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Psicologia da Educação

versão impressa ISSN 1414-6975versão On-line ISSN 2175-3520

Psicol. educ.  no.45 São Paulo dez. 2017

https://doi.org/10.5935/2175-3520.20170012 

ARTIGOS

 

A escola portuguesa pelos olhos dos adolescentes

 

The portuguese school through the eyes of adolescents

 

La escuela portuguesa por los ojos de los adolescentes

 

 

Inês Nobre Martins CamachoI; Marta Sofia Pereira dos ReisII; Gina Maria Quinás ToméIII; Cátia BranquinhoIV; Margarida Gaspar de MatosV

IORCID: 0000-0002-0454-4107. Universidade de Lisboa
IIORCID: 0000-0002-9351-6617. Equipa Aventura Social/Faculdade de Motricidade Humana, Instituto de Saúde Ambiental ISAMB. Universidade de Lisboa
IIIORCID: 0000-0002-4440-6868. Universidade de Lisboa
IVORCID: 0000-0002-2877-4505. Equipa Aventura Social/Faculdade de Motricidade Humana. Universidade de Lisboa
VORCID: 0000-0003-2114-2350 Equipa Aventura Social/Faculdade de Motricidade Humana, Universidade de Lisboa. Instituto de Saúde Ambiental ISAMB William James Research Center WJRC/ Instituto Superior de Psicologia Aplicada ISPA. inmcamacho@gmail.com

 

 


RESUMO

Os jovens que referem gostar da escola apresentam mais comportamentos positivos associados, nomeadamente melhor desempenho académico e mais bem-estar. O presente estudo tem como objetivos:1) compreender a relação existente entre o gosto pela escola e capacidade académica, e; 2)o que os jovens gostariam de mudar nas suas escolas; 3) verificar as variáveis que poderão predizer o gosto pela escola e a capacidade académica percebida; 4) analisar as variáveis relacionadas com a escola nomeadamente a pressão com os trabalhos da escola, problemas com a escola, relação com os colegas da escola e com os professores. Participaram 6026 alunos do 6º 8º e 10º ano de escolaridade que integraram o estudo Health Behaviour in School - Aged children (HBSC) em 2014. Os jovens que referem gostar muito da escola são os que não mudariam nada na sua escola e são os que têm mais confiança nos professores. Os alunos referem que as matérias são demasiado extensas, aborrecidas e mesmo inúteis salientando alguns a pressão dos pais para o sucesso escolar. Os resultados apontam para a necessidade de rever as políticas públicas existentes no ensino português sendo crucial intervir nas escolas, junto das famílias, professores e jovens.

Palavras-chave: capacidade acadêmica, mudanças na escola, gosto pela escola, políticas públicas


ABSTRACT

Young people who reported to like school have more positive behaviors associated, including better academic performance and more well-being. This study aims to understand 1) the relationship between liking school and academic ability 2) what young people would like to change in their schools, 3) check the variables that may predict liking school and perceived academic ability 4) analyze the variables related to the school including pressure with school work, problems about school, relationship with classmates and teachers. 6026 students from 6th, 8th and 10th grades that integrated the study Health Behaviour in School - Aged children (HBSC) in 2014 participated. Young people that reported to like school very much are those who would not change anything in their school and are the ones who have more trust in teachers. Students report that school subjects are too extensive, too boring and even useless and referred some negative parental overpressure regarding school success. The results suggest the need to review existing policies in Portuguese education system pointing out that it is crucial to intervene in schools, with families, teachers and young people.

