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Psicologia da Educação

versão impressa ISSN 1414-6975versão On-line ISSN 2175-3520

Psicol. educ.  no.42 São Paulo jun. 2016

https://doi.org/10.5935/2175-3520.20150021 

ARTIGOS

 

Prevalência de sintomas de stress entre graduandos de uma universidade pública

 

Prevalence of stress symptoms among students of a public university

 

Prevalencia de síntomas de estrés entre los estudiantes de una universidad pública

 

 

Joelma do Nascimento LameuI; Thiene Lívio SalazarII; Wanderson Fernandes de SouzaIII

IUniversidade Federal Rural do Rio de Janeiro. joelmalameu@hotmail.com
IIUniversidade Federal Rural do Rio de Janeiro
IIIProfessor do Programa de Pós Graduação em Psicologia, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

 

 


RESUMO

O objetivo do presente estudo foi avaliar a prevalência de sintomas de stress entre os estudantes de graduação. Uma amostra de 635 estudantes da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro respondeu ao Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp (ISSL) e a um questionário sócio-demográfico. A prevalência de stress encontrada foi de 50%, estando a maior parte desses alunos na fase de resistência e sendo predominantes os sintomas psicológicos do stress. Houve maior ocorrência de stress no sexo feminino, em alunos que moram em residências estudantis públicas ou privadas e que têm menos contato com a família (p<0,05). Assim como em outros estudos realizados com populações universitárias, foi encontrada predominância de stress no sexo feminino. Observou-se a importância da convivência com a família ao se identificar uma menor ocorrência de stress em alunos que residem e/ou visitam a família com maior frequência. A alta prevalência de alunos na fase de resistência, a predominância de sintomas psicológicos e o alto índice de alunos que acreditam necessitar de acompanhamento psicológico, indicam a necessidade de criação de programas preventivos, de diagnóstico e tratamento para essa parcela da população.

Palavras-chave: stress; saúde mental; estudantes universitários.


ABSTRACT

Thepurpose of this study was to evaluate the prevalence of stress symptoms among undergraduate students. A sample of 635 students from the Federal Rural University of Rio de Janeiro answered the Lipp Inventory of Stress Symptoms for Adults (ISSL) and a socio demographic questionnaire. The prevalence of stress was found to be 50%, with the majority of students at the resistance phase and a predominance of psychological symptoms of stress. A higher prevalence of stress was found in women and students who live in student residences (public or private) and those who have less contact with their family (p<0.05). Similar to other studies with undergraduate students, we identified higher stress rates among women. It was identified the importance of living with the family, due to the decreased prevalence of stress in students residing with the family and those who visit it more often. The high prevalence of students in the resistance phase, the predominance of psychological symptoms and the high number of students who believe they need psychological treatment, suggest the necessity of creating a prevention and treatment program for this population.

Keywords: stress; mental health; university students.


RESUMEN

El objetivo del presente estudio fue evaluar la prevalencia de síntomas de estrés entre los estudiantes universitarios. Una muestra de 635 estudiantes de la Universidad Federal Rural de Río de Janeiro contestaron al Inventario de Síntomas de Estrés para Adultos de Lipp (ISSL) y a un cuestionario socio demográfico. La prevalencia de estrés encontrado fue de 50%, estando la mayor parte de esos estudiantes en la fase de resistencia, siendo predominantes los síntomas psicológicos del estrés. Hubo mayor ocurrencia de estrés en estudiantes del sexo femenino, que viven en residencias públicas o privadas y que tienen menos contacto con la familia (p <0,05). Así como en otro estudio realizado con población universitaria, se ha encontrado predominio de estrés en el sexo femenino. Se ha observado la importancia de la convivencia con la familia al identificarse una menor ocurrencia del estrés en estudiantes que viven e/o visitan a la familia con mayor frecuencia. La alta prevalencia de estudiantes en la fase de resistencia, el predominio de síntomas psicológicos y el alto índice de estudiantes que creen necesitar de acompañamiento psicológico, indican la necesidad de crear un programa de prevención, diagnóstico y tratamiento para esa población.

