SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número49A educação socioemocional e suas implicações no contexto escolar: uma revisão de literaturaEnsinando professores de sala comum a fazer adaptação curricular índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

artigo

Indicadores

Compartilhar


Psicologia da Educação

versão impressa ISSN 1414-6975versão On-line ISSN 2175-3520

Psicol. educ.  no.49 São Paulo jul./dez. 2019

https://doi.org/10.5935/2175-3520.20190019 

ARTIGOS

 

Como evolui a compreensão da leitura em alunos do ensino fundamental

 

How reading comprehension evolves in elementary school students

 

Cómo evoluciona la comprensión de la lectura en alumnos de la Enseñanza Fundamental

 

 

Márcia di Santo de Melo Machado; Maria Regina Maluf

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo/SP - Brasil

 

 


RESUMO

Estudos fundamentados na Psicologia Cognitiva contribuem para o entendimento dos processos cognitivos e linguísticos envolvidos na aprendizagem da leitura. As pesquisas em língua inglesa sobre compreensão da leitura são numerosas, contudo ainda dispomos de pouca evidência sobre essa questão em línguas mais transparentes, como é o caso do português do Brasil. O objetivo desta pesquisa foi verificar como evolui a compreensão da leitura em um grupo de alunos de 2º, 3º e 4º anos do Ensino Fundamental de uma escola da rede privada do município de Santo André, no estado de São Paulo. Participaram 98 alunos de 7 a 9 anos de idade. Foram utilizados instrumentos de medida de compreensão de palavras, frases e texto. Foram utilizadas média, desvio-padrão, T-Student, ANOVA e Tukey. Os resultados mostraram a evolução dos alunos do 2º ao 4º ano na compreensão da leitura de frases, enquanto que a compreensão de texto avança do 2º para o 3º ano, mas não do 3º para o 4º. Meninas compreendem texto melhor que meninos no 2º e no 3º ano, mas não no 4º ano. Pesquisas ulteriores são recomendadas.

Palavras-chave: Psicologia Cognitiva; Compreensão da leitura; Ensino Fundamental.


ABSTRACT

Studies based on Cognitive Psychology contribute to the understanding of the cognitive and the linguistic processes involved in reading learning. English language researches on reading comprehension are numerous, however we still have little evidence on this issue in more transparent languages, such as Brazilian Portuguese. The goal of this research was to verify how reading comprehension evolves in a group of 2nd, 3rd and 4th grades students from an elementary private school located in the city of Santo André, in the state of São Paulo. 98 students from 7 to 9 years old took part of this study. Words, sentences and texts comprehension measurement instruments were used. It was used average, standard deviation, T-student, ANOVA and Tukey. The results showed the students' development from 2nd to 4th grade on sentences comprehension, while text comprehension evolves from 2nd to 3rd grade, but not from 3rd to 4th. Girls understand text better than boys in 2nd and 3rd grades, but not in 4th grade. Further researches are recommended.

Keywords: Cognitive psychology; Reading comprehension; Elementary school.


RESUMEN

Estudios fundamentados en la Psicología Cognitiva contribuyen para la comprensión de los procesos cognitivos y lingüísticos involucrados en el aprendizaje de la lectura. Las investigaciones en lengua inglesa sobre la comprensión de la lectura son numerosas, sin embargo disponemos de pocas evidencias sobre dicha cuestión en lenguas más transparentes, como es el caso del portugués de Brasil. El objetivo de la presente investigación ha sido comprobar cómo evoluciona la comprensión de la lectura en un grupo de alumnos y alumnas de 2º, 3º y 4º años de la Enseñanza Básica de una escuela de la red privada, en la ciudad de Santo André, en el estado de São Paulo. Han participado 98 alumnos en edades entre 7 y 9 años de edad. Hemos empleado instrumentos de medida de comprensión de palabras, frases y textos. Hemos empleado media, desviación estándar, T-Student, ANOVA y Tukey. Los resultados han enseñado la evolución de los alumnos y alumnas del 2º al 4 e año en la comprensión de la lectura de frases. mientras que la comprensión de texto avanza de el 2º al 3º año, pero no de el 3º para el 4º, Las niñas demuestran comprender mejor los textos que los niños en el 2º y 3er año, aunque no en el 4º. Se recomiendan investigaciones ulteriores.

Palabras-clave: Psicología cognitiva; Comprensión de lectura; Enseñanza fundamental.