Keywords: school, perceived academic ability, changes in school, like school


RESUMEN

Los jóvenes que reportaron que les gusta el colegio tienen comportamientos más positivos asociados, incluyendo un mejor rendimiento académico y un mayor bienestar. Este estudio tiene como objetivo comprender: 1) la relación entre el gusto por la escuela y la capacidad académica; 2) que les gustaría cambiar en sus escuelas; 3) determinar las variables que pueden predecir el gusto por la escuela y la capacidad académica percibida; 4) analizar las variables relacionadas con la escuela, incluyendo la presión con el trabajo escolar, problemas en la escuela, las relaciones con los compañeros y profesores. Participado 6026 alumnos de 6º, 8º y 10º grado que integraron el estudio Health Behaviour in School - Aged children (HBSC) em 2014. Los jóvenes que le gustan la escuela son aquellos que no cambiarían nada en su escuela y son aquellos que presentan más confianza en los maestros. Los estudiantes reportan que los materiales son demasiado grandes, aburrido e incluso inútil, algunos subrayan la presión de los padres para el éxito escolar. Os resultados apontam para a necessidade de rever as políticas públicas existentes no ensino português sendo crucial intervir nas escolas, junto das famílias, professores e jovens. Los resultados apuntan la necesidad de revisar las políticas públicas existentes en la enseñanza de portugués siendo crucial intervenir en las escuelas, junto a las familias, los maestros y los jóvenes.

Palabras clave: escuela, capacidad de la escuela, cambios en la escuela, gusto por la escuela.


 

 

A escola, para além de ser um local onde os jovens desenvolvem aprendizagens e processos educacionais, é também onde se promovem relações interpessoais importantes para facilitar o seu desenvolvimento pessoal e social (Ruini, 2009). É um local privilegiado no desenvolvimento de ferramentas que ajudam os jovens na utilização de estratégias de convívio com diversas situações e desafios (Frydenberg,2008), nomeadamente na relação com o insucesso escolar, com as dificuldades de adaptação à escola e de regulação do comportamento pessoal e social. É responsável pela transmissão de padrões e normas comportamentais, tendo um papel crucial no processo de socialização da criança e do adolescente. É também capaz de unir variadas comunidades de pares e promover a autoestima e o desenvolvimento harmonioso entre jovens, sendo um espaço privilegiado de interações e encontros (Baptista, Tomé, Matos, Gaspar, & Cruz, 2008).O gosto e a satisfação pela escola, o apoio por parte dos professores, o suporte parental e a perceção de autonomia académica são fatores que têm sido associados ao bem-estar na adolescência (Suldo, et al., 2008; Danielsen, 2010; McGrath et al., 2009).

Os jovens que referem gostar da escola apresentam mais comportamentos positivos associados, nomeadamente: melhor desempenho académico, maiores níveis de resiliência e comportamentos de saúde associados (Lippman & Rivers, 2008; Carter, McGee, Taylor, & Williams, 2007).Se por um lado a satisfação com a escola está positivamente associada ao aumento da motivação para a aprendizagem, sendo o desempenho académico escolar diretamente influenciado pelas capacidades de os jovens compreenderem e regularem as suas emoções (Varasteanu & Iftime, 2013), por outro está negativamente associada a comportamentos desviantes no grupo de pares (Wu, Chong,Cheng, & Chen,2007; Camacho, Tomé, Matos, Gamito, & Diniz, 2010) e ao comportamento antissocial (Roth e Brooks-Gunn, 2000).

Os adolescentes passam uma grande parte de seu dia na escola, as experiências aí vividas não afetam somente o seu desempenho académico, mas também têm influência no seu desenvolvimento social e emocional. Estudos sugerem que o envolvimento e a disciplina na escola influenciam a sensação de sucesso e existência de expectativas no futuro (Piko & Kovács, 2010). Jovens que tenham boa relação com os professores e os colegas apresentam menores índices de comportamentos de risco e menores taxas de abandono escolar (Yibing et al., 2011).Uma perceção negativa da escola aumenta a probabilidade de envolvimento em comportamentos de risco, do absentismo escolar, do envolvimento emlutas e o porte de armas (Kasen, Barenson, Cohen, & Johnson, 2004).

Segundo o estudo Health Behaviour School-aged Children (HBSC) que conta com a participação de 44 países (Inchley et al., 2016), tomando o último estudo realizado em Portugal em 2014houve uma descida da frequência de jovens que referem gostar da escola comparando este estudo com o estudo anterior de 2010(Matos et al., 2012, 2015).Os jovens portugueses comparados com os jovens europeus de acordo com mais do que um estudo internacional(HBSC e PISA) são dos que apresentam pior realização escolar quer em resultado de provas quer na sua perceção. Habitualmente referem gostar da escola; no entanto, esse gosto refere-se mais aos recreios, à relação com os colegas e com algumas atividades ou com alguns professores, e tem vindo a diminuir (Matos et al., 2015).

