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Revista da ABOP
versão impressa ISSN 1414-8889
Rev. ABOP v.3 n.1 Porto Alegre jun. 1999
A formação do orientador profissional e as mudanças atuais
Inalda Dubeux Oliveira10
Faculdade de Filosofia do Recife
RESUMO
O artigo visa refletir o processo de formação de Orientadores Profissionais à luz dos processos de mudanças evidenciados na sociedade atual. Focaliza as mudanças no desenvolvimento do processo de orientação articulando o uso pouco crítico de técnicas com o movimento ambíguo da carência do novo e a nostalgia do antigo. Reflete ainda as dificuldades encontradas no desenvolvimento do processo frente às mudanças nos setores econômicos, educacionais e na estruturação da família atual.
Palavras-chave: Orientação Profissional, Formação orientadores, Mudanças sociais.
ABSTRACT
The purpose of the present article is to question the training of Career Counselors in view of the multiple changes that are evident in present society. It focuses on the changes of the orientation process itself and relates its non-critical use of techniques to the ambiguity of craving for changes while still missing the old ways. The article also reflects the difficulties found in developing the orientation processes in view of economic, educational and family structure changes.
Keywords: Career Couseling, Professional training, Social changes.
A questão da formação do orientador profissional tem sido ponto central de minha atividade profissional nos últimos 20 anos. Lecionando a disciplina de Orientação Profissional no curso de graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia do Recife, fui uma das responsáveis pela mudança de um enfoque estatístico e seletivo que até hoje permanece no nome da disciplina: Seleção e Orientação Profissional II, para uma abordagem dinâmica fundamentada nas contribuições de Rodolfo Bohoslavsky. Mais recentemente, em 1995, implantamos o estágio integrado em Orientação Profissional na Clínica Psicológica da referida instituição, com o incentivo de sua então e atual chefia, Prof. Luci de Holanda. Paralelamente, venho desenvolvendo no consultório tanto grupos de formação na Facilitação da Escolha junto a profissionais de Psicologia e Pedagogia, como atendimentos em O.V.O. a jovens e adultos.
Tais atividades me remetem constantemente à necessidade de repensar os caminhos percorridos, de forma a manter a contextualização da formação, sem a qual o aprendizado perde todo o significado. Diante das mudanças sociais, tanto no aspecto econômico do mercado globalizado e sem garantias de emprego, como no processo educativo, como na estruturação da família atual, torna-se evidente a importância de investigar seus efeitos na escolha de uma profissão.
O presente artigo não tem a intenção de propor soluções. Seu objetivo é o de refletir sobre tais mudanças e levantar questionamentos que possam vir a contribuir para ampliar os parâmetros da formação dos orientadores profissionais de forma a melhor atender às necessidades do mundo atual.
A mudança no processo de Orientação Profissional
A mudança mais evidente no campo da O. P. diz respeito à saída da modalidade estatística para a abordagem mais dinâmica da facilitação da escolha. Desde Frank Parsons até Rodolfo Bohoslavsky e seus seguidores, muitas teorias surgiram e deixaram suas contribuições quanto a forma de focalizar o processo de escolha. Mas até que ponto mudamos realmente? Encontramos com muita freqüência nos usuários de O.P., independente da faixa etária, uma demanda por testes vocacionais e pelas respostas prontas. Figueira (1985) alerta para a modernização reativa ou falsa modernização, pela qual o conteúdo se moderniza, mas o imaginário moral continua antigo. Nicolaci da Costa (1985) salienta que a modernização e as mudanças culturais que temos vivido no Brasil fizeram com que desejos e expectativas, muitas vezes contraditórios, passem a coexistir no indivíduo, levando-o a viver um conflito entre a nostalgia do tradicional e a carência do novo. No que se refere à formação em O. P., tenho verificado que muitos profissionais apresentam um discurso do novo, pelo qual defendem uma abordagem facilitadora da escolha. No entanto, frente ao processo em si angustiam-se pelo fato de não apresentarem a resposta solicitada pelo orientando. Percebo uma busca de técnicas como se fossem receitas e por vezes aplicadas sem uma preocupação crítica com objetivo a ser atingido. Certa vez, uma supervisionanda referiu a intenção de levar 3 técnicas, diversas entre si, para uma próxima sessão, para o caso de cada uma delas não ser suficiente para a duração do encontro. Refletimos sua ansiedade e o significado da necessidade de fazer tal uso defensivo da técnica. O processo de facilitação da escolha, pela sua menor estruturação e por estimular que o orientando seja o sujeito de sua escolha, pode ser mobilizador de ansiedade para ambos os pólos do processo. Diante do confronto de inseguranças, ambos podem tentar resolver o impasse pela via da técnica pela técnica. Por oferecer respostas mais rápidas, tais instrumentos podem vir a desempenhar o papel mágico dos testes da modalidade estatística, podendo dar ao orientador o falso sentido de onipotência que aplaca a insegurança.
