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Psicologia da Educação
versão impressa ISSN 1414-6975versão On-line ISSN 2175-3520
Psicol. educ. no.47 São Paulo jul./dez. 2018
https://doi.org/10.5935/2175-3520.20180020
ARTIGOS
Psicanálise e formação de professores: estudo das produções científicas no Brasil
Psychoanalysis and teacher training: study of scientific productions in Brazil
Psicoanálisis y formación de profesores: estudio de lãs producciones científicas en Brasil
Rafaela de Oliveira FalcãoI; Maria Celina Peixoto LimaII; Osterne Nonato Maia FilhoIII
IORCID: 0000-0001-7471-6552. Professora da Rede Municipal de Ensino de Fortaleza, Universidade de Fortaleza. rafaela.falcao@hotmail.com
IIORCID: 0000-0002-9305-079X. Programa de Pós-Graduação em Psicologia Universidade de Fortaleza, Universidade de Fortaleza
IIIORCID: 0000-0003-4636-1912. Programa de Pós-Graduação em Educação Universidade Estadual do Ceará, Universidade Estadual do Ceará
RESUMO
Este trabalho é fruto de uma investigação sobre o modo como as discussões entre a Psicanálise e a Educação têm se efetivado nos espaços acadêmicos atuais no Brasil, buscando as implicações dessa aproximação para a Formação de Professores. A Revisão Sistemática de Literatura foi utilizada como método investigativo. Foram reunidas 41 produções científicas, envolvendo artigos, teses e dissertações, produzidas nos cursos de pós-graduação stricto sensu de Psicologia e de Educação de universidades brasileiras. Seguiu-se com uma análise das tendências temáticas, teóricas e metodológicas, por meio de apreciação quantitativa e qualitativa. Foi constatado um número reduzido de trabalhos que discorrem sobre a interface entre a Psicanálise e a Formação de Professores, quando comparado à quantidade de trabalhos envolvendo Psicanálise e Educação, no sentido amplo. Os trabalhos considerados destacam a Psicanálise como uma importante ferramenta de compreensão da docência, promovendo uma interface reflexiva e dialética entre suas várias dimensões e os saberes psicanalíticos.
Palavras-chave: formação de professores,treinamento de professores, trabalho docente, psicanálise, educação
ABSTRACT
This work is the result of an investigation on how the discussions between Psychoanalysis and Education have been effected in the current academic spaces in Brazil, seeking the implications of this approach for Teacher Training. The Systematic Review of Literature was used as an investigative method. Forty one (41) scientific publications were assembled involving papers, theses and dissertations produced in graduate courses strict sensu of Psychology and Education in Brazilian universities. Next, an analysis of the thematic, theoretical and methodological trends is made through quantitative and qualitative assessment. A negligible number of studies that discuss the interface between psychoanalysis and Teacher Training was found, although there is a large concentration of works involving Psychoanalysis and Education in the broad sense. The works considered emphasized psychoanalysis as an important tool to understand teaching, promoting a reflective and dialectic interface across its various dimensions and psychoanalytic knowledge.
Keywords: teacher education, teacher training, teacher work, psychoanalysis, education
RESUMEN
Este trabajo es el resultado de una investigación acerca de la manera como las discusiones entre Psicoanálisis y Educación se han efectuado en los espacios académicos actuales en Brasil, teniendo en cuenta las implicaciones de esta proximidad para la formación de profesores. La revisión sistemática de literatura fue utilizada como método investigativo. Se reunieron 41 publicaciones científicas tales como artículos, tesis y disertaciones producidas en cursos de posgrado stricto sensu de Psicología y de Educación de universidades brasileñas. Se analisaron de las tendencias temáticas, teóricas y metodológicas, a través de la evaluación cuantitativa y cualitativa. Se encontró un pequeño número de obras que se basan en la interfaz entre psicoanálisis y formación de profesores, en comparación con lacantidad de trabajo que implica Psicoanálisis y Educación en el sentido amplio. Las obras analisadas consideran la psicoanálisis como una importante herramienta de comprensión de la enseñanza, la promoción de una interfaz reflexiva y dialéctica entre sus diversas dimensiones y el conocimiento psicoanalítico.
Palabras clave: formación de profesores, formación docente, trabajo docente, psicoanálisis, educación
Nos últimos anos, a formação de professores tornou-se uma das temáticas centrais de discussão no cenário acadêmico brasileiro, especialmente no campo da Educação. Pesquisadores, estudiosos e profissionais lançam-se às questões derivadas do tema, o que resultou em mudanças significativas nas exigências da formação, bem como no papel do professor resultante dela (Gorzoni & Davis,2017; Harres, Lima, Delord, Susa & Martinez, 2018). Porém, embora amplamente difundida nas instituições formativas, essa discussão parece não alcançar a prática efetiva em sala de aula e outros espaços educativos, não dissolvendo, portanto, os múltiplos problemas que emergem nesse contexto educacional. O professor, como objeto dessa formação, é pouco chamado a falar de sua prática e de sua vivência.
Convém [... ] reconhecer que não sabemos quase nada a respeito da construção dos saberes docentes, do ponto de vista dos próprios professores. Precisamos de ferramentas conceituais e metodológicas para guiar nossos esforços de compreensão do que são as interações de diversas fontes na cabeça e nas ações dos educadores. (Tardif, 2014, p. 185)
É quase unânime o consenso de que esses espaços de formação docente se têm destinado a uma aprendizagem dos métodos, das teorias de aprendizagem, das técnicas de ensino, compondo como que uma receita linear, muitas vezes ditada por certos modismos pedagógicos. Formadores e formandos estão envolvidos numa ilusão de que é possível garantir o sucesso do processo de ensino e aprendizagem pelo desenvolvimento da ciência pedagógica com suas modernas técnicas da informação. Tal ilusão é facilmente abalada quando é levada em consideração a dimensão da subjetividade e, mais especificamente, ado inconsciente, tal como revela a psicanálise (Mrech, 2005). Assim, apesar das habilidades técnicas embasadas numa determinada racionalidade serem necessárias, é preciso tecer pesquisas e reflexões que ressaltem os sujeitos envolvidos como "objetos de desejos, de manifestações transferenciais, de 'projeções' e de investimentos afetivos, mais ou menos inconscientes, através das 'demandas' de seus parceiros" (Ardoino, 2000, p. 200).
Além disso, são muitos os relatos de docentes imersos em um mal-estar decorrente do exercício profissional. Como é notório, ensinar está se tornando um ofício penoso e gerador de angústia. Esses professores parecem anunciar um desacordo entre suas concepções teóricas e metodológicas, valores pessoais e a forma como externam e representam o ato de ensinar e de aprender (Vasconcelos & Miranda, 2013).
Assim, partindo desses apontamentos, a ampliação dos estudos sobre esta temática foi realizada, refletindo sobre as possibilidades de contribuição dos saberes psicanalíticos que, em diálogo com a Educação, destacam o desejo do professor como dimensão importante em seu processo formativo.
Observou-se, em estudos anteriores (Kupfer et al. , 2010), que há uma recorrência maior de trabalhos vinculando psicanálise e práticas pedagógicas, a partir de temas mais abrangentes, tais como inclusão escolar, indisciplina, processo de ensino e de aprendizagem, angústia no exercício da profissão e não, especificamente, à formação profissional do educador, seja ela inicial ou continuada. A exemplo disso, destaca-se o levantamento bibliográfico coordenado por Kupfer, em 2010, que reuniu e analisou 277 trabalhos em Psicanálise e Educação, publicados no Brasil a partir de 1980, dentre os quais 32 abordavam a temática da formação docente e suas possíveis aproximações com a psicanálise.
A proposta deste artigo é mapear, a partir dos estudos encontrados, os avanços nesse campo de interface, mas ao mesmo tempo apontar lacunas, problemas e demandas de investigações que permitam aprofundar e enriquecer o debate, numa perspectiva mais descritiva e exploratória acerca dessa questão.
Tendo definido como eixo desta reflexão as possíveis contribuições da psicanálise para o processo de formação docente, foi utilizado como embasamento metodológico deste estudo a abordagem mista de pesquisa, ou seja,
[... ] uma abordagem da investigação que combina ou associa as formas qualitativa e quantitativa. Envolve suposições filosóficas, o uso de abordagens qualitativas e quantitativas e a mistura das duas abordagens em um estudo. Por isso, é mais do que uma simples coleta e análise dos dois tipos de dados; envolve também o uso das duas abordagens em conjunto, de modo que a força geral de um estudo seja maior do que a da pesquisa qualitativa ou quantitativa isolada. (Creswell, 2010, p. 27)
A escolha do tipo de pesquisa está baseada na interpretação sobre a realidade,buscando ampliar sua compreensão, na busca de leis e explicações que permitam explicitar as causas que determinam o funcionamento do mundo, incorporando tanto elementos quantitativos coletados nesse contexto, quanto elementos qualitativos derivados do processo observado e analisado pela investigação.