 

 

Os anos iniciais do Ensino Fundamental são primordiais para o desenvolvimento escolar da criança, principalmente com referência à aprendizagem da leitura e da escrita. Estudos fundamentados na Psicologia Cognitiva tratam de compreender os processos cognitivos e linguísticos envolvidos na aprendizagem da leitura e compreensão de textos.

Avanços recentes das Neurociências e da Psicologia Cognitiva (Dehaene, 2012) permitem compreender grande parte dos mecanismos neuronais envolvidos no ato de ler e mais especificamente aprofundar no conhecimento das regiões cerebrais que são ativadas quando aprendemos a perceber letras do sistema alfabético. É possível falar hoje em uma Ciência da Leitura (Snowling & Hulme, 2013), definida por um conjunto de evidências de diferentes áreas que estudam a leitura, incluindo a Psicologia, as Neurociências e a Linguística. Muitas das pesquisas que se relacionam com a Ciência da Leitura utilizam o imageamento cerebral, analisam a genética molecular dos transtornos da leitura e os modelos computacionais de diferentes aspectos desse processo.

A Psicologia Cognitiva, que nas palavras de José Morais (1996, p. 37), "é a ciência que procura descrever e explicar o conjunto das capacidades cognitivas (em outras palavras, as capacidades mentais de tratamento de informação) de que dispõem os animais e, em particular, os seres humanos", abre novas possibilidades para melhor compreensão dos processos mentais que permitem que os aprendizes se tornem leitores hábeis. Por essa razão, o impacto desses novos conhecimentos sobre as atividades e programas de ensino da leitura é crescente, sobretudo nas últimas duas décadas. Maluf e Cardoso-Martins (2013, p. 12) referem-se às evidências produzidas pela ciência da leitura, que demonstram, cada vez mais, a "complexidade das operações mentais que o aprendiz deve executar para aprender a ler e mostram que algumas estratégias de aprendizagem são mais bem adaptadas do que outras à sua organização cerebral e às suas condições culturais de crescimento e desenvolvimento". Nessa perspectiva, é amplamente aceita a relação entre o desenvolvimento de habilidades metalinguísticas e a alfabetização, sobretudo quando se trata do sistema alfabético de escrita. Ao escrevermos o que falamos, refletimos sobre a linguagem, representando-a por meio de sinais, que são as letras. Essa reflexão sobre a linguagem é denominada metalinguagem ou habilidades metalinguísticas (Gombert, 1992; Maluf, 2005; Guimarães, 2010; Gombert, 2013). O termo metalinguística indica a habilidade de se afastar da comunicação habitual da linguagem para prestar atenção em suas propriedades linguísticas. Nessa perspectiva, aprender a ler e a escrever é um processo que tem seu início em uma reflexão deliberada sobre a fala, uma vez que a pessoa entende que se trata de escrever o que fala, partindo das diversas formas de comunicação do dia a dia. Assim, a fala se torna objeto de atenção consciente e permite o desenvolvimento do que se costuma designar como metalinguagem.

As habilidades metalinguísticas podem ser desenvolvidas por meio de estratégias pedagógicas que invistam em atividades de linguagem oral, como parlendas, rimas, músicas e jogos de linguagem com manipulação dos fonemas, para que a criança perceba e compreenda a estrutura da relação entre a letra e o som. Normalmente, quando o aprendiz desenvolve a capacidade de refletir sobre a linguagem a partir do que lhe é ensinado, a escrita é facilitada, uma vez que escrevemos o que falamos utilizando um sistema alfabético de representação, graças ao qual aprendemos a relacionar fonemas e grafemas.

Pesquisas realizadas com falantes do português do Brasil mostraram que as habilidades metafonológicas têm um importante papel facilitador no início da aprendizagem da linguagem escrita (Santos & Maluf, 2010; Barrera & Santos, 2014; Maluf & Sargiani 2014). Essas pesquisas mostram que a criança, desde muito cedo, desenvolve habilidades metafonológicas, como por exemplo a consciência fonológica, a consciência fonêmica e a consciência sintática. Por meio de jogos e brincadeiras de caráter linguístico, a criança entende que a fala é segmentada em palavras e que estas podem ser segmentadas em unidades menores, chegando até aos fonemas.

Nessa perspectiva, entende-se facilmente que a leitura requer uma habilidade específica, a de identificação das palavras escritas. Esta habilidade exige o conhecimento do princípio alfabético, que diz respeito ao conhecimento das letras, das relações entre as letras e os sons e o conhecimento das regras de combinação das letras para poder produzir palavras que serão escritas e lidas (Maluf, 2005).