O Conselho Nacional de Educação (CNE) apresentou recentemente um relatório sobre o Estado da Educação 2015 (CNE, 2016) com base no estudo do HBSC nas suas ultimas cinco séries (1998, 2002, 2006, 2010 e 2014) salientam que os alunos que referemgostar muito da escola apresentam as percentagens mais elevadas quanto a não sentir pressão com os trabalhos de casa (47,1%). Quando se relaciona a opinião dos alunos sobre "perceção do desempenho na escola" e "gostar da escola", os dados do estudo HBSC de 2014 referem que os adolescentes portugueses que gostam muito da escola apresentam as percentagens mais elevadas na perceção académica percebida (percepção do que os seus professores pensam acerca da capacidade académica).

Com base em todos os estudos referidos, e com base na realidade portuguesa, o presente estudo pretende compreender analisar dados quantitativos e qualitativos do estudo HBSC em Portugal estudando a relação existente entre o gosto pela escola e capacidade académica, e o que os jovens gostariam de mudar nas suas escolas. Pretende-se igualmente verificar as variáveis que poderão predizer o gosto pela escola e a capacidade académica percebida. Além do anteriormente referido, pretende-se analisar as variáveis relacionadas com a escola, nomeadamente a pressão com os trabalhos da escola, problemas sentidos na escola, relação com os colegas da escola e com os professores.

 

MÉTODO

Participantes

De modo a obter uma amostra representativa da população escolar portuguesa, no estudo HBSC 2014foram selecionados 36 agrupamentos de escolas do ensino regular de todo o país (Portugal Continental) e 473 turmas. A amostra foi estratificada por regiões do país (cinco regiões escolares): na região Norte, foram sorteados doze agrupamentos de escolas e 174 turmas; na região Centro, oito agrupamentos de escolas e 74 turmas; na região de Lisboa e Vale do Tejo, nove agrupamentos de escolas e 101 turmas; na região do Alentejo, quatro agrupamentos de escolas e 55 turmas; e na região do Algarve, três agrupamentos de escolas e 59 turmas.

De acordo com o protocolo de aplicação do questionário Health Behaviour in School-aged Children (HBSC) para 2014 (Currie, Samdal, Boyce, & Smith, 2001), a técnica de escolha da amostra foi a cluster sampling, em que o cluster, ou unidade de análise, foi a turma.

Relativamente à taxa de resposta obtida diante do número de agrupamentos selecionados (36) reponderam 35 agrupamentos, obtendo-se uma taxa de resposta de 97,2%. Relativamente às turmas selecionadas para participar no estudo (473) em que se obteve resposta de 381 turmas -80,5% de resposta. Pelo facto de ter sido aplicado o questionário online, não foi possível estabelecer a taxa de resposta por aluno com precisão. Estimando-se, no entanto, a existência de 20 alunos por turma, responderam 6026 jovens correspondendo a uma taxa de resposta individual estimada de 79%. A amostra ficou constituída por 47,7% de rapazes e 52,3% de raparigas. Detalhes sobre o estudo e aspectos metodológicos no estudo português podem ser consultados no relatório referente a todos os dados portugueses (Matos et al., 2015).Questionário anónimo e confidencial.

http://aventurasocial.com/arquivo/1437158618_RELATORIO%20HBSC%202014e.pdf

Materiais

O questionário internacional, para cada estudo HBSC, é desenvolvido através de uma investigação cooperativa entre os investigadores dos países. O questionário "Comportamento e saúde em jovens em idade escolar" utilizado neste estudo foi o adotado no estudo internacional do HBSC - Health Behaviour in School-aged Children (Currie et al., 2001), cujos resultados quantitativos estão detalhados no relatório nacional do estudo (Matos et al.,2015).

Em Portugal, à semelhança dos outros países envolvidos, foram incluídos todos os itens obrigatórios do questionário, abrangendo aspectos da saúde em nível demográfico, comportamental e psicossocial. Todas as questões seguiram o formato indicado no protocolo internacional (Currie et al., 2001). Na presente análise, foram utilizadas as variáveis referentes à escola: o gosto pela escola; o que gosta na escola; o que mudaria na escola; problemas identificados referentes à escola; o que mudaria na escola; relação com os colegas; e professores e capacidade escolar percebida.

