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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas
versão impressa ISSN 1808-5687
Rev. bras.ter. cogn. vol.6 no.1 Rio de Janeiro jun. 2010
RESENHA
O treino cognitivo de controle da raiva: o passo a passo do tratamento
The cognitive training of anger management: step-by-step of the treatment
Andréia Cristina dos Santos Kleinhans
Psicóloga Clínica, Mestranda em Psicologia como Ciência e Profissão pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Centro de Ciências da Vida, Programa de Pós-Graduação em Psicologia (2010)
O TREINO COGNITIVO DE CONTROLE DA RAIVA: O PASSO A PASSO DA INTERVENÇÃO
Lipp, M., E.N & Malagris, L.E. N
Rio de Janeiro: Cognitiva, 2010
O livro "O treino cognitivo de controle da raiva: o passo a passo do tratamento" é um guia didático, elaborado por renomadas especialistas estudiosas do stress e da raiva: Marilda Emannoel Novaes Lipp e Lucia Novaes. Essa publicação é resultado de extensas pesquisas, bem como da experiência clínica das autoras, acerca do tema raiva, muito frequente nos mais variados contextos (interpessoal, familiar, social). Através de um texto claro e conciso, o livro fornece ao público o tratamento cognitivo de controle da raiva.
O prefácio foi escrito por Bernard Rangé, experiente estudioso e clínico da Terapia Cognitivo-comportamental, que utiliza um trecho de Aaron Beck para esclarecer que a raiva já era investigada no início do desenvolvimento do modelo cognitivo para depressão. Beck observou que, durante o sonho, os pacientes depressivos apresentavam cognições distorcidas e frequentemente exageradas. Durante o processo terapêutico, quando esses mesmos pacientes foram incentivados a expressar hostilidade, ficavam ainda mais deprimidos. Embora Beck não tenha desenvolvido um modelo específico para o tratamento da raiva, Rangé ressalta que o psiquiatra demonstrava interesse pelo tema. Salienta ainda a importância de o terapeuta estar preparado para manejar adequadamente a raiva de seus pacientes. Este é, pois, o objetivo contemplado no livro em questão.
Ao longo de sete capítulos, as autoras abordam as bases necessárias para que o leitor compreenda os processos psicofisiológicos da raiva e seu tratamento. Apresentam as referências utilizadas no desenvolvimento do assunto e informações importantes também no anexo: informações sobre o manejo e técnicas utilizadas no treino cognitivo de controle da raiva.
Após uma breve introdução, as autoras explicam separadamente as origens das terapias comportamental e cognitiva. Mostram de que forma ocorreu a influência da primeira sobre a segunda, para então descrever as técnicas mais utilizadas no contexto dessas abordagens. O tratamento da raiva embasado no modelo cognitivo envolve a reestruturação das crenças centrais do paciente, através da identificação e da avaliação dos pensamentos disfuncionais. O terapeuta se utiliza da avaliação e da conceitualização cognitivo-comportamental para investigar aspectos cognitivos, comportamentais e interpessoais. O plano de tratamento inclui estratégias cognitivas e comportamentais, selecionadas especialmente para cada caso.
O capítulo dois chama atenção do leitor para dois pré-requisitos que devem ser considerados no tratamento da raiva. O primeiro é cautela, por parte do terapeuta, com os pacientes que procuram atendimento por se queixarem de raiva. Geralmente a raiva não aparece nos adultos como queixa principal, mas em diversas situações como dificuldades pessoais e de relacionamento. O segundo pré-requisito é o conhecimento sobre os mecanismos de ação e mobilização da raiva.
Raiva é definida como um sentimento de intenso desconforto frente a alguma provocação, ofensa, rejeição, agressão, frustração e stress emocional por parte de alguém ou de alguma entidade. Esse desconforto intenso pode levar a comportamentos agressivos, por parte da pessoa que se sentiu insultada.
Referenciadas em Spielberger, as autoras explicam que a expressão da raiva tem o componente estado (caracterizado pela curta temporalidade) e traço (tendência da pessoa de perceber situações como ameaçadoras). O traço, por sua vez, envolve temperamento e reação de raiva. No mesmo capítulo, são reforçadas as diferenças entre hostilidade e raiva. Em seguida, o texto apresenta o embasamento teórico referente ao mecanismo neuropsicofisiológico, localização da raiva no sistema Nervoso Central e o seu componente neuroquímico. O capítulo é finalizado com explicações sobre a Terapia Cognitivo Comportamental na interrupção do processo da raiva.
