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Psicologia da Educação
versão impressa ISSN 1414-6975versão On-line ISSN 2175-3520
Psicol. educ. no.46 São Paulo jan./jun. 2018
10.5935/2175-3520.20180006 ARTIGOS
Quem deve ocupar os bancos do ensino superior?
Who should attend Higher Education?
¿Quién debe ocupar los bancos de la Educación Superior?
Cláudia TerraI; Adelina NovaesII
IORCID 0000-0002-8095-3252 Centro Internacional de Estudos em Representações Sociais e Subjetividade Educação Fundação Carlos Chagas
IIORCID0000-0003-2028-2837. Centro Internacional de Estudos em Representações Sociais e Subjetividade Educação Fundação Carlos Chagas. Docente do Programa de Mestrado Profissional Formação de Gestores Educacionais e do Programa de Mestrado em Educação Universidade Cidade de São Paulo. anovaes@fcc.org.br
RESUMO
Com o intuito de compreender as representações que professores do curso de serviço social de uma faculdade privada do centro de São Paulo apresentam sobre os estudantes de baixa renda, o estudo buscou informações que contribuíssem para a educação dessa população. Com a perspectiva psicossocial da teoria das representações sociais, a investigação contou com roteiro de entrevista e questionários para estudar um universo total de 14 professores e 600 estudantes. Sistematização e categorização, amparadas pelo programa computacional NVivo, respeitaram as orientações da análise de conteúdo. Identificaram-se elementos que fomentem a reflexão acerca das práticas educativas no contexto de cursos universitários, ao se obter informações que possam contribuir para a proposição de estratégias de formação docente para a educação superior. As temáticas identificadas pela pesquisa circulam, sobretudo, em dois eixos de representação não excludentes: o que concentra discursos que rechaçam o termo "baixa renda" como qualificador dos estudantes e o segundo que identifica os estudantes como usuários do serviço social; representações que guiam as práticas docentes e que podem ser compreendidas como alimentadoras de profecias autorrealizadoras.
Palavras-chave: representação social, pobreza, ensino superior, interação professor-aluno, formação de professores.
ABSTRACT
Aiming at understanding the representations that professors of Social Work program build on low-income students, this paper seeks to provide information to assist in the education of this population. The survey was developed in a private college based in downtown São Paulo. By adopting the psychosocial perspective of social representations theory, this investigation relied on the methodological strategy of interviews and questionnaires in order to investigate a universe of 14 professors and 600 students. Systematization of information and results categorization were supported by NVivo software and both were carried out in accordance with the procedures of content analysis. The study intended to identify elements which foment reflection on educational practices in the context of university courses, in order to obtain information that would contribute to the proposal of teacher training strategies for higher education. The themes identified by the survey circulate mainly on two axes of non-exclusive representation: one focused on speeches that reject the term "low-income" as a student qualifier and the other that identifies students as users of social service; representations that guide teaching practices and can contribute to the realization of self-fulfilling prophecies.
Keywords: social representation, poverty, higher education, teacher student interaction, teacher education.
RESUMEN
Con la finalidad de comprender las representaciones que los profesores del curso de servicio social de una universidad privada en el centro de São Paulo presentan sobre los estudiantes de bajo ingreso, el estudio buscó información que contribuyeran para la educación de esta población. Con la perspectiva psicosocial de la teoría de las representaciones sociales, la investigación contó con un guión de entrevistas y cuestionarios para el estudio de una población total de 14 profesores y 600 alumnos. La sistematización y categorización, utilizo el programa informático de NVivo, cumpliran con las directrices del análisis de contenido. Se identificarón elementos que fomentasen la reflexión sobre las prácticas educativas en el contexto de los estudios universitarios, para obtener información que contribuya para proponer estrategias de formación de profesores para la educación superior. Las temáticas identificadas por la encuesta circulan principalmente en dos caminos de representación qué no se excluyen: el priemiro que se centra en discursos que rechazan el término "bajo ingreso" como calificativo de los estudiantes y el segundo que identifica a de los estudiantes como usuarios de los servicios sociales; representaciones que guían las prácticas de enseñanza y que puede ser entendidas como alimentadores de profecías autorrealizadoras.