Palabras clave: estrés; salud mental; estudiantes universitarios.


 

 

O termo stress, de origem latina, foi utilizado pela primeira vez no século XVII para descrever o complexo fenômeno composto de tensão-angústia-desconforto. Já no século seguinte, com a mudança de enfoque e a popularização dada à palavra, essa passou a ser usada para expressar a ação da força, pressão ou influência sobre uma pessoa, causando-lhe uma deformação, resultado que é explicitado pela palavra em inglês strain. Como em português não há uma tradução adequada a este termo, Lipp e Malagris (2001) passaram a utilizar o termo "resposta ao stress" ou "reação ao stress" para designar o resultado ou o efeito de uma grande carga estressora atuando no ser humano. As autoras definem stress como uma resposta neuropsicofisiológica diante de qualquer evento que seja interpretado pelo indivíduo como desafiador.

Assim, o stress é um processo, que se desenvolve de acordo com etapas, sendo possível se ter um stress temporário, de baixa ou grande intensidade; é possível que o indivíduo esteja na etapa de resistência ao fator gerador de desequilíbrio ou que esteja num estágio mais avançado, em que podem surgir doenças graves. No início do processo, o stress manifesta-se de modo bastante universal - taquicardia, sudorese excessiva, tensão muscular, boca seca e sensação de estar em alerta, mas conforme seu desenvolvimento, diferenças se manifestam, de acordo com as predisposições genéticas do indivíduo podendo ser potencializadas pelo enfraquecimento desenvolvido no decorrer da vida, por consequência de acidentes ou doenças (Lipp, 2004).

Embora Selye tenha apresentado um modelo identificando três fases do stress (Alarme, Resistência e Exaustão), no decorrer da padronização do inventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp (Lipp, 2003) no Brasil, uma quarta fase foi identificada tanto clínica como estatisticamente. A essa fase deu-se o nome de Quase-Exaustão. Essa se caracteriza por um enfraquecimento da pessoa, que não mais está conseguindo adaptar-se ou resistir ao estressor. As doenças começam a surgir, porém ainda não são tão graves quanto na exaustão. Nesse ponto do processo, as defesas do organismo começam a ceder e ele já não consegue resistir às tensões e restabelecer a homeostase. É comum a pessoa sentir que oscila entre momentos de bem-estar e tranquilidade e momentos de desconforto, cansaço e ansiedade. O sujeito torna-se, portanto, mais suscetível ao desenvolvimento de infecções e doenças devido ao enfraquecimento da resistência do organismo.

Dentro da literatura sobre stress, pode-se destacar o conceito de "estressor" que é todo evento que exige alguma adaptação do organismo, sejam eles positivos ou negativos. Os estressores podem ser tanto internos quanto externos (Lipp, 1996). No contexto acadêmico, podem-se encontrar estressores externos como avaliações, prazos para cumprir, metodologia do professor, moradia, dentre outros; e estressores internos como falta de assertividade, dificuldade de relacionamento, autoestima entre outros. O estudante, ao ingressar na universidade, se depara com as incertezas naturais da escolha profissional, mudanças de residência e afastamento da família. Por se tratar de um momento decisivo em sua vida, pode ser configurado como potencial estressor, prejudicando a capacidade de adaptação e a qualidade de vida do estudante.

Monzón (2007) considera que o stress, dentro ambiente universitário, engloba variáveis complexas inter-relacionadas como estressores acadêmicos, experiência subjetiva de estresse, moderadores de estresse acadêmico e, finalmente, os efeitos do estresse acadêmico. Para eles, a Universidade é um conjunto de situações altamente estressantes, já que o indivíduo pode experimentar, mesmo que temporariamente, uma falta de controle sobre o novo ambiente, potencialmente gerador de stress e, também, um potencial gerador - juntamente com outros fatores - do fracasso acadêmico universitário.