No terceiro capítulo, "A Ontogênese da Raiva: contribuições genéticas e psicossociais", baseado em vasta revisão bibliográfica, encontram-se estudos que evidenciam raiva como um fator de risco associado a várias doenças, como a hipertensão arterial, por exemplo. Abordam-se, nesse contexto, principalmente pesquisas que serviram como base para a idealização do programa de tratamento da raiva.
Ainda nesse mesmo capítulo, as autoras discutem os pontos de interseção entre a influência dos fatores genéticos e ambientais no processo de expressão do sentimento de raiva. Quatro são os pontos destacados na interação entre as variáveis ambientais e genéticas: (1) genética favorecedora da raiva e ambiente tranqüilizador; (2) genética favorecedora da raiva e ambiente instável; (3) genética não favorecedora da raiva e ambiente instável e (4) genética não favorecedora da raiva e ambiente adequado. A força como cada fator interage depende das vulnerabilidades genéticas individuais, associadas à forma como o indivíduo tende a interpretar os eventos.
O trabalho terapêutico com as pessoas que apresentam raiva prejudicial contempla a redução das vulnerabilidades psicológicas do participante através da Terapia Cognitivo- Comportamental. Sendo assim, é importante ter o conhecimento sobre "como se aprende a ter raiva". Este é o subtítulo que encerra o capítulo e evidencia, para o clínico, a importância de conhecer o histórico familiar e os estilos da prática parental utilizados na educação do paciente, já que essa prática influencia o aprendizado da expressão da raiva.
Em seguida, no capítulo 4, separadamente, descrevem-se as consequências da raiva excessiva. Para exemplificá-las na área social, as autoras utilizaram um estudo de caso, destacando que, em algumas situações, expressões intensas de raiva para dentro ou para fora podem provocar isolamento social e dificuldades de relacionamento da pessoa que tem dificuldade de manejar esse sentimento.
Quanto às consequências na área familiar, também embasadas em diversos estudos, as autoras observaram que em muitas situações é no ambiente familiar que ocorrem expressões de raiva para fora, agressões e violência doméstica, uma vez que, por se sentir pressionada em outros ambientes, a pessoa extravasa com familiares o sentimento de raiva contido. Da mesma forma, as consequências na área ocupacional seguem o mesmo raciocínio. Algumas pessoas não expressam a raiva para fora no ambiente ocupacional e podem expressá-la em ambientes onde se sentem mais seguras. Já nas consequências da raiva na área da saúde, as autoras lembram que o mecanismo neuropsicofisiológico da raiva pode contribuir para o desenvolvimento de doenças, de modo que a raiva é considerada fator de risco para as pessoas com vulnerabilidades genéticas.
No capítulo seguinte, "O treino cognitivo de controle da Raiva (TCCR)" inicialmente ressaltam-se os pontos importantes do Treino Cognitivo de Controle da Raiva. São eles: (a) a percepção das sensações físicas e emocionais que antecedem a expressão da raiva; (b) a reestruturação cognitiva objetivando mudanças das avaliações distorcidas em caso de raiva excessiva; (c) a respiração profunda e o relaxamento que visam reduzir a excitabilidade fisiológica e (d) o autorreforço pelo controle da raiva.
Os leitores são remetidos às evidências científicas sobre a eficácia do programa para redução da raiva. Os dados expostos nesse capítulo são oriundos dos estudos desenvolvidos com pacientes portadores de doença arterial coronariana e foram publicados na revista Estudos de Psicologia de Campinas. De acordo com os resultados obtidos, as autoras comentam que o TCCR foi eficaz na promoção de mudança significativa da raiva traço, reação de raiva, expressão de raiva para dentro, raiva estado.
Além disso, nesse capítulo relata-se a influência do stress sobre a raiva e vice- versa. Mostra-se também que é comprovada a hipótese de que a raiva é um fator presente na ontogênese da reação ao stress.
Ao longo do sexto capítulo, o leitor é direcionado para a importância das entrevistas iniciais, que tem como objetivo identificar o sentimento de raiva, além de saber se a pessoa tem um padrão de personalidade tipo A (definido como um conjunto de ações e emoções, que inclui ambição, agressividade, competitividade, impaciência, tensão muscular, estado de alerta, fala rápida). Para maior entendimento do leitor, as características do Padrão tipo A de comportamento são expostas em um quadro.
