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Psicologia da Educação

versão impressa ISSN 1414-6975versão On-line ISSN 2175-3520

Psicol. educ.  no.49 São Paulo jul./dez. 2019

https://doi.org/10.5935/2175-3520.20190024 

COMPARTILHANDO

 

Orientação educacional e coordenação pedagógica no estado de São Paulo: avanços, recuos, contradições (continuação1)

 

 

Laurinda Ramalho de Almeida

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo/SP - Brasil

 

 

A INTERSEÇÃO DA ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL COM A COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA

Na Rede Estadual de Ensino de São Paulo, a coordenação pedagógica foi prevista nos vários Estatutos do Magistério (Lei Complementares de 1974, 1978 e 1985). Esses textos legais estabeleciam, para o módulo de cada escola, a figura de coordenador pedagógico como cargo e a de professor coordenador como função, ou posto de trabalho. O Decreto 7.709/1976 "que dispõe sobre o pessoal das escolas estaduais de 1º e 2º graus" inclui, no quadro da unidade escolar, orientador educacional, coordenador pedagógico e professor coordenador.

Embora prevista, a coordenação pedagógica foi incorporada aos poucos, e com o professor coordenador como protagonista, em decorrência de projetos especiais, que atingiam apenas parte das escolas da rede estadual. Anteriormente a estes, algumas escolas experimentais, aproveitando-se da legislação federal (lei 4.024 de dezembro de 1961, artigo 104, ratificado pelo artigo 64 da lei 5692/1971) implementaram seus Serviços de Coordenação Pedagógica, com ampla repercussão tanto no momento, como até hoje. Almeida (2013) analisa a trajetória da Coordenação Pedagógica no Estado de São Paulo a partir de três momentos: 1) Coordenação de Vanguarda, na década de 1960, nas escolas experimentais, focalizando o Colégio de Aplicação da Universidade de São Paulo, os Ginásios Vocacionais e o Grupo Escolar-Ginásio Experimental Dr. Edmundo de Carvalho, que ficou conhecido como GEPE (Ginásio Pluricurricular Experimental ou Experimental da Lapa); 2) Coordenação de Projetos Especiais, a partir da segunda década de 1970, focalizando: projeto para "Escolas Carentes", Ciclo Básico; Projeto Noturno, Projeto CEFAM; Escola Padrão; 3) Coordenação para todas as escolas da rede pública estadual. Como o texto de Almeida (2013) detalha esses momentos, outros aspectos serão discutidos neste texto.

A Resolução SE 28/1996 expandiu a coordenação para todas as escolas e a Resolução SE 76/1997 estabeleceu as atribuições para o professor-coordenador. A coordenação pedagógica foi, portanto, definida como função (ou posto de trabalho) e não como cargo, como também era previsto nos Estatutos do Magistério.

Se a expansão para todas as escolas da rede pública estadual de ensino só ocorreu em 1996, a necessidade de coordenação para cada escola já se fizera sentir bem antes dessa data. Situo tal necessidade a partir de minha memória e da colega Nobuko Kawashita, já referida neste texto, com quem discuti a questão. Em 1970, ambas assumimos cargos de orientação educacional em ginásios técnicos. A Coordenadoria de Ensino Técnico, como já relatado, implantara um Serviço para dar suporte e fazer o acompanhamento aos orientadores educacionais, pois desde a década de 1950 contava com esses profissionais em seu quadro. Os orientadores, que mensalmente se reuniam na sede da Coordenadoria, sediada na capital, entendiam que era importante a orientação educacional, assim como a coordenação pedagógica, e passaram a assumir um duplo papel: orientador educacional e orientador pedagógico. Assumiram a necessidade de trabalhar a orientação educacional via currículo.

Igual necessidade sentiram os orientadores que escolheram cargos na rede de Ensino Secundário e Normal. Lembramos recentemente (2016), eu e Eiko Nishizawa, orientadora educacional concursada dessa rede e também integrante da Equipe Técnica de Supervisão da Orientação Educacional - ETSOE, na qual permanecemos até 1976, que a discussão que se fazia, nas reuniões dessa Equipe, era que a efetivação da orientação educacional, nas escolas da rede pública estadual somente era possível, e desejável, via currículo; portanto, havia a necessidade de um trabalho conjunto com os coordenadores pedagógicos. Como essa figura não existia nas escolas, o orientador educacional atuava, em muitos casos, como tal.