De forma geral, os universitários estão constantemente submetidos ao stress de provas e cobranças (pessoais, familiares e sociais) para um excelente desempenho nos estudos, pressões estas, que podem gerar um estado de ansiedade prejudicial ao desempenho acadêmico. Já os residentes em alojamentos estudantis ou repúblicas somam a tudo isso, problemas de relacionamento, ausência de ambiente adequado para estudo, distanciamento da família e da cidade de origem.

Um estudo realizado na Universidade de Campinas (Unicamp), com 150 estudantes, identificou que 89,3% dos universitários oriundos de localidades diferentes da região de localização da Universidade se consideravam estressados (Fioravanti, Shaiani, Borges & Balieiro, 2005). Os autores inferiram, desse resultado, que o fato de estudar em universidades, distantes da região de origem e, consequentemente, dos familiares, pode servir como importante fonte de stress. Stallman (2010) avaliou a saúde mental dos estudantes universitários australianos e verificou que a população geral de estudantes universitários relatou significativamente maiores níveis de estresse psicológico (83,9%) que a população em geral (29%), sugerindo que os estudantes universitários são uma população de alto risco.

Dessa forma, considerando a relevância de se compreender as demandas e necessidades de cuidado desta parcela da população, o objetivo deste estudo foi avaliar a prevalência de sintomas de stress entre os estudantes e identificar possíveis fatores de risco ao desenvolvimento de sintomas psicopatológicos.

 

MÉTODO

Participantes

Foi realizado um processo de amostragem que buscou a representatividade de cada curso de graduação da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Realizamos uma amostragem estratificada proporcional, em que o número de participantes de cada um dos trinta e sete (37) cursos de graduação presentes no Campus Seropédica foi proporcional ao quantitativo de alunos com matrícula ativa em cada curso. Dessa forma, garantimos que todos os cursos fossem avaliados, respeitando a proporcionalidade de participação de cada um no espaço universitário. A coleta de dados resultou em 635 alunos inqueridos, representando aproximadamente 8% do universo de alunos inscritos no campus. A tabela de estratificação com a proporção de alunos ativos matriculados e a proporção de alunos entrevistados em cada curso pode ser obtida por e-mail com a autora principal.

Material

Os participantes responderam ao Inventário de Sintomas de Stress de Lipp (ISSL). Esse inventário, desenvolvido por Lipp (2003b), permite a avaliação da presença de stress, indicando em qual fase do stress o indivíduo se encontra, assim como o tipo de sintoma mais prevalente: físico ou psicológico. É composto por três partes relativas às quatro fases do stress. Na primeira parte, o participante assinala os sintomas que tenha experimentado nas últimas 24 horas - Fase de Alerta; na segunda parte, responde entre um conjunto de sintomas experimentados na última semana - Fases de Resistênca e Quase-Exaustão; na terceira parte, o participante relata quais sintomas foram experienciados no último mês - Fase de Exaustão. Os itens obedecem a uma hierarquia de intensidade de sintomas correspondentes as diferentes fases do stress. É considerado com stress o indivíduo que assinalar no mínimo seis sintomas na 1ª parte; ou três sintomas na 2ª parte; ou oito sintomas na 3ª parte. Constatando-se a presença de stress, é possível avaliar a fase em que ele se encontra. Adicionalmente, é possível identificar a predominância de sintomas físicos, psicológicos ou quadros mistos.

Adicionalmente, foi aplicado um Questionário de Informações Gerais criado pelos próprios autores, com o objetivo de se obter dados sociodemográficos possivelmente associados ao stress tais como: gênero, idade, tempo na universidade, horário do curso, tipo de moradia (alojamento, república, com família, etc.), frequência de visitação à família e cidade de origem.

