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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas

versão impressa ISSN 1808-5687

Rev. bras.ter. cogn. vol.5 no.2 Rio de Janeiro nov. 2009

 

ENTREVISTA

 

 

Biografia

Frank M. Dattilio, Ph.D., ABPP, professor do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina de Harvard e da Faculdade de Medicina da Universidade da Pennsylvania, é hoje um dos principais representantes da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC). Foi professor convidado de inúmeras universidades e faculdades de medicina do mundo, onde ensinou vários tópicos de TCC. Possui mais de 250 publicações e capítulos de livros, bem como 18 livros nas áreas de transtornos da ansiedade, psicologia clínica e forense e discórdia conjugal e familiar. Os trabalhos do Dr. Dattilio foram traduzidos para 18 idiomas e são utilizados em 80 países do mundo. Ele recebeu vários prêmios e está ativamente envolvido em pesquisas e estudos clínicos. Suas especialidades são terapia familiar e de casal, psicologia forense, pesquisas clínicas e transtornos de ansiedade.

 

1) O que  motivou, inicialmente, seu interesse pela Terapia cognitiva?

Eu me interesso por Psicologia deste os 14 anos de idade. Ao terminar minha formação universitária inicial (undergraduate degree), tive a oportunidade de assistir uma conferência dada pelo pai da Terapia Comportamental, Joseph Wolpe, em meados dos anos 70. Embora eu sempre tenha sido uma pessoa pragmática, após assistir a conferência do Dr Wolpe apaixonei-me pela Terapia Comportamental e fui convidado a estudar com ele, no centro de treinamento que ele coordenava na Universidade temple, no final dos anos 70 e início da década de 80.  Foi uma experiência maravilhosa, que me permitiu conhecer grandes nomes da Psicologia que visitavam a universidade como conferencistas convidados, como Viktor Frakl e Anna Freud. Foi durante meu período de treinamento com Wolpe, que Aaron Beck manisfestou interesse em meu trabalho após ler o resumo da minha tese de doutorado, e me ofereceu um pós-doutorado no Centro de Terapia cognitiva da Faculdade de Medicina da Universidade da Pennsylvania em meados dos anos 80. Meus anos de formação em terapia comportamental e, posteriormente, em terapia cognitiva, prepararam-me para o que viria a ser uma carreira frutífera na área de Terapia Cognitivo-Comportamental.  Descobri como a TCC era ideal para tratar transtornos da ansiedade e depressão e posteriormente me envolvi no desenvolvimento do enfoque para o tratamento de casais e de famílias.

2) Como o senhor descreve a situação atual da TCC e o interesse crescente por este enfoque terapêutico no mundo todo atualmente?

Esta é uma pergunta interessante, principalmente porque, dependendo de com quem você conversa ou do lugar para onde viaja, a resposta varia. Nos meus 30 anos de carreira visitei 80 países, em muitos dos quais o conhecimento sobre TCC era mínimo. Eu devo dizer que a maioria do mundo ainda é psicanalítica, Embora pareça estar evoluindo gradativamente para outros enfoques terapêuticos mais pragmáticos, como a TCC.

A TCC certamente despertou a atenção de muitos que procuram forma de obter resultados melhores, mais rápidos e mensuráveis do que os obtidos com as terapias baseadas no insight. Ao mesmo tempo, muitos tem criticado a TCC porque esta lhes parece um enfoque superficial, que deixa de abordar a dinâmica subjacente que, para eles, facilita mudanças a longo prazo. Acredito que a TCC ainda esteja em sua adolescência e algumas décadas serão ainda necessárias para que esta se torne o enfoque adotado pela maioria dos profissionais da saúde mental. É desnecessário dizer que a TCC cresce de forma estável. Entretanto, acho seguro dizer que a maioria dos profissionais da saúde mental pratica alguma forma de terapia cognitivo-comportamental, independente da abordagem teórica adotada. Fazer com que eles admitam que fazem isso, entretanto, é uma outra estória. Muitos profissionais utilizam técnicas da TCC, mas não se referem a estas como TCC.  Algo que eu considero um exemplo maravilhoso de entusiasmo é o crescimento exponencial da filiação e participação nos principais congressos mundiais de TCC. Quando eu comecei a trabalhar na área, há cerca de 30 anos, os congressos mundiais de TCC homem menos de 100 pessoas. Recentemente, o Congresso Mundial de Barcelona homem cerca de 4000 pessoas - acho que este número confirma minha fala.

3) O senhor tem várias áreas de interesse. Será que poderia falar um pouco sobre seu trabalho com: a) problemas familiares; b) avaliação em psicologia forense; c) tratamento da ansiedade e de problemas de comportamento

Estas três áreas sempre foram de meu interesse desde o início dos meus estudos. Comecei a tratar transtornos da ansiedade devido à minha familiaridade com terapia comportamental e posteriormente com a terapia cognitiva. Entretanto, descobri que, durante o tratamento dos transtornos da ansiedade e de comportamento, muito da dinâmica destes transtornos emergia de problemas familiares. Estes problemas familiares também tinham um papel fundamental na relação conjugal.  Conseqüentemente, acabei trabalhando de forma concomitante com os indivíduos e com as suas famílias. Ao mesmo tempo, comecei a trabalhar no desenvolvimento de um enfoque cognitivo-comportamental para o relacionamento de casais e, mais recentemente, para a dinâmica familiar, áreas que, tradicionalmente, tem poucas publicações. Uma parte paralela do meu trabalho envolvia avaliação, e  levou ao meu envolvimento com o sistema judiciário no final dos anos 70 e início dos anos 80. Este último aspecto do meu trabalho cresceu com o tempo e se tornou uma área de interesse. Ajudou também a balancear um pouco a fadiga associada ao atendimento de pacientes, hora após hora, em psicoterapia. A junção entre avaliação psicológica e a determinação de atributos que levam uma pessoa a envolver-se em atividades criminosas é algo que acho intrigante.

