la indisciplina escolar según el enfoque estructural de Abric, a la luz del desarrollo moral de Piaget. Los datos fueron recolectados mediante cuestionarios administrados a los 402 estudiantes de las cuatro escuelas estatales de 9º grado de los cuatro colegios estatales la escuela elemental en Ponta Grossa, Paraná. El análisis de la información adopta procedimientos cuantitativos con la ayuda de software EVOC y SIMI siguió los procedimientos de análisis de contenido cualitativo. Las representaciones de los estudiantes indican lo probable núcleo central la falta de respeto y el lío, lo que indica, representaciones de base moral y funcional de tendencia heterónoma.
Palabras clave: indisciplina escolar; la autonomía; el altruismo.
A indisciplina se constitui em queixa e constante preocupação da docência contemporânea (Rosso & Camargo, 2011), avaliada em escala mundial (OECD, 2009), e ocasiona intensos debates e discussões nos meios escolares. Muitos educadores se sentem inseguros diante da situação, de tal modo que escola, professores e família nem sempre conseguem convergir nos diagnósticos e empreender estratégias de ação efetivas (Trevisol, Viecelli & Balestrin, 2011). Poucas vezes, a indisciplina é considerada em sua diversidade de fatores envolvidos, tendendo os professores a atribuírem a responsabilidade unicamente aos alunos ou família (Diniz, 2009).
As pesquisas sobre indisciplina/disciplina não são recentes e se consolidam como objeto de pesquisa na década de 1990 (Aquino, 2011). É um tema que tem preocupado vários autores, como: Araújo (1996), La Taille, (1996), Rego (1996), Aquino (1998, 2011), Freller (2001), Estrela (2002), Tigre (2002), Salvador (2003), Santos e Nunes (2006), Trevisol (2007), Dozena (2008), Golba (2008), Parrat-Dayan (2008), Rebelo (2011), entre outros. Apesar das produções, a indisciplina nem sempre é debatida com a clareza e a representatividade necessárias, demandando novas contribuições teóricas e empíricas.
Todo ato de indisciplina implica uma violação às normas internas ou configura-se como "a manifestação de um conflito" normativo (Parrat-Dayan, 2008, p. 8), presente nos diversos níveis de escolaridade. Ela está relacionada a "um conjunto de valores e expectativas que variam ao longo da história, entre culturas diferentes, nas diferentes classes sociais" (idem, 2008, p. 19), carregando consigo as marcas temporais e culturais. O que é considerado um ato indisciplinado hoje em alguns anos atrás poderia não ser, já que as condições históricas e sociais eram outras, tornando-se difícil definir a indisciplina.
Os trabalhos de Estrela (2002) destacam três formas de indisciplina. A primeira forma diz respeito à intenção dos alunos em escapar das atividades desenvolvidas em sala, considerada por eles como angustiantes e desinteressantes - é o "evitamento" do trabalho escolar. A segunda forma objetiva impedir ou frear o funcionamento da aula, com distrações e outras tentativas - é a "obstrução". Por último, a indisciplina caracteriza-se pelo "protesto" dos alunos contra as regras e os modos de trabalho. Um protesto contra as normas escolares verticalizadas. Nesse caso, sua intenção é renegociar as regras.
Na mesma linha de análise, Golba (2008) fez uma pesquisa com alunos da 8ª série do ensino fundamental numa escola paranaense. Segundo a autora, os alunos atribuem sentidos à indisciplina por situações "endógenas" e "exógenas" ao ambiente escolar. Além do mais, a indisciplina é a resistência dos discentes àquilo que a escola lhes oferece para um futuro melhor, seja em termos de oportunidades ou de direções. Em suas análises, realizadas por meio de entrevistas, Golba (2008) aponta duas formas de indisciplina: "legítima/pertinente e inadequada". A indisciplina é considerada legítima/pertinente diante das fragilidades das práticas pedagógicas e do trabalho docente (Garcia, 2009). Já a inadequada é considerada como expressões similares, indicando bravura e ação defensiva àquilo que os alunos consideram como intimidação. Ainda, em seus achados de pesquisa, a autora enfatiza que os alunos mantêm uma relação marcada entre indisciplina e contestação das ordens, a fim de criar conflitos que podem indicar as limitações do trabalho docente.
Ao realizar entrevistas sobre os desempenhos, as vivências e atitudes disciplinares de 14 alunos de uma escola de Lisboa-Portugal, em ano anterior, Salvador (2003) identificou dois grupos de alunos. Os adolescentes com autoestima elevada relatam bom relacionamento com os colegas e professores, sabendo apreciar a aula do professor e as regras de conduta que permeiam o relacionamento entre os pares. Colocam-se como sujeitos de suas aprendizagens, comportamentos e sucessos. Já os alunos de baixa autoestima manifestam insatisfação em relação a seus colegas e professores, por sentirem-se afastados/excluídos. O relacionamento é problemático quanto às características e ações dos colegas. Com isso, as atitudes dos alunos de baixa autoestima apresentam situações negativas no contexto escolar, principalmente quando comparadas às atitudes dos que apresentam elevada autoestima.
