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Psicologia da Educação

versão impressa ISSN 1414-6975versão On-line ISSN 2175-3520

Psicol. educ.  no.48 São Paulo jan./jun. 2019

https://doi.org/10.5935/2175-3520.20190012 

COMPARTILHANDO

 

Orientação educacional e coordenação pedagógica no estado de São Paulo: avanços, recuos, contradições (parte I1)

 

 

Laurinda Ramalho de Almeida

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo/SP - Brasil

 

 

"O passado reconstruído não é um refúgio, mas uma fonte,
um manancial de razões para lutar. A memória deixa de ter
um caráter de restauração e passa a ser geradora de futuro."
Ecléa Bosi. O tempo vivo da memória, 2003, p. 66

Mapear a trajetória da Orientação Educacional - OE e da Coordenação Pedagógica no contexto educacional brasileiro é situar uma história recente em sua concretização, porém antiga em sua prescrição legal. Pretendo fazê-lo tomando como eixo minha própria trajetória acadêmica e profissional. E, visto que minha formação inicial e transcurso profissional se deram no Estado de São Paulo e estão entrelaçados com a Orientação Educacional e a Coordenação Pedagógica, justifica-se que me coloque como participante dessa história e situe particularmente dados desse Estado e com destaque para a rede pública estadual, na qual atuei por 31 anos. Parto do pressuposto de que, pela narrativa da trajetória da vida pessoal pode-se captar o que sucede na vida social (Queiroz, 1988, p. 36).

Este artigo resulta, portanto, de pesquisa bibliográfica em textos legais e em artigos de revistas, algumas editadas pela Secretaria Estadual de Educação de São Paulo, bem como em registros de congressos nacionais e estaduais de Orientação Educacional. Resulta também de memórias de minha trajetória acadêmica e profissional e de depoimentos de profissionais que exerceram a Orientação Educacional e a Coordenação Pedagógica no Estado de São Paulo, identificados no artigo, com a devida autorização.

No escopo restrito de um artigo, proponho-me a mapear e examinar alguns pontos da trajetória da Orientação Educacional e da Coordenação Pedagógica na rede pública estatual paulista, para responder as seguintes questões:

• Como se deu a trajetória da Orientação Educacional e da Coordenação Pedagógica no contexto da rede pública estadual do estado de São Paulo?

• Quais são algumas possíveis alternativas de compreensão para os avanços e recuos dessas duas áreas, no sistema estadual de ensino do estado de São Paulo?

 

DA ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL

Iniciei o curso de Pedagogia na USP em 1960. Este oferecia, já no 4º ano, algumas disciplinas optativas que comporiam um curso de pós-graduação na área de Orientação Educacional - O.E. Cursei mais um ano, com disciplinas e estágio supervisionado no Colégio de Aplicação da USP e, em 1964, recebi meu certificado de especialização em Orientação Educacional (Orientação Educacional viria a ser considerada habilitação do curso de Pedagogia somente em 1969, com a lei nº 5.540/68 - lei da Reforma Universitária). O fato de ser, na década de 1960, considerada pós-graduação (na USP o curso de pós-graduação em OE teve início em 1962, sob a coordenação da professora Maria José Garcia Werebe), permitiu que muitos egressos do curso fossem aprovados pelo então Conselho Federal de Educação para serem professores titulares no Ensino Superior, que começava sua expansão na década de 1970, principalmente para ministrar as disciplinas das habilitações Orientação Educacional e Supervisão Escolar. Foi meu caso - atuei como professora de Princípios e Métodos de Orientação Educacional e de Supervisão Escolar, bem como de Psicologia da Educação, durante vários anos, em faculdades particulares.

No entanto, bem antes desse período, a Orientação Educacional surgia, no Brasil e em São Paulo.

Em 1924, Roberto Mange fundou em São Paulo um Serviço de Seleção e Orientação Profissional no Liceu de Artes e Ofícios com o auxílio técnico de Henri Pièron. Em 1931, Lourenço Filho, então Diretor do Departamento de Educação de São Paulo, criou o Serviço de Orientação Educacional e Profissional. Percebe-se aqui uma ampliação do campo da Orientação Educacional no Brasil: a partir de uma preocupação inicial com a escolha profissional (exatamente como nos Estados Unidos e na França, que foram os dois países que mais influência exerceram sobre o modelo brasileiro de Orientação Educacional), sua área de preocupação e atuação foi ampliada, passando a abranger a orientação escolar. No entanto, no ano seguinte esse Serviço foi extinto (São Paulo, 1977).

Na legislação brasileira, a Orientação Educacional foi introduzida através da Lei Orgânica do Ensino Industrial, aparecendo depois na Lei Orgânica do Ensino Secundário, a seguir na Lei Orgânica do Ensino Comercial e, posteriormente, na Lei Orgânica do Ensino Agrícola. É reafirmada pela Lei nº 4.024 de 20/12/61 e pela Lei nº 5.692 de 11/08/71. Seguem trechos dessas leis (Penteado, 1976, anexos):

Lei Orgânica do Ensino Industrial (Decreto Lei nº 4.073, de 30/01/42)

Art. 50 - Instituir-se-á em cada escola industrial ou escola técnica a Orientação Educacional, mediante a aplicação de processos adequados pelos quais se obtenham a conveniente adaptação profissional e social e se habilitem os alunos para a solução dos próprios problemas.

Art. 51 - Incumbe também à Orientação Educacional, nas escolas industriais e escolas técnicas, promover, com o auxílio da direção escolar, e organização e o desenvolvimento, entre os alunos, de instituições escolares tais como cooperativas, as revistas e os jornais, ou clubes ou grêmios, criando na vida dessas instituições, num regime de autonomia, as condições favoráveis à educação social dos escolares.

Art. 52 - Cabe ainda à Orientação Educacional velar no sentido de que o estudo e o descanso dos alunos decorram em termos da maior conveniência pedagógica.

Lei Orgânica do Ensino Secundário (Decreto Lei nº 4.244 de 09/04/42)

Art. 80 - Far-se-á nos estabelecimentos de ensino secundário a Orientação Educacional.

Art. 81 - É função da Orientação Educacional mediante as necessárias observações cooperar no sentido de que cada aluno se encaminhe convenientemente nos estudos e na escolha de sua profissão, ministrando-lhe esclarecimentos e conselhos sempre em entendimento com a família.

Art. 82 - Cabe ainda à Orientação Educacional cooperar com os professores no sentido da boa execução por parte dos alunos dos trabalhos escolares, buscar imprimir segurança e atividade aos trabalhos complementares e velar para que o estudo, a recreação, os descansos dos alunos decorram em condições da maior conveniência pedagógica.

Lei Orgânica do Ensino Comercial (Decreto Lei nº 6.141 de 28/12/43)

Art. 39 - Far-se-á nos estabelecimentos de ensino comercial a Orientação Educacional e Profissional.

Art. 40 - É função da Orientação Educacional e Profissional, mediante as necessárias observações, velar no sentido de que cada aluno execute satisfatoriamente os trabalhos escolares e em tudo o mais, tanto no que interesse à sua saúde, quanto no que respeita aos seus assuntos e problemas intelectuais e morais na vida escolar e fora dela, se conduza de maneira segura e conveniente e bem assim encaminhe com acerto na escolha ou nas preferências de sua profissão.

Art. 41 - A Orientação Educacional e Profissional estará continuamente articulada com os professores e, sempre que possível, com a família dos alunos.

Lei Orgânica do Ensino Agrícola (Decreto Lei nº 9.613 de 20/08/46)

Art. 45 - Far-se-á nos estabelecimentos de Ensino Agrícola a Orientação Educacional e Profissional.

Art. 46 - É função da Orientação Educacional e Profissional, mediante as necessárias observações, velar no sentido de que cada aluno execute satisfatoriamente os trabalhos escolares e em tudo o mais, tanto no que interesse a sua saúde, quanto no que respeita aos seus assuntos e problemas intelectuais e morais na vida escolar e fora dela, se conduza de maneira segura e conveniente e bem assim se encaminhe com acerto na escolha ou nas preferências de sua profissão.

Art. 47 - A Orientação Educacional e Profissional estará continuamente articulada com os professores e, sempre que possível, com a família dos alunos.

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 4.024 de 20/12/61)

Art. 38 - Na organização do ensino de grau médio, serão observadas as seguintes normas:

[...]

V - Instituição da Orientação Educativa e Vocacional, em cooperação com a família.

Lei de Diretrizes e Bases para o Ensino de 1 º e 2º graus (Lei nº 5.692 de 11/08/71)

Art. 10 - Será instituída obrigatoriamente a Orientação Educacional, incluindo aconselhamento vocacional em cooperação com os professores, a família e a comunidade.

Uma análise desses textos legais revela que: 1º) Os textos legais consagram desde 1942 a Orientação Educacional como instituição escolar obrigatória; 2º) Até a Lei 4.024 de 20/12/68, a maioria dos textos legais refere-se à Orientação Educacional e Profissional; 3º) A Lei 5.692 de 11/08/71 usa a expressão Orientação Educacional e introduz Orientação Educacional num sentido amplo, abrangendo tanto Orientação Escolar como Orientação Profissional; e no seu artigo 5º estabelece: "A parte de formação especial do currículo terá o objetivo de Sondagem de aptidões e iniciação para o trabalho, no ensino de 1º Grau, e de habilitação profissional no ensino de 2º Grau". A ênfase da Orientação Educacional recai mais em termos de pesquisa e desenvolvimento vocacional, através do currículo, e menos em termos de ajustamento escolar, o que aparecia nas leis anteriores; 4º) Todos os textos legais reconhecem a escolha profissional como objeto da atuação da Orientação Educacional e 5º) Os textos legais reconhecem a necessidade de o Orientador cooperar ou articular-se com professores e família. A Lei 5.962/71 é mais explícita, estabelecendo, para o Orientador, uma atuação cooperativa com professores, família e comunidade. No relatório do Grupo de Trabalho encarregado da elaboração do Ante-projeto de Lei 5.962/71, fica bem clara a posição que os legisladores quiseram dar à Orientação Educacional: "O quarto aspecto que afloramos é a Orientação Educacional. O dispositivo proposto (Artigo 10) é simples, mas basta para situá-la na linha do ante-projeto e caracterizá-la como mecanismo auxiliar da tarefa educativa cometida à escola como um todo."

Observa Werebe (1970) que em nenhuma das leis referidas foram definidas as exigências quanto à formação e seleção dos candidatos. Ao tempo em que as Leis Orgânicas foram promulgadas, não havia cursos especiais de Orientação Educacional. A função passou a ser exercida por orientadores com formação improvisada, recrutados por critérios variados e, em sua maioria, sem formação universitária: "A Orientação Educacional teve, assim, entre nós, um péssimo começo, com profissionais mal preparados ou sem preparo algum" (Werebe, 1970, p. 2). Acrescenta a autora que só o Ensino Industrial encarou a questão com maior seriedade, realizando concursos internos para provimento efetivo dos cargos de Orientação Educacional, em suas escolas, tendo realizado o primeiro em 1951.

Em caráter permanente, portanto, os primeiros trabalhos de Orientação Educacional, no Estado de São Paulo, iniciaram-se nas escolas de nível médio que compunham a rede de Ensino Industrial. Em 1937, três escolas industriais - Instituto Profissional Masculino, Instituto Profissional Feminino e Escola Industrial de Santos, contavam com Serviços de Orientação Educacional (São Paulo, 1977).

Esse trabalho pioneiro possibilitou, em 1947, o estabelecimento das "Diretrizes e Bases da Orientação Educacional nas Escolas Industriais" e levou o Diretor Geral do Departamento de Ensino Profissional do Estado de São Paulo a efetuar a nomeação, em caráter interino, dos primeiros orientadores educacionais. Formou-se uma rede de vinte e uma escolas subordinadas a um Serviço de Pesquisas e Orientação Educacional, no referido Departamento, sob a chefia do Prof. Oswaldo de Barros Santos. Em 1951, foi realizado o 1º Concurso de Ingresso para Orientadores do Ensino Industrial e Agrícola e, em 1953, realizou-se o 2º Concurso (São Paulo, 1977).

No Ensino Secundário, a introdução da O.E. foi mais tardia, exceção feita para as escolas experimentais que foram criadas, pela possibilidade oferecida pela lei 4024/1964, que permitiu a organização de cursos ou escolas experimentais no contexto do chamado ensino renovado, com o objetivo de ensaiar a aplicação de métodos pedagógicos e processos escolares, bem como tipos diferenciados de currículo.

Em São Paulo, três escolas experimentais se destacaram e são até hoje discutidas como inegáveis experiências de renovação educacional: Colégio de Aplicação da USP, Ginásios Vocacionais e Ginásio Estadual Pluricurricular Experimental - GEPE, que ficou conhecido como Experimental da Lapa.

Em 1957, por solicitação da USP, uma escola da rede estadual de ensino foi destinada como colégio de aplicação para os licenciados da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras realizarem seus estágios. Em 1962 lá foram instaladas as classes integradas, fundamentadas em experiências pedagógicas renovadoras e contava com Serviço de Orientação Educacional e Serviços de Orientação Pedagógica (Almeida, 2013).

O Serviço de O.E. foi criado em 1958 por Maria José Garcia Werebe e por ela coordenado por 8 anos, durante os quais ampliou-se muito e tornou-se referência (bem como o curso de especialização em O.E. também por ela coordenado) para outras escolas. Foi amplamente difundido nos meios externos ao Colégio e era espaço de estágios para os alunos que cursavam a especialização em O.E. Neste, os alunos eram atendidos em diferentes áreas: Orientação de Estudos, Orientação Vocacional, Orientação Psicológica, Orientação Sexual. Esta última área surgiu da demanda dos alunos e, além do trabalho com os estudantes, eram feitos seminários com os pais. A Orientação em Grupos também era realizada, em horário semanal, com os alunos.

Bernardete Gatti2, que foi orientadora educacional no Colégio de Aplicação da USP de 1962 a 1969, afirma que havia integração do Serviço de O. E. com o de Orientação Pedagógica e que essa integração demandou muitas discussões sobre o campo de atuação de cada área: "Por serem áreas distintas, porém com a proposta de um trabalho integrado em função de objetivos comuns, a necessidade de definição e redefinição das atribuições se fazia sentir em muitos momentos".

Os Ginásios Vocacionais - GEV, que representam também um processo pedagógico renovador, funcionaram de 1962 a 1970, nas cidades de Batatais, Rio Claro, Americana, Barretos, São Caetano do Sul e na Capital. Neles havia Serviços de Orientação Educacional e de Orientação Pedagógica. Nobuko Kawashita3, que foi orientadora educacional no Ginásio Vocacional de Rio Claro (em depoimento à autora, 2016) relembra a experiência do Vocacional, que para ela foi marcante:

A Experiência do Vocacional é muito a participação efetiva do aluno, em todas as atividades. Era a partir da vivência dos alunos no mundo do trabalho que se fazia a síntese da disciplina e do próprio aluno. A O.E. era pensada a partir da dinâmica dos alunos nas aulas (Práticas Comerciais, Práticas Industriais etc). Era discussão a partir da experiência do aluno. O próprio aluno se descobria, sentia qual era a área na qual estava mais à vontade.

O estudo do meio era uma estratégia fundamental para o conhecimento do mundo do trabalho; a junção do vivido pelos alunos nesses estudos, com o conteúdo das disciplinas, ia se ampliando: na 5ª série - conhecimento do mundo do trabalho na comunidade; na 6ª série - ampliava o conhecimento em outras regiões do Estado de São Paulo; na 7ª série - ia para outro Estado, para se ter a vivência da variedade cultural e na 8ª série - voltava a discutir a própria comunidade, já com uma visão mais ampla. A visão da complexidade era o foco. O Trabalho em grupo era outro ponto forte da atuação do orientador educacional.

Nobuko Kawashita acrescenta ainda:

A integração com o pedagógico era fundamental. O trabalho O.E. - O.P. era conjunto, não havia superposição de uma área sobre outra, até porque a parte pedagógica das disciplinas era campo de descoberta dos alunos.

O Experimental da Lapa foi outro espaço de experimentação educacional. Um regimento próprio permitia seleção, capacitação e avaliação de educadores para dar conta da proposta pedagógica. Inicialmente contava com Serviço de O.E. e Serviço de Orientação Pedagógica. Posteriormente, a função passou a ser Orientação Pedagógica Educacional. O depoimento de Vera Placco esclarece a organização e funcionamento do Experimental da Lapa:

Bem, o Experimental tinha uma série de prerrogativas... [...]. Havia Orientador Pedagógico Educacional para todas as séries tendo, no máximo, duas séries para cada orientador. Nós tivemos um período que a gente tinha um por série. Havia Orientadores de área, de Matemática, de Comunicação, de Arte etc. E, além disso, Equipes de Pesquisa para todos os GEPE. Tínhamos também um contrato com os professores que previa pagamento para as horas de reunião. Tínhamos dois sábados por mês em que se trabalhava e esses sábados eram remunerados. Tínhamos reuniões de pais que eram absolutamente planejadas. Montavam-se esquemas de interação com a comunidade [...]. Havia reuniões semanais com os Orientadores de Área, com os Orientadores Educacionais, com as Equipes de Pesquisa e com os Coordenadores Gerais da Escola. (in: Almeida, 2007).

A implantação da OE nas "escolas comuns" da rede estadual de ensino iria acontecer somente em 1969. Werebe (1970) relata os atos que antecederam e possibilitaram essa implantação.

Em maio de 1962 foi aprovada a lei 6.805 dispondo sobre a criação de 172 cargos de orientador educacional na Secretaria Estadual de Educação. Determinava a lei que o provimento dos cargos criados e dos já existentes nas escolas estaduais seria feito mediante processo de habilitação e seleção entre os que tivessem formação universitária e portadores de diploma de curso de especialização de orientação educacional, com duração mínima de um ano, realizado em Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras.

Até o começo de 1964 não se tomou nenhuma providência no sentido de efetivar a lei. Ao contrário, três decretos foram publicados, desrespeitando-a: 1) decreto nº 43.162/64 - lotando os cargos de orientador educacional em estabelecimentos de ensino médio; 2) decreto nº 43.163/64 - nomeando, interinamente, os ocupantes dos cargos lotados pelo decreto anterior; 3) decreto nº 43.161/64 dispondo sobre o concurso para provimento dos cargos, exigindo apenas certificado de curso de especialização (qualquer um) em orientação educacional. O regulamento do concurso previa que os orientadores educacionais interinos, se habilitados no concurso, para o qual se exigia um conhecimento pífio, continuassem na função.

Conhecedor de tais desmandos da gestão anterior, ao assumir a pasta da Secretaria da Educação, o prof. Carlos Pasquale designou, em novembro de 1966, uma Comissão para preparar o texto de um novo decreto, da qual faziam parte Maria José Garcia Werebe e Oswaldo de Barros Santos. Tal decreto, nº 48.143 de 26/06/1967, preparado pela Comissão e aprovado pelo Secretário, estabelecia como exigência para inscrição no concurso diploma de curso universitário, aceitando-se como tal a licenciatura em Pedagogia, Psicologia, Ciências Sociais e Filosofia, expedido por Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, oficial ou reconhecida, bem como o de Educação Física, por exigência do artigo 63 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

O decreto estabelecia que o concurso seria comum para o Ensino Secundário e Normal, Industrial e Agrícola. Estabelecia, ainda, que constaria de provas escrita e de personalidade. Provas escritas de: Teoria de Orientação Educacional, Prática de Orientação Educacional, Psicologia Educacional e do Adolescente, Sociologia Educacional e Administração Escolar. Quando da realização do concurso, em 1968, foram designadas pelo Secretário da Educação os membros das bancas (uma banca para cada matéria); para o exame de personalidade foram feitas avaliações psicológicas, por psicólogos do Serviços de Higiene Escolar.

Em teoria de Orientação Educacional constava, na bibliografia para o concurso, além de uma vasta bibliografia de autores americanos, a obra de Carl Rogers, Psicoterapia Centrada en el cliente (1966), bem como o livro de Oswaldo de Barros Santos, Orientação e Seleção Profissional (1963), no qual o autor focalizava as três técnicas de aconselhamento (clínico ou diretivo, não diretivo e eclético), esclarecendo que o aconselhamento não diretivo tinha em Carl Rogers seu principal representante. Fatos que levam a inferir que a Comissão Organizadora do Concurso entendia que o conhecimento da obra de Rogers poderia fundamentar a ação dos orientadores educacionais.

Retomando, no concurso realizado pela Secretaria de Estado da Educação, para efetivação de orientadores educacionais, inscritos 315 candidatos, foram aprovados 88. Em dezembro de 1969, 81 desses foram nomeados; em função de sua escolha, 51 no ensino Secundário e Normal e 20 no Ensino Técnico (Agrícola e Industrial). Fui um desses. Assumi, em caráter efetivo, o cargo de orientadora educacional do Ginásio Industrial Martin Luther King, na Capital. Após a realização dos concursos de remoção de 1970 e 1971, a rede de Ensino Secundário e Normal recebeu 24 orientadores do ensino técnico. Por outro lado, ocorreram 11 exonerações, a pedido, permanecendo, portanto, 64 concursados. Além desses, exerciam a função, em caráter efetivo, 73 profissionais não concursados, com formação muito variada (Revista DESN nº 2).

Em agosto de 1970 foi constituída, no Departamento de Ensino Secundário e Normal, a Equipe Técnica de Supervisão de Orientação Educacional - ETSOE (da qual participei até 1976) com a incumbência de "planejamento da Orientação Educacional para a rede oficial do Ensino Secundário e Normal, bem como o acompanhamento da sua execução." (Revista DESN nº 2). Sua primeira providência, como equipe, foi a caracterização dos que atuavam no campo da orientação, tendo em vista fundamentar seu plano de trabalho no conhecimento da realidade.

A partir desse quadro, a ETSOE planejou e executou cursos, encontros, seminários, interlocuções com órgãos de outras Secretarias de Estado e com a rede de ensino municipal de São Paulo. Entre outros, os orientadores tiveram a oportunidade de cursar Dinâmica de Grupo com Rodolfo H. Bohoslavsky.

O decreto 7.510/76, que reorganizou a Secretaria Estadual de Educação de São Paulo, em consequência da Lei 5692/71, criou a Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas - CENP e, nela, o Serviço de Orientação Educacional, com três equipes técnicas: Equipe Técnica de Orientação Educacional do Ensino de 1º grau, Equipe Técnica de Orientação do Ensino de 2º grau, Equipe Técnica de Orientação para a Educação Pré-Escolar, Ensino Supletivo e Educação Especial, que deram continuidade ao trabalho de acompanhamento aos profissionais de O.E.

Cumpre lembrar ainda que a década de 1970 foi um período áureo para a Orientação Educacional. Constituiu-se a FENOE - Federação Nacional dos Orientadores Educacionais; associações estaduais foram surgindo, como a Associação dos Orientadores Educacionais do Estado de São Paulo.

A mobilização dos orientadores educacionais em encontros regionais e nacionais levou à regulamentação da profissão de orientador educacional: "Decreto 72.846, de 26 de setembro de 1973 - Regulamenta a Lei 5.564, de 21 de dezembro de 1968, que prevê sobre o exercício de profissão de Orientador Educacional". Seguem os artigos que tratam das atribuições definidas para os orientadores.

Art. 8º - São Atribuições privativas do Orientador Educacional:

a - Planejar e coordenar a implantação e funcionamento do Serviço de Orientação Educacional em nível de:

1 - Escola 2 - Comunidade

b - Planejar e coordenar a implantação e funcionamento do Serviços de Orientação Educacional dos órgãos do Serviço Público Federal, Estadual, Municipal e Autárquico, das Sociedades de Economia Mista, Empresas Estatais e Privadas.

c - Coordenar a orientação vocacional do educando, incorporando-o ao processo educativo global.

d - Coordenar o processo de sondagem de interesses, aptidões e habilidades do educando.

e - Coordenar o processo de informação educacional e profissional com vistas à orientação vocacional.

f - Sistematizar o processo de intercâmbio das informações necessárias ao conhecimento global do educando.

g - Sistematizar o processo de acompanhamento dos alunos, encaminhando a outros especialistas aqueles que exigirem assistência especial.

h - Coordenar o acompanhamento pós-escolar.

i - Ministrar disciplinas de Teoria e Prática da Orientação Educacional, satisfeitas as exigências da legislação específica do ensino.

j - Supervisionar estágios na área de Orientação Educacional.

l - Emitir pareceres sobre matéria concernente à Orientação Educacional.

Art. 9º - Compete, ainda, ao Orientador Educacional as seguintes atribuições:

a - Participar no processo de identificação das características básicas da comunidade;

b - Participar no processo de caracterização da clientela escolar;

c - Participar no processo de elaboração do currículo pleno da escola;

d - Participar na composição, caracterização e acompanhamento de turmas e grupos;

e - Participar do processo de avaliação e recuperação dos alunos;

f - Participar do processo de encaminhamento e acompanhamento dos alunos estagiários;

g - Participar no processo de integração escola-comunidade;

h - Realizar estudos e pesquisas na área da Orientação Educacional.

O papel do orientador fica bem definido no decreto: é um agente coordenador das fontes de influências sobre o aluno, competindo a ele integrá-la e harmonizá-las, para atingir os objetivos propostos pela escola. No entanto, é preciso ficar bem claro que, embora caiba ao Orientador Educacional coordenar essas influências, a rigor a orientação é exercida por todos aqueles que atuam junto ao aluno, particularmente o professor, que tem mais oportunidades de contato com ele.

Essa concepção do Orientador como agente catalizador de influências educativas, com uma atuação mais indireta do que direta, reflete uma mudança na metodologia da orientação educacional, que passa de uma abordagem mais individual, diagnóstica, de estudo de casos, para uma abordagem mais preventiva, coletiva, que só pode ser conseguida via currículo; portanto, através de um trabalho integrado do Orientador com toda a equipe escolar.

Esse histórico, acima detalhado, fez-se para evidenciar as dificuldades para a efetivação da lei 6.805/62, que criou os 172 cargos de orientação educacional na rede estadual de ensino de São Paulo; o concurso com alto nível de exigência que aprovou 88 candidatos dos 315 inscritos; a criação, tanto na vigência da lei 4.024/61 como da lei 5692/71 para instalação de um órgão para planejar e acompanhar os Serviços de Orientação Educacional no Estado, elementos que podem sustentar as alternativas de compreensão para as questões a seguir: por que a Secretaria do Estado de Educação de São Paulo não realizou um segundo concurso de ingresso para orientadores educacionais? Por que o número de orientadores educacionais do ensino público estadual de São Paulo foi minguando, até a rede de ensino não contar hoje (2016) com um só orientador? As alternativas de compreensão levantadas estão entrelaçadas:

1) A O.E. teve, no Estado de São Paulo, um começo difícil, com orientadores sem preparo específico, que tiveram nomeações interinas e posteriormente transformação de cargo para O.E. É justo que se faça uma ressalva: alguns técnicos de educação, que tiveram seu cargo transformado em orientador educacional fizeram um excelente trabalho, porque sua concepção de escola, professor, aluno e trabalho lhes permitiu.

2) Os orientadores educacionais foram formados, na década de 1960, anterior ao concurso, e muitos, mesmo quando já a Orientação Educacional era ministrada como uma das habilitações do curso de Pedagogia, por força da lei da Reforma Universitária (lei nº 5.540/68), grosso modo, com forte fundamentação psicológica, de atendimento ao aluno, como estudo de caso, na linha mais terapêutica que preventiva. É certo que algumas instituições universitárias percebendo aimpossibilidade e desvantagem desse tipo de atendimento, passaram a dar outro tipo de formação. O depoimento de Vera Maria Nigro de Souza Placco4 é esclarecedor.

A concepção de Orientação Educacional que se queria na PUC era uma concepção humanista, desenvolvimentista, de abordagem integradora, centrada no currículo e não apenas de atendimento individual, mas de cunho humano muito grande. Tinha também um cunho político. Era uma abordagem nova. Por que nova: o orientador educacional sempre tinha se formado numa fundamentação psicológica. Agora nossa ênfase não era só psicológica, mas trazia também a parte pedagógica, de trabalhar com currículo; era uma abordagem mais preventiva que terapêutica. Ainda era uma influência rogeriana, especialmente naquilo que nós chamamos de atitudes facilitadoras: empatia, congruência, consideração positiva...

3) O depoimento acima levanta uma segunda hipótese: muito da formação anterior ao concurso, e também na década de 1970, estava fundamentada na Abordagem Centrada na Pessoa, ou abordagem rogeriana, que foi duramente criticada nos anos 1980.

Na década de 70, talvez até por reação ao tecnicismo imposto pela 5692, os orientadores conservaram a abordagem rogeriana, até 78,79, quando ampliam-se as críticas à educação. Um dos alvos dessas críticas foi a Orientação Educacional, um dos alvos prediletos, dizendo-se que a abordagem rogeriana era individualista, que não respeitava o coletivo, o social, e, de fato, ela não tinha essa discussão mais voltada para o social e político. O social que ele abordava (na literatura disponível na época) era mais o social interacional. O orientador educacional não era esse não diretivo que se dizia. Aliás, não dava para ser não diretivo com 2.000 alunos para "tomar conta" (expressão que se usava. Ainda se usa?). (in: Almeida, 2007, p.83).

4) Os orientadores educacionais foram alocados nas escolas sem o suporte necessário do sistema de ensino para seu trabalho. Não se levou em conta o número de alunos das escolas para pensar no módulo para atendimento. Não havia critério para alocação. Tanto uma escola com 200 alunos, como uma escola com 2000 alunos, recebia um orientador.

5) Os diretores, muitos deles, impunham aos orientadores funções que não eram as de seu cargo, tais como supervisionar alunos nos pátios, verificar entrada e saída de alunos e professores, cuidar da disciplina.

Estas situações levaram muitos orientadores a migrar para outros cargos, prestando concurso para diretor ou supervisor, cargos mais vantajosos em termos de salários e de liberdade de trabalho.

Mesmo com a mudança nos pressupostos teóricos da Orientação Educacional, defendidos por muitos orientadores, entre os quais a importância de situar o aluno no contexto da escola, tratando questões como indisciplina, desinteresse, agressividade como questões de relações - professor-aluno, professor-conhecimento-aluno, aluno-comunidade, levando em conta o aluno em suas condições materiais de vida e de estudo, a Orientação Educacional não foi bem vista na década de 1980, no Estado de São Paulo. O orientador educacional não foi integrado à equipe gestora, como poderia sê-lo, como elemento importante para a qualidade do ensino. A representação que ficou do O.E. era de um profissional que ficava à disposição de problemas que podiam surgir, para atender às emergências; ficava à disposição dos acontecimentos, o que o levava a não ter como planejar sua ação. Os orientadores educacionais que fizeram um bom trabalho de O.E., com as precárias condições do momento, foram aqueles que optaram por trabalhar com uma parte dos alunos. Por exemplo, Nobuko Kawashita, em seu depoimento, afirma que quando foi para a rede pública, se dispôs a trabalhar apenas com as 8ªs séries, com o objetivo de discutir com os alunos seus projetos de continuidade de estudos. Ou seja, cada um escolhia uma forma de trabalhar. Não havia um padrão, o que dificultava a troca de experiências e acompanhamento do trabalho pelos órgãos centrais e regionais da Secretaria Estadual de Educação.

 

 

Laurinda Ramalho de Almeida é docente do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: Psicologia da Educação e do Mestrado Profissional em Educação: Formação de Formadores, ambos da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Faculdade de Educação, Departamento de Formação, Gestão e Tecnologias, São Paulo, SP, Brasil.
ORCID: http://orcid.org/0000-0002-9596-7008
E-mail: laurinda@pucsp.br

 

 

1 Este texto constitui-se em duas partes. Apresenta-se aqui a primeira parte; a segunda será publicada no próximo número da Revista (49), em que serão apresentadas as referências do presente artigo e a biografia da autora.
2 Em depoimento à autora (set. /2016).
3 Nobuko Kawashita prestou concurso, depois de alguns anos como orientadora, para supervisora de ensino. Depois fez concurso para a Universidade Federal de São Carlos, na qual foi pró-reitora de graduação. Aposentou-se em 1996.
4 Fornecido a Almeida (2007, p.81).

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