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Psicologia da Educação
versão impressa ISSN 1414-6975versão On-line ISSN 2175-3520
Psicol. educ. no.43 São Paulo dez. 2016
https://doi.org/10.5935/2175-3520.20160007
ARTIGOS
Psicologia educacional: concepções de professores de curso de licenciatura
Educational psychology: perceptions of professors in education courses
Psicologia educacional: concepciones de los profesores del curso de licenciatura
Maria Ester Rodrigues
Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Campus Cascavel. mariaester.rodrigues@gmail.com
RESUMO
O objetivo do trabalho é apresentar concepções de professores de curso de Licenciatura acerca de diversas questões relacionadas à Psicologia e Educação. Foram entrevistados doze docentes da disciplina Psicologia da Educação e assemelhadas, que trabalhavam nas cinco instituições de ensino superior que ofertavam licenciaturas em uma cidade polo no Oeste do Paraná. Dentre outros aspectos, verificou-se que os participantes queixam-se quanto à carga horária da disciplina, cada vez mais reduzida; relacionam essa redução à dificuldade de articulação teoria-prática e à dificuldade de entendimento de conteúdos extensos e variados pelos aluno se não estão satisfeitos com os planos de ensino; acreditam que os psicólogos estão despreparados para trabalhar com problemas de aprendizagem que não sejam de origem emocional e para auxiliar professores; consideram os conteúdos excessivamente desenvolvimentistas e não detectam a presença de Psicologia do Ensino. Aspectos já relatados na literatura - como a responsabilização do aluno e de sua família pelo fracasso escolar - continuam sendo mencionados. A pesquisa identifica concepções de profissionais formadores de professores, bem como fornece indicações de possíveis mudanças a serem realizadas no ensino de Psicologia Educacional, a fim de auxiliar a construir uma outra realidade formativa.
Palavras-chave: Psicologia da Educação, concepções de formadores, formação de professores.
ABSTRACT
The objective of this work is to present perceptions of professors in education programs on various matters related to Psychology and Education. Twelve professors of Educational Psychology and similar disciplines, working in five higher education institutions offering Bachelor degrees in a cluster city in the West of Paraná State were interviewed. Among other aspects, it was observed that participants complain about the course load of the subject, increasingly smaller. They associate this reduction to the difficulty in theory-practice articulation, difficulty in understanding extensive and varied contents by students; and they are not satisfied with teaching plans. They believe that psychologists are unable to work with learning problems that are not emotional and, consequently, to help teachers to deal with the problem; they considered Educational Psychology as excessively developmentalist and do not recognize the presence of a Teaching Psychology. Aspects already reported in literature - as the tendency of professionals to blame the student and their relatives for school failure -, are also mentioned. The study identifies the perception of professional trainers of future-teachers, and provides signs of changes to be performed in Educational Psychology, helping to build a differentiated educational reality.
Keywords: Educational Psychology, perception of professional trainers, Teacher's
RESUMEN
El objetivo de este trabajo es presentar las percepciones de profesionales formadores de profesores acerca de diversas cuestiones relacionadas a la Psicología y Educación. Se entrevistaron, por medio de un guión semiestructurado, 12 participantes, docentes de la disciplina Psicología de la Educación y semejantes, que trabajaban en cinco instituciones de enseñanza superior que ofrecían licenciaturas en una ciudad polo en el Oeste del Estado de Paraná en el año de 2010. Se presentan datos relativos a la caracterización de los sujetos y los que se destacaron en el análisis de datos, comparándolos a la luz de la literatura. Los participantes se quejan con relación a la carga horaria de la disciplina, cada vez más reducida, relacionan esta reducción a la dificultad de articulación entre teoria y práctica, a la dificultad de entendimiento de contenidos extensos y variados por parte de los alumnos y no están satisfechos con los planes de enseñanza; creen que los psicólogos son, en gran medida, incapaces de trabajar con problemas de aprendizaje que no sean de origen emocional y, consecuentemente, auxiliar profesores en el trato de la cuestión; problematizan con relación al surgimiento de la profesión de psicopedagogo; consideran los contenidos excesivamente desarrollistas y no detectan la presencia de una psicología de la enseñanza. Se continúan mencionando temas ya exhaustivamente relatados en la literatura, como la insatisfacción con la permanencia de la tendencia de profesionales del área en responsabilizar al alumno y su familia por el fracaso escolar. El estudio identifica la percepción de profesionales formadores de profesores, ofrecen la oportunidad para que hablen de sus éxitos y contratiempos, así como también presenten indicios de posibles cambios que se deben realizar en la enseñanza de la psicología de la educación, contribuyendo para una otra realidad formativa diferenciada.
Palabras clave: psicología educacional, percepción de profesionales formadores, formacion de profesores.
Muitos são os questionamentos acerca da histórica parceria entre Educação e Psicologia (Goldberg, 1978; Mestres, Goñi & Gallart, 1997/1999; Antunes, 2008; Guzzo, Mezalira, Moreira e Tizzei, 2010; Barbosa e Souza, 2012, entre outros); apesar das críticas recorrentes, a relação entre Psicologia e Educação continua sendo estreita.
