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Pesquisas e Práticas Psicossociais

versão On-line ISSN 1809-8908

Pesqui. prát. psicossociais vol.10 no.2 São João del-Rei dez. 2015

 

ARTIGOS MULTITEMÁTICOS

 

Uso de ansiolíticos e antidepressivos por bancários: um estudo de representações sociais

 

Use of anxiolytics and antidepressants by bankers: a study of social representations

 

El uso de ansiolíticos y antidepresivos por los banqueros: un estudio de las representaciones sociales

 

 

Sara Fernandes PichethI; Elisa Yoshie IchikawaII

IMestranda em Administração, Organização, Estratégia e Trabalho, Universidade Estadual de Maringá ( UEM). E-mail: sarafpicheth@gmail.com
IIGraduada em Administração de Empresas pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Mestre em Administração e Doutora em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Pós-doutora no Centro de Pós-Graduação e Pesquisas em Administração da Universidade Federal de Minas Gerais (CEPEAD/UFMG)

 

 


RESUMO

Atualmente a sociedade vive sob uma crença de que a felicidade deveria ser eterna. As pessoas, ao enfrentarem o sofrimento, a angústia e a dor, recorrem aos ansiolíticos e antidepressivos que são vistos como recurso legítimo para responder ao mal-estar. Diante deste cenário, objetivou-se desvendar as representações sociais do uso de ansiolíticos e antidepressivos por bancários, uma vez que estes são conhecidos por enfrentarem ambientes de alta pressão e, assim, estarem mais propícios ao uso desta medicação. A pesquisa caracteriza-se como qualitativa e descritiva e teve seus dados coletados por meio de entrevistas semiestruturadas com bancários de uma instituição privada da cidade de Maringá-PR. A análise dos dados permitiu concluir que, apesar de estarem cientes de alguns malefícios dos ansiolíticos e antidepressivos, os bancários visualizam neles um alívio à dor sentida. Assim, ao vivenciarem situações de sofrimento, estresse e depressão, os bancários adotaram ou estariam dispostos a adotar o seu consumo.

Palavras-chave: Representação Social; Ansiolíticos; Antidepressivos; Bancários.


ABSTRACT

Nowadays, the society lives with a belief that happiness should be endless. As people face suffering, agony, and pain, they resort to anxiolytics and antidepressants that are seen as a legitimate resource to respond to the malaise. Given this scenario, it was aimed at discovering the social representations of the use of anxiolytics and antidepressants by bankers, since these professions are known for facing high pressure environments and thus are more susceptible to use this medication. This research is characterized as qualitative and descriptive and it had its data collected through semi-structured interviews with bankers from a private banking institution in the city of Maringá-PR. The data analysis showed that, despite being aware of some harm caused by anxiolytics and antidepressants, bankers visualize them as a relief to the pain felt. Therefore, once they face situations of suffering, stress, and depression, bankers adopted or would be willing to adopt its consumption.

Keywords: Social representation; anxiolytics; antidepressants; bankers.


RESUMEN

Actualmente la sociedad vive bajo una creencia de que la felicidad debería ser eterna. Las personas, al afrontrar el sufrimiento, la angustia y el dolor, recurren a ansiolíticos y a antidepresivos que son considerados como un recurso legítimo para afrontar el malestar. Ante este escenario, el objetivo es investigar las representaciones sociales a respecto de la utilización de ansiolíticos y antidepresivos hecha por bancarios, puesto que son conocidos por enfrentar ambientes de alta presión y así, están más susceptibles a la utilización de este medicamento. La investigación se caracteriza como cualitativa y descriptiva y los datos fueron obtenidos por medio de entrevistas semiestructuradas en una institución bancaria privada, en la ciudad de Maringá-PR. El análisis de los datos demostró que, aunque los usuarios son conscientes de algunos de los peligros de los ansiolíticos y de los antidepresivos, ellos ven en estas medicinas un alivio para el dolor que sienten. De este modo, al encontrarse en situaciones de sufrimiento, estrés y depresión, los bancarios adoptaron o estarían dispuestos a adoptar su consumo.

Palabras clave: Representación social; Ansiolíticos; Antidepresivos; Bancarios.


 

 

Introdução

Inserido no atual contexto social influenciado pela globalização, disseminação de maior competitividade e exigência das pessoas, e maior alcance da mídia, vive-se uma época em que se acredita que a felicidade deveria ser eterna, em que as pessoas não podem mais se permitir viver momentos de angústias ou sofrimento, devendo buscar soluções nas indústrias farmacêuticas por meio das "pílulas da felicidade" (Margarido, 2012). O consumo dessas pílulas se tornou mais comum, visando combater o sofrimento, a tristeza, o insucesso, a depressão e as pressões sofridas, uma vez que, ainda segundo o autor, tem-se a premissa de que, existindo sofrimento psíquico, a possibilidade de uma vida bem-sucedida é reduzida, pois o sofrimento é contrário à vida, ao desenvolvimento e ao amadurecimento das pessoas. Assim, "ansiolíticos e antidepressivos aparecem como um recurso legítimo capaz de responder satisfatoriamente ao mal-estar e ao sofrimento, na medida em que aprisiona estes a resistência e as linhas de fuga, impedindo-os de se manifestar" (Carvalho & Dimenstein, 2004, p. 125).

Os ansiolíticos são remédios indicados para controle de ansiedade e tensão e, apesar de serem de uso controlado, estão entre os medicamentos mais consumidos no País nos últimos anos, muito mais do que medicamentos que não exigem receita médica (Rodrigues, 2012). Eles atuam acentuando processos inibitórios do Sistema Nervoso Central, levando à diminuição da ansiedade, indução do sono, relaxamento muscular e redução do estado de alerta, deixando as pessoas mais tranquilas (Carlini, Nappo, Galduróz & Noto, 2001). Portanto, tais medicações são vistas atualmente como cura e alívio, possibilitando o controle de angústia e a proteção contra tribulações, isto é, como fornecedoras de felicidade.