Sendo a indisciplina um problema constante na escola - ambiente institucionalizado - ela é pensada corriqueiramente por ordenações e códigos ditados de maneira autoritarista nas relações educacionais. Pode-se dizer que a escola está pautada sobre a égide da regra heterônoma (La-Taille, 1996). São normas verticalizadas a serviço da formação de indivíduos dóceis aos padrões sociais (Foulcault, 1991), dificultando a construção da autonomia moral. Não se trata da defesa da anomia social, nem de regras impostas e inculcadas coercitivamente, sem negociação/renegociação, que geram conflito, mas de regras legítimas e justas de convívio com base na alteridade, na cooperação, reciprocidade e altruísmo (La-Taille, 2010).
Se alunos e professores não se entendem em sala de aula - professor fala a, os alunos entendem b -, esse desajuste na relação prejudica o processo de ensino-aprendizagem e gera confrontos, não só pela demonstração de poder, mas, nas relações interpessoais, por uma geopolítica imaginária (Aquino, 1996). Nesse confronto imaginário os professores desejam "o lugar discente como se fossem alunos; alunos espreitam o lugar docente como se fossem professores" (idem, p. 156). Ocorre uma inversão imaginária dos lugares constituídos, com a intenção de normatizar o comportamento de outrem. Tal conflito "requer que um dos lados abra mão de alguma coisa, isto é, para o aluno, a obediência voluntária, para o professor a hegemonia de seu lugar" (idem, p. 71). O que há é uma inveja instituinte para controlar o lugar do outro, com o intuito de apanhar a normatização da sala de aula. Com isso, as relações entre docentes e discentes são carregadas por intempéries, e o que está em torno e no centro desse embate é a indisciplina.
Nessa relação, o professor não vê meios de controlar e punir o aluno. Alguns mecanismos de controle de tempos atrás - como a régua e a palmatória - eram usados para disciplinar. Atualmente, já não servem de base para a disciplinarização. Além disso, as demandas do professor são muito maiores que o controle que ele tem sobre elas, ou seja, o professor não dá conta das diversas atribuições que acabam gerando desgaste na sua profissão (Rosso & Camargo, 2011). Os alunos em sala de aula não têm uma demanda tão pesada assim, mas uma energia potencial, que precisa se manifestar.
Quando o professor não gera o interesse pela aula, essa energia vira indisciplina, e para escapar do controle docente, o aluno começa a utilizar-se de mecanismos desviantes como "arma" de combate. São ações sucedidas no chegar atrasado, não prestar atenção, conversar em sala, desafiar o professor, etc. São os contra-ataques do aluno; ele reage às "medidas severas adotadas pelo professor" demonstrando seu desprazer contra "o que o faz sofrer" (Viecili & Medeiros, 2002, p. 230). Então, a presente pesquisa questiona: quais são os elementos periféricos e centrais das representações sociais dos alunos sobre a indisciplina escolar? Tais elementos estão alicerçados em atitudes de heteronomia ou autonomia?
A indisciplina como presença constante no cotidiano dos alunos é circulada e compartilhada, contendo informações, sentidos e símbolos. Através de seus conhecimentos e experiências, os discentes constroem ideias, significados e opiniões que acabam sendo compartilhados socialmente (em grupo), uma vez que se comunicam e conversam entre si, estabelecem representações sociais sobre diversos temas.
O presente artigo tem como objetivo apontar as representações sociais - pela abordagem estrutural - dos alunos do 9º ano de quatro colégios estaduais do ensino fundamental da rede pública de Ponta Grossa (Paraná-Brasil) sobre a indisciplina escolar. Para uma possível inferência na realidade educacional, é necessário conhecer a forma como os discentes representam suas práticas, possibilitando a tomada de consciência "de onde deve iniciar o processo de intervenção" (Trevisol, 2007, p. 17).
ABORDAGEM ESTRUTURAL E INTERAÇÃO DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
As representações sociais são socialmente compartilhadas e informadas; são saberes do cotidiano que têm por "função a elaboração de comportamentos e a comunicação entre indivíduos" Moscovici (1961/2012, p. 27). Elas estão presentes no senso comum, compostas por conhecimento, imagem e linguagem (significado), que norteiam para a ação, proporcionando diretriz para comunicações interpessoais e o pensamento consensual.
Por essa abordagem dimensional, as representações compõem-se de atitudes, imagens e conhecimentos (Moscovici (1961/2012), nutridos pelas relações sociais. Pela abordagem dinâmica/processual, elas são constituintes das esferas de pertencimento subjetivas, intersubjetivas e transubjetivas dos indivíduos (Jodelet, 2009). Além disso, as representações não estão soltas e vazias do social - o social está no sujeito (Jodelet, 2001).
As representações assinalam "uma forma específica de conhecimento, o saber do senso comum, cujos conteúdos manifestam a operação de processos generativos e funcionais socialmente marcados" (Jodelet, 2001, p. 361). Fazem parte de um coletivo, propiciando compreender como os discentes interpretam, vivenciam e significam a realidade em suas falas e experiências. Os alunos compartilham situações no dia a dia, transmitem, buscam e agregam informações de meios diferenciados: professores, meios de comunicação, família e outros. Formada por elementos cognitivos relacionados entre si, sobre um determinado tema social acentuado na sociedade, a representação faz parte de um consentimento do grupo social (Flament & Rouquette, 2003).