Destaca-se como método de pesquisa a Revisão Sistemática de Literatura (RSL), nos termos adotados por autores como Hohendorff (2014), Costa e Zoltowski (2014). Trata-se de um levantamento de estudos realizados a partir de um tema específico, o que nos possibilita uma visão ampla sobre as vozes expressas pelos autores em suas produções sobre a temática em tela, fato que interessou para a delimitação deste estudo, uma vez que permite uma sondagem sobre o "estado da arte" em Psicanálise e Formação de Professores. Além disso, pesquisas de mapeamento são importantes para nos fazer refletir sobre os métodos e os caminhos epistemológicos tecidos até então, o que possibilita novas perspectivas investigativas a partir da identificação de lacunas no processo investigado.
Na RSL, segue-se um processo de reunião e avaliação crítica dos resultados de múltiplos estudos, a fim de sumarizar pesquisas prévias para responder questões, testar hipóteses ou reunir evidências (Hohendorff, 2014; Costa, & Zoltowski, 2014). Tal método permite:
[... ] maximizar o potencial de uma busca, encontrando o maior número possível de resultados de uma maneira organizada. O seu resultado não é uma simples relação cronológica ou uma exposição linear e descritiva de uma temática, pois a revisão sistemática deve se constituir em um trabalho reflexivo, crítico e compreensivo a respeito do material analisado. (Hohendorff, 2014, p. 56)
MÉTODO
Seguindo uma abordagem quantitativa e qualitativa, a Revisão Sistemática de Literatura (RSL) foi elencada como método de pesquisa, com o objetivo de reunir, avaliar e sintetizar os resultados das produções científicas envolvendo teses, dissertações e artigos de periódicos científicos publicados em todo o Brasil, abalizando suas tendências teórico-metodológicas e debatendo sobre seus apontamentos, limites e possibilidades. A questão "O que diz a Psicanálise sobre a Formação de Professores?"serviu como diretriz inicial para a busca dos estudos.
Este estudo centra-se na investigação das produções acadêmicas, mais precisamente artigos, teses e dissertações, produzidas nos cursos de pós-graduação stricto sensu de Psicologia e de Educação das universidades brasileiras. Os trabalhos selecionados discutem os modos de articulação entre a Formação de Professores e a Psicanálise no Brasil. A partir do estudo desses trabalhos, buscou-se a compreensão do objeto investigado, sua relevância e poder explicativo.
Após o contato preliminar com algumas dessas produções, foi possível tecer definições acerca dos critérios orientadores da pesquisa, tais como a delimitação do tipo de trabalho a ser considerado (somente artigos, teses e dissertações); o local das publicações (em território brasileiro); as bases de dados a serem consultadas (banco de teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES, Portal de Periódicos da CAPES e bibliotecas digitais das universidades) e o período das publicações (a partir de 1987, ano de início das indexações de teses e dissertações no Portal da CAPES).
As fontes de dados utilizadas para consulta, em sua fase inicial e exploratória, foram as bases eletrônicas de dados BDTD_IBICT, Periódicos CAPES, EBSCO Host BVS - Psicologia e SciELO, com o fim de elencar e explorar as pesquisas realizadas no período de 1998 a 2015, considerando que o primeiro trabalho encontrado nas bases data de 1998. Os descritores utilizados para o levantamento foram: "Psicanálise e Formação Docente"; "Psicanálise e Formação de Professores".
Portanto, quanto aos critérios de inclusão e exclusão, foram considerados, estritamente, trabalhos cujos resumos explicitaram a aplicação da orientação psicanalítica ao campo da formação de professores, todos publicados no Brasil. Capítulos de livros não foram considerados, pela inexistência de resumos e indisponibilidade do trabalho completo nas bases eletrônicas de dados consultadas.
Foram selecionados trabalhos cujos resumos explicitaram a aplicação da orientação psicanalítica no campo da Formação de Professores, especificamente. No entanto, sentindo a ausência, em alguns casos, dessa explicitação nos resumos, recorreu-se ao trabalho completo. Desta forma, os critérios de exclusão foram sendo desenhados: i) um artigo discutia a interação Psicanálise e Educação (mas no sentido amplo), portanto foi desconsiderado; ii) outro, embora tenha utilizado como palavra-chave "formação docente", não tratava de aspectos da formação em si, mas centrava-se nas motivações e interesses que levavam os estudantes a ingressarem em cursos de licenciatura; iii e iv) identificamos duas dissertações que abordavam a temática "psicanálise e formação", contudo, referiam-se à formação do psicanalista, e não do professor; v) outra dissertação tratava da representação social dos professores acerca da inclusão de alunos com distúrbios globais do desenvolvimento, mas não trazia elementos que apontassem para a contribuição da psicanálise para a formação docente; vi) em outra, seguindo a mesma vertente, foi realizada uma análise dos discursos docentes com o fim de identificar as adversidades produzidas no ambiente escolar mediante a temática da educação inclusiva, porém, os aspectos destacados não se referiam ao processo de formação docente; por fim vii) do mesmo modo em outra dissertação que, embora investigasse o processo de transição do licenciando a professor, centrava-se no conceito de angústia, utilizando o referencial psicanalítico apenas na definição pontual do conceito. Em complementação, também foram considerados trabalhos completos publicados em anais de eventos acadêmicos, seguindo os mesmos critérios de inclusão dos demais.
Ao final, foram apreciados 41 resumos de trabalhos, dentre teses de doutorado, dissertações de mestrado, artigos e trabalhos completos publicados em anais.
Inicialmente, foi realizada uma investigação das áreas de concentração e das linhas de pesquisa dos Programas de Pós-Graduação Stricto Sensu (mestrado e doutorado), em Psicologia e Educação das Universidades brasileiras, que apontam para o campo da Formação de Professores. Tal investigação foi viabilizada por meio do Portal da CAPES, via internet, junto ao setor de cursos recomendados e reconhecidos e aos sites das universidades.
Após serem identificadas no Portal as áreas de concentração e as linhas de pesquisa que atendiam aos requisitos deste estudo, migrou-se para uma investigação junto às bibliotecas digitais de teses e dissertações das Instituições de Ensino Superior (IES) que comportam os Programas Stricto Sensu selecionados. As palavras-chave (descritores) utilizadas para o levantamento foram as mesmas empregadas na fase exploratória desta pesquisa: "Psicanálise e Formação Docente"; "Psicanálise e Formação de Professores".
Após a coleta de dados, os trabalhos selecionados foram dispostos em uma planilha, evidenciando suas características principais: título, autoria, ano de publicação, tipo de publicação, local de publicação / instituição de ensino, link de acesso, resumo, palavras-chave, temática abordada, método utilizado, programa de pós-graduação. Para o preenchimento desta, em alguns casos, devido a uma falta de clareza quanto a informações apresentadas nos resumos, os trabalhos completos foram consultados, bem como o currículo Lattes dos autores. Tal estratégia permitiu uma análise das tendências temáticas, teóricas e metodológicas abordadas, resultando no arranjo dos dados em tabelas, a partir de uma apreciação quantitativa e qualitativa. O resultado deste processo de sistematização será detalhado a seguir.
RESULTADOS
Conforme apresentado na Tabela 1, foram analisados 41 trabalhos.
Como pode ser observado, a maior parte dos textos refere-se à produção oriunda de Programas de Pós-Graduação, sendo a maioria dissertações (18 trabalhos), havendo apenas quatro teses. Há um número significativo de artigos (13 trabalhos) publicados em periódicos, além de seis textos publicados em anais de eventos científicos.
Outro ponto a ser considerado é o total de produções distribuídas por Programa de Pós-Graduação (PPG).
Dos 41 selecionados, sete são oriundos dos Programas de Psicologia e 34 dos Programas de Educação. A maior concentração de trabalhos que discutem a temática investigada encontra-se nos PPG de Educação de Universidades da região Sudeste do país (São Paulo e Minas Gerais).
Em prosseguimento, partiu-se para a verificação dos tipos de pesquisa utilizados, dispostos na Tabela 3.
A pesquisa de campo foi mencionada em 25 trabalhos; a pesquisa etnográfica e a pesquisa-ação em três trabalhos cada; como é possível observar, a "pesquisa etnográfica" e a "pesquisa-ação"foram separadas da "pesquisa de campo", embora elas sejam consideradas como tal. Mais adiante será apresentado o porquê desse destaque. Quanto à pesquisa teórica, foi efetivada em 10 dos trabalhos contemplados.
Outro ponto de análise foram os instrumentais de coleta de dados utilizados pelos pesquisadores/autores. A tabela abaixo apresenta os instrumentos empregados e a quantidade de trabalhos em que eles aparecem.
Conforme exposto acima, o cunho teórico investigativo é abordado por 10 trabalhos realizados a partir da pesquisa bibliográfica e seisa partir da análise documental. Há uma prevalência quanto à utilização de instrumentais de pesquisa de campo, como se pode observar: entrevista (nove trabalhos), observação/acompanhamento (seis trabalhos), observação participante (cinco trabalhos), memória educativa (cinco trabalhos), questionário (três trabalhos), recursos audiovisuais (dois trabalhos), relato escrito (dois trabalhos), relato oral (dois trabalhos), relato misto (dois trabalhos), grupos clínicos de análise (um trabalho). Há de se considerar que ocorreu de o mesmo trabalho utilizar mais de um instrumental de coleta de dados.
Os estudos também foram analisados quanto às temáticas abordadas. Sua verificação se deu por meio do destaque nas palavras-chave dos trabalhos em questão ou por meio da explicitação do tema no próprio resumo do texto. Vale ressaltar que, em muitos casos, mais de um tema aparece em um mesmo trabalho. Também destacamos a maior recorrência de alguns, sua repetição em diversos escritos; em detrimento de outros, como se pode constatar na Tabela 5.
Muitos dos trabalhos trazem uma explanação histórica e teórica da possível relação entre a Psicanálise e a Educação, aplicando os conceitos psicanalíticos à área educacional, antes de abordar estritamente as implicações da psicanálise na formação docente. Essa temática foi denominada, na Tabela 5, "Aplicação da Psicanálise à Educação", sendo citada em 25 estudos, dentre os 41 selecionados. Há também trabalhos que seguem uma vertente similar, mas detêm-se a apontamentos diretos sobre as contribuições da psicanálise à formação docente (inicial, continuada, do docente universitário, do docente reflexivo), além de aparecerem a Educação Especial (11 citações) e Práticas de Ensino-Aprendizagem (nove citações).
DISCUSSÃO
Observando-se a quantidade de trabalhos por Programa de Pós-Graduação,tomando como aporte teórico a psicanálise, teoria pouco difundida nos espaços educacionais, foi constatada maior recorrência dos trabalhos em PPG de Educação do que de Psicologia, o que demonstra a existência de curiosidade investigativa maior nos profissionais da Educação. No entanto, a partir da verificação do Lattes dos autores, foi possível observar que a formação inicial da maioria deles é em Psicologia. O inverso também foi verificado, pois muitos autores com trabalhos em PPG de Psicologia possuem formação inicial em Pedagogia ou Licenciaturas. Esse "vice-versa" evidenciou, na formação dos autores, uma "costura", já desde a formação inicial, entre os interesses da Psicologia (mais precisamente, psicanálise) e os da Educação.
Nesse sentido, os estudos indicam que uma das implicações do ensino da psicanálise para educadores seria a de suscitar a demanda de análise, já intencionada e sugerida por Freud (1932/2010) como uma das contribuições da Psicanálise à Educação. Em alguns trabalhos (Neto, 2008; Costa, 2013) foram encontrados indícios de que é possível ensinar algo da (sobre a) Psicanálise fora das instituições psicanalíticas. Entretanto, os autores atentam para o risco de se associar este ensino apenas a uma instância restrita de fundamentos teórico-conceituais, o que pode não gerar grandes implicações na formação do pedagogo, relegando este saber ao esquecimento, como qualquer outro que perde o significado por não afetar o sujeito aprendente.
A prática do educador (bem como seus fins) não deve ser confundida com o trabalho psicanalítico, muito menos ser por este substituído. No entanto, um professor que se submeta a um processo analítico pode desenvolver, a partir dessa experiência, uma compreensão diferenciada acerca dos processos educacionais, atentando para as peculiaridades dos sujeitos que neles estão inseridos. Corroborando este pensamento, Kupfer (2013) elucida que seria possível pensar a Formação de Professores vinculada à Psicanálise, possibilitando ao educador uma ética, um modo de ver e de entender sua prática educativa. O que fosse ensinado seria confrontado com o desejo de cada um, o que permitiria o pensamento renovador, a criação e a geração de novos conhecimentos.
Quanto aos tipos de pesquisa utilizados, os resultados indicam maior frequência das pesquisas de campo do que das pesquisas teóricas, o que abre perspectivas para considerar os motivos que levam os pesquisadores a optar, em sua maioria, por pesquisas de campo. Aqui, serão apresentados possíveis motivos para a ênfase dada a esses dois tipos de pesquisa: etnografia e pesquisa-ação.
Com relação à etnografia, Creswell (2010, p. 37) afirma ser "uma estratégia de investigação em que o pesquisador estuda um grupo cultural intacto em um cenário natural durante um período de tempo prolongado, coletando principalmente dados observacionais e de entrevistas". Segundo o mesmo autor, "[... ] o processo de pesquisa é flexível e se desenvolve, tipicamente, de maneira contextual em resposta às realidades vividas encontradas no ambiente de campo" (Creswell, 2010, p. 37). Portanto, esse tipo de pesquisa pode originar respostas a problemas específicos, produzindo resultados de grande importância para os grupos sociais.
Quanto à pesquisa-ação, atribui-se sua origem a Kurt Lewin, em 1940, surgindo da necessidade de planejar intervenções transformadoras no campo das relações de grupo (Neves, 2006). Neste caso, há uma estreita participação dos pesquisadores, bem como das demais pessoas envolvidas na investigação. Eles deixam de ser meros espectadores ou informantes e tornam-se sujeitos ativos na resolução dos problemas e na produção de conhecimento. Essa participação coletiva empreendida nesse tipo de pesquisa permite que o poder originado pelo acesso ao conhecimento produzido seja socializado, possibilitando ao grupo o planejamento de respostas práticas para os problemas vivenciados e ao pesquisador, uma postura política frente diante do grupo, propondo ações de enfrentamento e mudança dos problemas emergentes (Neves, 2006).
Outro fator a pontuar é a única ocorrência de grupos clínicos de análise como método de coleta de dados entre os trabalhos selecionados. O trabalho em que foi empregado é derivante de um PPG de Psicologia e aborda a questão do cuidado e do terapêutico, estabelecendo o grupo e a prática profissional como objetos de trabalho psicanalítico (Pedroza, 2010). Segundo a autora, o grupo clínico de análise:
Constitui-se em um dispositivo clínico que reúne profissionais de uma mesma categoria, com um coordenador, analisado ou analista que conduzirá a reflexão no grupo. Nesse quadro clínico preciso, cada participante apresenta um relato sobre um momento de sua prática pedagógica conflitante ao qual o grupo vai reagir. (Pedroza, 2010, p. 91)
Desta forma, considerando as características do grupo, evidencia-se a exigência de que sua condução se dê por um psicanalista aberto a uma aplicação mais ampla e social da psicanálise, fato que somado à pouca efetivação de pesquisas que explorem a articulação entre a psicanálise e a formação de professores parece corroborar a hipótese de que há poucos trabalhos em psicanálise com grupos, nesse caso, de professores, o que explicaria o registro único de seu emprego entre os trabalhos selecionados nesta pesquisa.
Quanto aos temas abordados pelos pesquisadores, um aspecto que se evidencia é a formação do professor que atua na Educação Especial. Estudos ressaltam que, para a sua efetiva implementação, enquanto direito e política pública que viabilize educação de qualidade para todos, é necessária uma extensa reorganização escolar, na qual se sobressaia a formação do professor (Papi, 2018). Nesse sentido, a psicanálise tem muito a contribuir como um instrumento de apoio à Educação Especial, tomando como pressuposto o fato de que as concepções e os sentimentos dos sujeitos da escola precisam ser ouvidos e considerados, pois podem elucidar os fatores facilitadores e/ou complicadores para a efetivação de prática pedagógica pautada em princípios inclusivos.
A temática "Práticas de Ensino e de Aprendizagem" também foi recorrente. Nestes casos, a psicanálise aparecia como aporte teórico tecendo relação com teorias do desenvolvimento e da aprendizagem, como a Epistemologia Genética de Piaget, o Interacionismo sócio-histórico de Vygotsky e a Psicologia Genética de Wallon.
Outro destaque a se fazer diz respeito à distribuição da temática "Formação Docente" em subáreas, como Formação do professor reflexivo, Formação Inicial de Professores, Formação Continuada de Professores, Formação do Professor Universitário, Formação em Serviço e Formação do Formador. É pertinente tecer pesquisas mais diretivas, uma vez que cada uma dessas áreas tem suas próprias perspectivas de atuação, modos de enfrentamento, caminhos formativos, diferentes bases teóricas e modos de produção do conhecimento diversificada. Contudo, é importante atentar para que esta "separação didática" não produza distanciamento ou fragmentação desse grande campo que é a Formação Docente. Existe aí um emaranhado de ações, reflexões e problemas que merecem, sem dúvida, a efetivação de novas e importantes pesquisas abrangendo esse campo.
Com relação à temática "Formação Psicanalítica", os estudos que seguiram nesta vertente realizaram uma analogia entre a formação do psicanalista e a formação do pedagogo, ressaltando o lugar ocupado por ambos no exercício profissional. No caso do psicanalista, um lugar de distanciamento com relação ao analisando, evitando ser afetado pelas demandas que este traz; no caso do professor, uma total implicação na relação estabelecida com o aluno, sendo esta condição primordial para que o aprendiz se desenvolva e avance em aprendizagens.
Embora os modelos de racionalidade técnica tenham sido ultrapassados teoricamente, ainda hoje a formação do professor é pautada predominantemente numa matriz curricular que considera a aprendizagem como um processo puramente consciente, dando ênfase para os componentes cognitivos do indivíduo, negligenciando ou, muitas vezes, negando os processos afetivos e desconsiderando os processos inconscientes (Pedroza, 2010).
Tal fato evidencia-se quando são observados os discursos em pauta que norteiam a Formação de Professores. Geralmente, centram-se nas discussões sobre quais os métodos de ensino ou os procedimentos didáticos mais adequados para o exercício docente, atribuindo a este um caráter puramente técnico, quesito mensurador do sucesso ou insucesso da formação profissional. Para Lajonquière (1999, p. 59), por meio da aplicação de métodos, busca-se "obter um saber sobre a singularidade de um episódio subjetivo", o que, para a Psicanálise, constitui um equívoco.
Desta forma, é preciso considerar a necessidade de uma formação fundamentada na própria experiência pedagógica do professor, atentando para os componentes dessa experiência, interrogando os modelos de formação e prática docente que massificam o que deveria ser peculiar à experiência singular desse sujeito. Portanto, as contribuições da Psicanálise para a Formação de Professores está não em lhes atribuir ou ensinar mais uma técnica, mas em proporcionar-lhes um novo pensar que lhes permita questionar sobre sua práxis e sobre as relações que constrói em seu fazer pedagógico.
A ideia de se levar a Psicanálise para a formação de pedagogos não está na proposição de que o educador exerça a função de analista, mas na oferta de um dispositivo, viabilizado por meio do acesso a um saber sobre a psicanálise, que o permita "uma compreensão um pouco melhor das vicissitudes do processo de ensino e aprendizagem (...). É exatamente este movimento que possibilita uma prática balizada por uma ética da convivência e do reconhecimento da singularidade" (Costa, 2013, p. 112). É necessário ainda salientar que o compromisso e a responsabilidade firmados pelo educador mediante seu papel profissional não podem ser confundidos com idealizações (im)postas pela sociedade. Afinal, o professor é, antes de exercer qualquer papel social, um sujeito que deseja (Neto, 2008).
As sínteses aqui apresentadas elucidam o cenário atual das pesquisas que contemplam as contribuições da psicanálise para o campo da formação docente. A constatação de um número reduzido de trabalhos que discorrem sobre a interface entre a Psicanálise e a Formação de Professores chamou a atenção, embora haja uma grande concentração de trabalhos envolvendo Psicanálise e Educação, no sentido amplo.
Uma vez que não foram encontrados trabalhos de Revisão Sistemática de Literatura no Brasil que discutem esta temática específica, reforça-se a pertinência do presente estudo. Como mapeamento realizado, evidenciam-se avanços e lacunas nesse campo de interface, assim como problemas e demandas de novas investigações que permitiriam aprofundar e enriquecer o debate.
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