A habilidade de ler e compreender palavras começa pela aprendizagem das relações entre fonemas e grafemas, como muito bem descreve Linnea Ehri (2013), quando explica como as pessoas lêm palavras, dando especial atenção à leitura de palavras por reconhecimento automatizado. Além dessa habilidade específica, a leitura requer um conjunto de capacidades mais ou menos gerais, que incluem a atenção, a memória de trabalho, o conhecimento lexical, o vocabulário, o conhecimento semântico, o raciocínio, as capacidades de análise e de síntese. Essas capacidades são ditas gerais, "justamente no sentido de serem partilhadas com outras funções, em particular com o processamento da linguagem oral" (Morais, Leite & Kolinsky, 2013, pp. 17-18). No decorrer da aprendizagem, as diferenças no nível de leitura entre os leitores podem depender da habilidade específica e das capacidades gerais. Inicialmente, o nível da leitura, que é determinado pelo nível da habilidade de identificação das palavras escritas, é o que vai diferenciar os bons, os médios e os maus leitores. Conforme o leitor progride, sendo capaz de identificar, com fluência e corretamente, a maioria das palavras, o "determinante mais importante das diferenças individuais na leitura passa a ser a qualidade e a eficiência das capacidades gerais" (Morais et al., 2013, p. 18). O leitor passa então a ler e compreender frases, o que o conduzirá à leitura compreensiva de textos.

Nesta pesquisa teve-se como objetivo verificar a habilidade de compreensão de palavras, de frases e de textos em crianças em processo de aprendizagem que se encontram no 2º, no 3º ou no 4º ano escolar. A pesquisa é de tipo transversal e tomou-se como hipótese de trabalho que 1) haveria um progresso associado ao tempo de aprendizagem, 2) os resultados mostrariam uma sequência de progresso que iria do domínio da compreensão de palavras para as frases e depois para os textos, e 3) não haveria diferenças significativas nos resultados de meninas e meninos, dado que eles frequentam a mesma escola e estão inseridos nas mesmas práticas de ensino.

 

MÉTODO

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da PUC-SP sob o número 55967816.2.0000.5482. Todos os participantes foram autorizados a participar da pesquisa por meio de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) assinado pelos responsáveis. A escola também assinou uma autorização consentindo e cedendo o espaço para a pesquisa.

Participantes

O estudo foi realizado em uma escola da rede privada do município de Santo André, em São Paulo, que atende uma população de nível socioeconômico médio alto, da Educação Infantil ao Ensino Fundamental 2.

Participaram da pesquisa 98 crianças dos 2º, 3º e 4º anos do Ensino Fundamental. A média de idade das crianças do 2º ano foi de 88,09 meses com desvio padrão de 3,23; no 3º ano, a média foi de 98,23 meses e o desvio padrão de 3,70; no 4º ano, a média de idade das crianças foi de 110,31 com desvio padrão de 3,43.

Procedimentos e Instrumentos de Avaliação

 

 

A coleta de dados foi realizada em três sessões, sendo uma individual e duas coletivas. Para encontrar respostas para as questões do problema foram utilizados quatro instrumentos:

Teste de Desempenho Escolar (TDE). É um subteste de leitura do TDE que fornece uma medida de leitura de palavras isoladas do contexto (Stein, 2011). Serviu como critério de seleção dos participantes. Constatou-se que todos obtiveram pontuações suficientes para serem considerados leitores. Essa avaliação foi utilizada, pois para avaliar a compreensão da leitura era necessário que os participantes já tivessem dominado a base alfabética. Sobre o procedimento de aplicação: a pesquisadora apresentava individualmente uma folha com 70 palavras a serem lidas, apontava para a primeira palavra da linha e solicitava que o participante fizesse a leitura. Foi estabelecido um tempo máximo de 5 minutos; para as crianças que utilizaram um tempo maior, a pesquisadora fez uma anotação até a palavra que foi lida. Foi atribuído um ponto para cada palavra lida corretamente. O escore bruto (EB) máximo da leitura de palavras é de 70 pontos.