A Abrapee (2007) definiu a Psicologia Escolar como mais voltada às dimensões subjetivas do ser humano, sendo a intervenção sobre os mesmos o campo de atuação do psicólogo escolar. Já a Psicologia Educacional seria formada predominantemente por pesquisadores (não necessariamente psicólogos) que atuam em instituições educativas, dedicando-se ao ensino e, principalmente, pesquisa na intersecção Psicologia-Educação, constituindo-se como especialização profissional que subsidia as demais, além de ter a sua própria forma de atuação. Definição semelhante foi apresentada por Antunes (2008).
Recentemente, algumas divergências têm surgido, especialmente por parte de Psicólogos Escolares, a respeito de haver ou não diferença entre Psicologia e Psicólogos Escolares e Educacionais (Barbosa & Marinho-Araújo, 2010; Barbosa & Sousa, 2012). A terminologia Psicologia Escolar/Educacional em substituição à separação entre ambas é advogada. Porém, psicólogos escolares continuam a se referir em suas publicações predominantemente a questões relacionadas à formação e atuação do psicólogo (Guzzo, Mezalira, Moreira & Tizzei, 2010; Cruces, 2010; Barbosa & Marinho-Araújo, 2010; Brasil, 2012).
Gatti (2010b) considera as denominações Psicologia Educacional e Psicologia Escolar como exemplo da disputa acadêmica que teria ocorrido no final dos anos 1960 e início dos anos 1970, com a criação da Faculdade de Educação e do Instituto de Psicologia na USP. A ausência de neutralidade na discussão fica evidente quando se identificam autores que atribuem um caráter de desqualificação à atuação do psicólogo, seja ele denominado escolar ou educacional.
A Psicologia Escolar é especialidade do psicólogo, sendo reconhecida pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), desde 2007. Apesar de ser especialidade existente em grande parte dos cursos de formação em Psicologia, Guzzo, Mezalira, Moreira e Tizzei (2010) afirmam que o psicólogo escolar, há pelo menos 50 anos, não tem um espaço bem definido na escola propriamente dita. Os autores mencionam dados do CFP, de 2004, segundo os quais apenas 11% dos psicólogos atuavam como psicólogos escolares e, com as novas diretrizes curriculares nacionais para a formação do psicólogo, o conteúdo de Psicologia Escolar deixou de ser currículo mínimo para ser eletivo. Em outras palavras, psicólogos escolares têm estado afastados da escola propriamente dita; encontram-se em proporção numérica inferior à de demais especialidades e estão com importância diminuída na formação do psicólogo.
Já a Psicologia Educacional (e não a Escolar) tem estado presente na denominação e no conteúdo integrante dos cursos de formação de professores. A Psicologia da Educação, em cursos de formação de professores, é efetuada em uma ou duas disciplinas, privilegiando fortemente teorias de desenvolvimento e, em alguns casos, de aprendizagem, muito embora a relação desses conteúdos (desenvolvimento e aprendizagem) com o ensino propriamente dito, com o "como ensinar", nem sempre seja suficientemente clara (Gatti, 2010a). Tal diagnóstico já havia sido realizado por Goldberg (1978), ao afirmar que, teoricamente, a Psicologia da Educação serve de fundamentação ao professor, mas que na prática, porém, a Psicologia traria mais promessas que soluções para problemas pedagógicos. A autora também criticava o privilégio de conteúdos de desenvolvimento e aprendizagem "puros" no ensino de Psicologia da Educação.
Resumindo, a orientação mais necessária aos educadores seria a orientação consistente e cumulativa que promove ensino, e não apenas compreensão de processos de aprendizagem e de desenvolvimento. Sendo o ensino a função básica do professor, parece lógico que, ao ser preparado para exercer sua função, deva ser ensinado a ensinar. No entanto, e por absurdo que pareça, esta não é uma posição unânime na Educação ou mesmo em Psicologia. Ao contrário, os métodos de ensino (comparados incompreensivelmente a "receituário") ou o "como ensinar" tendem a ser menosprezados e o ensinar não está sendo suficientemente valorizado na formação do professor.
Em artigo mais recente, que analisa a formação de professores no Brasil a partir de ementas de todas as disciplinas de um conjunto representativo de cursos, Gatti (2010a) menciona ter encontrado pouquíssima relação entre teorias e práticas na formação de pedagogos, registros incipientes referentes ao 'o que e como ensinar', privilégio de carga horária teórica e pouca associação de conteúdos com as práticas docentes. Em resumo, a valorização de teorias de ensino e do como ensinar não era o que ocorria (Goldberg, 1978) e não é o que ocorre em momento mais atual (Gatti, 2010a). Assim, a formação oferecida aos professores continua a não lhes prover de recursos para entender e alterar condições de ensino, mesmo as que são por eles utilizadas.
Em meio a tantas dúvidas acerca do quão adequada é a formação de professores oferecida na atualidade, decidiu-se verificar as concepções de profissionais formadores de professores, que lecionam Psicologia da Educação em licenciaturas, sobre a contribuição da Psicologia na formação de professores, bem como sobre relações entre Psicologia e Educação.
MÉTODO
A pesquisa foi aprovada pelo comitê de ética. Cinco instituições de ensino superior da referida cidade-polo - quatro instituições privadas e uma pública - oferecem cursos de formação de professores (pedagogia e licenciaturas), e foi apresentada, aos dirigentes institucionais, a descrição do trabalho que seria realizado, obtendo-se autorização de acesso aos participantes.