Por uma abordagem cognitivo-estrutural - objetivo deste artigo - as representações sociais formam um sistema hierárquico (Abric, 1994, 1998, 2003), a partir de um conjunto "de opiniões, de atitudes, de crenças e de informações referentes a um objeto ou a uma situação" (Abric, 2001, p. 156). Além do mais, se assentam pelo sistema social e ideológico e suas inter-relações com o contexto espacial. Assim, elas servem de grade explicativa e decodificadora da realidade (idem, 2001, p. 168).
As representações sociais estruturam-se em dois polos principais: o núcleo central e o sistema periférico. De um lado, o núcleo central é um sistema organizado (Abric, 2001) que tem a função de proteção, abarcando a significação central da representação; nesse caso, os elementos de uma representação são primeiramente lembrados na evocação dos sujeitos (Sá, 1996). O núcleo central é consistente, consensual, sólido e historicamente resolvido (idem, 1996). Para uma possível mudança é necessária uma transformação do núcleo central. Por outro lado, o sistema periférico "serve de para-choque entre uma realidade que o questiona e um núcleo central que não deve mudar facilmente" (Flament, 2001, p. 178). Exerce uma função defensora da representação central, as evocações são tardiamente lembradas e com frequência baixa. Ainda, é maleável, adaptativo e relativamente diversificado quanto ao seu conteúdo. Então, para que ocorra uma possível transformação da representação é necessário que se inicie pela periferia, pois nela estão contidos os elementos mais funcionais das representações. Por sua vez, o núcleo central é mais consistente de ideologia, do social e de experiências já vividas pelo sujeito, sendo difícil de ser transformado. Por isso, um "ataque" direto ao núcleo central é um arrojo que não traz bons resultados.
Uma representação social pode, ainda, admitir dois planos distintos: o normativo e o funcional. O plano normativo tem sua gênese nas condições socioafetivas, ideológicas ou sociais, ou seja, nas ponderações, apreciações e valores morais aceitos pelo sujeito ou pelo grupo social inserido. Ainda, é importante lembrar que "uma norma, um estereótipo, uma atitude fortemente marcada estarão no centro da representação" (Abric, 1994, p. 23). O plano funcional associa-se aos elementos funcionais e ao devir do objeto nas relações sociais. São condições decididamente incluídas à prática das tarefas (Menin, 2007). Portanto, há um papel normativo no núcleo central, categoricamente consensual; por outro lado, observa-se um aspecto pueril, funcional na periferia, mas nada impede que ambos se interliguem na realidade social.
Mesmo que uma representação seja estudada separadamente (no caso em tela, as representações dos alunos), ela pode estar associada a outros grupos e assumir características próprias. No caso, uma representação é arquitetada com elementos de interpretação/hermenêutica sobre um conhecimento prévio, já existente. Posteriormente, as representações sociais "já compartilhadas por um grupo servem como um ponto de referência para a nova representação, a velha e a nova representação mantêm uma relação entre si".2 (Camargo & Wachelcke, 2010, p. 24.3). Elas são formadas em conjunto e consenso, por um processo organizado em redes (Breakwell, 1993).
As representações interagem entre si. Por vezes, elas subordinam ou influenciam, segundo três razões, tal como expostas por Rouquette (apud Camargo & Wachelcke, 2010): a) a representação é social, e com isso um objeto de representação não está no vácuo, não é pensando separado de outro objeto representacional; b) não é possível delimitar o alcance que atinge uma representação, já que suas fronteiras não se apresentam naturalmente determinadas, e ainda são criadas por tomadas de decisões; c) as representações são produtos históricos, "relacionadas a objetos que foram entrelaçados ou inter-relacionados no curso dos acontecimentos históricos"3 (Camargo & Wachelcke, 2010, p. 24.3), carregando as marcas do tempo, uma herança de acontecimentos e experiências passadas.
Dessa forma, é imprescindível abranger e atuar no campo das representações sociais, compreendendo sua organização, a hierarquia de elementos e as relações estabelecidas entre si (Abric, 2003). Além do mais, a representação está carregada do social e interage com outra representação, constituindo um sistema representacional atuante nas relações sociais.
DESENVOLVIMENTO MORAL: PENSANDO A AUTONOMIA, DESCENTRAÇÃO E ALTRUÍSMO
As representações sociais dos alunos são estudadas à luz do desenvolvimento moral de Piaget (1932/1994), que compreende a moral da anomia, da heteronomia e da autonomia. Primeiramente, discorrer-se-á sobre a conceituação da moral, para depois explicitar as referidas etapas.
A moral corresponde a um conjunto de regras e normas que permitem regular as relações sociais numa dada comunidade (Vásquez, 2002). Nos estudos psicogenéticos, a moral é um "sistema de regras, e a essência de toda moralidade deve ser procurada no respeito que o indivíduo adquire por essas regras" (Piaget, 1932/1994, p. 23). Ela evolui durante a vida, na prática, comprometida com certos valores, princípios e regras (La-Taille, 2010). Por isso, a moral não é uma simples obediência a regras, mas o respeito que se tem por uma norma. E não só isso, pois ela implica, também, compreender os motivos da norma, o respeito, a cooperação pelo grupo, para ser possível se colocar no lugar do outro.