Procedimento

Após a seleção das escolas, essas foram contactadas telefonicamente no sentido de confirmar sua disponibilidade para colaborar no estudo.

A recolha de dados foi realizada através de um questionário online, em janeiro de 2014. Os questionários foram aplicados às turmas em sala de aula. Os grupos escolhidos para aplicação dos questionários frequentavam o sexto ano (35,8%), o oitavo ano (39,1%) e o décimo ano(25,1%) de escolaridade, procurando encontrar assim um máximo de jovens com 11, 13 e 15 anos de idade (M= 13.77, DP= 1.68). Segundo o protocolo internacional (Currie et al., 2001), pretendia-se aproximadamente 1500 jovens de cada escalão etário em todos os países participantes.

Foram enviados, via e-mail, para a direção de todas as escolas participantes, uma carta dirigida ao Diretor, apresentando o estudo bem como os procedimentos com os links correspondentes a cada ano de escolaridade, uma password para cada uma das turmas participantes (sem a password não seria possível o preenchimento do questionário) e o formulário do pedido de consentimento informado para entregar aos pais.

Antes do preenchimento dos questionários informava-se que a resposta era voluntária, confidencial e anónima; o questionário de autopreenchimento foi realizado em sala de aula numa sala de informática, sob supervisão do professor da especialidade, e deveria ser preenchido num período de tempo entre 60-90 minutos. O estudo teve a aprovação da Comissão de Ética do Hospital de S. João no Porto.

Análise dos Dados

Os dados provenientes do Limesurvey foram transferidos para uma base de dados no programa "Statistical Package for Social Sciences - SPSS - Windows" (versão 22.0) e procedeu-se à sua análise estatística (análise descritiva, teste Qui-Quadrado e Regressão Logística). As informações relativas às transformações que os alunos desejavam para as suas escolas foram categorizadas e classificadas também no SPSS.

 

RESULTADOS

Relativamente ao gosto pela escola, 55,5% dos alunos referem que gostam mais ou menos da escola e 17,6% referem que gostam muito da escola.

Quando questionados sobre o que gostariam de mudar na escola para a tornar melhor, cerca de 13,1% dos jovens referem que gostariam de melhorar as estruturas físicas (ex: "aumentar o espaço dos balneários", "colocar aquecimento nas salas", "arranjar as casas de banho"); 10,4% não mudariam nada; 10,1% mudariam a comida (ex: " a comida da cantina poderia ser melhor e mais variada") e 6,2% dos alunos referem que gostariam de ter menos carga horária (ex: "menos tempo de aulas", "menos carga horária") (ver Tabela 1 - opções com mais de 1% de escolhas).

Dos jovens inquiridos 1,6% referem não gostar nada dos colegas, enquanto 54,1% referem gostar muito.

Cerca de 1,9% dos jovens refere que não gosta nada dos intervalos enquanto 57,5% referem gostar muito. Quando questionados sobre o quanto gostam dos professores, 6,5 % referem que não gostam nada, enquanto 15,5% referem que gostam muito. Quando colocada a mesma questão, mas referente a gostar das aulas, 12,4% dos jovens referem que não gostam nada, e 9,5% referem que gostam muito. Cerca de 22,6% dos jovens referem que não gostam nada da comida, e cerca de 10,2% referem que gostam muito da comida que comem na escola (ver Tabela 2).

Relativamente à pressão sentida pelos trabalhos de casa, 32,4% referem que não sentem nenhuma pressão, enquanto 27,7% sentem alguma, e 9,3% muita.

Quando questionados sobre os problemas que identificam na escola, 73,5% dos jovens refere que é porque às vezes a matéria é difícil, 60,9%porque é demasiada matéria e 61,8% refere que é porque a matéria é aborrecida. Cerca de 54,8% refere que nunca ou quase nunca a matéria é inútil, e 48,4% que o ambiente da escola não ter problemas. No que diz respeito à pressão que sentem por parte dos pais, para terem boas notas, cerca de 42,9% referem que às vezes sentem essa pressão (ver Tabela 3).

Quando questionados sobre o que acham dos seus colegas de turma, 71,6% dos jovens concordam que os colegas gostam de estar juntos, 77,7% concordam que os colegas são simpáticos e prestáveis, 76,9% concordam que os colegas os aceitam tal como eles são, e apenas 13.3% referem que se sentem colocados de lado.