Palabras clave: representaciones sociales, pobreza, educación superior, interacción profesor-estudiante, formación de profesores.
As diretrizes para o acesso e para a formação do assistente social estão afinadas àquelas que orientam amplamente a educação superior no Brasil. O curso de serviço social teve sua origem na década de 1930, com a atuação da Igreja Católica. No entanto, nos anos 1960,o Estado assumiu as diretrizes para a formação e para a atuação do assistente social. Nesse tocante, Albuquerque (2015) assinalou que o surgimento do Serviço Social como profissão está relacionado à progressiva intervenção do Estado no processo de regulação das contradições da sociedade do capital, pressionado pelas expressões de questões sociais, como saúde, educação, mercado de trabalho, previdência, habitação.
Por outro lado, a historiografia registrou os detalhes dos governos militares que estrategicamente limitaram as inovações intelectuais até a década de 1970. Desse modo, com a abertura política, a década seguinte constituiu momento transformador da realidade do país. Período marcado pela crise econômica, os anos 1980 apresentaram como a mais importante de suas características a promulgação da Constituição Federal, em 1988.
Com a aprovação da Carta Magna, tiveram início os debates sobre a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) 9.394/96, que admitiu a oferta de vagas por vários tipos de IES públicas e privadas, desde que fossem articulados ensino e pesquisa. Ao assegurar a oferta e a gratuidade da educação básica, visando à conclusão do ensino médio, a referida lei provocou a ampliação do número de pessoas com a condição mínima obrigatória para o acesso ao nível superior. Associam-se a isso os direcionamentos explícitos para o acesso à educação superior, a exemplo da previsão da oferta no período noturno (inclusive nas instituições públicas), desde que fosse mantido o padrão de qualidade do período diurno.
Em 2001,a Lei 10.172 aprovou o Plano Nacional de Educação (PNE) como um plano de estado e não de governo, representando um compromisso com as gerações futuras. Apesar do prazo de 10 anos constante do PNE 2001, apenas em 2014 foi aprovada a nova edição, concebida com 20 metas e respectivas estratégias para cumprimento. Especificamente em relação à educação superior, a meta 12 do PNE prevê:
[...] elevar a taxa bruta de matrícula na educação superior para 50% (cinquenta por cento) e a taxa líquida para 33% (trinta e três por cento) da população de 18 (dezoito) a 24 (vinte e quatro) anos, assegurada a qualidade da oferta e expansão para, pelo menos, 40% (quarenta por cento) das novas matrículas, no segmento público. (BRASIL, PNE, 2014)
Verifica-se, portanto, que a democratização da educação superior foi estrategicamente estimulada por meio da Constituição de 1988, da LDB de 1996 e dos PNEs (2001 e 2014). Resultado disso foi a ampliação da oferta de vagas nas Instituições de Ensino Superior (IES) privadas com o apoio de créditos e financiamentos, o que viabilizou, por um lado, o acesso a esse nível de ensino a estudantes que não tinham condições de pagar por um ensino privado e que também não eram (e continuam não sendo) elegíveis à educação superior pública devido aos concorridos concursos vestibulares.
Nesse tocante, estudos como os de Chaves (2010), Chizotti (2014), Rossetto e Gonçalves (2015) apresentaram um panorama do Fies como política de expansão do Ensino Superior e abordaram a dinâmica das instituições privadas para absorção do cliente-aluno. Por outro lado, conforme divulgado no processo de contas do Fies, em 2013 foram efetivados 559.905 contratos, em 2014 o total foi de 732.243, já em 2015 foram efetivados no primeiro semestre 243.341contratos e no segundo semestre, em virtude das novas regras divulgadas, apenas 44.026 contratos. Significa dizer que as IES privadas contempladas com os programas de financiamento sofreram mudança no número de ingressos (que aumentou consideravelmente) e no perfil do alunado, agora provindo das camadas mais populares da sociedade.