Participantes
Os participantes - professores da disciplina Psicologia da Educação (ou disciplina equivalente, com outras denominações e mesmos conteúdos) - assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido para a concessão da entrevista, e também autorizaram a sua gravação. Dos treze potenciais professores participantes que lecionavam a disciplina no ano de 2010, apenas um (da instituição pública) não concordou em conceder a entrevista. Os 12 participantes eram formadores de professores em cursos de licenciatura anuais, quais sejam: Pedagogia (três disciplinas), Letras (duas disciplinas), Artes Visuais (uma disciplina), História (uma disciplina), Matemática (uma disciplina) e Educação Física (uma disciplina). Houve casos de oferta da mesma disciplina em turmas simultâneas, ministradas por professores diferentes, razão pela qual o número de disciplinas não corresponde ao número de participantes.
Material
O roteiro de entrevista foi composto pelos seguintes aspectos:
I) visão do professor sobre o curso de Psicologia em sua instituição; II) opinião sobre o perfil do profissional da Educação que a disciplina de Psicologia da Educação ajuda a formar; III a) opinião acerca da articulação entre teoria-prática no conteúdo da Psicologia Educacional, e a visualização da teoria na prática escolar; III b) opinião do professor sobre a dificuldade de interpretação e compreensão das teorias psicológicas pelos alunos; III c) opinião acerca do privilégio do ensino de teorias de Psicologia do Desenvolvimento e, em menor medida, Psicologia da Aprendizagem, bem como, possível derivação de uma teoria de Psicologia do Ensino advinda das anteriores; IV) visão sobre conhecimentos e temáticas contemporâneas a serem abordados pela Psicologia da Educação; V) papel atribuído à Psicologia da Educação na formação de professores; VI) possíveis diferenças e similaridades entre Psicologia escolar e educacional; VII) papel atribuído à atuação do psicólogo educacional na contemporaneidade; VIII a) opinião sobre do preparo dos psicólogos (clínicos ou não) para intervenção em problemas escolares; VIII b) opinião sobre a possível tendência de professores a individualizar e patologizar crianças e sua família pelas suas dificuldades escolares; VIII c) opinião sobre a possível tendência de psicólogos a individualizar e patologizar a criança e sua família pelas suas dificuldades escolares; VIII d) opinião sobre o surgimento da profissão de psicopedagogo e sua atuação junto a crianças com dificuldades escolares.
Procedimento
Para a coleta de dados, foi realizada, individualmente, uma entrevista por participante, a qual foi gravada. Perguntas que esclarecessem o conteúdo da fala das entrevistadas foram efetuadas durante a entrevista, sempre que necessário.
Para a análise dos dados, foram construídas categorias com base nas reflexões constantes dos textos previamente indicados, e com base na transcrição integral e leitura das entrevistas. A análise das respostas foi realizada pela identificação dos argumentos e sub-argumentos fornecidos pelos participantes, agrupados pelas similaridades e diferenças apresentadas.
Foi possível explorar a diversidade de concepções dos sujeitos a respeito de algumas relações Psicologia e Educação, sendo que o rapport estabelecido permitiu que os sujeitos se posicionassem em relação a assuntos não previstos inicialmente no roteiro (ex.: carga horária da disciplina).
RESULTADOS
A disciplina foi encontrada na maior parte das instituições pesquisadas com a denominação "Psicologia da Educação", mas também com outras denominações como"Psicologia da Educação: Adolescência e Aprendizagem" e como "Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem", essa última na instituição pública. Nos cursos de Pedagogia observou-se uma particularidade - a oferta das disciplinas "Psicologia da Educação I" e "Psicologia da Educação II" (respectivamente, primeiras e segundas séries do curso).
A maior parte dos entrevistados (10 deles) tinha graduação em Psicologia e apenas dois em Pedagogia, que eram professoras colaboradoras na instituição pública. Nove participantes relataram terem cursado Especialização Lato Sensu, sendo cinco em Psicopedagogia. Os outros três fizeram especialização em outras áreas alheias à disciplina.
Quanto à formação Strictu sensu, 75% relataram ter mestrado. As áreas das titulações de mestrado foram: Educação (quatro), Psicologia Escolar (uma), Psicologia da Saúde (três), Psicologia Social e da Personalidade (uma), ou seja, menos da metade de mestrados relacionados à área. A formação em nível de Doutorado foi relatada por dois participantes, ambos funcionários da instituição pública de ensino, em duas áreas diferentes: Educação Especial e Psicologia Escolar.
A abordagem psicológica de preferência das entrevistadas foi variada: Junguiana (uma), Comportamental Cognitiva (uma), Histórico-Cultural (duas), Eclética (duas), Fenomenológico-existencial (duas), Psicanálise (quatro).
O tempo de experiência no ensino de Psicologia da Educação foi de menos de 6 meses a 20 anos ou mais, tendo a maioria (nove deles) experiência de até 1 ano e 6 meses, portanto a maioria tinha pouco tempo de experiência no ensino da disciplina.
Alguns relataram trabalhar em mais de uma instituição, mas não necessariamente com a mesma disciplina, caracterizando-se um leque de atuação profissional que incluía atuação em vários campos, disciplinas e níveis de ensino.
A pesquisa gerou uma grande quantidade de dados, os quais foram organizados em três grupos: os que apresentaram maior homogeneidade na argumentação, os de homogeneidade intermediária e os que apresentaram dispersividade. Os itens do roteiro diante dos quais houve mais semelhanças na argumentação foram os itens III b, VIII c, III a, VI, VIII b e VIII d. Os itens I, III c, e IV não apresentaram nem homogeneidades e nem muitas dispersões na argumentação, situando-se numa posição intermediária. Os itens II, V, VII, VIII a foram os que apresentaram maior diversidade de respostas, com menor agrupamento por semelhanças.
Inicia-se com a apresentação dos principais resultados dos itens que geraram mais semelhanças na argumentação dos entrevistados: III b - Opinião do professor sobre a dificuldade de interpretação e compreensão das teorias psicológicas pelos alunos; VIII c - Opinião sobre a possível tendência de psicólogos a individualizar e patologizar a criança e sua família pelas suas dificuldades escolares; III a - Opinião acerca da articulação entre teoria-prática no conteúdo da Psicologia Educacional, e a visualização da teoria na prática escolar;VI - Possíveis diferenças e similaridades entre Psicologia escolar e educacional; VIII b - Opinião sobre a possível tendência de professores a individualizar e patologizar crianças e sua família pelas suas dificuldades escolares; VIII d - Opinião sobre o surgimento da profissão de psicopedagogo e sua atuação junto a crianças com dificuldades escolares.
Dentre esses itens, o que gerou o maior consenso entre os entrevistados foi o item III b, pois oito participantes concordaram com a afirmação de que os alunos têm dificuldades em interpretar e entender teorias psicológicas e, também, em efetuar articulação teoria-prática (ponto abordado explicitamente em outro item), especialmente quando o professor não efetua ou não facilita tal articulação. Afirmaram, ainda, observar que seus alunos apresentam dificuldades em entender também conteúdos de outras disciplinas. A forma como explicam a dificuldade dos alunos diferiu, mas foram apontadas a ausência ou dificuldade de leitura de textos científicos, planos de ensino inadequados e insuficiência de carga horária, e não exatamente a complexidade das teorias. Um dos sujeitos ilustrou com o caso do 1º bimestre de aulas em que, de acordo com o plano de ensino recebido pronto da matriz institucional, deveriam ser lecionadas quatro diferentes teorias em Psicologia, cada qual com bases epistemológicas completamente diferenciadas.
Outro sujeito, que lecionava uma disciplina de 51 horas na instituição pública, relacionou a dificuldade à necessária redução de material, tendo em vista uma ementa com carga horária tão reduzida.
Sete participantes concordaram sobre a necessidade de haver articulação teoria-prática no conteúdo da Psicologia (item III a), porém, discordaram sobre a existência, a priori, de tal desarticulação. A argumentação de tais profissionais não diferiu substancialmente, girando em torno da habilidade maior ou menor que o professor teria de contextualizar o conteúdo teórico à realidade profissional ou aos interesses do aluno.
A inexperiência do professor de Psicologia da Educação foi abordada por um dos participantes, que mencionou, além da ausência de experiência em escola propriamente dita, ausência de conhecimento sobre a realidade específica do professor de Educação Física, licenciatura para a qual lecionava.
Quanto ao item VIII c, oito participantes concordaram sobre a tendência de psicólogos a individualizar e patologizar a criança, e sua família, pelas suas dificuldades escolares, sob linhas de argumentação diferentes e complementares entrelaçadas pelo argumento da existência de um viés clínico que perpassaria, via de regra, o olhar do psicólogo.
Como exemplo, os argumentos da tendência de os psicólogos esquecerem o contexto social da criança ou esquecerem de oferecer uma intervenção apropriada após o diagnóstico. Também foi mencionado que o psicólogo investiga psicopatologias como TDAH, Dislexia, etc., e tende a não investigar fenômenos não situados no aluno propriamente dito e que interferem no desempenho escolar. Importante destacar que um dos sujeitos afirmou que nada estudou na graduação em Psicologia sobre outros fatores que interferem na aprendizagem que não sejam os situados na criança ou na sua família.
A pressão sobre o psicólogo, que utiliza testes, para entregar laudos em tempo recorde também foi mencionada como possível explicação dessa tendência. Outro sujeito afirmou observar psicólogos encaminharem crianças para neurologistas e psiquiatras sem necessidade, ao invés de assumir um trabalho mais longo com a subjetividade da criança. Esse participante não acredita que o psicólogo possa auxiliar em questões relacionadas à aprendizagem, o que chama de "aula de reforço na clínica". Dentre os que declararam não concordar com a afirmação ou não saber responder encontram-se os dois sujeitos não psicólogos.
Sobre a tendência de professores culparem a criança e sua família sobre o fracasso escolar (VIII b), os participantes têm opinião muito semelhante à da questão anteriormente apresentada, ou seja, os entrevistados acreditam que tanto psicólogos quanto professores culpam a criança e sua família(oito e sete afirmações, respectivamente). Com mais semelhanças que diferenças na argumentação, afirmam que os professores o fazem como forma de não se responsabilizar pelo fracasso escolar. Os professores aprenderiam a responsabilizar o aluno por eventuais problemas durante sua formação e prática profissional, não analisando o processo pedagógico. Isso ocorreria como forma de se "conformar à situação' e não como forma de obter auxílio para o aluno, como se a existência de uma patologia atestasse que nada mais pode ser feito pelo professor. Tal postura é vista como negativa, pois revela visão limitada da educação não permitindo ao professor se ver como parte da relação de aprendizagem.
A maior parte dos participantes (sete deles) reconhece diferenças entre Psicologia e psicólogos escolares e educacionais (Item VI), com vertentes de argumentação na maior parte convergentes e complementares entre si. Talvez o único ponto de não complementaridade seja o fato de alguns considerarem a atuação da Psicologia Educacional como mais abrangente. A Psicologia Escolar é entendida como predominantemente institucional e voltada à eficiência do processo ensino-aprendizagem num contexto diário de problemáticas que ocorrem no ambiente escolar. O psicólogo escolar é entendido, portanto, como alguém que atua numa instituição escolar, predominantemente na Educação básica e fundamental.
A Psicologia Educacional seria uma elaboração a ser realizada pelo profissional da Educação, sendo psicólogo ou não, voltada à integração de diversos conhecimentos entre si, como a que se tem nos cursos de licenciatura, voltados à formação de professores. O psicólogo da educação pesquisaria e compreenderia a eficácia de instrumentos utilizados no contexto da Educação, como as teorias de aprendizagem, de desenvolvimento e as teorias psicológicas em geral, procurando responder como o aluno aprende e relaciona o contexto de aprendizagem com sua vida diária. A Psicologia Educacional, tal como entendida, ultrapassa o ambiente "escola", sendo uma atuação mais ampla, também com maior amplitude de formação.
Sete entrevistados relatam ver de modo positivo o surgimento da profissão de psicopedagogo (Item VIII d) e sua atuação junto a crianças com dificuldades escolares, mas, paradoxalmente, apontam muitos problemas relativos à formação e ao modus operandi de tais profissionais. Apresentam mais similaridades e complementariedades que diferenças de argumentação. Dos sete, dois deles, especificamente supervisores de psicopedagogos em formação e recém-formados, apesar de declararem ver de modo positivo a atuação desses profissionais, na sequência da argumentação também apontaram uma série de limites.
A atuação do psicopedagogo é vista pelos entrevistados como atuação somatória à do psicólogo, havendo uma separação entre atribuições de ambos. O primeiro é visto como mais preparado para tratar de questões pedagógicas (relativos ao aluno e ao professor) e o psicólogo como mais preparado para tratar de problemas emocionais.
Há os que consideram o trabalho do psicólogo como "ameaça" aos profissionais de Educação com formação em psicopedagogia, especialmente se for um trabalho diferenciado. Dois sujeitos declaram, sob linhas complementares de argumentação, que o trabalho do Psicopedagogo impede que as prefeituras coloquem em prática a lei local já aprovada de contratação de psicólogos.
Na argumentação, apontaram questões sobre a identidade profissional, como a dificuldade de alguns psicopedagogos entenderem que a utilização de testes psicológicos é exclusiva dos psicólogos e que problemas emocionais não devem ser tratados pelo psicopedagogo. Tais problemas estariam sendo agravados pela proliferação de cursos com curta duração (seis meses a um ano e meio), com questionamento de sua qualidade.
A seguir, serão apresentados os principais resultados nos itens que concentraram a opinião de metade dos entrevistados, situando-se em posição intermediária quanto à homogeneidade ou dispersão na argumentação, quais sejam: I) Visão do professor sobre o curso de Psicologia em sua instituição; III a) Opinião acerca da articulação entre teoria-prática no conteúdo da Psicologia Educacional, e a visualização da teoria na prática escolar; IV) Visão sobre conhecimentos e temáticas contemporâneas a serem abordados pela Psicologia da Educação.
Quando inquiridos sobre como avaliam o curso de Psicologia da Educação em suas instituições (Item I), seis docentes verbalizaram que o curso é "muito importante". Quanto à carga horária, quatro sujeitos mencionaram considerar a carga horária da disciplina insuficiente, especialmente em outras licenciaturas que não a de Pedagogia. Três participantes da instituição pública demonstraram insatisfação com a carga horária de algumas licenciaturas (51 horas), gerando a necessidade de efetuar um trabalho de conteúdo muito sintetizado e resumido. Mesmo na Pedagogia, citaram ter havido redução de carga horária em relação a que existia no passado (quatro horas aula no 1º ano do curso e quatro no 2º, para quatro no 1º e três no 2º), o que indicaria a necessidade de reflexão dos profissionais da área em relação a essa "perda de espaço" da disciplina. Apenas um deles mencionou que, no ano anterior ao da realização da entrevista, a carga horária da disciplina, que era de uma hora aula por semana, havia aumentado para duas.
O privilégio a teorias (Item III) foi relatado por dois sujeitos. Um deles assumiu explicitamente sua preferência e prioridade ao trabalho com conteúdos de Psicanálise. O outro, apesar de não ter formação inicial em Psicologia e considerar-se generalista, mencionou sua impressão sobre os profissionais que lidam com a Psicologia serem marcados por preferências e"paixões individuais".
No que concerne ao privilégio do ensino de teorias do desenvolvimento, metade dos participantes concordaram que haveria privilégio do ensino de teorias de Psicologia do Desenvolvimento, com pouca menção à Psicologia da Aprendizagem. Há concordância à não alusão a uma Psicologia do Ensino. Porém, acreditam que esse privilégio prejudique a disciplina tornando-a menos abrangente e menos adequada às necessidades formativas dos futuros professores.
No item IV, houve grande variedade nos "conhecimentos e temáticas contemporâneas que deveriam ser abordadas pela disciplina". Verificou-se que foram feitas referências a: 1. temáticas gerais, relacionadas ao indivíduo, que interferem na aprendizagem (14 menções); 2. temáticas relativas a autores e teorias que poderiam ser ensinados (6 menções); 3. violência escolar e agressividade (cinco menções); 4. problemas de aprendizagem (cinco menções); 5. temáticas relativas ao professor (quatro menções); 6. ensino por análises - atualidades e outras (quatro menções); 7. políticas públicas (duas menções).
Considerando-se as duas categorias mais citadas (1 e 2), verificou-se que no caso das temáticas gerais relacionadas ao indivíduo e que interferem na aprendizagem (com 14 menções), entre outras foram citadas motivação, psicopatologias, questões relativas à família do aluno, como papel da família no processo ensino-aprendizagem e divórcio/baixa escolaridade dos pais etc.
No caso das temáticas relativas a autores e teorias que poderiam ser ensinados (seis menções), houve menção à necessidade de aprofundamento em termos teóricos de uma dada teoria (um dos sujeitos mencionou o desejo de lecionar mais Psicanálise, para tratar do desejo de aprender do aluno e do desejo de ensinar do professor); à sugestão de que cada professor lecionasse apenas uma teoria, à sua escolha, dependendo de seu referencial teórico à sugestão de se abandonar o ensino de Psicologia por meio do confronto entre temáticas ou autores (exemplo: Piaget versus Vygotsky) e à utilização de mais textos clássicos.
A seguir, serão apresentados os resultados dos itens com maior diversidade de opiniões entre os entrevistados, quais sejam: II) opinião sobre o perfil do profissional da Educação que a disciplina de Psicologia da Educação ajuda a formar; V) papel atribuído à Psicologia da Educação na formação de professores; VII) papel atribuído à atuação do psicólogo educacional na contemporaneidade; VIII a) opinião sobre do preparo dos psicólogos (clínicos ou não) para intervenção em problemas escolares.
No que diz respeito ao perfil de profissional da Educação que a disciplina de Psicologia da Educação ajuda a formar (Item II), cinco participantes mencionaram que a disciplina de Psicologia da Educação deve ajudar a formar profissionais aptos a "compreender" o aluno, sob diferentes vertentes de argumentação. Para um dos sujeitos o objetivo maior da disciplina (lecionada no curso de História) seria a compreensão do processo de adolescência.
Dois sujeitos mencionaram a necessidade de a disciplina formar profissionais aptos a entenderem dificuldades de aprendizagem e fracasso escolar, seja para encaminhar, seja para compreender o fracasso escolar e suas origens sociais e escolares, rompendo com a atribuição de culpa ao aluno. Um participante mencionou que a disciplina de Psicologia da Educação ajudaria a formar profissionais aptos a conhecer o processo de desenvolvimento e de aprendizagem; segundo ele, os professores, ao compreender as diferentes teorias psicológicas que explicam desenvolvimento e aprendizagem, automaticamente passariam a compreender o que acontece na escola:
[...] basicamente eles precisariam compreender as diferentes teorias que explicam o processo de desenvolvimento e o processo de aprendizagem pra poder compreender aquilo que tá acontecendo dentro da escola. (Participante 6)
Dois participantes, ambos da instituição pública, opinaram que a disciplina não é fundamental para a formação do profissional professor. Um dos participantes não psicólogos, que lecionava uma disciplina de 51 horas aula para a licenciatura em Biologia na universidade pública, foi enfático em dizer que a disciplina não determina o perfil desse profissional e que a contribuição da mesma é bastante limitada.
Quanto ao papel da Psicologia da Educação na formação de professores (Item V), quatro participantes não utilizaram um adjetivo explícito (importante, fundamental, pouco importante, etc.), mas todos utilizaram diferentes argumentações.
Um sujeito não psicólogo (colaborador na instituição pública) apresentou uma concepção de não responsabilização pela aprendizagem do aluno, ao afirmar que a disciplina poderia auxiliar o professor a entender os fenômenos que não são determinados pela sala de aula, o que significa que o professor teria que conviver com problemas criados em outros lócus e sobre os quais nada poderia fazer para intervir. Esse seria, na concepção do participante, o caso dos alunos "sem limites" ou "sem estrutura familiar". A disciplina também ajudaria no sentido de tirar do professor o peso das avaliações sistemáticas (como as do Enem, Provão, entre outras), por ele entendidas como sendo de atribuição de culpa ao professor pelos maus resultados obtidos.
Três participantes atribuíram à atuação do psicólogo educacional o papel de formação de professores. Um deles declarou acreditar que o termo "psicólogo educacional" não exista mais e que o termo tenha caído em desuso em favor de "psicólogo escolar", da década de 1980 até os dias atuais.
Sobre o preparo dos psicólogos para intervenção em problemas escolares (Item VIII a), três afirmaram que tais profissionais não estariam preparados para atender tal demanda, outros três afirmando que dependeria do profissional. Apenas um sujeito declarou que estariam preparados. Nas respostas a esse item, foram apontados aspectos como a formação voltada para aspectos emocionais da aprendizagem, deixando a descoberto outros fatores que podem influenciar a mesma. Ocorreram, também, opiniões diversas sobre serem, ou não, da competência profissional do psicólogoos problemas escolares de origem não emocional.
Um sujeito afirmou que não cabe ao psicólogo lidar com queixas escolares em geral; já o sujeito que declarou que os psicólogos estão preparados para atender à alta demanda infanto-juvenil de intervenção em problemas escolares, o fez com a ressalva de que se atenham ao "foco de tratar o campo emocional". Para este sujeito, o psicólogo deve "tratar a subjetividade, porque ele não vai tratar a aprendizagem". Tanto a identificação quanto o tratamento do problema de aprendizagem em si, na concepção deste sujeito seriam atribuições do professor.
DISCUSSÃO
Em linhas gerais, não é possível dizer que a formação acadêmica dos participantes esteja em conformidade com a área da disciplina Psicologia da Educação, pois embora psicólogos lecionem a disciplina, eles não são psicólogos especialistas em Psicologia Educacional/Escolar. O tempo de experiência em ensino na disciplina, no geral, é pequeno (até um ano e meio).
É na instituição pública que foram encontrados tanto os participantes com maior como com a menor qualificação, tanto em termos de nível quanto de adequação da formação. Parte da explicação para isso pode ser a política de tanto contratar professores temporários para suprir lacunas no ensino, quanto de exigir elevada carga horária de ensino, dos docentes da instituição, o que lhes obriga a lecionar praticamente qualquer disciplina que se lhes apresente.
Há um privilégio muito discreto pela Psicanálise na preferência dos docentes entrevistados, não sendo possível afirmar homogeneidade na opção por referencial teórico.
Verificou-seque os participantes consideram que a carga horária da disciplina é reduzida, fato que pode ser um dos fatores relacionados à dificuldade da articulação teoria-prática, bem como às dificuldades de entendimento dos alunos quanto ao conteúdo, aspectos que se constituem em desafio, ao professor da disciplina, em ajudar o aluno a se tornar autônomo. Isso porque há necessidade de os professores proporcionarem a vivência dos princípios teóricos em qualquer disciplina, entre elas a Psicologia da Educação, o que exige carga horária para execução de procedimentos e recursos metodológicos apropriados. A insatisfação com o plano de ensino recebido pronto, e não sujeito a mudanças, também se fez presente.
A redução crescente e historicamente observada na carga horária da disciplina foi também constatada na presente pesquisa. A diminuição da carga horária da disciplina nos cursos de formação de professores é discutida nas reflexões e dados de pesquisa de Bergamo e Romanowski (2006), Larocca (2007), Gatti (2010b). Tal diminuição de carga horária ocorreu, provavelmente, em função da onda de crítica dirigida às relações entre a Psicologia e a Educação, desde 1970, o que também pode ter gerado o afastamento dos psicólogos escolares do contexto escolar.
Há que se considerar, também, que no caso da Psicologia, com tantas vertentes teóricas e desdobramentos internos a cada uma, a exatidão no seu ensino perde com a redução de carga horária, reduzindo-se a riqueza conceitual e a diversidade teórica e histórica a poucos rótulos. Com o pouco tempo disponível, um ensino feito com base em confronto entre autores que se pretende ensinar (obsoletos versus progressistas, fulano versus cicrano, fulano versus resto) resulta mais na elaboração de preconceitos e menos na formação de atitude "crítica". Defende-se, tal como mencionado por um dos participantes que passou por essa experiência de "ensino por contrastes" como aluno na instituição pública pesquisada, que se poderia ter mais contribuições com o ensino da Psicologia ensinando-se os seus diferentes olhares para seus objetos.
As respostas dos participantes também ensejam reflexões acerca do despreparo da formação do psicólogo para lidar com problemas de aprendizagem que não sejam de origem emocional e, sim, geradas em outros contextos, entre eles o escolar. Parte da explicação pode ser a defasagem teoria-prática presente na formação do próprio psicólogo (Cruces, 2010; Guzzo, Mezalira, Moreira & Tizzei, 2010).
A desarticulação teoria-prática em relação ao conteúdo da Psicologia da Educacão foi mencionada pelos participantes, o mesmo tendo ocorrido nas pesquisas realizadas por Almeida e Azzi (2007), Bergamo e Romanowski (2006) e Lucion e Frota (2009), Larocca (2007). Esse dado se aproxima de a preocupação generalizada na literatura sobre o perigo da disciplina ficar restrita à dimensão teórica, sob pena de não contribuir para as decisões do dia a dia profissional dos futuros professores.
Apesar de a maior parte dos entrevistados ser favorável ao surgimento da profissão de psicopedagogoe de sua atuação junto a crianças com dificuldades escolares, ao longo do discurso passam a efetuar uma série de críticas à formação recebida e ao modus operandi de tais profissionais, concentrando-se na escassez de recursos para realizar diagnósticos e intervenções precisas.
O surgimento dessa nova profissão(recentemente aprovada)acaba por ser uma reedição da Psicologia como ciência subsidiadora de destaque no campo educacional, agora com outra denominação (Antunes, 2003). Também sinaliza a ausência de inserção do psicólogo em espaços escolares e a não importância dada a tal ausência por psicólogos e por educadores.
A ênfase em Psicologia do Desenvolvimento durante o ensino da disciplina é relatada pela literatura e evidenciada no discurso dos participantes. Considera-se (em concordância com Goldberg, 1978; Gatti, 2010a) que tal ênfase não substituía pesquisa e o ensino de Psicologia do Ensino, com foco na criação de condições de ensino que favoreçam a aprendizagem. Levando em consideração que as licenciaturas formam professores e que a disciplina de Psicologia da Educação faz parte da grade curricular, considera-se necessário ter, como objetivo do ensino dessa disciplina, competências técnicas derivadas da pesquisa, isto é, competências que sejam objeto de pesquisa de psicólogos e de pedagogos. Tal repertório técnico exigiria a compreensão do contexto em que as técnicas devem ser utilizadas, além de compreensão das próprias técnicas, já que é impensável um saber-fazer dissociado do pensar/refletir sobre o que, quando e como fazer. Os entrevistados estão longe de enfatizara presença da Psicologia com tal característica.
Grande parte dos fatores que influenciam a aprendizagem é externa ao indivíduo, mas são os fatores individuais que ainda são enfatizados, pelos entrevistados, como necessários de serem compreendidos pelos professores - e, portanto, de serem a eles ensinados. Tal ênfase talvez justifique a crítica de que a Psicologia é ineficaz para a Educação, ou até mesmo a negação da existência da Psicologia da Educação, tal como efetuada por uma entrevistada com formação em Psicologia Escolar. Tal negação também pode ser detectada na literatura produzida por especialistas em Psicologia Escolar, os quais problematizamo uso da terminologia "Psicologia Educacional", inferiorizando-a em relação à terminologia "Psicologia Escolar" (Barbosa & Souza, 2012).
Segundo os entrevistados, tanto os psicólogos quanto os professores responsabilizam a criança, e sua família, pelo seu fracasso escolar, retirando-o de seu contexto produtor mais abrangente, em consonância com críticas encontradas em profusão na literatura da área (Sekkel & Machado, 2007; Almeida & Azzi, 2007, Cruces, 2010; Guzzo, Mezalira, Moreira e Tizzei, 2010;entre outros).
Embora psicólogos ainda apresentem a tendência de individualizar e patologizar crianças e suas famílias pelo fracasso escolar, inúmeros outros profissionais fazem o mesmo, incluindo médicos das mais diferentes especialidades e profissionais da educação, como pedagogos, psicopedagogos e licenciados das mais diversas áreas.
Tal responsabilização, que na década de 1970 pode ser relacionada à adoção do modelo médico de atuação do psicólogo escolar (que foi posteriormente alvo de crítica gerando a retirada do psicólogo da escola), pode ser vista no fenômeno atual da medicalização crescente, na Educação e na sociedade como um todo. Nessa forma de atuação há uma espécie de armadilha ideológica que, senão é produzida pela Psicologia, deve ser por ela questionada e não adotada e/ou reproduzida.
Não se descarta a existência das problemáticas individuais (retardos, deficiências, transtornos de caráter neurológico, patologias variadas com interferências no processo ensino aprendizagem) e a necessidade de com elas trabalhar. No entanto, defende-se que a maior parte das problemáticas que incidem sobre o desempenho do aluno são originadas de outras fontes, dentre elas as condições socioeconômicas, as políticas educacionais e a própria escola e seus métodos, os quais carecem de maior atenção e criatividade com vistas a esforços preventivos e interventivos, que poderiam ser realizados pelo psicólogo escolar/educacional. A Psicologia Escolar/Educacional deveria subsidiar o professor no sentido de manejar as condições de ensino-aprendizagem, de modo a procurar superar déficits, compreendendo-os em seus contextos produtores.
Souza, Ramos, Lima, Barbosa, Calado e Yamamoto (2014) analisaram livros publicados basicamente por três editoras do Sudeste e chegaram à conclusão sobre a existência de uma produção científica crítica e inovadora na área de Psicologia Escolar/Educacional, com propostas de intervenção abrangentes e pautadas numa dimensão ético-política. A atuação inovadora, no entanto, não foi apontada pelos sujeitos entrevistados; ao contrário, problemas vários foram mencionados na formação e atuação profissional, bem como no exercício da função de formadoras docentes.
A Educação, no Brasil, poderia se beneficiar da contribuição diferentes áreas de conhecimento, dentre as quais a Psicologia da Educação que pode oferecer contribuições, dentre outras, para o aperfeiçoamento do ensinar, comprometido socialmente, eticamente e politicamente (Guzzo et al., 2010; Barbosa & Marinho -Araújo, 2010; Barbosa & Sousa, 2012; Brasil, 2012; Souza, Ramos, Lima, Barbosa, Calado & Yamamoto, 2014).
Considera-se necessário que sejam realizadas outras pesquisas sobre temas a serem abordados, bem como procedimentos e recursos metodológicos a serem ministrados para os futuros professores, incluindo a prática pedagógica dos formadores responsáveis pela disciplina Psicologia Escolar/Educacional.
A presente pesquisa ofereceu informações sobre as concepções que profissionais formadores de professores têm acerca de questões relacionadas à relação entre Psicologia e Educação, a partir de um contexto educacional específico. Os resultados indicam a necessidade de mudanças no contexto formativo dos futuros professores, de modo a auxiliá-los a bem executar seu papel de agentes de aprendizagem.
REFERÊNCIAS
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