Tarefa de Reconhecimento de Palavras (TRP), retirada dos estudos realizados por Zanella (2007). A autora refere que a tarefa foi inspirada no estudo francês de Komsi (1997), no "Étude specifiqué relative aux élèves en difficulté en lecture à l´entrée en sixième". Esse instrumento permite a identificação de diferentes estratégias de leitura que incluem a compreensão, uma vez que cada um dos itens inclui uma figura e uma palavra escrita: 1) palavras corretas: palavra que diz respeito à figura, ambas corretas; 2) palavras com erro fonológico: o item contém uma figura e a palavra que designa a figura porém com erro fonológico; 3) palavras com erro semântico: o item contém uma figura e uma palavra escrita corretamente que não designa a figura. O TRP possui 90 itens que estão subdivididos em 3 grupos: 30 palavras corretas; 30 palavras com erro fonológico e 30 palavras com erro semântico. A aplicação foi realizada coletivamente. Antes de iniciar a tarefa, a aplicadora propôs um treino com 5 itens, para que osparticipantes compreendessem bem o que lhes era solicitado. Eles foram orientados a fazer a leitura de cada uma das palavras, a circular as que julgam corretas e a riscar com um X as que acreditam estar incorretas. A análise do resultado foi feita atribuindo 1 ponto a cada acerto e zero a cada erro, podendo assim variar de 0 a 90 pontos, conforme os exemplos a seguir:

1) 30 Palavras Corretas que correspondem à imagem representada.

Exemplo:

 

 

2) 30 Palavras que correspondem à imagem, no entanto, possuem um erro fonológico.

Exemplo:

 

 

3) 30 palavras que apresentam uma incoerência entre a imagem e a palavra, correspondendo a um erro semântico.

Exemplo:

 

 

Esta prova tem como objetivo avaliar o constructo compreensão por meio de uma medida da leitura silenciosa de sentenças. O instrumento é uma versão em português do Reading Test - Sentence Comprehension, adaptado para uso em português do Brasil por De Araújo Vilhena, Sucena e Pinheiro (2016), que adaptaram o teste para o português. O objetivo foi o de descrever a construção do TELCS desenvolvido para adaptar Lobrot's L3 teste de leitura ao contexto cultural e linguístico brasileiro. Se comparado ao L3, o TELCS inclui novas variantes linguísticas e estruturais, como a ocorrência frequente de distratores, neutralidade de gênero e posições de palavras alvo. Devido ao rigoroso procedimento de sua adaptação ao contexto brasileiro, esse teste se mostrou um instrumento confiável para avaliar a compreensão de leitura de estudantes de 2º ao 5º ano e é um bom estimador de série escolar e idade cronológica. Nesta pesquisa foi usada a leitura silenciosa de frases incompletas. São 40 itens. Cada item consiste em uma frase isolada e incompleta, seguida por 5 palavras das quais o leitor deve escolher uma para completar a frase. As 4 primeiras sentenças são exemplos, e as 36 seguintes devem ser respondidas em, no máximo, 5 minutos de tempo, sem ajuda. Esse teste mede a decodificação semântica, demanda memória de trabalho e requer rápido reconhecimento lexical das palavras.

Exemplo:

"Nós fomos de carro até o parque, onde nos sentamos na grama para comer o nosso (lanche, plante, cheiro, rugido, ache)".

"Ele quebrou o prato e por isso se ( abanou, imaginou, cutucou, desmaiou, machucou)".

A análise do TELCS foi feita atribuindo-se um ponto para cada sentença correta, em um total de 36 questões. As respostas em branco foram computadas como erro.

Teste de Cloze (TC: exige a capacidade de dar um significado a um determinado contexto e vocabulário com a finalidade de identificar as palavras corretas faltantes no texto. A palavra Cloze é derivada de fechamento, da teoria Gestalt. Santos (2005) explica que a técnica de Cloze foi desenvolvida por W. L. Taylor em 1953 e baseia-se na organização de um texto, do qual se omitem alguns vocábulos e se pede ao leitor que, após sua leitura integral, preencha as lacunas com as palavras que melhor completarem o sentido do texto. A técnica de Cloze está entre os primeiros procedimentos sistemáticos utilizados na avaliação da habilidade de leitura e é considerada adequada, pois beneficia "a utilização dos dois principais tipos de processamento pelo leitor, que pode valer-se tanto da redundância semântica e sintática do texto, como de seus conhecimentos prévios" (Oliveira & Santos, 2010, p.82). O texto utilizado nesta pesquisa, "A vingança infeliz", foi elaborado por Santos (2005), para ser utilizado com crianças do Ensino Fundamental e apresentou evidências de parâmetros psicométricos adequados para compreensão em leitura. As lacunas do texto têm um traço de tamanho equivalente ao da palavra omitida. Uma lacuna é introduzida a cada 5 vocábulos. Ela deverá ser preenchida pelo participante da pesquisa com a palavra que considerar adequada para completar o sentido do texto. A história possui 85 vocábulos e 15 omissões. A pesquisadora entregou as folhas contendo a história e solicitou às crianças que pegassem somente o lápis, após isso, orientou que fizessem a leitura em voz baixa e completassem as lacunas do texto. Ao terminar a tarefa, os participantes entregavam a folha à pesquisadora. Foi utilizada a forma de correção literal que aceitou como resposta correta o preenchimento exato da palavra que foi omitida. Foi atribuído um ponto para cada acerto e zero para erros ou espaços em branco.