Dessa maneira, os entraves disciplinares "estão associados com problemas de moral" (Parrat-Dayan, 2008, p. 31). Os alunos acabam infringindo as regras e as "boas maneiras" da escola. Se existem regras e normas na escola, o aluno conhece-as? Ou simplesmente é obrigado a respeitá-las, sem ao menos saber as razões? Com isso, a indisciplina pode ser entendida como toda ação moral efetuada pelo sujeito que se apresenta em desacordo com as normas e regras impostas ou construídas coletivamente (Pedro-Silva, 2010). Já a disciplina consiste em assentir reciprocamente às regras entre os pares, baseadas na cooperação e no respeito mútuo.
O desenvolvimento moral do sujeito percorre um caminho psicogenético e se alicerça em três etapas descritas por Piaget (1932/1994) - anomia, heteronomia e autonomia - sendo cada uma necessária para o desenvolvimento moral autônomo.
Desse modo, tal desenvolvimento inicia-se com uma fase da anomia (a-nomia), indicando a ausência de regras. É o que acontece com uma criança recém-nascida ou nas fases iniciais da vida, que não compreende as regras sociais e não sabe o que deve ou não deve ser feito.
Na heteronomia, as regras são conhecidas, mas são normas de meios variados, sendo exteriores ao indivíduo; quem determina sua construção e regimento são os outros (Araújo, 1996). Ela consiste em um conjunto de normas e deveres a serem atingidos na base da coerção. Por isso, os deveres são obrigações, já que advêm de sujeitos tidos como respeitados (Freitas, 2003). As crianças não os entendem como práticas que facilitariam a harmonia entre o grupo, e dessa forma não os seguem à "risca" (La-Taille, 1992, p. 50).
Por fim, tem-se a fase moral da autonomia, que é oposta às fases morais anteriores. Ela é caracterizada pela cooperação e o respeito mútuo, que podem conduzir à ética da solidariedade e da reciprocidade, a qual possibilitará uma autonomia progressiva da consciência. Portanto, a autonomia pode ser compreendida como resultado do processo de socialização, que leva o indivíduo a sair de seu egocentrismo (Piaget, 1932/1994), característico dos estados de heteronomia, para cooperar com os outros e submeter-se (ou não) conscientemente às regras sociais, e isso será possível a partir do tipo das relações estabelecidas pelo sujeito com os outros. Agora, as regras fazem parte de um acordo e do respeito entre os pares, alicerçadas na alteridade, "quando o respeito mútuo é bastante forte para que o indivíduo experimente interiormente a necessidade de tratar os outros como gostaria de ser tratado" (idem, p. 155). Além do mais, podem-se criar regras, que são submetidas à apreciação e legislação do grupo.
Na mesma linha de análise, a pré-disposição de se colocar no lugar do outro se torna possível através da descentração, capacidade essa "de despojar-se das próprias características pessoais as dos outros iguais" (Uller, 2006, p. 50). Um exemplo é trabalhar para que toda a classe compreenda que, ao atrapalhar a aula do professor, o aluno está prejudicando a si mesmo e aos demais colegas, e que não se deve ter um comportamento "disciplinado" apenas na frente do professor, na sala de aula, mas também em outros espaços sociais, pois a educação moral não é momentânea, é para toda vida. Nesse enfoque, "assinala-se a importância dos relacionamentos entre os iguais ou pares que vão facilitar e propiciar a descentração" (idem, p. 50). Essas relações necessitam do respeito mútuo, pautado na reciprocidade entre professor e aluno. Logo, o professor necessita pensar o aluno não como um entrave pedagógico, e, sim, como o principal sujeito do processo de ensino e aprendizagem.
Sobre o altruísmo, estudo empreendido por Lourenço (1992), com crianças de 5 a 11 anos, aponta que, com o aumento da idade, a criança tende a ser mais altruísta por diversos motivos, um dos quais seria a compreensão do sujeito em idealizar os atos pró-sociais em termos de ganhos. Esse ganho não é retirado do outro, mas é obtido pelo respeito ao outro. Com isso, os sujeitos passam a se respeitar mutuamente, sem ocasionar dano ao próximo. Desse modo, ambos ganham com as ações pró-sociais, sem prejuízo das partes. Uma ação altruísta não se restringe por uma conduta pessoal, mas é pensada no interesse pró-social (Lourenço, 1988). São comportamentos descentrativos, com o intuito de consentir reciprocamente as necessidades de outros, "envolvendo escolhas em que os indivíduos colocam menos valor em resultados pessoais e demonstram pouca disposição em se ocupar de cálculos racionais que abrangem custos e benefícios" (Ebrahim, 2011, p. 74). Assim sendo, o altruísmo é um ato não egocêntrico, não se limitando a proveitos ou interesses oportunos.
De tudo isso, a construção das regras pelo coletivo - entre professor e aluno - facilita a relação entre eles, permitindo atenuar ou amenizar os atos de indisciplina. Participando da construção das regras, o discente "aprende a ser parte de um grupo, ao mesmo tempo em que se desenvolve sua autonomia" (Ferreira, 2001, p. 175). Desse modo, com a presença de todos os partícipes do contexto escolar para a relação de aprendizagem, pode-se ter um ensino que priorize "as organizações coletivas e que contribua para a construção da autonomia e para o desenvolvimento intelectual dos alunos" (Santos, & Nunes, 2006, p. 26). Também, para que o indivíduo alcance a autonomia é necessário que o espaço escolar se apresente como um lugar cooperativo, "pois as virtudes morais não são transmitidas verbalmente, mas construídas nas relações interpessoais" (Zandonato, 2003, p. 3), em atos recíprocos e altruístas.