As mudanças econômicas e educacionais
Um outro aspecto a ser considerado na formação do orientador é a questão das atuais mudanças econômicas e seus efeitos no mercado de trabalho. Prado Filho (1992) fala da ‘incompetência social’, definida como a dificuldade de acompanhar as demandas cotidianas, e refere que ela se estende por quase todo o campo de aplicação do conhecimento psicológico. O que se percebe é que, na prática, vivemos as mudanças, percebemos a crise do desemprego e temos consciência de que a realidade de trabalho mudou. Mas, enquanto profissionais de psicologia, nossa formação tende a nos alienar de tais assuntos. Estudamos sociologia, mas desconhecemos economia. Ficamos no campo do subjetivo e esquecemos que o processo de O.P. deveria ser, segundo Veinstein (1994), vocacional e ocupacional. Articulando o desejo (o vocacional) com a realidade (o ocupacional), a escolha não será só fantasia nem só alienação. Tal articulação, no entanto, só é possível, se houver, por parte do orientador, conhecimento de ambos os aspectos. Conhecendo só o subjetivo, o orientador pode tender ao ‘psicologismo’, focalizando como fatores determinantes apenas o desejo, as fantasias e as aptidões. Ferretti (1988) mostra como tais teorias psicológicas refletem o discurso liberalista da ideologia dominante e alerta para a importância da informação como instrumento do processo de orientação. Conhecer a realidade do campo educacional, informar-se para informar, apreender o significado e o reflexo das mudanças econômicas e sociais para o momento da escolha, são fundamentos básicos para o exercício da função de orientador.
Estamos, ainda, diante de outra mudança que demanda novas modalidades de atuação para o orientador. A nova lei das Diretrizes e Bases para o Ensino propõe o Ensino Profissionalizante como alternativa ao Ensino Médio preparatório para o curso superior. Estabelece a necessidade de uma assessoria técnica tanto na elaboração dos currículos, agora mais flexíveis e opcionais, dos cursos que serão oferecidos nas diferentes instituições, como na facilitação das escolhas dos alunos que terminam o ensino fundamental. E, no entanto, mesmo reconhecendo os avanços que a O.P. tem tido nos diversos campos de ação, junto a universitários, empresas, aposentados, etc., grande parte dos profissionais ainda pensa só em orientar vestibulandos de classe média a buscar nas profissões tradicionais o emprego seguro que já deixou de existir. Pouco trabalho é desenvolvido junto a jovens de escolas públicas e menos ainda o que os orientadores conhecem acerca de cursos profissionalizantes.
Na supervisão de estágio que desenvolvo na Clinica da FAFIRE, uma das atividades é a intervenção em O.P., pelos estagiários, em escolas públicas. Como na rede pública de Pernambuco não existe o cargo de Psicóloga Escolar e os orientadores educacionais funcionam como coordenadores, os alunos carecem de qualquer forma de ajuda em O.P.. O desafio das estagiárias tem sido o de encontrar a via de comunicação para desenvolver o trabalho, uma vez que toda sua formação é voltada para outra realidade. A falta de recursos nas escolas, a consciência que os alunos têm da dificuldade em conseguir o que desejam, por já entrarem na competição do mercado em desvantagem com os que se preparam melhor, as greves e outras violências, são apenas alguns dos problemas que as alunas têm enfrentado. A intensidade do problema nos fala da distância entre a formação profissional que temos e o que acontece de verdade na comunidade. É como se formássemos psicólogos para um mundo que não existe e não os preparássemos para o que existe. O desafio de facilitar a percepção de um jovem da rede pública de que ele tem opções, que pode encontrar formas de contornar as dificuldades, tem proporcionado às estagiárias experiências muito ricas.
