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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas

versão impressa ISSN 1808-5687versão On-line ISSN 1982-3746

Rev. bras.ter. cogn. v.2 n.2 Rio de Janeiro dez. 2006

 

ARTIGOS

 

Depressão e coping em crianças e adolescentes portugueses

 

Depression and coping in portuguese children and adolescents

 

 

Ana Inês Borges I; Dina Susana Manso II; Gina ToméIII; Margarida Gaspar de Matos IV

I Psicóloga, mestre em terapias comportamentais e cognitivas, investigadoras do projecto Aventura Social, FMH/UTL
II Psicóloga, mestre em terapias comportamentais e cognitivas, investigadoras do projecto Aventura Social, FMH/UTL
III Psicóloga, mestre em terapias comportamentais e cognitivas, investigadoras do projecto Aventura Social, FMH/UTL
IV Psicóloga, professora associada com agregação da Faculdade de Motricidade Humana - UTL, Centro de Malária e Outras Doenças Tropicais/IHMT/UNL, coordenadora do projecto Aventura Social, FMH/UTL

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objectivo deste estudo foi analisar a relação da depressão e das estratégias de coping entre si e em função da idade e do gênero. A amostra foi constituída por 916 sujeitos, de ambos os sexos com média de idade de 14,4 anos (DP=2,62), recrutados aleatoriamente de escolas públicas de diversas regiões de Portugal, onde foram sorteadas duas turmas referente a cada ano leccionado nas diferentes escolas das localidades seleccionadas, do 5º ao 12º ano, correspondente, em Portugal, ao percurso escolar entre 10 e 18 anos. As medidas de avaliação utilizadas foram o CDI (Kovacs, 1992) e o CRI-Y (Moos, 1993). Os resultados revelaram que o grupo dos pós-adolescentes (18-22 anos) e as meninas apresentaram índices mais elevados de depressão e utilizavam mais estratégias de coping, comparativamente com os grupos dos pré-adolescentes (10-13 anos), dos adolescentes (14-17 anos) e dos os rapazes. Observamos que, à medida que os sintomas depressivos aumentam, a utilização de estratégias de coping diminui, tal como que os grupos que demonstraram menos sintomas de depressão ou índices médios de sintomas foram os que apresentaram valores mais elevados relativamente às estratégias de coping. De um modo geral, o estudo sugeriu que as meninas e os adolescentes mais velhos são mais deprimidos e utilizam estratégias de coping menos eficazes perante acontecimentos estressantes.

Palavras-chave: Depressão, Estratégias de coping, Idade e gênero.


ABSTRACT

The goal of this study was to analyze the relation of depression and coping strategies between themselves and according to age and gender. The sample was constituted of 916 children and adolescents, of both genders, with an average age of 14.4 years (DP=2.62), enlisted randomly in public schools from different regions of Portugal (Trás-os-Montes and Alto Douro, Beira Interior, Estremadura and Ribatejo and Region of Lisbon). In each chosen school two groups where drafted, each group belonging to a different school year, between 5º to 12º grades, correspondent in Portugal to a school passage between 10 and 18 years old. The used measures of evaluation were the Children's Depression Inventory - CDI (Kovacs, 1992) and the coping Responses Inventory - Youth Form - CRI-Y (Moos, 1993). The results suggest that the group of young adults (18-22 years) and girls presented higher levels of depression and use of coping strategies, comparatively to the groups of pre-adolescents (10-13 years), adolescents (14-17 years) and boys. A negative relation between depression and coping was observed, therefore when depressive symptoms increased, the use of coping strategies decreased. These results were confirmed when we observed differences between depression symptoms and coping, where the groups that had demonstrated less depression symptoms or an average level of symptoms presented higher values of coping strategies. In general, the study suggested that girls and older adolescents are more depressed and use less efficient coping strategies to deal with stressful events.

Keywords: Depression, Coping strategies, Age and gender.