MÉTODO
A pesquisa é plurimetodológica, com abordagem quanti-qualitativa (Camargo, 2005) e posterior análise de conteúdo (Bardin, 1977/1995). Qualificada como um conjunto organizado para apuração de dados, ela faz uso de procedimentos objetivos e coordenados que descrevem o teor da mensagem, tendo como intuito apontar e explanar o que se diz sobre certo assunto.
Como as pesquisas em representações sociais têm caráter "fundamental e aplicado", compreende-se que elas requerem "metodologias variadas" (Cabecinhas, 2004, p. 129), não se restringindo a um único método de análise Moscovici (1994/2011).
A metodologia corresponde ao que se quer responder, ou seja, é a que melhor atende à compreensão do objeto de pesquisa, tendo uma "visão politeísta" (Moscovici, 1994/2011, p. 15). O campo das representações sociais não é um campo fechado, mas aberto a diversas frentes de pesquisa, até porque as representações sociais são o campo de estudo da Psicologia Social, a qual abrange tanto a subjetividade como a objetividade e as relações que estabelecem entre si.
O trabalho segue as normas de ética da pesquisa, estando registrado na Plataforma Brasil4, a qual é uma base nacional que integra registros de pesquisas com seres humanos. Com isso, foram aplicados aos sujeitos e responsáveis termos de livre consentimento esclarecido, para que pudessem participar da pesquisa.
Quanto aos procedimentos, aplicaram-se 402 questionários com perguntas semiestruturadas, em quatro colégios estaduais do município de Ponta Grossa - PR, a alunos do 9º ano do ensino fundamental. Depois disso, tabularam-se as informações, que foram processadas no software EVOC5.
O EVOC - programa desenvolvido por Vergés (2000) - possibilitou a identificação da estrutura da representação social, isto é, o provável núcleo central e o sistema periférico, permitindo o cálculo de dados quantitativos, "construindo matrizes de co-ocorrências, os quais servem de base para a construção do quadro de quatro casas" (Machado & Aniceto, 2010, p. 353). As quatro casas ou quadrantes estruturam o pensamento social dos alunos sobre a indisciplina escolar.
Do comparativo entre grupos pelo subprograma COMPLEX, é possível constatar quais palavras são mais significativas para ambos, levando-se em conta as palavras presentes nas quatro casas e cruzando-as com as variáveis gênero, ano de nascimento, escolas, autoavaliação e renda familiar. Através do SIMI, analisa-se a conexão entre os diversos elementos representacionais (Sá, 1996). Verifica-se o conjunto da representação e suas ligações, por meio de co-ocorrências entre os elementos. As correlações estarão mais conexas quanto mais indivíduos as considerarem em ordem de importância como similares.
A fim de detalhar as características dos sujeitos, a composição do grupo de informantes se refere ao gênero, ano de nascimento, escolas, autoavaliação e renda familiar, as variáveis estão descritas na Tabela 1.
As perguntas indutoras para a análise dos dados são: a) Quais são as palavras ou expressões que lembram indisciplina? Enumere-as segundo a ordem de importância; b) Justifique a escolha da palavra ou expressão listada em primeiro lugar para definir a indisciplina.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Dos 402 questionários, contabilizaram-se 1650 palavras, as quais, após analisadas e processadas pelo EVOC, organizaram um universo de 33 expressões diferentes. Na análise realizada pelo software, palavras com frequência menor que 25% foram rejeitadas. Do universo de 33 palavras diferentes, 13 podem ser visualizadas na Tabela 2, representada pelas quatro casas. Nota-se que a ordem média de evocações (OME) tratadas pelo software é de 2,8 e a frequência média de evocações é de 123 palavras.
Os quadrantes superiores, localizados acima da linha pontilhada, contêm palavras com frequência maior ou igual a 123; e os inferiores, palavras com frequência menor a 123. Os dados que possivelmente compõem o núcleo central podem ser visualizados no quadro superior à esquerda, composto pelas evocações desrespeito e bagunça. Já o quadrante superior direito apresenta a primeira periferia; o inferior esquerdo, a zona de contraste. Por fim, no quadro inferior direito se encontra o sistema periférico, devido a sua baixa frequência de evocações e sua elevada ordem média de evocações.
No provável núcleo central, estão incluídas as palavras desrespeito e bagunça como as principais expressões que lembram a indisciplina escolar. A primeira possui uma conotação moral, a segunda uma situação funcional. Suas representações são tributárias das supostas expressões arquitetadas pelos professores. Nesse sentido, não respeitar e não bagunçar são atitudes suficientemente associadas às práticas docentes (Aquino, 1996).
A objetivação da indisciplina escolar está expressa pelo desrespeito e sua ancoragem, na moralidade. O respeito é condição sine qua non para se viver harmoniosamente em sociedade. No entanto, há diferentes formas de respeito. Uma tem base no respeito unilateral, coerção e autoritarismo, em que muitos professores se baseiam. Além do mais, "para esses profissionais, o bom aluno do dia-a-dia é aquele calado, imóvel, obediente" (Aquino, 1998, p. 6). Outra forma de respeito se edifica na alteridade, reciprocidade, cooperação e altruísmo. Para os alunos, o respeito não é recíproco, por isso há uma expectativa por uma escola democrática. É preciso pensar em transformações nas estruturas e funções da escola, nas relações escolares e no processo de ensino e aprendizagem.