Em seguida, as autoras explicam que parece existir uma tendência genética para o desenvolvimento das características para tal comportamento, que pode ser ativada pela questão ambiental. Também são ressaltados os sinais de pessoas que apresentam raiva, para os quais o terapeuta deve estar atento, uma vez que em algumas situações o próprio paciente tem dificuldades para identificá-las. Entre esses sinais encontram-se: pensamentos suicidas; raiva no trânsito; atitudes como quebrar objetos, bater em alguém machucar-se por impulsividade, fazer criticas freqüentes e usar de sarcasmo. Além disso, há a dificuldade em aceitar críticas.
Na sequência do capítulo, as autoras descrevem as características dos quatro tipos de pessoas raivosas: as que suportam tudo são aquelas que não aprenderam a lidar com a raiva justa de modo construtivo; o reclamador, considerado aquele indivíduo que reclama de tudo e culpa os outros; o debatedor, que se sente o dono da verdade; e o agressor, considerado o pior de todos os casos de pessoas raivosas, pois se utiliza da violência quando se sente frustrado.
Ainda nesse capítulo, as autoras discutem a contribuição do stress para a raiva. Em função disso, elas, definem o stress como uma reação que ocorre diante de algo, bom ou mau, que ultrapasse a capacidade de enfrentamento da pessoa. As autoras ressaltam também o percurso do stress emocional e suas fases. E fazem uma breve descrição dos instrumentos utilizados durante o Treino Cognitivo de Controle da Raiva: o Inventário de Sintomas de Stress para Adultos (ISSL) desenvolvido por Lipp (2000) e o instrumento Escala de Estado e Traço de Raiva (STAXI) de Spielberger, traduzida e validada no Brasil por Ângela Biaggio.
Para finalizar o sexto capítulo, relacionam-se os transtornos em que a raiva pode aparecer como sintoma, os pensamentos disfuncionais que aparecem com frequência durante situações em que a raiva é excessiva, além das crenças irracionais mais trabalhadas com base no Treino Cognitivo do Controle da Raiva exposto nesse livro.
No capítulo final do livro, após a explanação da definição do TCCR, expõem-se os eixos norteadores do tratamento: (1) o evento desencadeador, real ou imaginário; (2) a interpretação negativa da situação, vista como ameaçadora; (3) o stress e suas manifestações; (4) o comportamento de raiva; (5) a reavaliação sob a ótica do sentimento de raiva e (6) o escalonamento da raiva.
Na sequência desse capítulo descrevem-se as técnicas utilizadas durante as sessões e um plano terapêutico composto por oito sessões que são indicadas no TCCR. De acordo com as autoras, as sessões podem ser realizadas em grupo ou individualmente. Recomendam oito sessões, com duração de duas horas cada. Nesses encontros, fazem-se exercícios que permitem a identificação do sentimento de raiva, além de dinâmicas, técnicas de relaxamento e tarefas que serão realizadas pelo participante entre os encontros.
No mesmo capítulo ainda, as autoras listam os 11 passos para lidar com a raiva e enfatizam pontos importantes ao terapeuta para prevenir recaídas do paciente. Sugerem também ao paciente um acompanhamento que pode ser espaçado até que a alta definitiva possa ser dada.
O livro "O treino cognitivo de Controle da raiva: o passo a passo do tratamento" é uma importante ferramenta para o profissional da área da saúde, principalmente para o psicólogo clínico que precisa realizar um tratamento eficaz em caso da raiva excessiva. As autoras demonstram de forma clara, ao longo do livro, que o sentimento de raiva está presente em diversos contextos e faz parte da imensa gama de sentimentos humanos. Embora nem sempre a raiva seja prejudicial, há casos de raiva excessiva que acarretam alterações de comportamento e desdobramentos prejudiciais à vida da pessoa. As autoras se preocupam em abordar as interferências e consequências da raiva em diversos contextos, além da relação entre a raiva e o stress emocional.
A obra é imprescindível ao terapeuta que deseja utilizar um tratamento eficaz e cientificamente comprovado para auxiliar aqueles indivíduos que se sentem prejudicados pelo manejo inadequado do sentimento de raiva. Afinal, esse sentimento em excesso interfere na vida das pessoas e é em um importante fator de risco no desenvolvimento de muitas doenças.
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