 

 

Introdução

Maag e Irvin (2005), referem que estudos epidemiológicos têm demonstrado uma maior incidência na ocorrência de diferentes perturbações emocionais na infância e adolescência, como as depressivas, que condicionam as crianças e os adolescentes no seu desempenho individual, familiar, escolar e social. Estas perturbações podem, muitas vezes, estar relacionadas com o uso de estratégias de coping ineficazes ou inadequadas perante situações de estresse, tendo, por sua vez, impacto no ajustamento psicossocial das crianças e dos adolescentes (Hussong & Chassin, 2004; Wenger, Sharrer & Wynd, 2000).

Segundo Lazarus e Folkman (1984), o coping pode ser definido como um conjunto de esforços cognitivos e comportamentais utilizado pelos adolescentes para lidarem com exigências específicas externas ou internas, ou o conflito entre ambas, que são avaliadas como excedentes dos recursos pessoais. Estudos sobre as estratégias de coping têm demonstrado que estes esforços, bem como as tentativas de regular as emoções negativas associadas às circunstâncias estressantes, são importantes para reduzir os efeitos negativos destes eventos, incluindo problemas emocionais e de comportamento (Seiffge-Krenke, 2000).

Diversas investigações são unânimes em considerar a depressão como uma patologia muito comum na infância e na adolescência, causadora de alterações na esfera psicossocial. A heterogeneidade dos sintomas depressivos e as suas manifestações estão relacionados com o estágio de desenvolvimento, com o início e padrão de comorbidade com outras patologias (Mash & Wolfe, 2002). Na prevalência da depressão, verificou-se que até os 12 anos de idade são, na maior parte dos casos, os rapazes que apresentam valores mais elevados de depressão, quando comparados com as meninas (McGee, Feehan, Williams, & Anderson, 1992). Com o decurso da adolescência, ocorre um aumento substancial tanto do número de sintomas de depressão expressos, como do início das perturbações depressivas, com início entre os 13 e os 15 anos, aumentando drasticamente entre os 15 e os 18 anos, onde existe uma maior prevalência no gênero feminino (Duggal, Carlson, Srouf, & Egeland, 2001).

Actualmente não existem factores de diagnóstico específicos para crianças e adolescentes, sendo utilizados os critérios de diagnóstico para adultos. As crianças e adolescentes deprimidos apresentam mais sintomas de tristeza, desesperança no futuro, baixa auto-estima, apatia, irritabilidade, falta de motivação, perda do apetite e alterações do sono (Carr & Boyd, 2003). Por outro lado, as cognições presentes nesta perturbação são marcadas pelas distorções na auto-avaliação e no processamento da informação (Evans, Velson & Schumaker, 2002).

Em nível escolar, a depressão pode condicionar o rendimento escolar, assim como o baixo rendimento poderá ainda interferir no desenvolvimento da criança e do adolescente, aumentando os sentimentos de angústia e preocupação (Ballone, 2003). Neste sentido, Atienza, Cuesta e Galán (2002) realizaram um estudo transversal com 264 adolescentes, com idades compreendidas entre 12 e 16 anos, em escolas públicas e privadas, onde analisaram a relação entre os sintomas depressivos e o rendimento acadêmico, com base nas notas obtidas no final do ano lectivo. Os autores observaram uma relação linear entre os resultados, onde as meninas revelaram maiores índices de sintomas de depressão e pior rendimento escolar, tal como que os adolescentes deprimidos apresentaram desinteresse escolar, dificuldades de atenção e concentração. Por outro lado, Marujo (1994), num estudo longitudinal com 2069 crianças e adolescentes que freqüentavam entre o 3º e o 9º ano de escolaridade, de duas escolas privadas da região de Lisboa, observou que as variáveis relacionadas com a actividade escolar eram mais consistentes na discriminação dos sujeitos deprimidos e não-deprimidos, do que as variáveis familiares. Neste sentido, os indivíduos que estavam a menos tempo na escola, ou que já tinham sido reprovados, tinham maiores índices de depressão, enquanto que as variáveis viver ou não com ambos os pais, número de irmãos ou ano de escolaridade não diferenciavam os deprimidos dos não deprimidos.