Desrespeito porque a partir que você entra na escola você tem que obedecer às ordens. (S 58, escola A)
O desrespeito é uma forma de indisciplina, pois com o desrespeito nós nos sentimos maus, pois não é legal desrespeitar o próximo. (S 66, escola A)
Desrespeito com o professor é ser indisciplinado, pois ele está na sala para te ajudar, você só tem a agradecer. (S 89, escola A)
Desrespeito com os professores e funcionários é muito grave. (S 277, escola C)
Desrespeito ao professor, muitas vezes, os alunos desrespeitam os professores, mas na maioria das vezes dá raiva desses professores, pois alguns são insuportáveis. (S 177, escola B)
As pessoas não se respeitam principalmente alunos e professores. (S 172, escola B)
Eu acho que uma pessoa com indisciplina é uma pessoa que não respeita a opinião dos outros e isso é uma falta de respeito. (S 204, escola C)
Os alunos não respeitam os professores e o seu trabalho, pois alguns alunos só sabem vir à aula para xingar os professores e dizer que eles não sabem executar o seu trabalho. (S 368, escola D).
Alguns alunos apresentam características altruístas, colocando-se no lugar do outro, e percebem que, desrespeitando, estão prejudicando e afetando a si mesmos e aos demais sujeitos da sala de aula. Porém, pode haver aí um princípio de denegação, uma fala de pura formalidade que está presente na sociedade, isto é, um discurso que agrada a todos.
Os disciplinados apresentam mais atitudes dóceis em relação ao respeito, corroborando a ideia de que, quando se entra na escola, deve-se obedecer a ordens e regras, subordinando-se a ela. Já os que se julgam indisciplinados não são tão submissos, dizem sentir raiva de alguns professores, por serem insuportáveis e também por não respeitarem as opiniões dos alunos. Isso demonstra que ainda persiste uma escola tradicional e antiga, em que "professor e aluno portavam papéis e perfis muito bem delineados: o primeiro, um general de papel; o segundo, um soldadinho de chumbo" (Aquino, 1996, p. 43). Constitui-se assim uma escola passiva, quem fala é o docente e o aluno obedece, "a voz é a do professor, e o aluno dela é destituído" (Passos, 1996, p. 123). Nesse caso, os alunos são oprimidos, e os professores são opressores. Todavia, em vez de o aluno buscar sua libertação e lutar com os colegas por uma escola democrática, eles acabam sendo mais opressores, ou subopressores, que os seus educadores (Freire, 1987).
Atualmente o respeito não necessita pautar-se no temor e coerção, e, sim, na alteridade, em que o aluno respeita o professor não pelo simples medo de uma punição, mas pelo conhecimento, reciprocidade e auxílio que esse profissional pode lhe proporcionar (Trevisol, 2007). É necessário frisar que o desrespeito causa prejuízos não só à relação professor-aluno, mas a todo um contexto geral, no convívio do ambiente escolar. Dessa maneira, é preciso levar em conta o que os alunos pensam, para não cairmos em "achismos" em relação ao tema.
Pelo que indicam os dados, os próprios alunos legitimam a existência de meios de controle, validando-os e controlando-os por meio de um simulacro de comportamento desejável: ser respeitoso, não ser bagunceiro, ser obediente, entre outras qualidades. Alunos e professores parecem ser controladores e controlados. Ambos são interdependentes da normatização: "o professor imagina disciplinarizar o corpo do aluno (o aluno dócil), enquanto o aluno imagina regular a ação docente no sentido da disciplinarização (o professor austero)" (Aquino, 1996, p. 60). Essas declarações são reguladas pela normatização, em que o descumprimento de regras, o bloqueio no andamento da aula, o prejuízo à explicação do professor são ações indisciplinadas que seriam atenuadas pela "autoridade" do educador.
A segunda palavra do possível núcleo central é bagunça, que tem uma função de obstrução, uma quebra ao andamento da aula (Estrela, 2002). São tentativas de impedir os encaminhamentos da aula e as resoluções das atividades. A bagunça atrapalha, desvia a atenção e prejudica o aprendizado. Com isso, é uma causa de indisciplina que dificulta a aprendizagem.
Bagunça já diz tudo, não tem como escutar, falar e nem aprender. (S 74, escola A)
Bagunça ocorre na sala de aula, por alguns alunos indisciplinados, isso não apenas atrapalha o aprendizado do aluno indisciplinado, mas o aprendizado dos colegas e prejudica a explicação do professor. (S 144, escola B)
Bagunça, pois com ela não tem como aprender. (S 400, escola D)
Bagunça, porque com a bagunça não tem como prestar atenção durante as aulas. (S 17, escola A)
Bagunça, não dá atenção a nada e não presta atenção. (S 26, escola A)
Bagunça, com bagunça vêm os palavrões, violência e então a desordem. (S 52, escola A)
Tem muitos alunos que pensam que estão em casa, fazem a maior bagunça. (S 12, escola A)
A bagunça tem uma função desviante. Pode ser que ela ocorra porque a aula não está de acordo com a realidade dos alunos. Um conhecimento muito distante, que não cativa o alunado, causando desconforto e até falta de autoestima em relação à escola (Salvador, 2003). Isso faz com que o aluno faça bagunça, pois é muito mais interessante bagunçar do que escutar o professor lecionando sobre assuntos tão distantes de suas situações. Com isso, a bagunça é muito lembrada pelos alunos, o que pode indicar "uma resposta clara ao abandono da habilidade das funções docentes em sala de aula, porque é só a partir do seu papel (...) que os alunos podem ter clareza quanto ao seu próprio papel" (Aquino, 1998, p. 8). Nesse sentido, essa expressão de indisciplina poderia ser pertinente, uma forma de resistir ao conteúdo e ao professor (Golba, 2008) que se caracteriza por ações discentes que contrastam com uma concepção bancária, de memorização e transmissão de conteúdos (Rebelo, 2011). Por isso, poder-se-ia considerar que, nesse momento, o professor também é indisciplinado, já que não cumpre seu papel com ética e profissionalidade em relação às suas aulas.
A dificuldade está no bojo da escola, já que ela "constrói uma moral, muito frequentemente, mais de heteronomia que de autonomia" (Menin, 1996, p. 61). Além do mais, ela se alicerça em normas e regras para manter as relações sociais, mas o que acaba fazendo é contribuir para relações heterônomas entre os sujeitos envolvidos no processo educacional. Por isso, é mister compreender as relações interpessoais, não só por normatizações, mas por concepções altruístas e de cooperação social. Até porque o altruísmo possibilita pensar no próximo, tendo uma conduta altruísta aumentam-se as chances do comportamento altruísta de outra pessoa. Todavia, isso deve acontecer não por mera generosidade, mas por uma competência sociocognitiva (Lourenço, 1988). Uma ação altruísta será definida por um ambiente coeso e harmonioso, e pela "motivação do sujeito, que coloca pouco valor nos resultados pessoais e nos custos de suas escolhas" (Ebrahim, 2001, p. 78).
Pela última justificação da escolha da palavra bagunça, a aluna reflete as representações docentes: quem nunca ouviu o professor falar que o aluno, ao fazer bagunça, pensa estar em casa? Porém, isso não é generalizável, já que em muitos casos professores consideram determinados alunos como indisciplinados; em outros casos, docentes da mesma escola não os consideram assim (Estrela, 2002). Por isso, a bagunça não pode ser declarada como causa exclusiva do aluno, pode ser que seja ele quem faça, porém é preciso refletir sobre a "fagulha" que ocasiona essa ação. Como já abordado, não se deve atingir diretamente o núcleo central das representações, mas iniciar o processo de mudança pelos elementos periféricos, para que aconteça uma possível amenização ou diminuição dos atos de indisciplina.
As representações dos alunos refletem uma representação dos professores, pois no trabalho de Santos e Rosso (2012), sobre a representação do professor em relação ao aluno indisciplinado, a bagunça aparece na zona de contraste da estrutura da representação, e o desrespeito aparece no núcleo central da representação social dos docentes. Isso demonstra que as representações se inter-relacionam, assim as representações discentes são coladas às representações dos professores. No caso, as representações dos alunos são subordinadas às representações de influência do professor. Além do mais, não só o professor interfere na representação, mas também a família, os meios de comunicação e outros. Os dados demonstram isso, mas não há de se negar que o aluno não é uma esponja (La-Taille, 1992), que só recebe e acumula informações, sem ao menos acomodá-las. Contudo, uma escola em que impera a heteronomia dificulta uma conduta altruísta e a construção da autonomia discente.
Pela análise efetuada pelo subprograma Complex, a única expressão significativa é o desrespeito, com destaque para o gênero feminino de renda familiar de três a quatro salários mínimos.
Em estudo realizado por Rodrigues e Mazotti (2013), por meio de entrevistas, os sujeitos educacionais (professores, diretores e equipe pedagógica) apontam que as meninas são comportadas, calmas, passivas e não respondem aos professores. Já os meninos são indisciplinados, mal educados e desrespeitosos. Além do mais, para que ambos tenham prestígio e reconhecimento, "devem apresentar condutas consideradas tipicamente femininas" (idem, p. 55). As meninas são mais controladas e conservadoras, e os meninos mais agitados e alvoroçados.
A escola revela um ambiente revestido "majoritariamente por mulheres, estejam elas na posição de alunas ou de professoras" (Abramovay, Cunha & Calaf, 2009, p. 47). Está presente em muitas delas uma "hierarquia de valores em que o feminino é melhor do que o masculino" (Rodrigues & Mazzotti, 2013, p. 54). Essa configuração é a mesma da sociedade e tem como foco resquícios de um passado patriarcal. Dessa maneira, as meninas estariam "mais adaptadas à escola contemporânea, em que o processo de socialização feminino orienta-se para a passividade e obediência às normas" (idem, p. 46), e qualquer comportamento desviante é tido como um papel que não faz parte do feminino, não é coisa de menina. Com isso, as representações das alunas têm uma postura de empatia; por sua vez, os alunos centram-se no caráter normativo (desviante).