As mudanças na família
A família de hoje está mudando e o efeito desta outra mudança social no momento da escolha é importante de ser abordado na formação do orientador. Considerando tais mudanças, Figueira (1986), analisando o moderno e o arcaico na família de classe média brasileira, diferencia o ideal familiar hierárquico que predominava na década de 50, que era organizado, mapeado, com papéis intrinsicamente diferenciados, com identidades posicionais definidas em termos de sexo e idade, do ideal igualitário da família atual, que pleiteia uma situação de igualdade democrática e cujos papéis e funções, já não mais determinados pelos critérios de antes, encontram-se, freqüentemente, invertidos. Costa (1997) refere que os pais saem do seu papel para serem ‘amigos’ dos filhos, deixando uma lacuna no lugar da figura de autoridade. Com os vínculos fraternizados, o adolescente não tem com quem competir, desafiar ou processar lutos. Mudam as características daquele que escolhe. Sem a rivalidade edípica, estabelece-se uma luta narcisista onde os pais fantasiam moldar os filhos à sua própria imagem com o objetivo de negar o tempo que passa. Por ocasião da escolha, a ‘modelagem’ pode aparecer como interferência direta. Costa (op. cit.) refere ainda que o enfraquecimento da figura paterna é responsável pela falência dos processos de educação e inversão dos ideais. Na prática isto consiste em que em vez do filho idealizar o pai, este é que vai idealizar o filho.
As família nuclear encolheu e mudou com as freqüentes separações. As entradas e saídas de novos membros repercutem nos processos identificatórios, que para Bohoslavsky (1977) estão na base das escolhas profissionais. As famílias monoparentais, predominantemente constituídas por mãe/filho(os) tendem a estabelecer relações fechadas que dificultam o desenvolvimento da individualidade do(s) filho(s) pela ausência da figura do pai e consequente triangulação estruturante.
O influência familiar no momento da escolha profissional é inquestionável e é sempre parte integrante de qualquer programa de formação em orientação profissional. No entanto, tal influência deve ser analisada à luz das mudanças, do efeito que têm nos processos identificatórios, e na construção da subjetividade daquele que escolhe.
Considerações finais
Os aspectos considerados acima são apenas exemplos da multiplicidade de mudanças que estamos evidenciando neste final de milênio e que falam diretamente com a formação profissional em qualquer área. O orientador tem como objetivo facilitar a escolha e a inserção num mercado de trabalho em constante modificação. Lida com jovens que estão mudando a partir das modificações não só na estruturação familiar, como na sociedade como um todo. Cabe ao orientador preparar-se para lidar com a nova realidade, conhecê-la e, dentro dela, criar seus caminhos de atuação.
A questão da formação nunca pode ser fechada, pois é justo o questionamento que vai fornecer o suporte para a mudança. E tal questionamento vai surgir da articulação adequada entre a teoria e a prática. Figueiredo (1996) estabelece uma comparação entre o processo de formação e o ‘holding’ de uma mãe com o bebê, que deve sempre deixar a desejar. Na medida em que é suficiente, a mãe adequada nem deixa com fome, nem alimenta demais. Permite que o desejo se instale. Para o autor, assim devem ser os currículos: oferecer a teoria articulada com a prática de forma a deixar a desejar, de forma a permitir que o aluno não se sinta saciado e se acomode e sim que deseje buscar mais, questionar e aprender.
Referências Bibliográficas
BOHOSLAVSKY, R. (1977) - Orientação Profissional: a estratégia clínica. S. Paulo, Martins Fontes. [ Links ]
COSTA, G. (1997) - Conflitos da Vida Real. Porto Alegre, Artes Médicas. [ Links ]
FERRETTI, C. ( 1988) - Uma nova proposta de orientação vocacional. Cortez Ed., S.P. [ Links ]
FIGUEIRA, S. (1986) - Uma Nova Família? Zahar, Rio de Janeiro [ Links ]
FIGUEIREDO, L. (1996) - Revisitando as Psicologias. São Paulo, EDUC/Vozes [ Links ]
NICOLACI DA COSTA, A.M. ( 1986) Família e Pedagogia: Nostalgia do Tradicional ou Carência do Novo? In: FIGUEIRA, S. (1986). Uma Nova Família? Zahar, Rio de Janeiro [ Links ]
PRADO FILHO, K. (1993) - Escolha Profissional e Atualidade no Mercado de trabalho. in LUCCHIARI, D.H. Pensando e Vivendo a Orientação Vocacional. São Paulo, Summus [ Links ]
VEINSTEIN, S. (1994) - La Eleccion Vocacional Ocupacional. Buenos Ayres, Marymar [ Links ]
10 Inalda Dubeux Oliveira: Psicóloga clínica e orientadora profissional, professora e supervisora em Orientação Profissional na Faculdade de Filosofia do Recife, Mestranda em Psicologia Clínica pela Universidade Católica de Pernambuco. Inalda@interway.com.br.