Tudo isso proporciona um equilíbrio  muito bom para a minha carreira, sem contar que ajuda a pagar as contas.

4) O senhor poderia falar como faz para equilibrar a necessidade de um bom vínculo (aliança terapêutica)  com uma terapia estruturada, para ter melhores resultados na TCC?

Esta é uma questão muito importante, cuja resposta é difícil de expressar em palavras. A aliança terapêutica é, na minha opinião, um dos componentes mais importantes de uma terapia de boa qualidade.  Embora eu apóie, com certeza, uma terapia estruturada, ao mesmo tempo também acredito que você pode estruturar demais e obter um resultado terapêutico negativo se for muito rígido. Isso varia em cada caso. Após 30 anos tratando pessoas, concluí que, algumas vezes, tentar estruturar demais a terapia pode levar a uma reação negativa e resistência por parte do cliente. Assim, cada terapeuta precisa equilibrar  o quanto de estrutura vai impor ao seu estilo terapêutico. Descobri que, freqüentemente, uma vez que as pessoas passam a confiar em mim como um ser humano e como terapeuta, tornam-se mais abertas às minhas tentativas para estruturar o processo terapêutico e adotam este estilo para si mesmas. Outras vezes é preciso agir diferente, depende do caso. Acredito que é muito importante manter o profissionalismo durante todo o processo terapêutico, o que significa não manter contato com o paciente fora do contexto terapêutico, isto é, não contaminar a relação terapêutica com qualquer outro tempo de interação com o cliente. O resto eu acredito que vi com muitos anos de treino e de experiência.

5) Quais as competências fundamentais de um bom terapeuta cognitivo-comportamental?

Esta é outra pergunta interessante, que tem sido alvo de debates entre profissionais. Minha opinião pessoal é que a “pessoa do terapeuta” é provavelmente um dos componentes mais importantes da competência para fazer qualquer tempo de terapia. Se a pessoa do terapeuta sente-se segura consigo mesma, tem uma boa base para fazer terapia. Frequentemente eu conto a história de um cliente que me ligou, muitos anos após eu tê-lo tratado, para agradecer pela terapia. Este homem, que eu tinha atendido décadas atrás quando ele era adulto jovem, estava sofrendo muito na época. Estava muito deprimido, com ideação suicida e muita ansiedade. Eu lembrava vagamente do caso, mas ele prontamente ativou minha memória e eu librei algumas coisas do meu trabalho com ele. Quando eu perguntei “Qual você acha que foi a intervenção ou técnica terapêutica mais importante que eu usei prá te ajudar?” ele respondeu dizendo: “Nenhuma em particular. O fato de você ser você foi o componente mais importante para me fazer mudar”. Embora este seja um elogio legal, era de certa forma uma depreciação para mim, que esperava ouvir que alguma técnica ou intervenção brilhante tivesse feito  toda a diferença no tratamento. em resumo, o que ele estava me dizendo é que a aliança ou vínculo terapêutico e meu estilo de personalidade eram o que ele mais librava como tendo sido úteis. Embora eu acredite que tenha havido muito mais que isso, acho que esta estória serve para enfatizar que nosso estilo terapêutico depende muito de nossa personalidade ou de nossa pessoa durante o tratamento. O resto depende das habilidades e competências adquiridas, como treinamento, flexibilidade e muitas horas de experiência.

Às vezes, após 30 anos de experiência, acho que estou conseguindo fazer direito. Só depois de tratar milhares e milhares de pessoas e de avaliar tanto meus fracassos como meus sucessos é que sinto que tenho um bom equilíbrio entre avaliar adequadamente e o que realmente funciona na terapia. Acho também que é importante ser flexível no nosso enfoque e compreender que um mesmo tamanho não serve para todas as pessoas. Precisamos modificar a quantidade de estrutura e de técnicas que usamos, dependendo da personalidade das pessoas que estamos tratando e reconhecer que nem todas são receptivas à TCC. Ser honesto e enfrentar estas questões leva à tomada de boas decisões em relação ao tratamento. Acredito ainda que é muito importante adotar expectativas realistas, de forma colaborativa, sem ficar obcecado com os resultados que podem ser obtidos com o tratamento. Vejo ainda o tratamento como algo que pode ir além do tempo previsto, apesar de eventualmente ser de curta duração, e a necessidade de aceitar que o ritmo de algumas pessoas pode ser diferente do das outras na terapia.

No geral, espero que minhas respostas tenham sido úteis. Percebo que muitas das minhas respostas podem parecer algumas vezes nebulosas, mas isso também acontece com a arte e a ciência da psicoterapia.

Agradeço a oportunidade desta entrevista,

Atenciosamente,

Frank

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