A política de medicalização dispõe o desamparo, conferindo aos indivíduos a fantasia do controle absoluto da vida psíquica (Margarido, 2012). Diante de situações que fogem desse controle, ou seja, diante de sofrimento, estresse ou angústia, as pessoas têm aderido a esses comprimidos para erradicar todo desconforto. Segundo Lefèvre (1983), a função simbólica do medicamento pressupõe que a enfermidade seja considerada um fato orgânico, enfrentável com o uso da mercadoria remédio, único modo válido de se obter o estado de saúde desejado, ou seja, a felicidade e a tranquilidade.

Diante desse cenário, algumas profissões são reconhecidas como sendo mais estressantes e, consequentemente, mais afetadas por doenças laborais. Entre elas encontra-se a profissão dos bancários (Viana, Andrade, Back & Vasconcello, 2010). Segundo pesquisa realizada pela psicóloga Ana Maria Rossi, os bancários ocupam a terceira posição de profissões mais estressantes, em virtude da alta cobrança, demanda e metas extremamente elevadas que envolvem a profissão (Pesquisa, 2013). Mudanças geradas no trabalho e no contexto de trabalho dos bancários levaram ao aparecimento de queixas de assédio moral e consequências sérias na saúde desses trabalhadores, como depressão e suicídio (Maciel, Cavalcante, Matos & Rodrigues, 2007). Os bancários enfrentam intensas cobranças de metas a serem cumpridas, pressão pela produção e controle estrito sobre os tempos de trabalho, o que gera grande tensão e nervosismo entre os funcionários e um maior número de afastamentos do trabalho por LER (Lesões por Esforços Repetitivos) e por estresse decorrente de sofrimento mental (Maciel et al., 2007), sendo que a LER não é mais vista apenas em relação à repetitividade de movimentos, mas também, no caso dos bancários, a essas mudanças que podem estar relacionadas a sofrimentos emocionais (Pennella, 2000).

Ademais, a classe de bancários apresenta alta incidência de Síndrome de Burnout, transtorno grave de tensão emocional de caráter depressivo relacionado ao trabalho em que o estresse leva o indivíduo ao esgotamento por exaustão. Tal síndrome apresenta como tratamento principal o psicoterápico, com uso de ansiolíticos ou antidepressivos (Cruz, 2011). Esse fato ratifica o posicionamento de Pennella (2000) de que a problemática entre saúde-trabalho é tratada como uma questão individualizada, como, no caso da Síndrome de Burnout, com medicação. Segundo a autora, tem-se uma extensão do indivíduo biológico, em que o adoecimento no trabalho é visto como decorrente de contatos do indivíduo com agentes químicos, físicos ou psicológicos. Por conseguinte, privilegiam-se as análises individuais e negligencia-se o funcionamento do processo capitalista de produção, consequentemente, levando a um deslocamento do foco de análises e soluções (Pennella, 2000).

O uso de medicamentos, em especial de ansiolíticos e antidepressivos, se torna então uma estratégia defensiva, em que as pessoas recorrem a essas medicações com a intenção de escapar ou ao menos tornar mais toleráveis as pressões sociais, familiares ou do trabalho (Carvalho & Dimenstein, 2004), isto é, individualizando a maneira de lidar com os problemas sociais. Nesse contexto, o presente artigo pretende desvendar a representação social do uso de ansiolíticos e antidepressivos por bancários, uma vez que são conhecidos como profissionais que enfrentam ambientes de alta pressão, com alta incidência de sofrimento e adoecimento no trabalho, sendo assim, mais propícios ao uso daquelas medicações. A utilização das representações sociais permite identificar esse conhecimento do senso comum, da vida cotidiana dos indivíduos, no sentido de interpretar e agir sobre a realidade (Bonfim & Almeida, 1991/92).

O uso de ansiolíticos e antidepressivos

Atualmente, compartilha-se a premissa de que, em face de um problema, este deve ser abolido de forma mais rápida, sendo a medicalização vista como o meio mais adequado que possibilita a concretização de tal objetivo, na velocidade necessária, uma vez que está vinculada ao bem-estar, à saúde ou mesmo à felicidade (Carvalho & Dimenstein, 2004). A medicalização contribui com a fantasia de que o sofrimento é impossível e transmite a ideia de que seu uso possibilita anular o sofrimento gerado pela sociedade (Margarido, 2012). Por conseguinte, antidepressivos e ansiolíticos, conhecidos como a pílula da felicidade, já são o sexto medicamento mais vendido em todo o mundo (Junqueira, 2000).

Segundo Margarido (2012), um dos fortes agravantes para essa problemática encontra-se nas informações midiáticas. Por meio da mídia, difundem-se discursos da lógica do mercado e de compra e satisfação, os quais pregam que tudo é possível de ser comprado, incluindo a calma, o amor e a felicidade. Dessa forma, momentos de angústia, tristeza e sofrimento podem ser alterados com a compra da felicidade, adquirida por meio de pílulas. Outrossim, além do sofrimento, a medicação busca suprir também tudo aquilo que o indivíduo deseja, principalmente o que é oferecido pela mídia e propaganda, mas que ele não pode possuir. A sociedade atual promove a ideia de que sempre é possível, com o consumo de alguma mercadoria, encurtar ou mesmo eliminar a distância entre o desejo e a sua realização e, não admitir essa distância, constitui um comportamento caracteristicamente infantil ou imaturo (Lefèvre, 1983), gerando um grande desconforto.