Para controlar o efeito de ordem nos resultados, os instrumentos foram aplicados sempre na seguinte sequência: 1) Subteste de Leitura do TDE; Tarefa de Reconhecimento de Palavras (TRP); Teste de Leitura e Compreensão de Sentenças (TELCS); Teste de Cloze (TC).

Procedimentos de análise

Depois de estabelecidos os pontos obtidos pelos participantes em cada uma das provas, foi utilizada a análise de variância (ANOVA) para verificar se as crianças melhoravam em suas habilidades de compreensão de leitura de palavras, sentenças e textos, do 2º ao 4º ano escolar. Para comparar os grupos entre si foi utilizado o teste post hoc de Tukey, que permitiu estimar as diferenças significantes entre os anos escolares. E o T de Student para comparar o desempenho por sexo das crianças, de cada ano escolar.

 

RESULTADOS

Na Tabela 2 estão apresentados os resultados dos alunos de 2º, 3º e 4º ano, de acordo com as variáveis idades, resultado na prova controle, que verificou se possuíam nível de leitura de palavras suficiente para participar das provas (TDE); resultados na prova de compreensão de palavras (TRP), na compreensão de frases e na compreensão de texto.

Como se pode ver na Tabela 2, a ANOVA confirmou que há uma diferença significativa de idade entre as crianças de 2º, 3º e 4º anos, conforme era esperado (p<0,001; 4º>3º>2º).

A ANOVA revelou que existe diferença significativa entre os anos escolares (2º, 3º e 4º) para todas as medidas utilizadas (TDE, TRP, TELCS e CLOZE) com intervalo de confiança de p =0,001.

Na Leitura de Palavras (subteste do TDE) o teste de Tukey indicou que as médias foram significantemente maiores no 4º ano (M=68,31; DP=2,73) e no 3º ano (M=67,46; DP=2,08), quando comparados ao 2º ano (M=59,36; DP=14,87).

No que se refere a essa habilidade de ler palavras independentemente do seu contexto (TDE), verificou-se que as médias de acerto aumentam do 2º até o 4º ano, contudo as diferenças não são significativas entre 3º e 4º anos. Esse resultado permite afirmar que os alunos do 2º ano são os que tiveram mais dificuldade na leitura de palavras, conforme era esperado; por outro lado, as diferenças observadas entre o 3º e o 4º anos não se mostraram significativas.

É importante destacar que durante a leitura de palavras isoladas, realizada individualmente, as crianças do 2º ano utilizaram um tempo maior para leitura do que as crianças dos demais anos. Isso significa que, como ainda estão consolidando seu conhecimento da base alfabética, elas ainda estão cometendo muitos erros em leitura. As palavras lidas com menor frequência de erros pelos alunos do 2º ano foram, por exemplo: pato, mato, fita, medo, que têm uma ortografia simples, de C+V. As palavras lidas com maior frequência de erros, foram as que têm dupla consoante, por exemplo: aplicado, exausto, repugnante, coalhada, acabrunhado.

Na Tarefa de Reconhecimento de Palavras (TRP), o teste de Tukey também indicou que as médias foram significantivamente maiores no 4º e no 3º ano quando comparados ao 2º ano, nos três tipos de itens: palavras corretas, erros fonológicos e erros semânticos. Observa-se, para os três tipos de itens, que os resultados do 2º ano são significativamente inferiores aos do 3º e do 4º ano. Por outro lado, as diferenças no desempenho em reconhecimento de palavras não foram significativas entre os alunos do 3º e do 4º ano, embora as médias do 4º ano tendam a ser um pouco mais elevadas do que as do 3º ano.

Em relação à Compreensão na Leitura de Sentenças (TELCS), a análise estatística de Tukey indicou que as médias do 4º ano foram significantemente maiores do que as do 3º ano que, por sua vez, foram maiores do que as médias do 2º ano (4º>3º>2º). Há uma diferença muito grande nas médias do 2º para o 3º ano, pois os alunos do 2º ano obtiveram um acerto nas sentenças respondidas corretamente de 24 (M=9,64; DP=6,34), enquanto os do 3º ano responderam corretamente 33 sentenças (M=18,19; DP=5,82). O 4º ano foi o que mostrou o melhor desempenho na compreensão de frases, obtendo a maior frequência de acertos: as crianças acertaram 36 sentenças (M=23,18; DP=6,65), demonstrando uma boa compreensão na leitura de frases.