Numa fase como a infância e a adolescência, é necessário ter em consideração as estratégias para lidar com o estresse, uma vez que as estratégias de coping são a chave para entender o sucesso das negociações perante acontecimentos estressantes (Hussong & Chassin, 2004). As crianças e os adolescentes utilizam uma grande diversidade de respostas de coping em diferentes domínios, como o escolar, o familiar e o social, da mesma forma que diferem na avaliação das situações estressoras e nas estratégias de coping, em que os efeitos e as respostas à situação geradora de estresse dependem das características e das competências individuais. Por outro lado, a literatura revela duas categorias principais de estressores, os normativos e os não-normativos. Os primeiros referem-se a situações comuns do dia-a-dia, como saída do grupo, discussão dos pais ou maus resultados escolares, enquanto que os segundos são as situações de doença grave, experiências traumáticas, abuso ou desastres comunitários (Wenger et al., 2000).

De acordo com Skinner e Wellborn (1997), o tipo de avaliação que crianças e adolescentes fazem das situações geradores de estresse está relacionado com o facto de considerarem a situação como uma ameaça ou somente uma interferência nas suas necessidades básicas. Os acontecimentos estressantes são referenciados pelas crianças como estando relacionados com a escola, a família ou o grupo de pares, enquanto para os adolescentes, os estressores associam-se a resultados dos testes, pressões acadêmicas, problemas com o ambiente na sala de aula, com a autoridade ou com a relação com os pares.

O coping pode servir várias funções, que podem ser resumidas em duas grandes categorias: foco no problema e foco na emoção (Rijavec & Brdar, 2002). A primeira categoria reflecte os esforços cognitivos e comportamentais para dominar ou resolver uma situação estressante, enquanto a segunda categoria engloba os esforços cognitivos e comportamentais para evitar pensar na situação estressora ou para gerir o desconforto emocional causado pelo estresse (Moos, 1993).

Diversos autores referem a existência de diferenças de gênero na utilização das estratégias de coping, onde verificaram que as meninas têm tendência para usar estratégias passivas direccionadas a estabilidade emocional, como relaxar, investir em relacionamentos mais próximos, expressão de emoções e procura de apoio social, enquanto os rapazes usam mais estratégias focadas no problema, estando menos propensos para aceitar e esperar passivamente, agindo de forma activa sobre o estressor (Myers & Thompson, 2000).

Heckhausen e Schulz (1995) relatam que o coping focalizado no problema ou focalizado na emoção emerge em diferentes pontos do desenvolvimento. O coping focalizado no problema parece ser adquirido nos anos pré-escolares, desenvolvendo-se até os 8 ou 10 anos de idade, enquanto o focalizado na emoção tende a aparecer mais tarde na infância e a desenvolver-se durante a adolescência.

Diversos estudos verificaram que os adolescentes que usam estratégias de coping positivas ou orientadas para a acção têm mais probabilidade de ter melhores desempenhos acadêmicos e maior auto-valorização, uma vez que tendem a ver-se como mais competentes na sua área e a sentir sucesso nas relações com os pares (Mantzicopoulos, 1990). Rijavec e Brdar (2002) verificaram que adolescentes com elevados desempenhos escolares usam mais estratégias de coping positivas (aceitação de responsabilidades) que estratégias negativas (ira, reacções inadequadas), do que os que têm desempenhos baixos e medianos.

A existência de uma relação positiva entre o uso de estratégias de coping inadequadas e a manifestação de diferentes psicopatologias tem sido verificada em diversos estudos (Holahan, Moos & Schaefer, 1996). Seiffge-Krenke (2000) refere que as crianças e os adolescentes com perturbações psicológicas usam estratégias de coping inadequadas. Estratégias que, no futuro, podem levar ao aumento dessas perturbações, criando-se, assim, um ciclo vicioso.

Os adolescentes deprimidos relatam um maior número de acontecimentos de vida geradores de estresse e, na maior parte das vezes, utilizam estratégias de coping inadequadas perante esses acontecimentos (Seiffge-Krenke, 2000). Rohde, Lewinsohn, Tilson e Seeley (1990) verificaram que os adolescentes com menos sintomas depressivos apresentam comportamentos de coping mais eficazes do que os adolescentes deprimidos. Por outro lado, os adolescentes deprimidos utilizam mais estratégias de evitação e descarga emocional do que estratégias de resolução de problemas.