A medicação, dessa forma, remove do indivíduo sua capacidade de perceber a angústia e fornece-lhe aceitação incondicional aos ditames postos pela sociedade (Margarido, 2012). Percebe-se, assim, que não apenas as pessoas com sofrimento emocional estão tomando tais medicações, mas seu uso tem sido generalizado para melhorar a rotina das pessoas.

Os antidepressivos ultrapassaram a barreira das doenças nervosas e atualmente não são usados apenas em casos de distúrbios psicológicos, mas também para casos de enxaquecas, dores crônicas e reumáticas, bulimias, anorexias, de modo que passaram a se constituir numa saída para tudo que aflija de alguma maneira o ser humano. Além disso, muitas receitas também são prescritas por pressão do paciente no intuito de utilizá-las para outros fins, como em regimes de emagrecimento (Junqueira, 2000, s.p.).

De acordo com a segunda edição do Boletim do Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC), divulgado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), alguns ansiolíticos como Clonazepam, Bromazepan e Alprazolam, conhecidos no mercado como Rivotril, Lexotan e Xanax, foram as substâncias controladas mais consumidas pela população brasileira no período de 2007 a 2010 (Amaral, 2012). A venda legal de Rivotril saltou de 29,46 mil caixas em 2007 para 10,59 milhões em 2010. A Anvisa estima que só em 2010 os brasileiros gastaram ao menos R$92 milhões com a compra do medicamento Rivotril (Rodrigues, 2012).

A Proteste, associação de consumidores, em pesquisa realizada sobre uso de ansiolíticos, antidepressivos e hipnóticos, revelou que os brasileiros demonstraram um uso crônico significativamente mais alto do que em outros países pesquisados, como Bélgica, Itália, Espanha e Portugal (Brasileiros, 2013). De acordo com a pesquisa, 45% dos entrevistados brasileiros já fizeram uso de ansiolíticos ou antidepressivos, 35% apresentam sinais de dependência de ansiolíticos e hipnóticos, 45% disseram se sentir mais seguros se tiverem o remédio à mão, sendo que uma parte significativa afirmou ficar nervosa com sua falta e um quarto dos usuários aumenta suas doses para manter a sua eficácia (Brasileiros, 2013).

Cabe mencionar que tais medicamentos muitas vezes são obtidos por meio de outras pessoas que não psiquiatras. Nove por cento dos participantes da pesquisa da Proteste admitiram adquirir os medicamentos por meio de parentes ou amigos (Brasileiros, 2013). O SNGPC divulgou que há um grande volume de receituário de controle especial prescrito por médicos veterinários e odontólogos. Os médicos utilizaram notificação de receita especial em 8% de suas prescrições, contra 16% dos médicos veterinários e 15,4% dos odontólogos (Amaral, 2012). A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que todos os médicos, de qualquer especialidade, já tenham receitado, em alguma situação, antidepressivos (Junqueira, 2000).

Por conseguinte, Silva (2007) salienta que a introdução de substâncias psicoativas na vida das pessoas não é um fenômeno alheio à sociedade, mas, pelo contrário, é produzido por ela. O modo de produção, a distribuição de renda, a busca por lucros a qualquer preço, as ambições descontroladas e o controle feito pelas leis de mercado fazem com que o funcionamento social seja tão doentio quanto as doenças que produz (Silva, 2007). Assim, a sociedade de consumo, ao mesmo tempo em que promove a ideia de que qualquer sofrimento, dor ou estado que fuja daquilo que ela institui como padrão, inclusive estético, constitui algo insuportável para o indivíduo, também oferece a solução mágica para contornar tais situações, os comprimidos (Lefèvre, 1983).

Nesse contexto, Foucault (1984) destaca que o primeiro objeto socializado pelo capitalismo foi o corpo como força de trabalho. Para o autor, o controle exercido pela sociedade sobre os indivíduos começa no corpo e com o corpo. O controle não é operado apenas pela consciência ou pela ideologia, mas também no biológico, no somático e no corporal, nos quais a sociedade capitalista investiu primeiramente. O corpo é visto como uma realidade biopolítica e a medicina como uma estratégia biopolítica (Foucault, 1984).

Dessa forma, é possível observar a relação do corpo com o uso de ansiolíticos. O contexto socioeconômico atual, ao exigir a exploração do corpo a fim de obter o desempenho desejado, dispõe as substâncias psicoativas como atributo facilitador do trabalho (Margarido, 2012). O corpo só é visto como força útil de trabalho se for simultaneamente corpo produtivo e submisso (Foucault, 1987). O homem para ter utilidade como força de trabalho precisa estar inserido em um sistema de sujeição, isto é, precisa tornar-se um corpo dócil, que pode ser submetido, utilizado, transformado e aperfeiçoado (Foucault, 1987). Assim, a função dos antidepressivos e ansiolíticos se destaca como meio de propiciar essa sujeição, livrando o homem de situações que fogem às normas da sociedade e permitindo seu assujeitamento.

Teoria das representações sociais

A Teoria das Representações Sociais foi inicialmente desenvolvida pelo autor francês Serge Moscovici. O estudo surgiu de uma crítica aos modelos positivista e funcionalista que reduziam a participação do sujeito e tinham uma visão parcial da realidade (Guareschi, 1997). Dessa forma, as representações sociais, por meio de suas significações, possibilitaram aos atores sociais compreender suas experiências e realidades. Elas agem como guias nos modos de nomear aspectos da realidade diária e de interpretá-los a fim de fornecer sentidos que possibilitem a tomada de decisão e posicionamento nesses aspectos (Jodelet, 2001).