Especificamente em relação à formação do profissional do serviço social para o atendimento às diretrizes e demandas sociais, é possível observar nos apontamentos de Albuquerque o movimento de ampliação da oferta da educação superior na cidade de São Paulo, sobretudo nas IES privadas: "(...) da década de 30, quando foi criada a primeira Escola de Serviço Social, até o final da década de 90 havia quatro cursos de graduação na cidade ofertados pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), FAPSS (Faculdade Paulista de Serviço Social), USF (Universidade São Francisco) e UNISA (Universidade Santo Amaro)" (2015, p. 58). Nesse tocante, vale sinalizar que, segundo dados do MEC/Inep, nos anos 2000 o número de cursos oferecidos saltou para 18 cursos (presenciais e à distância) e, em 2015, esse número foi alterado para 27.
Vale destacar que as relações entre interesses do governo e a organização da formação profissional estão muito atreladas, uma vez que o mercado de trabalho do serviço social concentra-se, em sua grande maioria, nos órgãos públicos e no terceiro setor, com ações para atender as questões públicas decorrentes de direcionamentos governamentais.
O assistente social atravessa, portanto, os interesses de classes, ora com uma atuação para os mecanismos de dominação e exploração, ora para a atuação a favor da classe trabalhadora. Nesse sentido, a atuação do assistente social está diretamente relacionada às lacunas nas políticas públicas para atendimento à sociedade, o que instigou o desenvolvimento desta investigação acerca da representação de docentes desse curso sobre o aluno de baixa renda.
Representações sociais e educação
A Teoria as Representações Sociais (TRS) tem sido vista como importante aliada à Educação, devido às pesquisas sobre as simbolizações e ações sociais cotidianas de indivíduos e grupos em contextos educacionais (Sousa & Novaes, 2013). Tendo Moscovici (2012, p. 39)definido as representações sociais como "entidades quase tangíveis" que "circulam, se cruzam e se cristalizam continuamente através da fala, do gesto, do encontro no universo cotidiano", as representações são entendidas nesse domínio teórico como construções do cotidiano social.
Ao defender que as relações sociais dependem da comunicação, ou seja, que só existe vida em sociedade porque os indivíduos se comunicam e negociam essa convivência. Moscovici (1961, 1978, 2012) sistematizou o conceito de representações sociais, ao afirmar que toda representação tem um objeto e que "para penetrar no universo de um indivíduo ou de um grupo, o objeto entra numa série de relacionamentos e articulações com os outros objetos que já estão lá e dos quais ela empresta as propriedades e acrescenta suas próprias" (Moscovici, 2012, p.58).
Por estarem impregnadas nas relações sociais, nas comunicações trocadas, nos objetos produzidos e consumidos, a relação entre sujeito e objeto é mediada pela representação social, que, grosso modo, pode ser entendida como um saber de senso comum. Para Jodelet (2001),as expressões desse senso comum constroem um conjunto capaz de influenciar novamente o próprio senso comum, sendo as representações sociais reconhecidas pela autora.
[...] enquanto sistemas de interpretação que regem nossa relação com o mundo e com os outros - orientam e organizam as condutas e as comunicações sociais. Da mesma forma, elas intervêm em processos variados, tais como a difusão e a assimilação dos conhecimentos, o desenvolvimento individual e coletivo, a definição das identidades pessoais e sociais, a expressão dos grupos e as transformações sociais. (Jodelet, 2001, p. 23)
Em sua perspectiva de análise, a TRS dedica atenção tanto ao indivíduo quanto às suas inter-relações. O indivíduo é considerado um sujeito social, uma vez que o sujeito se constitui nas dimensões social, ambiental, histórica(e, portanto, simbolicamente). Nesse sentido, pode-se afirmar que seu comportamento é influenciado, mas também interfere no comportamento de outros sujeitos e na dinâmica social. Em síntese, em tal abordagem, o foco não está nem no indivíduo nem no social, mas, sim, no sujeito social que produz saberes compartilhados por meio da comunicação (Novaes, 2015).