No estudo de Wilson, Pritchard e Revalee (2005) com adolescentes entre os 10 e os 19 anos de idade, as meninas apresentaram mais sintomas psicológicos, como tensão e depressão, mais vigor físico e mais estratégias de coping focadas na emoção do que os rapazes, embora também utilizem estratégias focadas no problema.

Tendo em conta as considerações efectuadas, podemos inferir que a complexidade inerente à depressão na infância e adolescência perante acontecimentos estressantes, bem como a relação destes sintomas com a utilização de estratégias, na maior parte das vezes inadequadas, acentua a necessidade de existência de estudos com crianças e adolescentes que analisem o sentido da relação entre os sintomas depressivos e o coping, de modo a aumentar o conhecimento empírico destas problemáticas durante estas etapas da vida. Deste modo, a presente investigação teve como objectivos estudar as diferenças de idade, gênero, repetências sofridas ao longo do percurso escolar, intensidade dos sintomas depressivos e agregado familiar em relação à depressão e ao coping, e analisar as relações entre estes constructos, ou seja, analisar a relação da depressão e das estratégias de coping, entre si e em função dos outros constructos.

 

Metodologia

A introdução dos dados e os procedimentos estatísticos foram efectuados através do programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 14.0 para o Windows. O teste de análise de variância ANOVA foi utilizado para comparar diferentes variáveis, como a idade, o gênero, as repetências, a severidade dos sintomas depressivos e o agregado familiar em relação à depressão e às estratégias de coping.

 

Amostra

A amostra foi constituída por 916 adolescentes portugueses, dos quais 54,3% do gênero feminino e 45,7% do gênero masculino, com idades compreendidas entre 10 e 22 anos. Os participantes foram recrutados aleatoriamente de escolas públicas de diferentes localidades do país (Bragança, Sertã, Peniche, Leiria, Lisboa e Odivelas), abrangendo as regiões de Trás-os-Montes e Alto Douro, Beira Interior, Estremadura e Ribatejo e Região de Lisboa, onde foram sorteadas duas turmas referendes a cada ano leccionado nas diferentes escolas, do 5º ao 12º ano, correspondente, em Portugal, ao percurso escolar entre 10 e 18 anos para alunos sem repetências (repetição de ano).

 

Instrumentos

 

Questionário demográfico:

O questionário demográfico foi constituído por várias questões que permitiram a recolha de informações relativas aos adolescentes, tais como idade, gênero, ano de escolaridade, características dos progenitores, entre outras.

Children‘s Depression Inventory – CDI (Kovacs, 1992):

Os sintomas depressivos foram avaliados pelo CDI, um inventário de auto-avaliação constituído por 27 itens agrupados em cinco factores intrínsecos à depressão: humor negativo (6 itens), problemas interpessoais (4 itens), ineficácia (4 itens), anedonia (8 itens) e auto-estima negativa (5 itens). Os itens são representados por três afirmações que variam de intensidade, classificados numa escala com formato tipo Likert de três pontos (0. ausência de sintomas; 1. sintomas moderados; 2. sintomas severos), variando o resultado total dos itens entre zero e 54 pontos, no sentido de maiores sintomas depressivos. No que diz respeito às qualidades psicométricas, o CDI, em diferentes estudos com amostras clínicas e não-clínicas, apresentou uma consistência interna satisfatória, com valores Alpha de Cronbach que variaram entre .71 e .89. Por outro lado, uma análise factorial revelou coeficientes Alpha de Cronbach entre .59 e .68 para os cinco factores do CDI (Kovacs, 1992). O CDI não foi aferido para a população portuguesa, entretanto, a tradução utilizada neste estudo já foi usada em outros estudos portugueses.