No caso da compreensão de leitura de texto (CLOZE), o Tukey indicou que as crianças de 3º e 4º anos apresentaram médias significantemente maiores do que as do 2º ano; as diferenças na compreensão de texto não foram significativas entre o 3º e o 4º ano. Pode-se, portanto, afirmar que as crianças do 2º ano apresentaram maior dificuldade na compreensão de texto, uma vez que se equivocaram com maior frequência na escolha da palavra que fazia sentido na história "A vingança infeliz". Alguns desses alunos do 2º ano não tiveram nenhum acerto no preenchimento das palavras nas lacunas, sendo 8 o máximo de palavras corretas nas lacunas (M=3,30; DP=2,62). Este achado permite afirmar que os alunos do 2º ano tiveram mais dificuldade na compreensão do texto utilizado do que os alunos do 3º e do 4º ano, conforme era esperado. Contudo, esperava-se uma diferença significativa entre os resultados do 3º ano e do 4º ano na compreensão de frases, o que não ocorreu. Portanto, no que se refere à habilidade de compreensão de leitura de texto (CLOZE), verificou-se que as médias de acerto aumentam do 2º ano até o 4º ano, entretanto, as diferenças não são significativas entre o 3º ano (M=6,04) e o 4º ano (M=7,36).

 

Tabela 3

 

Durante a aplicação do CLOZE foi observado um tempo maior de execução dos alunos do 2º ano do que dos alunos do 3º e do 4º ano; no entanto, não houve queixas sobre a tarefa por parte dos alunos, que demonstraram prazer em refletir sobre a resposta literal que escreveriam nas lacunas, como expressão de sua compreensão do texto lido.

Compreensão da leitura entre meninos e meninas

Nesta pesquisa interessou-nos verificar se haveria diferença entre meninos e meninas no que diz respeito à compreensão de leitura nos primeiros anos do ensino fundamental. Com o objetivo de obter maior precisão, o ano de escola foi controlado, verificando-se separadamente os resultados de meninas e meninos no 2º, 3º e 4º ano.

A análise estatística T de Student mostrou que há uma diferença significativa de idade entre as meninas e os meninos do 3º ano (0,041), sendo mais velhas as meninas. Não houve diferenças estatisticamente significativas entre meninas e meninos na leitura de palavras isoladas (TDE), tampouco na Tarefa de Reconhecimento de Palavras (TRP) que avaliou as três categorias de itens: palavras corretas, palavras com erro fonológico, palavra com erro semântico. Na compreensão de leitura de sentenças (TELCS) também não foi verificada diferença significativa entre meninos e meninas do 2º ano escolar, embora a média das meninas tenha sido um pouco superior à média dos meninos. Quanto à compreensão na leitura de texto (CLOZE), as meninas do 2º ano mostraram compreensão significativamente melhor do que os meninos.

 

Tabela 4

 

A análise estatística T de Student confirmou que há uma diferença significativa de idade entre as meninas e os meninos do 3º ano (0,041), mas que em relação às variáveis, não existe diferença significativa para as medidas de TDE, TRP e TELCS associadas à categoria feminina ou masculina. No entanto, as meninas se mostraram significativamente superiores aos meninos na compreensão da leitura de texto (CLOZE).

 

Tabela 5

 

Nota-se que não houve diferenças estatisticamente significativas, para as variáveis avaliadas, entre meninos e meninas. Esse resultado sugere que no 4º ano do ensino fundamental as diferenças de idade entre meninos e meninas diminuíram, invertendo-se a tendência de média de idade superior das meninas, embora não significativa. No 4º ano já não foi observado desempenho melhor das meninas na compreensão de leitura de texto (CLOZE).

 

DISCUSSÃO

Esta pesquisa teve como objetivo avaliar e verificar como evolui a compreensão da leitura em alunos do 2º, 3º e 4º anos do Ensino Fundamental e testar a existência de uma possível diferença entre meninos e meninas na compreensão da leitura de palavras, frases e texto.

Comparando os alunos de 2º, 3º e 4º anos, a análise dos dados evidenciou a existência de algumas diferenças significativas entre os anos escolares.