Jovchelovitch (2011)reforça que "as representações não são um espelho do mundo 'lá fora' e não são unicamente construções mentais de sujeitos individuais" (2011, p.35). Em vez disso, elas se constroem a partir das relações entre o Eu, o Outro e o objeto-mundo, adquirindo o poder de "significar, de construir sentido, de criar realidade". A representação é, desse modo, "um processo simbólico imbricado em arranjos institucionais, na ação social, na dinâmica ativa da vida social, em que grupos e comunidades humanas se encontram, se comunicam e se confrontam" (Jovchelovitch, 2011, p.35).
Para que ocorra a representação social, faz-se necessária uma representação de um grupo de sujeitos (no estudo aqui relatado, o grupo de professores de um curso de serviço social) em relação a alguma coisa ou um objeto (o aluno baixa renda no ensino superior). Em uma faculdade privada que oferece aos "brasileiros de baixa renda", a possibilidade de ingresso em um curso superior tem parcela significativa do alunado incluído por meio de programas de acesso à educação superior, pode-se inferir que os professores tenham a possibilidade de construir representações complexas e variadas referentes às dimensões da prática educativa, sobretudo no que tange à função do professor na instituição, comportamento dos estudantes, aproveitamento e perfil sociocultural dos alunos. Essa construção pode ocorrer a partir de interações entre professores de um mesmo curso, professores de cursos distintos da mesma faculdade, com professores de outras faculdades, alunos, ex-alunos, entre outras possibilidades de relações profissionais e sociais, ocasião em que as representações são negociadas de maneira a se construírem como nortes para as práticas docentes.
No entanto, o que acaba de ser afirmado pode parecer contraditório. Ao considerar que há infinitas possibilidades de compreensão de um mesmo objeto, como seria possível haver comunicação? Isso ocorre porque existe uma imagem compartilhada que se funde à imagem individual que cada sujeito constrói de um mesmo objeto representado. A "educação superior" na visão de cada pessoa pode, assim, remeter a uma série de sentidos específicos, mas certamente a levará a associar tal expressão a um determinado nível de escolaridade. Os sentidos e significados, bem como a imagem do que seja educação superior, são destarte construídos socialmente, coletivamente.
Para a compreensão das representações sociais de docentes do ensino superior privado acerca de seus estudantes, foi importante considerar que as representações sociais contêm distintas funções. Ao sistematizá-las,Jodelet (2001, p. 27) as apresenta como: função do saber (conhecimento que o sujeito tem a respeito do objeto), função de ação (orientação dos comportamentos e práticas do sujeito em relação ao objeto), funções decisórias (direcionamento das tomadas de decisão e comportamentos do sujeito em relação ao objeto) e funções identitárias (identidade do sujeito em relação à identidade de um grupo).
Jovchelovitch (2011), por outro lado, também aborda as funções das representações em seus estudos, tendo como referência a dinâmica psicossocial que envolve identidade, o conhecimento e a emoção que atuam para a construção da representação e destaca que "a mais importante função de toda representação é lidar com o desconhecido e tornar o não familiar, familiar" (2011, p. 191).
Complementarmente ao conceito e às funções das representações sociais, a pesquisa buscou no icônico estudo de Rosenthal e Jacobson (1981) elementos acerca da ação dos professores no processo de ensino. Segundo os autores, a hipótese do professor a respeito de seus alunos pode funcionar como uma profecia autorrealizadora, que, segundo os pesquisadores, refere-se a uma representação antecipada que o docente cria sobre o aluno e que orienta sua ação.
Se os escolares que apresentam um desempenho pobre, são aqueles que seus professores esperam que apresentem esse nível de desempenho, a expectativa dos professores é a "causa" da realização medíocre de seus alunos, ou, ao contrário, a expectativa dos professores é um prognóstico preciso de seu desempenho. (Rosenthal & Jacobson,1981, p. 261)
Considerou-se, nesse sentido, que o sucesso (ou o fracasso) de um estudante universitário de baixa renda, aquele que contraria a imagem historicamente construída do estudante universitário brasileiro (Novaes, 2010), pode ser resultado de uma representação social que seus professores têm e que, orientam sua prática, haja vista a função de ação das representações.