No que diz respeito ao que acham relativamente aos professores, 79,8 dos jovens concordam que os professores os aceitam tal como são, 63,5% concordam que os professores se interessam por eles como pessoas, e 56,2% sentem confiança nos professores (ver Tabela 4).

Cerca de 51,4% dos jovens referem que sua capacidade escolar é muito boa/boa, enquanto 48,5% referem que é média/inferior à média.

Quando comparados os jovens relativamente ao gosto pela escola (gosto muito; não gosto nada) e o que mudariam na sua escola (com base nas 10 maiores percentagens - Tabela 2), observa-se que os jovens que gostam muito da escola são os que não mudariam nada na suaescola (19%, χ2=92.708, gl.=18, p<.001) e colocariam mais estruturas de lazer (11.3%, χ2=92.708, gl.=18, p<.001). Os outros jovens (gostam mais ou menos da escola) são os que referem que mudariam as estruturas físicas (18.6%, χ2=92.708, gl.=18, p<.001) e gostariam de ter aulas mais dinâmicas (5.2%, χ2=92.708, gl.=18, p<.001) (ver Tabela 5).

Quando comparados os jovens relativamente à capacidade académica percebida (muito boa/boa; média e inferior à média) e o que mudariam na sua escola, pode-se observar que os jovens que referem que a sua capacidade é muito boa/boa são os que mudariam as estruturas físicas de sua escola (19,4%, χ2=75.347, gl.=18, p<.001), a comida (15,3%, χ2=92.708, gl.=18, p<.001), gostariam de ter mais estruturas de lazer (9,2%, χ2=92.708, gl.=18, p<.001). Os jovens que referem que sua capacidade académica é média são os que referem que não sabem o que mudariam na sua escola (8,7%, χ2=92.708, gl.=18, p<.001) (ver Tabela 6).

Foram efetuadas duas análises de regressão logística com o objetivo de avaliar os fatores preditores do gosto pela escola e pela capacidade académica percebida. As variáveis gosto pela escola (1 - gosta da escola; 0 - não gosta da escola) e a capacidade académica foram dicotomizadas (1 - boa capacidade académica; 0 - má capacidade académica). Todas as variáveis incluídas na regressão foram dicotomizadas.

Na primeira análise de regressão referente ao gosto pela escola, obteve-se um modelo ajustado (Hosmer e Lemeshow χ2= 0.98 (2) p=.197) e a equação de regressão explicou 21% da variância (Nagelkerke R2=.20.6). Nesse modelo, a explicação da condição "gosto da escola" fez-se pelas variáveis capacidade escolar (os que referem que sua capacidade académica é inferior gostam menos da escola), a matéria ser aborrecida (os adolescentes que gostam mais da escola são os que sentem preocupação da matéria ser aborrecida), gostar dos intervalos (jovens que gostam da escola são os que gostam menos dos intervalos), gostar das aulas (os jovens que gostam da escola gostam mais das aulas) e a confiança que sentem nos professores (os jovens que gostam mais da escola são os que confiam mais nos professores) (ver Tabela 7).

Numa segunda análise de regressão logísticareferente à capacidade escolar percebidae colocando todas as variáveis colocadas no modelo anterior, obteve-se um modelo não ajustado (Hosmer e Lemeshow χ2= 0.154 (3) p=.001).

 

DISCUSSÃO

A presente análise tem como objetivosnão só compreender a relação existente entre o gosto pela escola e capacidade académica, e o que os jovens gostariam de mudar nas suas escolas, mas também verificar as variáveis que poderão predizer o gosto pela escola e a capacidade académica percebida. Surge ainda como objetivo, analisar as variáveis relacionadas com a escola nomeadamente a pressão com os trabalhos da escola, problemas identificados na escola, relação com os colegas da escola e com os professores.

Observa-se que mais de metade dos jovens inquiridos do 6º, 8º e 10º ano de escolaridade gostam mais ou menos da escola. Segundo o relatório de 2015 referente à educação em Portugal (Miguéns, 2016) e com base neste estudo HBSC (Matos et al., 2015), o gosto pela escola por parte dos jovens em Portugal tem vindo a diminuir tal como os autores do estudo HBSC em Portugal vinham já a alertar. Essa diminuição remete para uma possível mudança de atitude dos jovens perante a escola.