Já havia a inspiração de experiências de coordenador pedagógico pioneiras, de vanguarda, nas escolas experimentais referidas no texto de Almeida (2013), escolas que foram modelos na época e que até hoje são fontes de estudos: Colégio de Aplicação da USP, Ginásios Vocacionais e Grupo Escolar-Ginásio Dr. Edmundo de Carvalho (ou Experimental da Lapa). Estas contavam com orientador educacional e orientador pedagógico (coincidentemente Nobuko Kawashita e Eiko Nishizawa atuaram antes do concurso para orientador educacional em Ginásios Vocacionais, como orientadoras; também Julieta Ribeiro Leite, que exerceu a coordenação pedagógica no Colégio de Aplicação da USP, exercera a função de orientadora educacional no Ginásio Vocacional).

Retomando, a Resolução SE 28/1996 que estabeleceu um coordenador pedagógico para cada escola, definiu, para esse profissional, função e não cargo. Denominou esse profissional de professor coordenador pedagógico, pois não sendo cargo, era um professor de carreira (com cargo) que poderia aspirar à função de professor coordenador. Na rede, ficou conhecido como PCP. A Resolução SE 76/1997, que definiu atribuições para aquele que assumisse essa função, propôs uma delas, explicitamente: deveriam atuar (os professores coordenadores) "no processo de articulação e mobilização da equipe escolar na construção do projeto pedagógico da unidade escolar." Ou seja, dava aos professores coordenadores uma função pedagógica, daí a própria rede acrescentar-lhe o pedagógico no nome: professor coordenador pedagógico - PCP.

A expansão para toda a rede de escolas (Resolução 28/1996) previa um professor-coordenador por escola e, para aquelas com dez ou mais classes no noturno, um para o diurno e um para o noturno, independente dos segmentos atendidos em cada turno. Essa modalidade ficou conhecida como coordenação por períodos. A análise feita por Almeida (2013) da trajetória da coordenação pedagógica no Estado de São Paulo levou a autora a chegar às seguintes inferências: no primeiro bloco (anos 1960), que chamou de coordenação de vanguarda, a coordenação era eminentemente pedagógica; no segundo bloco, o dos projetos especiais, "grosso modo, os diferentes estilos de coordenação vão decorrer das diretrizes políticas para os projetos, mas também se caracterizam como pedagógicas" (Almeida, 2007, p. 507). O terceiro bloco, que se refere à expansão para todas as escolas da rede estadual de ensino, que foi um ganho, o fato de não ter carreado os recursos que tiveram as escolas na vigência dos projetos especiais, acabou dificultando a função pedagógica. Mas havia ainda, na vigência da Resolução SE nº 28/1996, que teve como decorrência a Resolução SE nº 76/1997 (que trata das atribuições) um referencial pedagógico para a função: "atuar no processo de articulação e mobilização da equipe escolar na construção do projeto pedagógico da unidade escolar."

A partir de 2008, novas normas de credenciamento para a função de professor-coordenador foram seguidas, a partir da Resolução SE nº 88 de 12/2007. Surgiu a coordenação por segmentos: um para o segmento de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental, um para o de 5ª a 8ª séries, e um para o Ensino Médio. Para a formação e acompanhamento do trabalho dos professores coordenadores na unidade escolar, foram designados, nas Diretorias de Ensino, os professores coordenadores da oficina pedagógica - PCOP. A Resolução SE 88/2007 teve dois desdobramentos: Resolução SE 89/2007, específica para professores coordenadores do Ciclo I (séries iniciais do Ensino Fundamental), e Resolução SE 90/2007, específica para professores coordenadores do Ciclo II e Ensino Médio. Tais dispositivos legais, embora facilitadores para o atendimento aos diferentes segmentos, trouxeram um deslocamento do lugar do pedagógico, pois a Resolução 88/2007 embora estabeleça, em seu artigo 1º que "a coordenação pedagógica, nas unidades escolares e nas oficinas pedagógicas, a partir de 2008, será exercida por professores coordenadores", estabelece também que os professores coordenadores devem "atuar como gestores implementadores dessa política" (política de melhoria da qualidade de ensino, vigente no momento), o que os colocou como agentes controladores, como profissionais a serviço da burocracia escolar (Almeida, 2013, p. 519). Fernandes (2011), que também analisou os textos legais no período de 1996 a 2010, declara:

A coordenação pedagógica, identificada como a possibilidade de democratização da escola, de alteração nas rígidas estruturas de administração escolar, e vista como inovadora forma de participação docente na gestão, capaz de ampliar as possibilidades de trabalho coletivo e de articulação pedagógica, foi, com as medidas impostas, assumindo outras tarefas e tendo sua natureza e identidade alteradas [...]. (Fernandes, 2011, p. 457)

Ou seja, a coordenação pedagógica foi gradativamente se distanciando (e ampliamos a afirmação de Fernandes para além de 2010) do papel histórico e legítimo de sua função: cuidar da articulação pedagógica. No entanto, Fernandes (2011), a partir de pesquisa que realizou com três coordenadoras que realizavam um bom trabalho, na linha do pedagógico (indicados por seus professores), mostra um dado esperançoso:

No cotidiano, os PC investigados desenvolviam estratégias de enfrentamento que favoreciam minimamente o trabalho docente e a identidade da escola. Eles não atuavam como "gerentes" da reforma, mas, pelo comprometimento com a escola pública, protagonizaram um papel importante no sistema de regulação e operação de estratégias, executando, de fato, a coordenação pedagógica (Fernandes, 2011, p. 466).

A autora se inspira em Barroso (2006) para afirmar que as coordenadoras instituíram em suas escolas um reajuste da regulação institucional, em função das necessidades da escola, num eficiente sistema de "micro-regulações", na terminologia desse autor português.

Essas "micro-regulações" vão ser usadas por outras coordenadoras, apesar das determinações da Resolução nº 88/2007 e de outras que passaram a vigorar a partir de 2010, para planejar as ações em função das necessidades da escola, articulando-as de forma a refletir as escolhas da equipe escolar para definir a intencionalidade de seu projeto pedagógico.

Com a reorganização da Secretaria Estadual de Educação pelo Decreto nº 57.141/2011, novas resoluções foram surgindo, propondo alterações na Resolução nº 88/2007, sendo esta finalmente revogada pela Resolução nº 75/2014; a qual também foi sofrendo reformulações, principalmente para adequação ao módulo escolar.

O que se constata é que as mudanças constantes interferem e inviabilizam ações planejadas e em execução pelos professores coordenadores. Por outro lado, o excesso de atribuições da parte da legislação, do diretor, dos professores, dos órgãos do sistema, bem como dos pais e da comunidade, faz do coordenador um profissional multitarefa, que faz tudo, mas não dá conta de sua atribuição principal: a articulação e a formação dos professores no contexto escolar.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A trajetória da OE na Rede Estadual de Ensino no Estado de São Paulo teve avanços, contradições, recuos, até sua extinção, conforme o exposto. Da coordenação pedagógica registramos, na mesma rede, seu início e trajetória: "A consulta à legislação e à literatura ofereceram os eixos para discussões: os anos 1960-coordenação de vanguarda; de 1970 a 1995 - coordenação por projetos especiais; de 1996 até hoje, coordenação para todas as escolas da rede pública estadual" (Almeida, 2013, p.504).

Francisco Carlos Franco2, professor efetivo de Educação Artística, atuou como professor coordenador no projeto especial Escola Padrão. Quando a coordenação foi expandida para toda a rede, candidatou-se à nova designação e permaneceu professor coordenador. Eis sua percepção:

O O.E. perdeu sua chance por conta do descompromisso das políticas públicas. E o Coordenador Pedagógico acabou pegando suas responsabilidades. O risco é o que está acontecendo: tendo que dar conta de tudo, e não fazendo o que deveria ser sua atuação. Até entendo; os professores têm uma expectativa que os coordenadores resolvam todos os problemas. [...]. Até com um excesso de confiança, porque estão muito sozinhos. Mas não percebem que com isso descaracterizam o CP. [...] Os CP têm que perceber que boa vontade é o ponto de partida: ponto de chegada é dar formação adequada aos professores.

Seu depoimento encerra este compartilhando.

Para não acontecer o que aconteceu com o orientador educacional, que perdeu seu lugar no espaço escolar, faz-se necessário e urgente que os coordenadores, pela reflexão, tomem consciência da importância e possibilidades de atuação na sua especificidade como profissional: articulando o pedagógico, fazendo a formação em serviço de seus professores a partir das demandas de um projeto político pedagógico elaborado coletivamente. Ou seja, percebam-se como agentes capazes de garantir seu lugar. Para tanto, é preciso que as políticas públicas legitimem sua função e não a fragmentem, como têm feito.

 

REFERÊNCIAS

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Laurinda Ramalho de Almeida é docente do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: Psicologia da Educação e do Mestrado Profissional em Educação: Formação de Formadores, ambos da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Faculdade de Educação, Departamento de Formação, Gestão e Tecnologias, São Paulo, SP, Brasil.
ORCID: http://orcid.org/0000-0002-9596-7008
E-mail: laurinda@pucsp.br

 

 

1 A primeira parte deste texto está publicada no número 48 desta Revista.
2 Em depoimento à autora (set/2016). Em 2009 exonerou-se da rede pública e passou a atuar apenas no Ensino Superior.

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