Procedimentos

Alunos de graduação e pós-graduação em Psicologia foram treinados na aplicação dos instrumento de coletas de informação e em técnicas de entrevista para o futuro encaminhamento a campo. Os avaliadores convidaram os voluntários à participação na pesquisa através de visitas aos centros de convivência e Institutos com maior concentração de cursos. Todos os instrumentos e questionários foram de autoaplicação. Os cadernos deveriam ser preenchidos imediatamente e entregues ao avaliador. Os participantes levaram em torno de 20 minutos no inquérito.

Aspectos éticos

Todos os participantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e foram devidamente informados que poderiam abandonar o estudo em qualquer etapa. Também foram avisados que suas informações se manteriam anônimas e que nenhuma informação individual estaria disponível, assim como o fato de que essas avaliações não comprometeriam o aluno em nenhum aspecto dentro da universidade. A cada aluno foi entregue o código do seu questionário para, caso fosse de seu interesse, recebesse alguns resultados gerais e seu resultado individual ao término da pesquisa. O projeto de pesquisa foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro com aprovação em 01/02/2013, de acordo com parecer nº. 298/2012.

Análise estatística

A análise dos dados foi feita através do programa SPSS versão 20 para Windows®. Foi realizada uma estatística descritiva em que foram apresentadas as proporções, valores médios e desvios-padrão (DP). Para a apresentação da estatístca análitica foi feita a comparação das prevalências de stress e de suas fases com os dados categóricos sociodemográficos, utilizando-se o Teste qui-quadrado e o Teste exato de Fischer.

 

RESULTADOS

Dos 7.729 alunos matriculados e ativos, 8,20% participaram do estudo (635). Destes 635, apenas um não respondeu ao ISSL, havendo uma taxa de resposta de 99,80%. A amostra foi caracterizada por ter em sua grande maioria estudantes solteiros (90,20%), com idade média de 22,07 anos (DP=3,96) e 96,50% não tendo filhos. Verificou-se também o predomínio de sexo feminino entre os respondentes (63,50%). As características sociodemográficas da amostra podem ser avaliadas na Tabela 1.

Segundo o Inventário de Sintomas de Stress (ISSL), a prevalência de stress entre os estudantes foi de 50%. Houve predominância de sintomas de stress na fase de resistência (41,20%), enquanto apenas 1,60% dos alunos encontravam-se na fase de alerta, 5,20% na fase de quase-exaustão e 2,10 % na fase de exaustão. A distribuição percentual, dentre os alunos que apresentaram stress está demonstrada na Tabela 2.

Com relação ao tipo de sintomas, observou-se uma predominância de stress com sintomas psicológicos (32,60%), quando comparado aos 13,40% de sintomas físicos e 3,90% dos alunos apresentando sintomas mistos. Tendo sido a fase de resistência a mais prevalente, foram avaliados quais os sintomas pertinentes a essa fase que foram citados mais frequentemente pelos estudantes. Os sintomas mais comuns foram o cansaço constante (49,30%; N=312), seguido por pensamento constante em um só assunto (46,90%; N = 298), sensação de desgaste físico (46,20%; N = 293) e problemas de memória (38,40%; N = 244)(Figura 1).

Em relação ao gênero, a ocorrência de stress entre os estudantes foi significativamente maior no sexo feminino que no sexo masculino (respectivamente 56,20% vs 38.80%; X2=17,7;p<0,001). O sexo feminino apresentou maior risco de apresentar tanto sintomas físicos (OR=1,89; p<0,001) quanto psicológicos (OR=1,95; p<0,001) quando comparado ao sexo masculino. As mulheres também apresentaram maior prevalência de indivíduos nas fases mais graves do stress (Tabela 3).

Quanto ao tipo de moradia, foi encontrada maior prevalência de stress em alunos que moravam em residências privadas sejam elas repúblicas ou outros tipos de moradia (55%), seguido dos que residem em residências públicas como o alojamento estudantil da universidade (50%), e menor prevalência entre aqueles que vivem com a família (41,8%), com diferença significativa entre os grupos (X2= 12,59; p<0,05). Resultado semelhante foi observado em relação à frequência de visitação à família, em que quanto menor o contato com a família, maior a proporção de alunos com stress (X2=7,88; p<0,05) (Tabela 4).

Apesar de não ter sido encontrada diferença significativa entre as diferentes regiões de moradia, a proporções de alunos com stress apresentou um comportamento crescente quanto mais distante era sua moradia de origem com relação à universidade. Essa progressão pode ser observada na Figura 2.

Quando analisada a sintomatologia predominante, observa-se também um aumento percentual de alunos com sintomas predominantemente psicológicos à medida que visitam menos a família (X2=8,35; p<0,05). Não foram identificados índices significativos para sintomatologia física (Figura 3).

No questionário de dados gerais, os alunos foram inquiridos sobre a necessidade de atendimento psicológico, em que 59,20% dos alunos relataram já terem sentido necessidade desse tipo de atendimento. Quando comparado ao nível de stress, observou-se uma necessidade crescente conforme a gravidade do nível de stress experimentado pelo aluno. Dentre os alunos sem stress ou em fase de alerta, 47,3% relataram necessidade de atendimento, essa proporção sobe para 75,2% entre aqueles na fase de Resistência, chegando a 84,6% entre os sujeitos na fase de quase-exaustão ou exaustão (P<0,01).

Não foram encontradas diferenças significativas entre estressados e não estressados quanto ao tipo de curso, presença de atividade remunerada, período universitário, número de reprovações na universidade e rendimento acadêmico, avaliado pelo Coeficiente de rendimento Acumulado (CRA).

 

DISCUSSÃO

O presente estudo encontrou uma prevalência de stress de 50% entre os estudantes universitários. Essa estimativa está de acordo com os estudos de Bayram & Bilgel (2008) e de Rodas et al. (2010) realizados com amostras de variados cursos de graduação, com estimativas de 47% e 48% respectivamente, sendo também semelhante ao resultado encontrado por Aguiar, Vieira, Vieira, Aguiar e Nóbrega (2009) entre os estudantes de medicina da Universidade Federal do Ceará, com a utilização do mesmo instrumento do presente estudo (49,70%). É importante destacar que, apesar de o curso de medicina ser considerado muito estressante pela literatura, as estimativas encontradas são semelhantes aos encontrados em cursos diversos.

A prevalência da fase intermediária do stress (resistência) foi de 41,20% na amostra total. O resultado vai ao encontro das prevalências encontradas nas pesquisas de Furtado, Falcone e Cynthia (2003) e Aguiar et al (2009) com estudantes do curso de medicina que resultaram em 39,32% e 42,71%, respectivamente, e sugere que a maioria dos estudantes universitários tem recursos para lidar com eventos estressantes, considerando que a minoria estava nas fases mais graves (quase-exaustão, 5,20% e exaustão, 2,10%). Apesar deste resultado, é importante destacar o que significa estar na fase de resistência.

Segundo Lipp e Malagris (2001), esta fase ocorre quando o estressor continua presente por períodos muito prolongados ou quando se acumulam mais estressores na vida do indivíduo. O organismo busca restabelecer o equilíbrio, utilizando-se da energia adaptativa de reserva, o que pode gerar a sensação de desgaste físico generalizado sem causa aparente e dificuldades com a memória, sintomas que para o estudante pode significar dificuldade de aprendizagem e fracasso acadêmico. Os resultados do presente estudo apresentaram um percentual de 49,10% estudantes com sensação de desgaste físico constante e de 38,40% enfrentando problemas de memória.