Os resultados do presente estudo demostram que quando questionados sobre o que mudariam na sua escola, cerca de 12% gostariam de mudar as estruturas físicas, 9,4% não mudaria nada e 9,2% mudaria a comida. Ao relacionar esses dados com o gosto pela escola e a capacidade académica percebida, observa-se que os jovens que gostam muito da escola não mudariam nada na sua escola; por outro lado, os que referem que têm muito boa/boa capacidade académica mudariam as estruturas físicas. Estudos referem que os jovens que gostam da escola têm associado um maior bem-estar (Suldo et al., 2008; Danielsen, 2010; McGrath et al., 2009) e menos comportamentos de risco (Yibing et al., 2011). Torna-se evidente que o gosto pela escola surge como fator de proteção na vida do adolescente. O facto do gosto pela escola estar a diminuir em Portugal, associado à fraca posição de Portugal no estudo HBSC internacional desde o início da inclusão (Currie et al., 2000; Currie et al., 2014), remete para a necessidade de repensar toda a dinâmica escolar e o papel que cada agente educativo no processo de aprendizagem. Com programas curriculares extensos, elevada carga horária, aulas percebidas como pouco dinâmicas, ajuda percebida como insuficientepara os jovens com dificuldades de aprendizagem, fraca relação entre a escola e a família, apontam para um maior risco de afastamento dos jovens, desmotivados para a aprendizagem e com pouco gosto pela a escola. O estudo desenvolvido por Kasen e seus colaboradores (2004) reforçam que uma perceção negativa da escola aumenta a probabilidade de envolvimento em comportamentos de risco e o absentismo escolar.

Para além dos extensos currículos programáticos nas escolas portuguesas surge a pressão sentida com os trabalhos de casa. No presente estudo, observa-se que cerca de 28% dos jovens sentem alguma pressão com os trabalhos de casa, tendo esse valor vindo a aumentar desde 1998 (Matos et al., 2015). No que diz respeito às opiniões relativas aos problemas na escola, cerca de 74% referem que, às vezes, a matéria é difícil, cerca de 43% dos jovens referem que às vezes se sentem pressionados pelos pais para terem boas notas.

Além do gosto pela escola, uma boa relação com os pares e o suporte por parte dos professores parecem ter um papel muito importante na satisfação pela vida escolar, que está associada à da motivação para a aprendizagem (Varasteanu & Iftime, 2013). A maioria dos jovens portugueses refere que os professores os aceitam tal como eles são (79,8%)e concorda que os professores se interessam por eles como pessoas (56,2%) e ainda referem que confiam nos professores (56,2%). Relativamente aos colegas, os jovens inquiridos referem que os colegas gostam de estar juntos (71,6%) que são simpáticos e prestáveis (77,7%) e que os colegas os aceitam tal como eles são (76,9%) .

Na presente análise, reforça-se a ideia que os jovens que referem que sua capacidade académica é inferior à média são os que gostam menos da escola e que os jovens que gostam mais da escola são os que confiam mais nos professores, mas também os que mais referem achar as matérias inúteis.

Os resultados mostram que mais de metade dos jovens portugueses gostam mais ou menos da escola e identificam problemas relativamente à escola. Os jovens que referem gostar muito da escola são os que não mudariam nada na sua escola e são os que têm mais confiança nos professores. O gosto pela escola tem vindo a diminuir ao longo dos anos desde 1998 de acordo com o estudo HBSC, e a perceção de sucesso académico não tem melhorado, os alunos referem que as matérias são demasiado extensas, aborrecidas e mesmo inúteis, salientando alguns a pressão dos pais para o sucesso escolar. Os resultados apontam para a necessidade de rever as políticas públicas existentes no ensino português sendo crucial intervir nas escolas, junto das famílias, professores e jovens. Parece importante não só repensar os programas curriculares,mas também a metodologia de ensino usada, salientando a importância de aulas mais dinâmicas adaptadas às novas tecnologias a que os jovens de hoje têm acesso e ajudando os alunos a manter uma motivação e uma participação mais ativa no processo de aprendizagem.

 

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