Na Leitura de Palavras (TDE) verificou-se aumento no desempenho do 2º até o 4º ano, porém, as diferenças não foram significantivas entre o 3º e 4º anos, o que permitiu afirmar que os alunos do 2º ano foram os que tiveram mais dificuldade na leitura de palavras, e que do 3º para o 4º ano não ocorreu um aumento significativo de compreensão da leitura.

A análise dos resultados na Tarefa de Reconhecimento de Palavras (TRP) evidenciou que nas três categorias de leitura e compreensão de palavras, isto é, de palavras corretas, palavras com erros fonológicos e palavras com erros semânticos, houve um aumento significativo de desempenho no 3º e 4º anos quando comparados ao 2º ano, nas três categorias de leitura de palavras. Contudo, novamente a diferença entre os resultados do 3º e do 4º ano não foi significativa.

A compreensão de leitura de frases (TELCS) foi a habilidade que mostrou mais clara evolução de desempenho entre os alunos do 2º, 3º e 4º ano: verificou-se aumento significativo no desempenho do 2º para o 3º ano e do 3º para o 4º ano. O teste de Tukey mostrou uma diferença muito grande nas médias e o 4º ano obteve a maior frequência de acertos.

Em relação à compreensão de leitura de texto (CLOZE), os resultados da pesquisa indicaram que as crianças do 3º ano e do 4º ano apresentaram médias significantemente maiores do que as do 2º ano; contudo, mais uma vez a diferença de desempenho entre os alunos do 3º e do 4º ano não foi significativa, ou seja, a análise demonstrou que houve uma tendência de melhor resultado no 4º ano quando comparado ao 3º, mas essa diferença não foi estatisticamente significativa.

Na comparação entre meninos e meninas por ano escolar, pode-se afirmar que as meninas do 2º e do 3º ano mostraram compreensão de texto (CLOZE) significativamente superior à dos meninos. Ademais, em termos de média de idade elas eram significativamente mais velhas do que os meninos. No 4º ano não foram observadas diferenças significativas entre meninos e meninas em nenhuma das variáveis estudadas.

A análise dos dados identificou um avanço significativo na compreensão de palavras e na compreensão de texto dos alunos do 3º e do 4º ano, quando comparados aos alunos do 2º ano. Contudo, quando se compara o desempenho dos alunos do 3º ano com o dos alunos do 4º ano, a diferença não é significativa, embora as médias sugiram melhor desempenho no 4º ano. Só a compreensão de frases mostrou um progresso continuado e significativo do 2º para o 3º e para o 4º ano.

Era esperado que as crianças do 4º ano mostrassem um desempenho estatisticamente superior em comparação ao desempenho do 3º ano. Uma hipótese inicial é de que esta diferença esteja relacionada a um efeito escola, ou seja, o modo como a escola está trabalhando essas habilidades com essas crianças no 4º ano. Pesquisas posteriores poderão aprofundar esta questão em busca de hipóteses plausíveis que expliquem essa diferença. A pesquisa sugere também maior facilidade das meninas, no 2º e no 3º ano, para a compreensão inicial de texto, quando comparadas aos meninos, porém essa diferença não parece permanecer no 4º ano.

Novas pesquisas poderão contribuir para a discussão dessas questões de compreensão de leitura, considerando a compreensão de frases e de textos. É recomendável também que esses estudos dialoguem e colaborem com professores no ensino da leitura e da escrita, principalmente nos anos iniciais, pois sabemos de sua importância para o desenvolvimento nos anos subsequentes.

 

REFERÊNCIAS

Barrera, S. D., & Santos, M. J. dos (2014). Influência da Consciência Fonológica na Aprendizagem da Leitura e Escrita: O que dizem as Pesquisas Brasileiras. J. P. de Oliveira, T. M.S. Braga; F.L.P. Viana & A. S. Santos (Eds), Alfabetização em países de língua portuguesa: pesquisa e intervenção. Curitiba:CRV.         [ Links ]

Barrera, S. D. & Santos, M. J. (2016). Conhecimento do nome das letras e habilidades iniciais em escrita. Boletim - Academia Paulista de Psicologia, 36(90), 1-15. Recuperado em 20 de março de 2018. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-711X2016000100002&lng=pt&tlng=pt.         [ Links ]

De Araújo Vilhena, D., Sucena, A., Castro, S. L., and Pinheiro, Â. M. V. (2016). Reading Test - Sentence Comprehension: An Adapted Version of Lobrot's Lecture 3 Test for Brazilian Portuguese. Dyslexia, 22:47-63. doi: 10.1002/dys.1521.         [ Links ]