Os bons resultados das meninas estão muito mais ligados a questões de bom comportamento do que "na construção do conhecimento" (Silva, Barros, Halpern & Silva, 1999, p. 223). De tudo isso, pode-se deduzir que os alunos são, em muitos casos, produtos de uma escola feminina.
Em relação à árvore máxima (Figura 1) proporcionada pelo programa SIMI, ela possibilita demonstrar as ligações correspondentes às palavras ligadas à indisciplina escolar. Os traços mais fortes constituem um número maior de ligações e de centralidade; as linhas básicas, números medianos; e os pontilhados, números menores de intensidade nas informações.
O elemento organizador da indisciplina escolar é o desrespeito, pois contém um percentual maior de articulações de palavras, seguido da bagunça. Com isso, as expressões desrespeito e bagunça são as situações mais vivenciadas no contexto escolar pelos alunos, já que foram prontamente lembradas e constituem, possivelmente, o núcleo central.
Na árvore, há dois triângulos significativos: o primeiro, "desrespeito, bagunça e conversa", respectivamente com ligações 151, 57 e 80, contando com elementos de natureza moral e funcional. O segundo triângulo elenca as ligações "desrespeito, bagunça e preguiça", 151, 57 e 60. Os elementos também têm conotação moral e funcional. Nesses dois triângulos, há palavras centrais que constam na Tabela 1, reafirmando a centralidade nos núcleos "desrespeito e bagunça". Porém, eles integram nos seus vértices de ligação elementos periféricos - a conversa e a preguiça - as quais estão atreladas à bagunça.
O primeiro triângulo aponta que as situações estão nas relações interpessoais de desrespeito e bagunça como elementos centrais, e a conversa como elemento ligado à bagunça. Sendo a conversa a antessala para a bagunça, o início da bagunça causa prejuízos à aprendizagem.
O segundo triângulo continua com o desrespeito e a bagunça como possíveis núcleos centrais, e sua ligação agora é a preguiça. Esse é um fato interessante, pois parece que se ausentar da aula, não fazer atividades e "não estar nem aí" também constituem ações indisciplinares.
Afinal, a conversa e a preguiça são as ligações que, após as expressões centrais, têm fortes conexões com o segundo elemento central. Isso demonstra que a indisciplina está atrelada a fatores internos à sala de aula, sem extrapolar visões mais amplas e sociais. A indisciplina escolar está presente no cotidiano dos alunos, entre os muros da escola.
As representações dos alunos têm um caráter hegemônico, salvo a palavra desrespeito, que atenta para o sexo feminino e a renda familiar de três a quatro salários mínimos. Do restante das variáveis, a representação social não se diferencia em larga escala entre o gênero, ano de nascimento, escolas, autoavaliação e renda familiar. É uma representação muito forte, que se mantém nos discursos de disciplinados e indisciplinados, de idades diferentes, de escolas diferentes, etc. Sendo assim, a representação dos alunos se define por sua hegemonia.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As informações levantadas sobre as representações discentes acerca da indisciplina escolar indicam que se trata de representações associadas às dos professores; referem-se aos alunos; justificam-se em normas e em ações heterônomas. A heteronomia reforça a tese de que a disciplina escolar deriva de mecanismos de controle, e a indisciplina advém justamente da ausência desses mecanismos (La-Taille, 2010), regras essas nem sempre apoiadas na compreensão de seus princípios.
A verticalização das normas escolares pouco contribui para as ações descentradas, altruístas e autônomas. O imediatismo pedagógico ou a falta de uma perspectiva psicogenética do entendimento da norma tem preferido a coerção como estratégia mais utilizada (Viecili & Medeiros, 2002) e em muito pouco favorece o desenvolvimento de atitudes autônomas, alcançando, em geral, resultados opostos aos esperados (Sidman, 1995; Oliveira, 1998; Zanotto, 2000).
Entre os subgrupos de alunos, constata-se uma hegemonia com possível núcleo central - desrespeito e bagunça - havendo uma variação, em pequena porcentagem, no gênero (especificamente meninas) e renda familiar (renda declarada pelos alunos de três a quatro salários mínimos) relativos à palavra desrespeito. Além do mais, pela análise de similitude, desrespeito e bagunça são as palavras que centralizam as representações sobre a indisciplina e destacam seu caráter normativo.
Como o objetivo da educação é a formação de pessoas que sejam autônomas, nos dizeres de Piaget, alunos criadores, inventores e inovadores (Parrat-Dayan, 2008), e não dóceis e submissos (Aquino, 1996), então a formação de professores para o ensino ativo e construtivo necessita favorecer uma formação intelectual que possibilite a reflexão crítica sobre as práticas escolares, assentando-as na concepção de sujeitos autônomos, altruístas e democráticos, sujeitos da própria história e não de práticas heterônomas (Freire, 1987).
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1 Este trabalho teve apoio do CNPq e da CAPES, no financiamento da pesquisa.
2 Tradução livre de "already shared by a group serve as a reference point for the new representation, and the old and new representations maintain a relationship among themselves" (Camargo & Wachelcke, 2010, p. 24.3).
3 Tradução livre de "related to social objects that were intertwined or interrelated in the course of historical events" (Camargo & Wachelcke, 2010, p. 24.3).
4 CAAE: 08479912.2.0000.0105.
5 Ensemble de programmes permettant l'analyse des évocations.