Coping Responses Inventory – Youth Form - CRI- Y (Moos, 1993):

As estratégias de coping foram avaliadas através do CRI-Y, um inventário de auto-avaliação constituído por duas partes, em que, na primeira parte, os participantes descrevem um problema ou uma situação geradora de estresse, agrupados em diferentes categorias (saúde física, família, casa/dinheiro, progenitores, família alargada, irmãos, escola, amigos e namorado/a), e respondem a 10 questões relativas a esse problema, avaliadas numa escala tipo Likert de quatro pontos (de 0 a 3, de “definitivamente não” ao “definitivamente sim”) (Moos, 1993). No presente estudo, os acontecimentos estressantes foram recodificados em cinco grupos: saúde física, família (casa/dinheiro, progenitores, família alargada e irmãos), escola, amigos (amigos, namorado/a) e outros (aqueles que não eram incluídos em nenhum outro grupo). A segunda parte do CRI-Y é constituída por 48 itens, que se encontram agrupados em oito factores, cada um constituído por seis itens, correspondentes a oito diferentes tipos de respostas de coping: análise lógica, reavaliação positiva, procura de apoio e orientação, resolução de problemas, evitação cognitiva, aceitação ou resignação, recompensas alternativas e descarga emocional. O primeiro conjunto de quatro respostas avalia o coping de aproximação, enquanto o segundo mede o coping de evitação. As primeiras duas respostas de cada conjunto avaliam as estratégias de coping cognitivas, ao contrário da terceira e quarta respostas de cada conjunto, que avaliam as estratégias de coping comportamentais. Nesta parte, os adolescentes seleccionam a freqüência do modo como lidaram com a situação que descreveram na primeira parte, numa escala tipo Likert de cinco pontos (do “não, nunca” ao “não aplicável”). Para cada dimensão, o resultado varia entre zero e 18 pontos, no sentido de uma utilização mais freqüente das estratégias de coping (Moos, 1993). As qualidades psicométricas do CRI-Y revelaram coeficientes de consistência interna, Alpha de Cronbach, que variaram entre .68 e .79 para as escalas que correspondem às respostas de aproximação, e valores que variaram entre .59 e .72 para as escalas que pertencem às respostas de evitação (Moos, 1993). Não existe aferição do questionário CRI-Y para a população portuguesa.

 

Tabela 1 - Características demográficas da amostra

 

Procedimento

A presente investigação teve por base um estudo comparativo e correlacional de carácter transversal, onde foi administrado um protocolo de investigação a uma amostra de estudantes do 5º ao 12º ano de escolaridade, constituído por um questionário demográfico e por duas medidas de avaliação (CDI e CRI-Y). O pedido de consentimento informado, redigido de acordo com as normas éticas da APA (American Psychological Association), foi efectuado por escrito às escolas seleccionadas e aos encarregados pela educação dos alunos. Os alunos que obtiveram a autorização dos encarregados pela educação é que participaram deste estudo. A aplicação do protocolo foi realizada colectivamente aos alunos, durante as horas de aula e na presença dos professores das disciplinas, onde foram garantidos o anonimato e a confidencialidade das respostas.

 

Resultados

A análise dos coeficientes de fidelidade revelou que os 27 itens que constituem o CDI indicaram boa consistência interna, com valor do coeficiente Alpha de Cronbach de .84, e valores para as cinco subescalas entre .31 e .65. Optou-se, neste estudo, por utilizar apenas as subescalas com Alpha de Cronbach superior a .50 (humor negativo, anedonia e auto-estima negativa), porque consideramos que os valores abaixo de .50 revelam pouca consistência interna.

Por outro lado, os 48 itens da segunda parte do CRI-Y revelaram uma boa consistência interna, calculada, através do coeficiente Alpha de Cronbach, com valor de .90. Os resultados encontrados para as suas oito subescalas (Análise lógica, Reavaliação positiva, Procura de suporte e orientação, Resolução de problemas, Evitação cognitiva, Aceitação ou resignação, Recompensas alternativas e Descarga emocional) revelaram índices variando entre .57 e .75, e todas as subescalas foram usadas neste estudo.

A variável idade foi dividida em três grupos: o grupo dos adolescentes mais novos, que chamamos pré-adolescentes (entre os 10 e os 13 anos); o grupo dos adolescentes (14-17 anos); e o grupo dos adolescentes mais velhos, que chamamos pós-adolescentes (18-22 anos). Foram analisadas as diferenças entre os grupos de idade para a depressão (CDI total) e as suas subescalas (humor negativo, anedonia e auto-estima negativa) e entre o coping (CRI-Y total) e as suas oito subescalas. Os resultados revelaram diferenças entre os grupos das idades, o total da depressão e as subescalas utilizadas. As comparações post hoc pelo teste Tukey HSD indicaram que o grupo dos pré-adolescentes apresentou maior nível de sintomas depressivos quando comparado com os grupos restantes.

No que se refere ao coping, foram encontradas diferenças estatisticamente significativas para o total e as subescalas do CRI-Y, excepto para a subescala “recompensas alternativas”. As comparações post hoc pelo teste Tukey HSD revelaram que o grupo dos mais velhos e o grupo dos adolescentes, apresentaram mais estratégias de coping que o grupo dos pré-adolescentes.

No que diz respeito ao gênero, foram obtidas diferenças estatisticamente significativas, na depressão, para a subescala “auto-estima negativa” (F(1;908)= 6,111; p= .014), onde as meninas revelaram maior índice de auto-estima negativa do que os rapazes. Para o coping, foram obtidas diferenças estatisticamente significativas para as subescalas “análise lógica” (F(1;704)= 11,978; p= .001), “resolução de problemas” (F(1;641)= 6,111; p= .014) e “descarga emocional” (F(1;617)= 12,077; p= .001), em que as meninas apresentaram maior uso de estratégias de coping do que os rapazes.

Para as repetências (estatuto de repetente), não foram observadas diferenças estatisticamente significativas para o total e as subescalas do CDI. Relativamente ao coping, observou-se resultados estatisticamente significativos apenas para a subescala “descarga emocional” (F(1;613)= 4,299; p= .039), onde o grupo que já sofreu repetências revela maior nível de descarga emocional do que os alunos que nunca sofreram repetências.

Analisamos ainda a existência de diferenças entre a variável “agregado familiar”, dividida em quatro grupos: os que vivem com ambos os progenitores, os que vivem somente com a mãe, os que vivem somente com o pai e os que vivem com outras pessoas. Foram obtidas diferenças estatisticamente significativas entre estes grupos para a subescala “humor negativo” (F(3;891)= 3,392; p= .018), em que os que vivem com outras pessoas que não os pais revelam maior humor negativo; e para a subescala “anedonia” (F(3;907)= 4,685; p=.003) e o total do CDI (F(3;911)= 5,908; p= .001), onde os que vivem somente com o pai apresentam mais anedonia. Para o coping, não foram obtidos resultados estatisticamente significativos em função do tipo de agregado familiar.

 

Tabela 2 - Diferenças entre os grupos de idades para a depressão


*p menor que .001

 

Uma análise de correlação bivariada entre o total do CDI e o total do CRI-Y revelou uma correlação negativa estatisticamente significativa, embora fraca (r= -.080; p= .016), entre o total de ambas as medidas. De modo a estudar uma associação não linear, foram examinadas as diferenças entre a severidade da depressão e as estratégias de coping. Com base nos percentis, dividiu-se o total da escala de depressão (CDI) em três grupos: o grupo menos deprimido, o grupo médio e grupo mais deprimido. Foram observadas diferenças estatisticamente significativas entre estes níveis de depressão e o coping, quer para o total da escala de coping, CRI-Y (F(2;906)= 3,028; p= .049); quer para as subescalas “descarga emocional” (F(2;616)= 10,784; p= .000) e “aceitação ou resignação” (F(2;639)= 6,540; p= .002), onde o grupo com sintomas médios de depressão apresentou valores superiores de coping. Para as subescalas “reavaliação positiva” (F(2;631)= 3,130; p= .044) e “procura de apoio e orientação” (F(2;696= 4,532; p= .011), foi o grupo menos deprimido que apresentou valores superiores de coping.

 

Tabela 3 - Diferenças entre os grupos de idades para o coping


* p menor que .05; ***p menor que .001

 

Por último, foi efectuada uma análise de regressão múltipla pelo método enter, com objectivo de avaliar os factores explicativos da depressão e do coping. Foram incluidos nas variaveis predictoras o gênero, a idade, o tipo de agregado familiar e o estatuto de repetência/reprovação. Os resultados revelaram a existência de duas variáveis preditoras para a depressão, a idade e o estatuto de repetência/reprovação, que explicaram 21% da variância. Para o coping, foi obtida somente uma variável, a idade, que explicou cerca de 2,3% da variância.

 

Discussão

A presente investigação procurou analisar as diferenças de idade, gênero, estatuto de repetência e o tipo de agregado familiar em relação à depressão e ao coping, bem como a associação entre estes constructos, esperando, desta forma, constituir mais valia na avaliação da depressão e do coping na infância e na adolescência.

No estudo das diferenças de idade em relação à depressão, foram os pré-adolescentes que apresentaram mais sintomas de depressão do que os adolescentes e os pós-adolescentes, o que vai ao encontro do estudo elaborado por Matos, Barret, Dadds e Shortt (2003). Estes autores realizaram um estudo transversal com crianças e adolescentes portugueses, entre 10 e 17 anos, do 6º, 8º e 10º ano de escolaridade de escolas públicas, onde verificaram que as meninas apresentaram mais sintomas de depressão do que os rapazes. Em relação às estratégias de coping, os resultados revelaram que os adolescentes e os pós-adolescentes referiram uma maior utilização dessas estratégias, o que poderá estar relacionado com o facto de começarem a ampliar o uso das estratégias para lidar com o estresse e com as outras pessoas (Hussong & Chassin, 2004; Wenger et al., 2000), comparativamente com as estratégias utilizadas pelos pré-adolescentes. Losoya, Eisenberg e Fabes (1998) verificaram que, com o aumento da idade, as crianças e adolescentes passam a usar mais frequentemente estratégias que requerem um processo cognitivo mais sofisticado e tornam-se mais independentes, procurando menos o apoio de outras pessoas para lidar com as situações.

No que diz respeito às diferenças de gênero para a depressão, as meninas diferenciam-se dos rapazes, uma vez que apresentaram mais sintomas depressivos, nomeadamente auto-estima negativa, o que vai ao encontro de estudos anteriores realizados acerca das diferenças de gênero na saúde mental (Atienza et al., 2002; Duggal et al., 2001; Matos et al., 2003). Estas diferenças do gênero parecem emergir no início da adolescência e mantêm-se ao longo da vida adulta. No entanto, é importante referir que as síndromes durante a adolescência podem assumir um comportamento heterogêneo, dependendo do seu estágio de desenvolvimento, da altura em que surgiram, bem como da comorbidade existente (Harrington, Rutter & Fombonne, 1996). Em relação às estratégias de coping, as meninas utilizam mais estratégias de coping do que os rapazes, nomeadamente estratégias focadas na emoção, como a descarga emocional, expressa por sentimentos negativos, para reduzir a tensão provocada pelos acontecimentos estressantes, tal como estratégias de resolução de problemas e de análise lógica.

As crianças e os adolescentes que já tinham sofrido repetências ao longo do seu percurso escolar não apresentaram diferenças estatisticamente significativas para a depressão. Kovacs (1992) refere que os adolescentes deprimidos geralmente apresentam dificuldades de concentração, perturbação da memória, perda de interesse e lentificação do pensamento; e Atienza et al. (2002) indicam que sintomas depressivos conduzem a um pior desempenho escolar. No entanto, os resultados encontrados neste estudo parecem ser indicadores de que outras variáveis possam estar relacionadas com as repetências apresentadas pelos alunos. Em relação ao coping, foram os estudantes com repetências que mostraram utilizar, de forma mais regular, a estratégia de coping descarga emocional, o que, segundo Rijavec e Brdar (2002), poderá estar associado ao facto dos estudantes que recorrem essencialmente a estratégias orientadas para o problema apresentarem um melhor desempenho escolar, do que os que utilizam estratégias orientadas para a emoção.

No presente estudo, crianças e adolescentes que viviam com outras pessoas que não os pais, apresentaram mais humor negativo, enquanto que aqueles que viviam somente com o pai apresentaram mais sintomas depressivos, nomeadamente anedonia, do que os que viviam com a mãe ou com ambos os progenitores. Holahan e Moos (1987) referem que o apoio familiar leva a um declínio da expressão de sentimentos negativos para reduzir a tensão face a acontecimentos de vida negativos, embora o presente estudo não tenha revelado diferenças no coping, o que pode estar relacionado com o facto de existirem outros factores que influenciam o uso destas estratégias.

A severidade dos sintomas depressivos influencia o uso de estratégias de coping utilizadas por crianças e adolescentes, o que vai ao encontro dos estudos elaborados por Wilson et al. (2005). Desta forma, a depressão revelou estar associada negativamente com o coping, sugerindo que um maior número de sintomas depressivos leva a uma menor utilização de estratégias de coping. Em geral, os adolescentes deprimidos relatam um maior número de acontecimentos de vida estressantes e utilizam estratégias de coping para lidar com o estresse que, de modo geral, são consideradas menos eficazes, ou seja, estratégias que não conseguem solucionar ou resolver o problema e aumentam a angústia do indivíduo perante a situação de estresse (Moos, 1993).

Os factores preditores associados significativamente à depressão, foram a idade e as repetências. Os sintomas depressivos começam a manifestar-se na infância, aumentando na adolescência e, muitas vezes, evoluindo para quadros depressivos quando adultos (Mash & Wolfe, 2002). Atienza et al. (2002) afirmaram que o número de repetências está relacionado com um maior número de sintomas depressivos.

Por outro lado, apenas a idade mostrou predizer as estratégias de coping utilizadas pelas crianças e pelos adolescentes. Segundo Pine et al. (1998), os tipos de estratégias de coping utilizadas variam em função da idade, assim como do contexto e do tipo de estressor e têm efeito não só na saúde mental, mas também no bem-estar físico dos adolescentes.

Apesar da importância dos resultados obtidos, o presente estudo apresentou limitações, nomeadamente o facto das medidas de avaliação, a despeito de amplamente usadas na clínica, não estarem ainda aferidas à população portuguesa e da amostra não ser representativa da população. Para estudos posteriores, pretendemos um desenho de investigação longitudinal, de modo a avaliar a estabilidade temporal da depressão e do coping ao longo da adolescência.

Os programas de promoção da saúde devem ter, em linha, as características comuns subjacentes à manifestação dos sintomas depressivos e os padrões de estratégias de coping utilizados pelos adolescentes, para que estes utilizem estratégias eficazes e adaptadas a cada situação. Para Galambos e Leadbeater (2000), a adolescência é um período óptimo para a implementação de intervenções que visem aumentar o desenvolvimento saudável e a adaptação adequada dos adolescentes perante situações de estresse e, assim, prevenir problemas futuros.

A avaliação dos sintomas depressivos e a utilização ineficaz ou inadequada das estratégias de coping são importantes, no sentido de que a prática clínica deve ter em consideração a co-ocorrência destes problemas, que muitas vezes atingem níveis clínicos, de modo a maximizar e efectivar os programas de intervenção e prevenção precoce; da mesma maneira que a implementação de programas de intervenção de tipo universal e de base escolar, abrangendo toda a população escolar ao longo da adolescência, teria efeitos promissores na diminuição da depressão e no aumento das estratégias de coping, com repercussões no nível do bem-estar e da saúde positiva dos alunos e, provavelmente, no nível do sucesso escolar.

Seligman e Csikszentmihalyi (2000) se referem à necessidade do aumento das competências e habilidades positivas do ser humano através da promoção da qualidade de vida e prevenção de doenças. Estes autores dão ênfase à promoção do optimismo em crianças e adolescentes como sinónimo de prevenção de patologias, como a depressão, e conseqüente favorecimento da saúde. Segundo Seligman (1995), as pessoas optimistas não desistem, lutam em situações estressantes e resistem perante o desamparo.

 

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Endereço para correspondência
Projecto Aventura Social. Estrada da Costa, Cruz Quebrada, 1499
Lisboa codex, Portugal.
E-mail: aventurasocial@fmh.utl.pt.

Recebido em: 4/10/2006
Aceito em: 30/11/2006

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