Dehaene, S. (2012). Os neurônios da leitura: como a ciência explica nossa capacidade de ler. Porto Alegre: Penso.         [ Links ]

Ehri, L (2013). Aquisição da habilidade de leitura de palavras e sua influência na pronuncia e na aprendizagem do vocabulário. In M. R. Maluf & C. Cardoso-Martins (Orgs.). Alfabetização no século XXI - como se aprende a ler e a escrever. Porto Alegre: Penso.         [ Links ]

Gombert, J. E. (1992). Metalinguistic Development. Harvester: Wheatsheaf.         [ Links ]

Gombert, J. E. (2013). Epi/meta versus implícito/explícito: nível de controle cognitivo sobre a leitura e sua aprendizagem. In M. R. Maluf, & C. Cardoso-Martins (Orgs.). Alfabetização no século XXI - como se aprende a ler e a escrever (pp. 109-123). Porto Alegre: Penso.         [ Links ]

Guimarães, S. B. (2010) Contribuições das Habilidades Metalinguísticas na Leitura Contextual: Consciência fonológica e Morfossintática. Dissertação (Mestrado em Psicologia) - Universidade Federal de Juiz de Fora.         [ Links ]

Maluf, M. R. (2005). Ciência da Leitura e Alfabetização Infantil: Um enfoque metalinguístico. Boletim Academia Paulista de Psicologia, 25(2),55-62.         [ Links ]

Maluf, M. R., & Cardoso-Martins, C. (2013). Alfabetização no século XXI - como se aprende a ler e a escrever. Porto Alegre. Penso.         [ Links ]

Maluf, M.R. & Sargiani, R.A. (2014). Aprendendo a ler e a escrever em português do Brasil: contribuições de pesquisas de avaliação e intervenção experimental. Jáima Pinheiro de Oliveira e outros (Org) Alfabetização em países de língua Brasileira: Pesquisa e Intervenção. Curitiba: Editora CRV.         [ Links ]

Morais, J. (1996). A arte de ler. São Paulo: UNESP.         [ Links ]

Morais, J. (2013). Criar leitores para professores e educadores. Barueri, SP, Brasil: Minha Editora.         [ Links ]

Morais, J., Leite, I., & Kolinsky, R. (2013). Entre a pré-leitura e a leitura hábil: condições e patamares da aprendizagem. In M. R. Maluf & C. Cardoso-Martins (Orgs.). Alfabetização no século XXI - como se aprende a ler e a escrever (pp. 17-48). Porto Alegre: Penso.         [ Links ]

Santos, A. A. A. (2005). O Teste de Cloze como instrumento de diagnóstico e de desenvolvimento da compreensão em leitura. Itatiba, SP: Universidade São Francisco. Relatório de pesquisa não publicado.         [ Links ]

Santos, A. A. A. D., & Oliveira, E. Z. D. (2010). Assessment and development of reading comprehension with elementary school students. Psico-USF, 15(1),81-91.         [ Links ]

Santos, M. J. dos, & Maluf, M. R. (2010). Consciência fonológica e linguagem escrita: efeitos de um programa de intervenção. Educar em Revista, (38), 57-71. Recuperado em 12 de janeiro de 2016, de http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-40602010000300005&lng=en&tlng=pt.         [ Links ]

Snowling, M. J.,& Hulme, C. (2013). A ciência da leitura. Porto Alegre: Penso.         [ Links ]

Stein, L. M. (2011). TDE - Teste de Desempenho Escolar: Manual para aplicação e interpretação. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo. 1ª reimpressão.         [ Links ]

Zanella, M. S. (2007). Leitura e aprendizagem da ortografia: um estudo com alunos de 4ª a 6ª série do ensino fundamental. Tese de Doutorado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.         [ Links ]

 

 

Márcia di Santo de Melo Machado é pedagoga, psicopedagoga, mestra em Educação: Psicologia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Programa de Pós Graduados em Educação: Psicologia da Educação, São Paulo, SP, Brasil.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7751-6588
E-mail: marcia.mach8@gmail.com
Maria Regina Maluf é doutora em Psicologia pela Université Catholique de Louvain. Pós-doutorado na University of California, Los Angeles, e no Institut National de la Recherche Pédagogique, INRP- CRESAS, Paris. Professora Titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, no Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação, área de Psicologia da Educação. Professora livre docente da Universidade de São Paulo, Instituto de Psicologia. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Programa de Pós Graduados em Educação: Psicologia da Educação, São Paulo, SP, Brasil.
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9132-5502
E-mail: marmaluf@gmail.com

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons