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Psicologia da Educação
versão impressa ISSN 1414-6975versão On-line ISSN 2175-3520
Psicol. educ. no.44 São Paulo jun. 2017
https://doi.org/10.5935/2175-3520.20170010
ARTIGOS
Leitura, escrita e equivalência de estímulos - em foco procedimentos de ensino
Reading, writing and stimulus equivalence - focus on teaching procedures
Lectura, escrita y equivalencia de estímulos - en foco procedimientos de enseñanza
Melania Moroz; Rosana Valiñas Llausas; Daniele Kramm; Stefan Bovolon
Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: Psicologia da Educação NEPEN - Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre o Ensino Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. pedpos@pucsp.br
RESUMO
A literatura aponta que a comunidade behaviorista produz sistematicamente estudos sobre sua produção científica. Usualmente, utilizam-se os resumos das publicações, os quais permitem focalizar grande número de trabalhos; no entanto, tal decisão impede que se aprofunde a análise do que foi realizado, em virtude da ausência de informações mais detalhadas. O presente estudo identificou especificamente os procedimentos de ensino sobre leitura recombinativa, com referencial da equivalência de estímulos. Foram analisadas na íntegra 12 pesquisas de mestrado e doutorado, identificando-se participantes (quantidade, idade, série cursada); setting (escola x outros); agente da intervenção (pesquisador, professor, outros); forma de intervenção (pesquisador - participante; pesquisador- grupo); condições experimentais (avaliação inicial, ensino, avaliação após ensino, generalização, manutenção); relações ensinadas e relações testadas. Entre outros aspectos, a análise desses estudos indicou que: os participantes foram alunos do ensino fundamental; os procedimentos de ensino foram realizados na escola; o agente da intervenção foi o pesquisador; a forma de intervenção foi pesquisador- grupo; - a avaliação da manutenção foi pouco frequente; - as intervenções apresentaram um caráter "reparador" das falhas do sistema educacional. A partir dos resultados, são sugeridos aspectos a serem focalizados em novos estudos.
Palavras chave: produção científica, discriminações condicionais, análise do comportamento, leitura, escrita.
ABSTRACT
The literature points out that the behaviorist community systematically produces studies on its scientific production. Usually, abstracts of the publications are used, which allow to focus on a great number of works; however, such a decision precludes an in-depth analysis of what has been done, owing to the absence of more detailed information. In the present study, specific emphasis is given to instructional interventions based on stimulus equivalence to teach reading. Twelve master's and doctoral studies were analyzed in all, identifying participants (quantity, age, series studied); setting (school x others); intervention agent (researcher, teacher, others); intervention format (researcher - participant, researcher - group); experimental conditions (pretest, training, posttest, generalization, maintenance); training relations; and tested relations. The results indicated, among others: the participants were elementary school students; the instructional interventions were carried out in the school; the intervention agent was the researcher; the intervention format was researcher-group; the intervention presented a "reparative" character of the failures of the educational system; the maintenance test was infrequent. New aspects to be focused on future studies are suggested.
Keywords: scientific production, conditional discrimination, behavior analysis, reading, writing
RESUMEN
La literatura apunta que la comunidad conductista produce sistemáticamente estudios sobre su producción científica. Usualmente, se utilizan los resúmenes de las publicaciones, los cuales permiten enfocar un gran número de trabajos; Sin embargo, dicha decisión impide que se profundice el análisis de lo que se ha realizado, debido a la falta de información más detallada. El presente estudio identificó específicamente los procedimientos de enseñanza sobre lectura recombinante, con referencial de la equivalencia de estímulos. Se analizaron en total 12 investigaciones de maestría y doctorado, identificando se participantes (cantidad, edad, serie cursada); (escuela x otros); agente de la intervención (investigador, profesor, otros); forma de intervención (pesquisador - participante, investigador- grupo); condiciones experimentales (evaluación inicial, enseñanza, evaluación tras la enseñanza, generalización, mantenimiento); relaciones enseñadas y relaciones probadas. Entre otros aspectos, el análisis de estos estudios indicó que: los participantes fueron alumnos de la enseñanza fundamental; Los procedimientos de enseñanza se realizaron en la escuela; El agente de intervención fue el pesquisador; La forma de intervención fue pesquisador - grupo; - la evaluación del mantenimiento fue poco frecuente; - las intervenciones presentaron un carácter "reparador" de las fallas del sistema educativo. A partir de los resultados, se sugieren aspectos a centrarse en nuevos estudios.
Palabras clave: producción científica, discriminación condicional, análisis del comportamiento, lectura, escrita
Problemas no ensino da leitura e escrita, no Brasil, são evidenciados pelos altos índices de fracasso escolar. Segundo o INEP (2014), 14,1 % das crianças brasileiras chegaram ao 5º ano (antiga 4ª série) acima da idade adequada para a sua série, ocorrendo distorção na relação idade-série, distorção que atinge 27,3% dos alunos entre os 6º e 9º anos. Como causas, o INEP cita a reprovação, o abandono escolar (que muitas vezes ocorre em função do baixo desempenho) e a permanência do aluno em classes de alfabetização.
A Síntese dos Indicadores Sociais - SIS, apresentada pelo IBGE (2013), destaca que embora a taxa de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais de idade no Brasil tenha baixado nos últimos anos (11,9%, em 2002, para 8,7% em 2012), ainda há um contingente de cerca de 13 milhões de pessoas analfabetas. Diante desse quadro, evidencia-se a importância de se buscarem alternativas de atuação.
Nicolino e Zanotto (2011), em estudo que analisa os trabalhos de Análise do Comportamento na área de Educação em periódicos brasileiros de 1961 a 2006, constataram o interesse crescente por parte dos pesquisadores em realizar estudos que proponham soluções para os problemas educacionais.
Parte de tais estudos tem se apoiado no modelo de equivalência de estímulos (Sidman & Tailby, 1982), cujas produções em diferentes campos (clínico, educacional, musical...), dão luz a novos olhares e discussões. Paula e Haydu (2010), focalizando particularmente resumos de trabalhos nacionais sobre equivalência de estímulos, publicados em anais de congressos, em periódicos e dissertações e teses durante o período de 1997 a 2007, identificaram 655 resumos. Segundo as autoras, os trabalhos desenvolvidos abordam diferentes temáticas: ensino de matemática, classes de estímulos, avaliação de repertório simbólico, ciências, ensino de LIBRAS, medida de tempo, ensino de leitura e escrita, entre outros. Há, portanto, estudos que têm como finalidade trazer respostas aos problemas educacionais existentes, sendo uma das possibilidades aperfeiçoarem a metodologia do ensino de leitura e de escrita, aspecto crítico evidenciado pelo sistema de avaliação formal do Brasil. De fato, as autoras verificaram que, dentre os objetivos elencados, a avaliação e/ou ensino de leitura e/ou escrita foi alvo de maior quantidade de estudos (28,3%).
Queiroz, Martins e Gioia (2011) analisaram a produção brasileira de teses e dissertações sobre leitura recombinativa/generalizada, produzidas entre 1990 e 2010. Conforme por elas pontuado, "A produção de pesquisas sobre leitura recombinativa/generalizada pode contribuir para resultados mais eficazes no desempenho em leitura das crianças brasileiras." (p. 180), contribuição fundamental tendo em vista o baixo desempenho apresentado por alunos brasileiros em avaliações sistemáticas.
Tendo localizado 56 trabalhos, verificaram que houve crescimento no número de produção ao longo dos anos. Tal produção, que veio se desenvolvendo a partir do modelo de equivalência de estímulos, distribuiu-se por diferentes universidades, sendo sete públicas (Universidade de São Paulo; Universidade de Brasília; Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho"; Universidade Federal de Santa Catarina; Universidade Federal de São Carlos; Universidade Federal do Pará; Universidade Estadual de Londrina) e duas particulares (Universidade Presbiteriana Mackenzie e Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Não foi objetivo das autoras, no entanto, olhar mais detalhadamente a produção de tais grupos, identificando suas características.
É comum o uso de resumos em pesquisas documentais, pois sintetizam o que foi produzido; no entanto, há ausência de informações relevantes. De Paula e Haydu (2010) salientam que, embora seu uso possibilite analisar maior quantidade de produções, perdem-se informações, sendo que mais detalhes poderiam ser identificados se houvesse a utilização dos relatos completos. Nessa mesma direção, Queiroz, Martins e Gioia (2011) indicam a ausência de informações, nos resumos, quanto aos procedimentos metodológicos utilizados ou sobre o referencial teórico adotado, assim dando força à importância de ter, como material de análise, o relato completo.
Caminhando na direção dos trabalhos de Paula e Haydu (2010) e de Queiros, Martins e Gioia (2011), no presente estudo foram alvo de análise dissertações e teses na íntegra, com o objetivo de identificar as características de estudos realizados sobre leitura recombinativa, com base no modelo de equivalência de estímulos.
A presente pesquisa, de natureza documental, vai ao encontro do exposto por Morris, Todd, Midgley, Schneider e Johnson (1990); os autores defendem a relevância de pesquisas dessa natureza, particularmente as que colocam em foco a produção científica de uma dada área de conhecimento, salientando sua contribuição, ao fornecerem um panorama do já produzido, para gerar propostas para problemas atuais, indicar tendências e fornecer sugestões para a atuação no futuro. Lee, Hamlin, Hildebrand, Carranza, Wannarka e Hua (2007) salientam que um motivo fundamental para o estudo da produção de um grupo ou tema é o fato de que, ao olhar para o já produzido, pode-se planejar mais adequadamente o futuro. Conforme destacam:
The state of our science is reflected by the research that is published. By examining this body of knowledge we can better identify gaps in the literature that should be addressed. This examination may also yield strengths, which can be capitalized upon in developing interventions that make education effective and accessible to all people. (p. 327)
MÉTODO
Material
Conforme o trabalho de Queiroz, Martins e Gioia (2011), a PUC-SP foi a instituição particular com maior produção sobre leitura recombinativa, com o aporte da análise do comportamento; optou-se, então, por focalizar as dissertações e teses do Programa de Psicologia da Educação, que se destacou nessa produção. Para a seleção dos trabalhos, teve-se como parâmetros temporais 2006 (a data inicial identificada pelas autoras) e 2012 (o ano posterior ao da publicação das autoras). Nesse período, foram selecionadas todas as dissertações e teses realizadas, sendo elas: 1) Ponciano, V. L. (2006). Ensino de leitura com uso de software educativo: novas contribuições. 2) Fernandes, M. A. P. (2008) Leitura: uma proposta de ensino a alunos da segunda série do Ensino Fundamental por meio de software educativo. 3) Llausas, R. V. (2008)Avaliação de uma proposta de ensino de leitura e escrita para jovens e adultos utilizando software educativo. 4) César, M. A. (2009) Ensino de leitura - uma proposta para aperfeiçoar o desempenho de alunos de 5ª e 6ª séries do Ensino Fundamental, com uso de software educativo. 5) Barros, M. N. F. C. V. S. (2009). Avaliação e ensino do repertório de leitura para indivíduos com Síndrome de Down com uso do software educacional Mestre. 6) Ponso, A. P. S. (2010). Leitura e escrita: uma proposta de ensino a alunos da 4ª série de PIC com software educativo. 7) Coimbra, C. F. S. N. (2010). Avaliação de uma programação de ensino de leitura para alunos do Ensino Fundamental em contexto coletivo, por meio de um instrumento informatizado. 8) Santos, C. A. D. (2010). Proposta de ensino de leitura e escrita, por meio de discriminações condicionais aplicadas com software, para jovens e adultos de um curso de EJA. 9) Martimiano, T. H. T. (2010). Avaliando uma proposta de ensino para crianças que apresentam dificuldade em leitura e escrita. 10) Rocha, K. C. S. (2010). Adolescência e violência: um desafio para o processo de ensino-aprendizagem. 11) Zanco, G. (2011). Ensino de leitura e escrita a partir de discriminações condicionais, para alunos do Ensino Médio. 12) Rainatto, R. (2012). Leitura e escrita para alunos do 3º ano do Ensino Fundamental - avaliação de um procedimento de ensino de discriminações condicionais com uso de software.
Procedimento
Para cada trabalho foram identificados: participantes (quantidade, idade, série cursada); setting (escola x outros); agente da intervenção (pesquisador, professor, outros); forma de intervenção (pesquisador - participante; pesquisador- grupo); condições experimentais (avaliação inicial, ensino, avaliação após ensino, generalização, manutenção); relações ensinadas e relações testadas.
Os trabalhos foram analisados na íntegra. Inicialmente, cada trabalho foi lido por uma dupla de pesquisadores, que categorizou as informações em uma planilha. Posteriormente, outra dupla reviu as informações constantes da planilha e, em caso de discordância com algum item, o grupo de pesquisadores, que esteve presente durante todo o trabalho de categorização, definiu a categorização final.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Foram 12 trabalhos produzidos entre 2006 e 2012, sendo a quase totalidade de dissertações (há apenas uma tese). A concentração dos trabalhos ocorre no ano de 2010, com cinco dissertações; nos demais anos, foram realizados entre um e dois trabalhos.
Verificou-se que nos primeiros anos o foco de ensino foi a leitura, porém a partir de 2010, além da leitura inseriu-se a escrita. Os repertórios de leitura e/ou escrita podem ser instalados ou aperfeiçoados a partir do modelo de equivalência de estímulos, segundo Strommer, Mackay e Stoodard (1992), pois o conjunto de relações subjacentes a tais repertórios pode ser representado por meio de relações de equivalência de estímulos. De fato, analistas do comportamento passaram a utilizar tal modelo como referência, a partir do estudo pioneiro de Sidman (1971).
O ensino do repertório de leitura foi o alvo inicial da produção de analistas do comportamento, sendo este repertório o mais frequentemente alvo dos estudos, conforme salientado por Pereira (2009). Ao analisar a produção nacional baseada no modelo de equivalência de estímulos e publicada sob a forma de periódicos entre 1989 e 2007, Pereira (2009) localizou 44 trabalhos, 22 dos quais focalizando o ensino do comportamento de ler. Também Paula e Haydu (2010) detectaram a leitura e/ou escrita como alvo (s) identificando 28,3% da produção com base na equivalência de estímulos (categoria "Avaliação e/ou ensino de leitura e/ ou de escrita").
Focalizando o contexto (setting) dos 12 estudos, verificou-se que todos ocorreram no contexto escolar, sendo 10 deles em instituições públicas, indicando a tendência, já detectada por Nicolino e Zanotto (2011), de analistas do comportamento atuarem, quando realizam suas intervenções na área educacional, nas próprias escolas.
Vale acrescentar que oito trabalhos foram realizados em situação coletiva, isto é, com intervenção em espaço único, configurando o formato pesquisador-grupo, contra quatro realizados no formato pesquisador-participante. O número de participantes dos oito trabalhos no formato pesquisador-grupo variou, atingindo 74 participantes ao todo, com a média de 9,25 participantes por pesquisa.
Na Figura 1, apresenta-se o número total de participantes, nos 12 trabalhos, e a escolaridade (ano que cursavam).
Na Figura 1, verifica-se que, dos 78 participantes, a quase totalidade pertencia ao ensino regular, sendo que a maior parte (78%) frequentava o Ensino Fundamental. Vale destacar, ainda, o atendimento a jovens e adultos (alunos de E.J.A.), com 11 participantes.
Nesse Ensino Fundamental, dois anos foram privilegiados: o 3º ano (antiga 2ª série) que no regime de progressão continuada (vigente no Estado de São Paulo entre 2006 e 2012, período em que foram realizados os estudos) encerrava a formação básica do Ciclo I (1ª a 4ª séries), e o 5º ano (antiga 4ª série) que encerrava Ciclo I do Ensino Fundamental, momento em que o aluno poderia ser retido.
Recorrer à literatura permite destacar três aspectos dos resultados obtidos:
1) Conforme Paula e Haydu (2010), a faixa etária privilegiada por estudos nacionais sobre/ com base no modelo de equivalência de estímulos é a de crianças e adolescentes. Focalizando especificamente a produção relativa ao ensino de leitura recombinativa, Queiros, Martins e Gióia (2011) verificaram que, na maioria dos trabalhos, os participantes eram crianças que frequentavam a escola e que apresentavam dificuldade em leitura.
Também a análise dos 12 trabalhos revelou essa marca importante - os participantes frequentavam regularmente a escola, mas não apresentavam o desempenho esperado, para a série cursada, em leitura e escrita. Há indicações, aqui, de que a produção nacional, com o modelo de equivalência de estímulos, esteja ocorrendo no sentido de "reparar" possíveis falhas da escola, instalando-se ou aperfeiçoando-se repertórios que já deveriam ter sido ensinados. Novos estudos deveriam verificar se esta característica é generalizada.
2) O nível de ensino privilegiado foi o Fundamental. Entende-se a razão de níveis mais avançados não terem sido contemplados, já que nos níveis mais avançados os repertórios alvo de intervenção - leitura e escrita - deveriam já estar instalados. A produção analisada no presente trabalho diferencia-se, assim, do apresentado por Nicolino e Zanotto (2011) que, ao focalizarem a produção de analistas do comportamento na área da educação divulgada em periódicos nacionais entre 1961 e 2006, verificaram que os níveis educacionais mais contemplados foram a pré-escola e o ensino de 3º grau.
3) Como já visto anteriormente, o contexto (setting) privilegiado na produção analisada foi a escola, indicando a tendência, já detectada por Nicolino e Zanotto (2011). No entanto, diferentemente do que a literatura aponta, na produção analisada teve-se como condição de aplicação do ensino a situação coletiva, configurando-se como intervenção com um grupo médio (6 a 15 participantes), tal como denominado por Lee e outros (2007) ao se referirem ao formato da intervenção.
Lee e outros (2007), analisando as publicações do The Journal of Behavioral Education, indicam que praticamente em metade das intervenções usa-se o formato 'um para um' (pesquisador-participante), seguindo-se a atuação com até cinco participantes (o que ocorre em 20% dos trabalhos). Também Pereira (2009), ao analisar a produção nacional em leitura, a partir do modelo de equivalência de estímulos, verificou que a maioria dos trabalhos realizados foi no formato pesquisador - participante, sendo poucos os que privilegiavam a aplicação com um grupo de participantes. Diferentemente do detectado na produção científica da comunidade behaviorista, conforme pontuado por Lee e outros (2007) e por Pereira (2009), uma característica dessas 12 pesquisas analisadas é a aplicação dos procedimentos de ensino em condição coletiva, aproximando-se ao cotidiano do contexto de ensino escolar.
A seguir, serão focalizadas as condições experimentais aplicadas. Uma vez que é preconizado pelo modelo (Sidman & Tailby, 1982) que o ensino de algumas relações permite a emergência de outras que não foram diretamente ensinadas, nos estudos pautados no modelo de equivalência de estímulos é importante focalizar quais foram as relações ensinadas e as testadas.
A Tabela 1, a seguir, apresenta as condições experimentais, especificando as relações pré-testadas, as relações de ensino e as relações emergentes avaliadas nos 12 trabalhos analisados. Os estímulos utilizados foram: A - palavra ditada (ou oração ditada); B - figura referente à palavra (ou figura referente à oração); C - palavra impressa (ou oração impressa).
Tabela 1 - Clique para ampliar
Em todos os trabalhos foram ensinadas e avaliadas relações entre as diferentes modalidades de estímulos.
Foram pré-avaliadas relações necessárias ao repertório de leitura: palavra impressa - palavra impressa (CC), palavra ditada - figura (AB); palavra ditada - palavra impressa (AC), figura - palavra impressa (BC), palavra impressa - figura (CB), palavra impressa - nomeação (CD), esta última correspondente à leitura oral. O repertório de leitura pré-avaliado, em 10 trabalhos, foi o de leitura de palavras, utilizando-se o IAL-I (Moroz e Rubano, 2005), sendo que em dois trabalhos (Ponciano, 2006; Zanco, 2011) foi avaliada a leitura de orações, utilizando-se o IAL-In (Ponciano, 2006). Em 10 trabalhos, também foram pré-avaliadas duas relações referentes ao repertório de escrita: reprodução da palavra escrita com escolha de letras (CE), atividade similar à cópia, e construção da palavra ditada com escolha de letras (AE), atividade similar ao ditado.
Colocando-se em foco o ensino, verificou-se que em todos os estudos ensinaram-se as relações palavra ditada - figura (AB) e palavra ditada - palavra impressa (AC). Porém, em apenas um deles foram ensinadas somente essas duas relações; nos demais trabalhos, ensinaram-se diversas relações. Em oito trabalhos foram ensinadas pelo menos seis relações, sendo no mínimo duas relações de escrita (construção de palavras a partir de letras ou sílabas).
Detalhando: com o procedimento MTS, foram ensinadas também as relações palavra impressa - palavra impressa (CC) e/ou figura - palavra impressa (BC) e/ou palavra impressa - figura (CB); já com o procedimento CRMTS, foram ensinadas as a reprodução e a construção de palavras com escolha de letras (respectivamente CE e AE) em 10 trabalhos, sendo que em quatro deles também foi ensinada a reprodução da palavra a partir de sílabas (CE-s), nos quais foram utilizadas sílabas como escolha na reprodução da palavra, e não apenas letras como nos demais.
É possível que o uso de diversas relações de ensino esteja relacionado ao fato de, nos 12 trabalhos analisados, ser utilizada a condição de aplicação coletiva, no formato pesquisador-grupo, durante o procedimento de ensino. Nesse formato, garante-se que o aluno realize atividades de diferentes relações antes de passar por avaliação, que deve ocorrer individualmente; permanecendo em atividade, evita-se que o grupo-classe apresente conversas, e outros comportamentos não direcionados à programação, prejudicando ou mesmo interrompendo as atividades dos demais alunos.
Quanto à unidade de ensino utilizada, tal como no trabalho inicial de Sidman (1971), 10 produções utilizaram a palavra; desses, dois usaram palavras compostas apenas por sílabas simples (consoante e vogal), sendo que os demais utilizaram também palavras contendo complexidades da língua, seja para o ensino seja nas avaliações do repertório prévio e das relações emergentes. Dois trabalhos (Ponciano, 2006; Zanco, 2011) destacam-se dos demais, por terem como unidade de ensino orações.
Quanto à avaliação da emergência de relações não ensinadas diretamente, verificou-se que nos 12 trabalhos avaliou-se a leitura oral (CD), sendo que em quatro avaliou-se também a emergência das relações figura - palavra impressa (BC) e palavra impressa - figura (CB). Em oito deles foi avaliada, também, alguma relação de escrita: a construção da palavra a partir da figura (BE), a escrita manuscrita da palavra a partir da figura (BF) e a escrita manuscrita da palavra a partir do ditado (AF).
Como descrito, dentre as condições experimentais constavam a avaliação da leitura generalizada, o pós-teste e a avaliação da manutenção do desempenho.
A Tabela 2, a seguir, apresenta informações sobre as relações avaliadas no teste de generalização e à avaliação final.
Tabela 2 - Clique para ampliar
Em todos os trabalhos foi avaliada a leitura oral generalizada (CD), tanto de palavras (p) quanto de orações (o) novas. Destaque-se o fato de que em 10 trabalhos, a unidade de ensino foi a palavra, e avaliação da leitura generalizada abrangeu também orações (unidade mais ampla).
Com menor frequência do que a avaliação da leitura (sete trabalhos), também foi avaliada a escrita generalizada, tanto de palavras quanto de orações novas, sendo que em seis deles foi avaliada a escrita na forma manuscrita.
Colocar em foco a leitura generalizada para orações é uma característica importante da produção analisada, pois aplica procedimentos visando à aquisição de repertórios em nível mais complexos. Embora os repertórios de leitura e escrita de palavras sejam necessários, a eles não se pode ficar restrito, sendo necessário elaborar procedimentos para a instalação da leitura e escrita com maior complexidade. A produção analisada indica ser possível caminhar nessa direção com uso do modelo de equivalência de estímulos.
A avaliação final, replicando-se duas relações pré-avaliadas - no caso, a leitura oral (CD) e a construção da palavra com escolha de letras (AE) -, ocorreu em apenas cinco trabalhos. A maioria, portanto, dispensou essa condição experimental, limitando a mensuração do desempenho, após o ensino, à avaliação da generalização dos repertórios de leitura e/ ou escrita.
Quanto à avaliação da manutenção do repertório, isso foi realizado em apenas metade dos trabalhos, sendo que dois estudos avaliaram o desempenho frente a palavras com sílabas simples, um avaliou frente a palavras com sílabas simples e complexas e três avaliaram a manutenção do desempenho frente a palavras com sílabas simples e complexas e orações. Em cinco deles, acompanhou-se o desempenho do aluno decorridos entre 20 e 45 dias da finalização da intervenção, sendo que em um deles verificou-se o desempenho seis meses depois.
Assim, as condições experimentais mais frequentemente presentes foram avaliação de repertório inicial, ensino, teste de emergência de relações e avaliação de leitura generalizada. Diferentemente da generalização do repertório, testada em todos os trabalhos, a manutenção do desempenho - condição essencial para avaliar os resultados de um procedimento de ensino em médio e longo prazo -, foi avaliada apenas em metade dos trabalhos. A literatura indica que é baixa a frequência de estudos que fazem o acompanhamento, após o ensino, do desempenho do participante. Segundo Lee e outros (2007), em cujas categorias de análise focalizava a generalização e a manutenção do desempenho, poucos são os estudos (respectivamente, 25% e 34%) que a elas fazem referência. Também na pesquisa de Pereira (2010), com produções nacionais, verificou-se que a avaliação da manutenção foi feita em apenas dois, dentre 15 trabalhos focalizados. Considera-se, pois, que em futuros estudos realizados por analistas do comportamento seja inserida a avaliação da manutenção do repertório alvo de intervenção.
Finalizando, tal como detectado na literatura (por exemplo, Lee e outros, 2007; Nicolino e Zanotto, 2011), também na produção analisada o agente de intervenção foi o pesquisador. Embora em contexto escolar, tendo repertórios acadêmicos como alvo, atuando com participantes que não apresentam repertório, apesar de frequentarem a escola - fatores que indicam o compromisso com a educação -, a intervenção realizada não foi feita pelos agentes educacionais. Assim, verifica-se que a produção analisada é compatível com o detectado pela literatura.
Em suma, a partir do exposto sobre a produção analisada, podem ser pontuados alguns aspectos. Além de focalizar a leitura recombinativa (conforme já detectado por Queiroz, Martins e Gióia, 2011), verificou-se que nos procedimentos de ensino passou-se a inserir também o repertório de escrita. Não se sabe se isso é uma especificidade dessa produção ou se o mesmo está ocorrendo em outros trabalhos. Novos estudos são, portanto, necessários.
Na produção analisada, o ensino dos repertórios alvo ocorreu a partir do ensino de discriminações condicionais, uma das possibilidades utilizadas por analistas do comportamento. Conforme destacado Queiroz, Martins e Gióia (2011), a comunidade analítico-comportamental produziu procedimentos eficazes para o ensino de leitura, a partir seja do ensino de discriminações simples, seja do ensino de discriminações condicionais. É, portanto, nessa segunda vertente que se insere a produção analisada.
Quanto à intervenção, esta foi realizada na própria escola, sendo o agente da intervenção o pesquisador. Considera-se ser esse último um fator a ser superado nos futuros trabalhos de intervenção realizados por analistas do comportamento: seria fundamental que o agente da intervenção fosse o professor, o que permitiria maior aproximação entre os agentes educacionais e a análise do comportamento, condição que na atualidade praticamente inexiste.
Verificou-se que os participantes eram alunos que frequentavam a escola, mas que não apresentavam o repertório de leitura (e de escrita), tendo a intervenção um caráter "reparador" das falhas do sistema educacional. Embora tal atuação seja socialmente relevante, considera-se que futuros estudos também deveriam ter como alvo a instalação de repertórios de leitura (e de escrita) para aprendizes que ainda não foram expostos ao processo de alfabetização, favorecendo desse modo trajetória escolar de sucesso.
Quanto às relações ensinadas e testadas, novos estudos sistematizadores de outras produções poderiam permitir comparar variações nos procedimentos de ensino aplicados, e seus níveis de efeitos nos repertórios alvo. Para essa comparação, uma variável fundamental a se considerar seria o formato de aplicação, uma vez que variações nesse formato implicam variações nos procedimentos de ensino.
Na produção analisada, verificou-se que se avaliou a generalização da leitura recombinativa não apenas com palavras, mas também com orações. Tal fato indica ser possível caminhar para níveis de maior complexidade no ensino do repertório de leitura, tendo como base o modelo de equivalência de estímulos. Quanto à avaliação da manutenção do desempenho, esta ocorreu em apenas metade da produção analisada; é um desafio que permanece presente para os analistas do comportamento que desenvolvem estudos na área da educação.
REFERÊNCIAS
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