Segundo Minayo (1997, p. 89), as representações sociais são "um termo filosófico que significa a reprodução de uma percepção retida na lembrança ou do conteúdo do pensamento. Nas Ciências Sociais, são definidas como categorias de pensamento que expressam a realidade, explicam-na, justificando-a ou questionando-a". Complementarmente, Jodelet (2001, p. 22) define representação social como "uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, com um objetivo prático e que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social". Ela compreende toda organização social de imagens e linguagem e tem por função a elaboração de comportamentos e a comunicação entre indivíduos (Moscovici, 1978). Assim, constitui-se como um processo ativo e dinâmico, marcado pela interação entre os atores, seu contexto e valores. O objeto, ao tornar-se familiar, transforma e é transformado (Moscovici, 1978), trata-se de uma construção social, na qual a ação não apenas reproduz, mas também modifica.

A função das representações consiste em tornar familiar o que não o é, transferindo o que é estranho e perturbador do universo exterior para o interior, deslocando-o para uma categoria e contexto conhecidos (Leme, 1995). Busca-se então atenuar as estranhezas e introduzi-las a um espaço comum, de modo que expressões e visões diferentes se encontram, constituindo-se em um trabalho duplo de tornar familiar o insólito e insólito o familiar (Moscovici, 1978). Nesse sentido, as representações sociais se constroem sobre símbolos, que têm a capacidade de invocar a presença mesmo na ausência, já que os símbolos significam uma outra coisa; eles criam o objeto representado a partir da construção de uma nova realidade para a realidade já existente (Jovchelovitch, 1997).

Por conseguinte, uma representação social é elaborada com base em dois processos fundamentais: a objetivação e a ancoragem ou amarração. Esses processos possibilitam que as representações sociais estabeleçam mediações, trazendo uma concreticidade das representações sociais na vida social; possibilitam que a produção simbólica de uma comunidade chegue a um nível quase material (Jovchelovitch, 1997). A objetivação busca trazer a questão abstrata ao seu domínio de referência, trazer para mais próximo, remover a estranheza. "Objetivar é reabsorver um excesso de significações materializando-as (e adotando assim certa distância a seu respeito). É também transplantar para o nível de observação o que era apenas inferência ou símbolo" (Moscovici, 1978, p. 111). Assim, esse processo condensa significados diferentes buscando uma realidade familiar, transformando o desconhecido em uma realidade já institucionalizada (Jovchelovitch, 2000).

Já o segundo processo, como o próprio nome diz, busca ancorar, enraizar a representação e seu objeto (Sá, 1995). Consiste em trazer para categorias e imagens conhecidas o que ainda não está classificado nem rotulado (Guareschi, 1997; Leme, 1995), integrar ao universo de pensamento preexistente (Jodelet, 2001). Durante a ancoragem, insere-se o objeto em uma hierarquia de valores, uma escala de preferências das relações sociais já existentes (Moscovi, 1978). Dessa forma, segundo o autor, enquanto a objetivação transfere a ciência para o domínio do ser e evidencia como os elementos representados se integram à realidade social, o processo de ancoragem delimita o domínio do fazer, permitindo compreender o modo como os elementos representados modelam as relações sociais.

Ademais, as representações sociais perpassam dois universos que interagem simultaneamente, o reificado e o consensual. Uma realidade social é criada apenas quando o novo passa a ser incorporado ao universo consensual, do senso comum, passando a ser familiar e perdendo a novidade (Sá, 1995). Já o universo reificado corresponde aos mundos restritos, onde circulam as ciências e são marcados pela objetividade e teorizações abstratas (Guareschi, 1997). Segundo o autor, o não familiar, produzido e situado dentro do universo reificado, deve ser transportado ao universo consensual, às práticas do dia a dia, para que se produzam as representações sociais, as teorias do senso comum, fundadas no consenso e dentro de uma lógica.

Na medida em que as representações sociais se constroem e constituem as práticas do dia a dia, elas modelam as relações sociais, entre os atores e os mundos e também direcionam as condutas. As representações sociais atuam como uma preparação para a ação, uma vez que não apenas guiam o comportamento, mas também remodelam e incutem sentido a ele (Moscovici, 1978). Observa-se que as representações sociais correspondem às situações reais e cotidianas da vida e, portanto, podem ser manifestadas por meio das palavras e condutas e, ao serem institucionalizadas, podem ser analisadas a partir da compreensão dos comportamentos e da interação social (Minayo, 1997). Assim sendo, conforme explanado na próxima seção, a presente pesquisa procurou identificar a representação social do uso de ansiolíticos e antidepressivos por meio da interação e comunicação com os bancários, buscando compreender como essas representações sociais direcionaram suas ações quanto ao uso ou não desses medicamentos.

 

Percurso metodológico

Delineamento da pesquisa e escolha dos participantes

Para o alcance do objetivo proposto, esta pesquisa fez uso de técnicas qualitativas. Segundo Godoy (1995, p. 58), a pesquisa qualitativa "procura compreender os fenômenos segundo a perspectiva dos sujeitos, ou seja, dos participantes da situação em estudo". Neste caso, buscou-se compreender a representação social do uso de ansiolíticos e antidepressivos sob a ótica de bancários da cidade de Maringá-PR. Tal metodologia se mostrou adequada ao objetivo do estudo pelo fato de possibilitar o delineamento da complexidade de certos problemas e da interação de variáveis, além do entendimento das peculiaridades do comportamento dos indivíduos (Richardson, 1999). Esta pesquisa caracteriza-se ainda como estudo descritivo por buscar observar, relacionar e analisar fenômenos sem manipulá-los, trabalhando com dados coletados da própria realidade (Cervo & Bervian, 1996).