Teve-se por objetivo a compreensão das representações de professores sobre os estudantes de baixa renda, a fim de se obter informações que contribuíssem para a proposição de estratégias de formação docente, bem como contextualizar a IES no escopo das políticas educacionais para a educação superior.
MÉTODO
A escolha da faculdade foi orientada pelo fato de a maior parcela do alunado da instituição investigada ser beneficiada por programas sociais de financiamento estudantil.
Participantes
De um universo de 14 professores e 600 estudantes do curso de serviço social da IES pesquisada, foi possível obter respostas junto a oito professores e 448 estudantes.
Materiais
Foram utilizados como instrumentos de coleta dos dados questionários,com questões de múltipla escolha e dissertativas, e entrevista semiestruturada.
Procedimentos
O inquérito dos estudantes foi realizado por meio apenas do questionário. Para os professores, foram realizadas também entrevistas. Informações acerca do perfil socioeconômico de ambos os grupos foram obtidas por meio de questionário com questões de múltipla escolha.
A sistematização e a análise das informações obtidas por meio das entrevistas respeitaram os procedimentos da análise de conteúdo (Bardin, 2011; Franco, 2012), e contaram com o apoio computacional do software NVivo. Para a análise, consideraram-se todos os elementos da coleta dos dados, desde os registros das respostas até os conteúdos manifestos e ocultos identificados no processo. O estudo utilizou categorias temáticas como unidades de análise, por potencializar a obtenção dos componentes racionais, ideológicos, afetivos, emocionais, entre outros, nos posicionamentos dos professores, elemento de fundamental importância para a identificação de representações sociais.
Tal processo permitiu a identificação de categorias emergentes dos discursos dos professores. Os excertos textuais que compuseram as referidas categorias foram posteriormente analisados à luz das funções das representações sociais,
RESULTADOS
As informações de perfil socioeconômico dos professores evidenciam que a maioria (7) é do sexo feminino, com idade entre 31 e 40 anos. Quanto ao grau de escolaridade dos entrevistados, são três especialistas, quatro mestres e um doutor. Informe-se que quatro dos oito sujeitos têm formação em serviço social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), instituição considerada como referência por se tratar da primeira instituição onde foi implantado o curso no território brasileiro. Observou-se ainda que o tempo de docência na IES pesquisada é coerente com o período de ampliação dos financiamentos estudantis e com a implantação do curso de serviço social na referida IES (segundo semestre de 2011).
Em relação aos estudantes, identificou-se que a maior parte dos estudantes é do sexo feminino (92,20%), parte de solteiras (41,07%), com idade entre 31 e 40 anos (30,80%) e entre 41 a 55 anos (45,54%).A maioria dos alunos tem filhos, dado distinto do identificado no grupo de professores. Pouco mais da metade está inserida no mercado de trabalho(60,94%); dos não inseridos no mercado de trabalho (72,51%), a maioria frequenta o período matutino. Em relação à renda individual, parte apresenta renda até R$ 1.000,00 (39,96%); somando-se à quantidade de respostas em branco (31,25%), chega-se a 70% dos respondentes. Quanto à renda familiar, 23,44% declaram até R$ 1.000,00 e 29,24% de R$ 1.001,00 a R$ 2.000,00, havendo também grande incidência de respostas em branco (23,66%). Quanto ao local de nascimento, houve concentração de estudantes nascidos no estado de São Paulo: capital (55,13%), Grande São Paulo (9,60%) e outras cidades (4,46%); dentre outros estados, destaca-se a Bahia (9,38%).Em relação ao local de residência, a concentração está na Zona Leste (56,92%). No que tange à escolaridade da mãe, destacam-se o ensino fundamental I completo (18,75%), seguindo-se não alfabetizada (17,19%) e ensino fundamental II completo (17,19%).
A seguir, apresentam-se o posicionamento dos professores. A sistematização e a análise das informações obtidas por meio das entrevistas permitiram compreender que as diretrizes das políticas públicas de financiamento estudantil, a imagem que os professores construíram acerca de algumas instituições privadas, bem como o investimento docente em metodologias alternativas com vistas a se adequarem ao perfil dos estudantes, acompanham o discurso dos professores acerca de seu alunado.
Os excertos textuais foram analisados à luz das funções das representações sociais, que permitiram a identificação de uma visão negativa a respeito das universidades privadas que recebem o estudante de baixa renda. Para os participantes da pesquisa, as instituições acabam por mercantilizar a educação superior, valendo-se dos programas de financiamento estudantil e do desejo de uma população, antes distante do nível superior, de formar-se ou de se tornar bacharel: "as portas da universidade se abriram para o sonho do diploma que tem enfeitiçado milhares de pessoas".O fenômeno do bacharelismo é, portanto, identificado como o grande motivador da popularização, dado que, para os professores, parte significativa de seus estudantes não tem consciência de sua posição na educação superior.
Apesar de essa imagem negativa construída acerca de seu contexto de trabalho, uma respondente sintetiza com esperança: "Ao mesmo tempo em que o objetivo é o acúmulo de capital, ele acaba contemplando direitos", indicando que a política de financiamento estudantil está relacionada ao aspecto negativo da mercantilização da educação superior, mas também ao favorecimento do acesso da população de baixa renda aos bancos universitários.
Os professores, sem exceção, identificam os programas como positivos, mas imediatamente associam com a mercantilização da educação superior privada e com a baixa qualidade do ensino ofertado, resultado, sobretudo, pelas fragilidades no repertório escolar de seus estudantes. Para os docentes, a infraestrutura ofertada pelas universidades não dá conta das deficiências formativas de seus estudantes. Nesse sentido, apesar do reconhecimento da importância de tais programas, alguns docentes entendem a inclusão como perversa, uma vez que representaria a manutenção de um grupo na mesma classe, já que grande parcela dos estudantes de baixa-renda sai da faculdade para o mercado de trabalho sem condições de atuação.
Por outro lado, quatro professores recorreram a bolsas de estudos para desenvolver sua graduação e, desse modo, se identificam em certa medida com seus alunos: "Eu precisei do Fies, sem o Fies eu não teria feito faculdade. Eu não tinha condições de estudar em uma faculdade fora, mesmo pública, porque eu trabalhava e ajudava a minha família".Nesse sentido, a política pública é vista como muito positiva: "[...] é possível identificar é... uma maior popularização da universidade. A universidade chegou, tá chegando... tem mais trabalhadores dentro da universidade hoje, dentro das universidades privadas".
Apesar do diagnóstico que fazem do aproveitamento de seus estudantes, afirmam que o acesso deles a esse mundo de discussão, o mundo acadêmico, é muito positivo: "no que diz respeito ao processo de consciência de classe, eu acho que os alunos estão mais perto desse avanço na consciência, no sentido de produzir alguma coisa. [...] Porque estão falando e, dependendo do objeto, estão falando de coisas que os atingem".
Os desafios enfrentados em sala de aula são descritos por todos os docentes que, ao se sentirem frustrados pela dificuldade de diálogo com seus estudantes, buscam alternativas para auxiliar os alunos a superar as barreiras impostas pelo desconhecimento da língua portuguesa culta, o que contribui para a falta de motivação em relação ao estudo dos textos, sobretudo dos teóricos clássicos.
Tendo a precariedade como um eixo central do discurso, os docentes, sobretudo quando se referem à formação que seus estudantes receberam no ensino fundamental e médio, diagnosticam a defasagem que os alunos têm em língua portuguesa e a associam com falta de mínimo instrumental linguístico para cursar o nível superior. Uma docente afirma tratar-se de analfabetismo funcional: "Os alunos se desesperam, os professores também, porque as dúvidas são do ensino médio e fundamental".
A distorção idade-série foi também destacada, de acordo com os docentes, uma vez que parte substancial dos estudantes fez o ensino médio há mais de 15 anos: "[...] tem uma leva muito grande de alunos que está há muito tempo parada também. E aí, eles acabam entrando, muitas vezes, com uma aprendizagem defasada, porque já perderam muitos anos sem estudar ou porque vieram sem base mesmo". "[...] a grande maioria é de mulheres que já está há muito tempo fora do mercado, fora da formação, que muitas vezes já criaram os filhos, os filhos já estão numa idade de ter autonomia, por isso retornam. [...] temos um grande número de idosas".
Não raro, os docentes afirmaram que seus estudantes não compreendem sua posição na educação superior e reiteram que os alunos "caíram de paraquedas", seja porque são motivados exclusivamente pelo status de ter um título de bacharel, seja porque receberam um folheto de propaganda em um lugar qualquer, como em uma "feira livre".
O comodismo e a falta de comprometimento são vistos como consequentes do fenômeno do bacharelismo ou do desconhecimento do projeto de Educação Superior: "O aluno deveria ter a consciência de que ele fez uma escolha, né? E a gente percebe que a todo o momento a gente tem que lembrar que ele tem que estudar, tem que melhorar...". "[...] não sei nem se enxergam ensino superior como uma possibilidade de uma mudança radical de vida. Como se o ensino superior fosse um passaporte pra viver outra condição de vida". Nesse tocante, um docente alerta para a expressão de submissão: "os alunos muitas vezes se colocam em uma condição de tutela".
Em uma dupla caracterização, os estudantes são vistos como trabalhadores de baixa renda e como usuários do serviço social, motivo pelo qual não têm tempo, nem energia para estudar. Por outro lado, afirma um professor que "tem muita gente que está aproveitando, é a primeira e única chance e está fazendo acontecer".
A esperança na docência parece trazer motivação a um contexto sombrio e precário: "Eu percebo que um professor, quando consegue trabalhar algumas questões, esse aluno, ele se torna sujeito da sua própria história". Nesse sentido, diferentes metáforas são utilizadas pelos professores quando se referem à docência ou, como citado por uma respondente, ao processo de "ensinagem". Antes de ser docente, deveria ser preciso "amassar o barro", o que faz referência à necessidade de experiência no atendimento em serviço social. Por outro lado, associaram a ação docente a "fazer das tripas coração" e a "matar vários leões por dia".
Uma constante alternância eu-outros foi ainda identificada quando os docentes se referiram aos seus alunos em comparação aos estudantes que eles foram. O aluno é compreendido ora como muito diferente do estudante que foi o grupo de docentes participante da pesquisa, ora como o estudante trabalhador, ou mesmo como o bolsista que alguns docentes foram. O diálogo com o estudante, no entanto, é muitas vezes frustrante, pela dificuldade que os professores encontram em motivar os alunos que têm dificuldades na língua portuguesa e desinteresse na leitura e na aula expositiva. No entanto, dois respondentes, ao citarem Paulo Freire, reforçam a ideia de que a docência é um processo de aprendizagem tanto para alunos quanto para professores.
A frustração encontrada em sala-de-aula quando da tentativa de se comunicar com os alunos associa-se ao receio que têm em relação ao futuro profissional desses estudantes: "Porque você pode colocar, facilitar o acesso dentro da faculdade, a inclusão, né, e depois que o aluno sair de lá não ter condições nenhuma de inclusão profissional".
Ao retomar as funções de saber, de ação, a decisória e a função identitária das representações sociais, foi permitido inferir que os sentidos atribuídos pelos professores às temáticas identificadas pela pesquisa circulam, sobretudo, em dois eixos não excludentes: o que concentra discursos que rechaçam o termo "baixa renda" como qualificador dos alunos e o segundo que identifica os estudantes como usuários do serviço social.
Nesse tocante, pode-se afirmar que a maioria dos professores não usa o termo "baixa renda" e quando o faz discorda do conceito, como, por exemplo, "acho que a saída para essa sua situação passa pela auto-organização desses sujeitos envolvidos que você tá chamando de baixa renda e que eu chamo de classe trabalhadora e que as pessoas chamam de diversos nomes".
Por outro lado, para um dos docentes respondentes da pesquisa:
[...] esse aluno, ele vem com demandas muito parecidas com as demandas dos usuários que eu atendo no trabalho. E, às vezes, quando a gente está ali na discussão da aula, alguns alunos até demandam atendimento: "ah, professora, mas meu caso é assim... assim... assado, o que eu faço?". Mas, espera aí, a gente não está em atendimento, a gente está em aula. Então, acho que, esse papel entre aluno e usuário, para eles não está muito delimitado. E eu acho que esse cenário todo que a gente falou da faculdade contribui para isso, né? Então ele não sabe muito bem onde que ele é aluno, onde que ele é usuário.
"Baixa renda", no entanto, é uma expressão frequente no quotidiano daqueles que participam do grupo social do qual faz parte o estudante. Imbuído de simbolismo, a expressão ultrapassa as dimensões cognitivas e comportamentais em sala de aula e atravessam a relação professor-aluno, uma vez que tais estudantes também são usuários do sistema de assistência.
Trata-se da elaboração de uma representação mais complexa do que a que esta pesquisa tinha inicialmente como hipótese e que não se encerra no termo baixa-renda. Por outro lado, a precariedade, identificada como eixo central do discurso dos professores, traz à luz a ainda segregada realidade social brasileira, o que vem guiar as ações dos docentes em sala de aula. Como afirma uma docente: "O que mais me angustia é a busca por não culpabilizar o indivíduo pela situação que ele se encontra".
DISCUSSÃO
Para compreender as representações sociais de docentes do ensino superior privado acerca de seu alunado, a pesquisa buscou referenciais para análise da relação professor-estudante. A profecia autorrealizadora descrita por Rosenthal e Jacobson (1981), foi interpretada como uma representação antecipada que o docente cria sobre o aluno e que orienta sua ação. Nesse sentido, a análise realizada identificou elementos associados à representação que os professores constroem de seus estudantes de baixa-renda.
Por meio da consideração das entrevistas, foi possível compreender que as diretrizes das políticas públicas de financiamento estudantil, a imagem que os professores construíram acerca de algumas instituições privadas, bem como o investimento docente em metodologias alternativas com vistas a adequarem-se ao perfil dos estudantes acompanham o discurso dos professores acerca de seu alunado e orientam suas ações.
Ao considerarem que muitos de seus estudantes são egressos do Programa de Educação de Jovens e Adultos (EJA), e que muitas vezes deixam de se alimentar para poder comparecer às aulas, os professores também localizaram as fronteiras simbólicas da cidade (Jovchelovitch & Priego-Hernandez, 2013), e afirmaram que seus estudantes são de periferia, mesmo reconhecendo que muitos deles não moram longe do centro da capital. Nesse sentido, ser de periferia consiste em uma condição sociocultural mais do que uma referência espacial.
Tendo a precariedade como um eixo central do discurso, os docentes, sobretudo quando se referem à formação que seus estudantes receberam no ensino fundamental e médio, diagnosticam a defasagem que os alunos têm em língua portuguesa e a associam com a falta de mínimo instrumental linguístico para cursar o nível superior. Em uma dupla caracterização, os estudantes são vistos como trabalhadores de baixa renda e como usuários dos serviços de atendimento do serviço social, motivo pelo qual não têm tempo, nem energia para estudar.
A partir da consideração do contexto social, da abrangência do conceito de estudante baixa renda e das diretrizes para a educação até 2024, o foco de inquietações aponta para a necessidade não apenas de proposição de estratégias de formação docente, mas, diante das representações centradas na precarização e associadas ao estudante como sujeito beneficiário dos serviços sociais, identifica-se a relevância de uma avaliação das particularidades de cada área de atuação para proposição de estratégias de formação dos docentes.
Em outros termos, como uma profecia autorrealizadora, a precariedade do repertório escolar dos estudantes faz com que o docente oriente sua ação a um aluno que excepcionalmente irá compreender um texto, ou se apropriar dos conhecimentos e competências necessárias ao profissional do serviço social. Apesar de estar investindo em variadas metodologias de ensino, para esses docentes, "fazer das tripas coração" pode não ser suficiente.
REFERÊNCIAS
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