Assim como outros estudos que fizeram comparações de gênero em relação ao stress, este também encontrou significativa diferença entre homens e mulheres (Aguiar et al, 2009; Andrade, Valim-Rogatto & Rogatto, 2011; Bayram & Bilgel, 2008; Furtado et al, 2003; Marty, Lavin, Figueroa, Larraín & Cruz, 2005). O sexo feminino não só apresentou maior percentual de indivíduos estressados que o masculino, como apresentou prevalência mais elevadas das fases mais graves. É preciso identificar os motivos pelos quais as estudantes sofrem mais de stress, visto que os estressores enfrentados são basicamente os mesmos que dos homens. A diferença pode ser biológica, cognitiva, comportamental ou associação destas, questão que pode ser esclarecida em pesquisas futuras. Apesar de alguns estudos relatarem o alto índice de stress entre as mulheres, as diferenças de gênero são explicadas a partir da sobrecarga de trabalho e dos cuidados com a família, perfil não compatível com a maior parte do público-alvo da presente pesquisa. Calais, Andrade & Lipp (2003) buscam explicar esta diferença, com base nas cobranças da sociedade em relação à mulher que somam às sobrecargas da carreira (profissional ou acadêmica) às exigências pessoais, biológicas, hormonais, sexuais e sociais. Nesse sentido, eles sugerem que se investiguem as fontes de stress e seu efeito diferencial entre homens e mulheres, principalmente relacionadas às práticas parentais que possam estar gerando maior nível de stress nas mulheres brasileiras.

Na estratificação por moradia, identificou-se um menor índice de stress em estudantes que residem com a família. Em seguida, observou-se que os estudantes que moram em residências mantidas pela própria universidade, sem custo para o aluno, sofrem menos de stress que os alunos que moram em residência privada (repúblicas, apartamentos ou casas alugadas). Ao residir com a família, o aluno conta com maior suporte social e enfrenta menos problemas adaptativos como morar sem os pais, conviver com pessoas estranhas, responsabilizar-se por tarefas domésticas e pela alimentação. Peltzer (2004) verificou em seu estudo que os estudantes com maior nível de suporte social tendem a cuidar mais de sua saúde, ter menos sintomas depressivos e lidar de forma mais adaptada com os eventos estressores.

Stalman (2008) ressalta que estudantes que vivem com outros alunos podem ter algum suporte social, mas como menos responsabilidade do que aqueles que convivem com quem tem mais vínculo, e neste caso, pode-se destacar a família. Porém, diferentemente do estudo desta autora, a presente pesquisa não pode afirmar que o suporte social seja a razão da diferença de stress entre estudantes de residência pública e privada.

Estudantes que vivem em residências públicas, muitas vezes não escolhem seus companheiros de quarto e são obrigados a conviver com pessoas de culturas diferentes, além de serem originários de cidades distantes e visitarem a família com pouca regularidade. São, em sua maioria, vulneráveis socioeconomicamente e, talvez, tenham mais recursos para se adaptarem devido a práticas parentais, como o estímulo à autonomia. Já os estudantes que vivem em residências privadas têm que se adaptar com divisão de tarefas domésticas e a vida social mais intensa (no caso das repúblicas, por exemplo), com festas e pouca privacidade para estudar. Além disso, alguns se responsabilizam com despesas e precisam aprender a lidar com bolsas de estudos ou dinheiro enviado pelos responsáveis.

De forma geral, ambos precisam se adaptar ao novo estilo de vida, que somado aos estressores próprios da idade e da mudança de nível de ensino, pode contribuir para a exacerbação dos sintomas de stress. Nesse sentido, o Relatório do Fórum de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis [FONAPRACE] (2011) revelou que 43% dos estudantes das universidades federais queixam-se de dificuldades de adaptação a novas situações, incluindo adaptação à cidade, à moradia ou separação da família, dentre outras, não havendo diferenças significativas entre as regiões.

A relação familiar se mostrou como fator de grande importância no manejo do stress acadêmico, o que pode ser observado nos resultados da relação stress com a frequência de visitação à família, região de origem e moradia. Alunos que convivem com a família diariamente sofrem menos de stress que os estudantes que só têm contato no período de férias, o que explicaria a maior proporção de estressados entre os oriundos de outros estados, assim como os que não residem com a família.

Días e Gómez (2007) consideram que o ambiente acadêmico pode ser estressante quando não há condições e normas adequadas que permitam o desenvolvimento saudável da socialização, o incentivo à comunicação de alunos com professores, pais e famílias, com a sociedade e suas relações ambientais. Assim, os alunos podem experimentar o stress durante todo o ano letivo, desde o seu ingresso, quando se inicia a adaptação, até nas relações com os outros e com os seus professores, na realização de tarefas, nas avaliações, na fadiga cognitiva, no desejo de concluir um período acadêmico, entre outros fatores.

No presente estudo, mais da metade dos alunos (59,30%) indicaram necessitar de atendimento psicológico, o que representa um dado alarmante. Essa necessidade aumenta de forma significativa conforme a gravidade dos sintomas de stress. No relatório do FONAPRACE de 2004 e 2011, o percentual de estudantes das universidades federais que se queixaram de sofrimento psíquico foi de 36,90% e 47,70%, respectivamente. Isso sugere que pode estar ocorrendo um aumento considerável de necessidade de atendimento psicológico entre os estudantes universitários de modo geral ou até mesmo que o contexto específico da universidade estudada proporciona ao aluno um maior sofrimento psíquico que em outras instituições. É importante ressaltar também que apenas 32,60% dos alunos dizem conviver diariamente com a família e que a sintomatologia psicológica aumenta significativamente conforme a redução desse convívio, o que justificaria grande parte da necessidade de atendimento psicológico explicitada. Sendo assim, Calais et al (2003) sugerem que a comunidade acadêmica acompanhe, monitore e ofereça apoio aos alunos de forma a enfrentar fatores como o stress elevado que contribui para o fracasso e a evasão escolar.

Cerchiari, Caetano e Faccenda (2005) destacaram a preocupação que se deve ter com o processo adaptativo dos estudantes na vida universitária, à medida que os problemas e as dificuldades neste processo favorecem a apresentação de sofrimento psíquico durante o período acadêmico. Assim, para assegurar uma melhor adaptação do aluno à universidade, e consequentemente contribuindo para sua saúde física e psíquica, dever-se-ia investir na convivência com a família, seja através de apoio financeiro, seja através de melhoria de transportes ou oferecimento de ajuda para visitação às famílias de outros estados; aumentando o número de profissionais de assistência psicossocial ao estudante, com a criação de campanhas psicoeducativas para prevenção e tratamento do stress junto a alunos, professores e demais profissionais de educação; criando políticas específicas voltadas para a saúde da mulher; e permitindo uma maior acessibilidade dos alunos a serviços de Psicologia e Psiquiatria, com ampliação do serviço no campus e criando parcerias com os Centros de Atenção Psicossocial [CAPS] do município e /ou das cidades onde o aluno reside.

É importante destacar as limitações deste estudo. O período acadêmico conturbado devido às paralisações das aulas, em que os alunos cursaram três períodos em um ano, pode ter exacerbado os sintomas de stress. Os alunos estavam constantemente realizando avaliações e preocupados com excesso de conteúdo em tão pouco tempo. Por se tratar de um estudo transversal, não é possível traçar relações de causalidade. Estudos longitudinais que acompanhem os estudantes ao longo da trajetória acadêmica podem trazer resultados mais robustos que confirmem alguns desses dados.

Dessa forma, é necessária a realização de mais estudos amplos e com rigor metodológico adequado, para que se possa não somente estimar a prevalência de stress, como identificar os fatores que predispõem a ocorrência do stress emocional e sua influência na saúde mental dos estudantes, a fim de auxiliar as políticas de assistência estudantil não apenas da instituição estudada como a de tantas outras com características semelhantes.

 

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