Segundo Spink (1997), duas perspectivas se tornam possíveis para serem trabalhadas para o estudo das representações: uma perspectiva mais tradicional, de estudar muitos para entender a diversidade; e, por outro lado, o estudo de casos únicos para buscar na relação representação-ação, os mecanismos cognitivos e afetivos da elaboração das representações. O presente trabalho optou por adotar a segunda perspectiva, tendo como sujeitos de pesquisa, bancários de uma instituição privada da cidade de Maringá-PR. A análise nessa perspectiva centrada na totalidade do discurso é demorada e, por isso, esses estudos têm utilizado poucos sujeitos. Trata-se, assim, de acordo com Spink (1997), de "sujeitos genéricos" que, se devidamente contextualizados, têm o poder de representar o grupo no indivíduo. Assim, ao todo, foram entrevistados dez bancários. A seleção dos profissionais teve como requisito profissionais que tivessem entre suas funções vendas e atendimento ao cliente, por serem consideradas profissões que enfrentam maior estresse e, portanto, são mais propícias ao uso de ansiolíticos e antidepressivos.

A participação dos entrevistados foi de caráter voluntário. Inicialmente, entrou-se em contato com o responsável pela instituição para apresentar a pesquisa e solicitar sua autorização. Após a concessão desta, a pesquisa foi apresentada individualmente aos profissionais e solicitada sua participação; em caso positivo, era solicitada autorização para gravação das entrevistas. A adesão foi total entre os profissionais. Os entrevistados foram citados durante a exposição da análise de dados por meio das identificações Bancário 1 (B1), Bancário 2 (B2) e assim sucessivamente.

O perfil dos entrevistados da presente pesquisa pode ser assim descrito: a) em relação ao sexo, seis eram mulheres e quatro eram homens; b) em relação à idade, três pertenciam à faixa de 20 a 30 anos, dois estavam na faixa de 31 a 40 anos, três estavam na faixa de 41 a 50 anos e dois tinham mais de 50 anos; c) em relação ao grau de instrução, oito possuíam ensino superior completo e os outros dois estavam cursando.

Procedimentos de coleta e análise de dados

Os dados foram coletados por meio de entrevistas de natureza semiestruturada, pois, conforme Spink (1997), a coleta de dados exige longas entrevistas semiestruturadas acopladas a levantamentos paralelos sobre o contexto social e sobre os conteúdos históricos que informam os indivíduos como sujeitos sociais. Além disso, as entrevistas semiestruturadas permitem a utilização de questões flexíveis, o que possibilita abordar assuntos que, embora não compreendidos inicialmente no roteiro de entrevista, podem oferecer também grande contribuição à pesquisa. Essa flexibilidade ajuda a "revelar os aspectos afetivos e carregados de valor das respostas da pessoa, bem como a verificar a significação pessoal de suas atitudes" (Selltiz, Jahoda, Deutsch & Cook, 1975, p. 295). Assim, ainda segundo a autora, esse tipo de entrevista não apenas permite que a resposta do entrevistado se exprima de forma mais completa e minuciosa, mas que também expresse o contexto social e pessoal de suas crenças e valores.

Dessa forma, o roteiro de entrevista abordou questões que identificassem o perfil dos participantes, o tipo de trabalho empregado, a adesão ao uso dos medicamentos e as representações sociais quanto a estes. As entrevistas foram conduzidas nos dias que tiveram jogos do Brasil da Copa do Mundo 2014, em função de, nesses dias, a instituição financeira ter recebido um menor fluxo de clientes e, consequentemente, ter maior disponibilidade dos bancários para participarem da pesquisa. A condução destas foi realizada individualmente, no próprio local de trabalho.

Após coletados os dados, a análise adotada seguiu o modelo proposto por Spink (1997). Inicialmente, todas as entrevistas foram transcritas e, na sequência, realizou-se uma leitura flutuante do material, intercalando a escuta do material gravado com a leitura do material transcrito. Buscou-se assim, conforme salienta a autora, mapear o discurso a partir das dimensões internas da representação, seus elementos cognitivos e práticas do cotidiano. Por fim, foi construído um mapa pontuando essas relações entre as dimensões internas, ilustrado na próxima seção.

Representações sociais dos atores

Por meio da análise dos relatos, buscou-se desvendar as representações sociais dos atores investigados. Apresentam-se aqui alguns comentários-chave a respeito das representações, para ilustrar e facilitar a interpretação geral da investigação realizada, que se segue.

A maioria dos entrevistados (60%) relatou já ter utilizado ansiolíticos em momentos de alto nível de estresse e tensão pelos quais haviam passado, conforme pode ser exemplificado pelos trechos transcritos abaixo:

Eu já usei, eu tive um período em que eu tava ("ahhh") sabe? Faltando ar, aí eu tive que usar. (B2)

Eu já tomei, já tomei. Teve época em que sentia os nervos do corpo rígidos, aí fui ao médico, ele me passou remédio e eu tomei. (B3)

Eu já usei, momento de muito estresse do trabalho, ficava ansiosa, chorava muito, descontava em doces, aí o médico receitou. (B8)

Os trechos acima vão ao encontro do estudo de Brant e Minayo-Gomez (2004) que aponta a existência de um processo de transformação do sofrimento em adoecimento no âmbito de trabalho, o que leva à medicalização das manifestações de sofrimento por meio de prescrição indiscriminada, principalmente de antidepressivos e ansiolíticos, como relatado pelos entrevistados.

De todos os entrevistados que utilizaram a medicação, apenas B3 relatou que não gostou de consumir ansiolíticos, uma vez que o remédio lhe gerava efeito de dope.

Eu tomei, só que assim, quando eu tomo esse remédio parece que eu estou dopado mesmo, então eu não gosto dele. Às vezes eu corto, tomo só metade, mas mesmo assim não é igual. Eu estou falando com você, eu sei que eu estou falando com você, está tudo normal. Mas, quando eu tomo remédio, eu não sinto isso, eu estou conversando com você e dá a impressão que eu estou pisando em nuvens. Não sei, pra mim, eu não gosto. (B3)

Já os demais entrevistados que usaram ansiolíticos enfocaram os benefícios do consumo dessa medicação. B2 relatou que atualmente as pessoas andam com o dia a dia tão corrido que têm que ter esse auxílio. Para ela, a ansiedade está envolvendo todas as áreas da vida das pessoas e não apenas o trabalho. Consequentemente, ela acredita ser benéfico às pessoas terem o "alívio" que os ansiolíticos proporcionam. Similarmente, B6 destacou que hoje a ansiedade afeta as pessoas em geral, muitas pessoas encontram-se constantemente ansiosas e, como o tempo delas é cada vez mais corrido, elas se perdem nos problemas. É desse modo que os ansiolíticos ajudam a quebrar barreiras que impedem ou dificultam a rotina e a resolução de problemas, deixando-as mais tranquilas e serenas.

Por outro lado, apesar de acreditarem que o uso é benéfico, os entrevistados B6 e B8 acreditam que este acaba sendo um jeito mais fácil de lidar com os problemas. As pessoas tomam a medicação para acabar com o sofrimento gerado em vez de procurarem resolver o problema:

Então eu tenho um problema, eu estou cansada, não consigo dormir, não vou tentar encontrar a solução para o problema, eu vou ao médico, ele vai dar alguma coisa pra me deixar mais tranquila. (B6)

Acaba sendo fraqueza nossa né? Procuramos um jeito mais fácil. Hoje está muito popularizado, muito fácil o acesso. (B8)

Relacionando especificamente com o ambiente dos bancários, 90% dos entrevistados afirmaram que vivem em um ambiente de alta pressão e cobrança que acarreta constantes preocupações e insônias:

A pressão está na vida do bancário. (B3)

A segunda pior pressão vem do cliente, não é só da organização, vem do cliente também. (B6)

Você tem que cumprir a sua meta para continuar no emprego né. (B1)

Se eu não estou vendendo eu fico preocupada, aí eu não consigo dormir, eu fico rolando na cama e não durmo. (B4)

Na verdade se você não vender você está com o seu trabalho comprometido. (B10)

A preocupação mencionada se reflete em alguns problemas físicos, conforme salientado por Junqueira (2000), que podem ser decorrentes do sofrimento emocional. Um desses problemas, citado pelos entrevistados, é em relação ao sono: muitos têm dificuldade para dormir ou acordam muito durante a noite, outros já querem dormir o tempo todo. Assim, justamente devido a esse ambiente de pressão e alta cobrança em que estão imersos, alguns bancários ressaltaram que o consumo de medicação é bem comum entre esses profissionais para os ajudarem a lidar com os desconfortos e problemas físicos gerados:

Eu acho que tem muitos bancários usando, devido exatamente a essa pressão [...] eu sei que tem muitos bancários por aí que vivem sob o poder de remédio" (B4).

Ademais, B9 comentou que, antes, os afastamentos ocorriam por problemas de saúde, principalmente pela doença de LER; já atualmente, os mesmos ocorrem devido a problemas emocionais, como o estresse e a depressão:

Eu vejo que já mudou o cenário. Antes, a maioria dos afastamentos que tinham era devido a LER e hoje já é pelo estresse, pela depressão. Então, pela pressão que o trabalho exige, percebe-se uma troca em que a maior parte dos afastamentos não é mais por problema físico né, é o emocional. (B9)

Nesse contexto, o entrevistado B4 acredita que o maior consumo de ansiolíticos atualmente ocorre em função de haver um nível maior de cobrança das pessoas em várias áreas e etapas de suas vidas, uma pressão que já se inicia na infância:

Eu acho que hoje em dia a cobrança está muito grande em todos e em tudo, tanto para os seus filhos na escola, tanto você cobrando dos seus filhos. Então eu acho que é por isso que as pessoas estão se tornando tão dependentes de comprimido, porque a cobrança é geral, tudo envolve cobrança, não é verdade? [...] Às vezes a criança começa a se encolher no seu mundinho porque ela não está se sobressaindo né? E de repente, no futuro ele vai ser um adulto problemático. Então eu acho que tudo isso interfere. (B4)

Entre os entrevistados que afirmaram não terem consumido ansiolíticos, B1, B4 e B7, eles acreditam que o uso de ansiolíticos é benéfico dependendo da situação e do tipo de pessoa. Segundo eles, algumas pessoas são mais ansiosas ou emocionalmente mais fracas e necessitam de ansiolíticos:

Mas acho que tem gente que precisa né, tem gente muito ansiosa. (B1)

Então eu acho que vai muito da pessoa, de sua cabeça, estrutura e emocional. Se ela vai utilizar ou não, se vai precisar desse recurso ou não, acho que vai muito do emocional da pessoa [...] Eu acho que para determinadas pessoas faz muito bem. (B7)

Por outro lado, eles relataram que, atualmente, o consumo de ansiolítico está muito generalizado, as pessoas tomam sem ter realmente necessidade, o que acaba prejudicando a sua saúde, deixando-os mais frágeis e dependentes de medicação:

Eu não tenho esse hábito de usar remédio pra isso, acho que não é bom, né? Acho que a pessoa fica muito dopada [...] Hoje está mais comum. A gente ouve tanto falar, na academia, as pessoas tomam esses negócios para dar força. Agora tá mais normal, antigamente não tinha isso não hein, tomava um chá de camomila e ficava bom, né? (B1)

Mas eu acho que têm pessoas que não sabem utilizar e acabam utilizando por motivos fúteis. Aí eu acho que não faz bem não. Eu conheço gente que faz faculdade comigo, menina nova, de 18, 17 anos, que falam que estão muito estressadas com a faculdade, ou que os pais estão brigando com elas, e que então vão tomar um remédio, vão tomar Rivotril ou outro que conseguem, e tomam. Eu acho isso errado. (B7)

Similarmente, o entrevistado B5 relatou acreditar que o uso de ansiolíticos e antidepressivos é maléfico à saúde das pessoas, não devendo ser consumido:

Não deve fazer isso (tomar ansiolíticos/antidepressivos). Eu mesmo nunca usei, mas eu sei que tem gente que usa. Mas eu acho que não deve, porque faz mal né, vai piorando, a saúde vai ficando mais frágil, aí hoje é a ansiedade, amanhã é outra coisa, porque uma coisa leva a outra. (B5)

É válido mencionar também que os entrevistados que relataram não utilizar ansiolíticos informaram que preferem utilizar outros recursos quando se encontram em momentos de estresse e ansiedade, tais como cerveja, remédio para dor e relaxante. Os trechos abaixo ilustram esse argumento:

Se eu estou nervosa, eu tomo um dorflex em gota, se eu estou com dor, tomo um dorflex. Trinta gotas de dorflex passa, aí eu durmo bem. (B1)

Mas eu não tomo nenhum antidepressivo, só um relaxantezinho de vez em quando, quando eu estou há muitos dias sem dormir, aí eu tomo um remedinho sim só [...] Eu tento contornar com outras coisas, eu tomo uma cervejinha para dormir, para relaxar (B4)

No meu caso eu gosto de tomar uma cervejinha quando chego em casa. Eu tomo uma cervejinha, converso com minha família e pronto. (B3)

Apesar de esses entrevistados terem uma postura de que o consumo de ansiolíticos não é benéfico à saúde, percebe-se que os recursos alternativos que eles adotam também têm efeito de dope que os ansiolíticos causam, podendo gerar a mesma dependência e fragilidade relatada em relação aos ansiolíticos. Tal fato evidencia que a pressão gerada pela ocupação profissional dos entrevistados leva à busca por recursos que auxiliem a eliminar o sofrimento gerado.

Os entrevistados relataram que usariam ansiolíticos diante de situações de depressão e estresse, seja no trabalho, nos estudos ou com a família. Diferentemente, apenas o entrevistado B5 afirmou que tem certeza que nunca utilizará tais medicamentos: "Eu não, eu tenho certeza que eu nunca vou usar isso aí não, só se for remédio pra gripe. Isso aí eu tenho certeza que eu nunca vou usar" (B5).

Diante dos relatos, foi elaborado um esquema (Figura 1), que relaciona as representações dos bancários investigados, no intuito de mapear os discursos de acordo com as dimensões internas dos atores, conforme metodologia de Spink (1997), facilitando sua compreensão.

A Figura 1 ilustra duas formas de representações: os entrevistados que veem o uso de ansiolíticos e antidepressivos como benéficos, um auxílio para enfrentar o sofrimento, e aqueles que os veem como maléficos, que fragilizam a saúde, isto é, o universo reificado dos atores - o universo da ciência, onde se produz o conhecimento e as teorizações abstratas, não familiares (Guareschi, 1997). A figura permite ainda visualizar a passagem do universo reificado para o consensual, ou seja, do não familiar para o familiar, processo fundamental para a formação de representações sociais (Guareschi, 1997). Assim, a percepção dos bancários entrevistados sobre o uso desses medicamentos passa pelo processo de familiarização a partir do momento que tiveram os ansiolíticos e/ou antidepressivos inseridos em seu cotidiano, seja por consumo próprio ou de colegas e conhecidos. Tal vivência favoreceu que esses profissionais discorressem sobre os motivos de uso e suas consequências.

Para a construção das representações sociais sobre o uso de ansiolíticos e antidepressivos, é necessário também, conforme apontado por Moscovici (1978), que elas passem sobre os processos de objetivação e ancoragem. A objetivação ocorre quando há uma materialização ou concretização de um objeto abstrato representado, quando as ideias recebem uma textura material (Yamamoto & Ichikawa, 2007). No caso em investigação, a objetivação ocorreu com os entrevistados associando o uso dos medicamentos ao seu dia a dia, destacando como os medicamentos influenciam suas vidas e as vidas de pessoas de seu convívio que usam ou usaram. O processo de ancoragem, por sua vez, aparece como uma extensão da objetivação, culminando na concretização de uma representação social. A ancoragem articula três funções: função cognitiva de integração da novidade, função de interpretação da realidade e, principalmente, a função de orientação de condutas e de relações sociais (Bonfim & Almeida, 1991/92). De acordo com a Figura 1, o caso em análise corresponde ao último nível, em que os entrevistados relataram suas condutas ou propensões diante de situações de estresse e sofrimento. Pode-se observar que as representações sociais influenciam o comportamento em que, de um modo geral, partindo da percepção de alívio ao sofrimento, os entrevistados direcionariam para o consumo desses medicamentos, quando em face dessas situações. Tal fato pode ser considerado agravado quando relacionado com a afirmação da maioria deles de que trabalham em ambientes altamente estressantes e com constantes cobranças, geradores de sofrimento e desconforto emocional, estando, portanto, propícios a enfrentarem tais situações de desconforto apontadas.

 

Considerações Finais

A presente pesquisa destaca o estudo das representações sociais como meio para revelar o universo de interação entre bancários e o uso de ansiolíticos e antidepressivos, permitindo conhecer a realidade que é representada por esses sujeitos. A pesquisa abordou situações comuns a vários sujeitos e, uma vez que envolveu a precarização do trabalho e a medicalização como solução aos sofrimentos gerados, pode somar-se a outros estudos na ampliação do conhecimento sobre o tema.

As representações identificadas nas entrevistas propiciaram o entendimento do universo consensual de bancários que tiveram os ansiolíticos e/ou antidepressivos inseridos em seu cotidiano, seja por consumo próprio ou de colegas e conhecidos. Tal vivência favoreceu que os profissionais discorressem sobre os motivos de uso e suas consequências e identificassem tanto os efeitos benéficos quanto os maléficos. Os benefícios do consumo desses medicamentos correspondiam à sua potencialidade para eliminar ou aliviar o sofrimento e a angústia, seja por problemas gerados no trabalho, seja por problemas familiares e de saúde. Por outro lado, os efeitos negativos foram retratados quanto ao seu efeito de dope e dependência, fatores que, na visão deles, fragilizam ainda mais a saúde em vez de resolverem o problema.

É notório destacar, igualmente, que os entrevistados que nunca utilizaram ansiolíticos e/ou antidepressivos adotaram como recursos paliativos o consumo de álcool (cerveja) ou outros medicamentos (relaxante e dorflex). Percebe-se assim que, da mesma forma, esses bancários também buscaram em outros agentes psicotrópicos o alívio ao seu sofrimento.

Ao mapear as representações sociais dos atores, percebeu-se que a maioria dos entrevistados (90%) diante de sofrimento, estresse ou depressão utilizaria a medicação. Ratifica-se, portanto, a discussão de Foucault (1987) e Lefèvre (1983) de que o ser humano não tem mais o direito de sofrer, não lhe é mais permitido vivenciar momentos de angústia. Em vez disso, ele deve buscar sempre a felicidade eterna. Diante de situações de controle e cobrança da empresa que geram ambientes prejudiciais à saúde e ao bem-estar, os funcionários agem como corpos dóceis, tomando medicamentos que eliminem esse desconforto e lhes permitam continuar agindo segundo os padrões e exigências da organização. Igualmente, a sociedade também tem contribuição para esse assujeitamento. Ao disseminar a individualidade, a competitividade, o sucesso e a busca da felicidade, contribui-se mais para o assujeitamento subjetivo, pois o estilo de vida difundido pela sociedade produz um sentimento de desamparo e falta de controle diante dos infortúnios e fracassos.

É válido ressaltar também que a problemática trabalho-adoecimento, apesar de ser um caso comum de vivência de muitos, ainda é vista como algo individualizado, conforme exposto nos relatos. Consequentemente, as estratégias adotadas também têm um enfoque apenas individual, como a busca por soluções psicotrópicas. O uso de medicamentos reflete uma visão biologizada apresentada como solução para os problemas orgânicos. Os sujeitos entrevistados, aparentemente, ou trabalham suas questões com o consumo de chás, cervejas e outros remédios, por não aceitarem ansiolíticos/antidepressivos, ou tratam com uso dessas medicações, ambas as soluções subjacentes à tradição orgânica de ordem apenas biológica. No entanto, não foi identificado nenhum entrevistado que tentasse compreender esses problemas a partir de aspectos complexos da subjetividade humana, buscando por meio de terapias, por exemplo, a solução para o seu sofrimento.

O conhecimento das representações dos bancários pesquisados possibilita compreender como o conhecimento consensual influencia nos comportamentos deles no que se refere aos medicamentos. Conforme assertiva de Moscovici (1978) de que as representações sociais guiam o comportamento, pode-se observar essa influência nos relatos analisados. Ao visualizarem nos ansiolíticos um alívio à dor sentida, quando inseridos nesses contextos, os bancários adotam ou estariam dispostos a adotar o seu consumo. Isso é bem visível principalmente nos casos em que alguns bancários, mesmo enfocando os aspectos negativos dos remédios, afirmaram que os tomariam na tentativa de tirar a dor e o transtorno de si mesmos. Tais posicionamentos caracterizam, nesses casos, uma fuga do sofrimento, reforçando novamente a individualização no modo de lidar com os problemas que são sociais, como a cobrança no trabalho e o alto nível de estresse.

É válido mencionar a impossibilidade de se ter uma completa privação do sofrimento, incidindo no risco de viver na dependência psíquica da dopagem e num eterno assujeitamento. É necessário às pessoas uma maior conscientização de que esse "poder" ilusório da medicação também as enfraquece na busca por compreender os reais problemas que as levam a adoecer e, com isso, procurar as soluções efetivas que darão fim ao sofrimento, permitindo-lhes ser mais ativas e sujeitos de suas vidas. Esse estudo permitiu enriquecer o entendimento sobre a problemática adoecimento-no-trabalho e gerar algumas reflexões a respeito desse problema social, como a questão da individualização das soluções e a fuga por meio da medicalização. Percebeu-se que a questão da saúde mental do trabalho ainda não é percebida pelos próprios trabalhadores como uma temática que deve ser discutida ou trabalhada conjuntamente para uma solução mais eficaz e direta à sua causa.

Por fim, no intuito de aprofundar o estudo aqui desenvolvido, apontam-se algumas limitações e recomendações para futuras pesquisas. Como limitação, ressalta-se a dificuldade de contato e disponibilidade de tempo para entrevista com os bancários em virtude da movimentação nas suas instituições. E, como recomendações, sugere-se a condução de futuras pesquisas em outras ocupações profissionais e outras organizações, a fim de verificar se há diferenças nos ambientes de trabalho e se tais diferenças refletem nas representações sociais dos atores. Além disso, recomenda-se o aprofundamento desta pesquisa, abrangendo instituições bancárias públicas e cooperativas.

 

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Recebido em 26/08/2014
Aprovado em: 27/08/2015

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