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Pesquisas e Práticas Psicossociais

versão On-line ISSN 1809-8908

Pesqui. prát. psicossociais vol.11 no.1 São João del-Rei jan./abr. 2016

 

"Ouvir é como a chuva" - o apoio psicológico como parte da formação em psicologia

 

"To listen is like the rain"- the psychological support as part of the formation in psychology

 

"Oir es como la lluvia" - el apoyo psicológico como parte de la formación em psicologia

 

 

Eleonôra Torres PrestreloI; Erika da Silva AraujoII; Marcia MoraesIII; Leticia MarquesIV

IProfessora Assistente do Instituto de Psicologia da UERJ; Doutoranda do Programa dePós-Graduação em Psicologia da UFF; Bolsista CAPES; Coordenadora do Projeto de Extensão "GAPsi- grupos de apoio psicológico"; Coordenadora do Núcleo de Extensão do Instituto de Psicologia/UERJ
IIPsicóloga formada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro; profissional vinculada ao projeto de extensão "Laboratório Gestáltico: configurações e práticas contemporâneas" e ex-bolsista do projeto de extensão "GAPsi - grupos de apoio psicológico"
IIIDoutora em Psicologia pela PUC/SP. Professora Associada do Departamento de Psicologia, com atuação na graduação e na pós-graduação strito sensu, da Universidade Federal Fluminense. Financiamento de pesquisa: CNPq, Faperj, UFF/PROEX
IVEstagiária bolsista do projeto de extensão "GAPsi - grupos de apoio psicológico" e estudante do 6° período de graduação em Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

 

 


RESUMO

Este artigo apresenta a experiência e consequente reflexão das autoras acerca do projeto de extensão denominado "GAPsi - grupos de apoio psicológico" que visa cuidar dos alunos do curso de Psicologia do Instituto de Psicologia/UERJ. Toma como proposição que o cuidado se faz na prática, se faz com e não sobre o outro, em pequenas práticas cotidianas, nas conexões que fazemos, no estabelecimento de parcerias, se faz numa ética do cuidado. O projeto se desenvolve através de "oficinas de cuidado", tendo como premissa que o cuidado se constitui como ação paradigmática dos cursos de Psicologia. As oficinas são baseadas no dispositivo de trabalho grupal da Abordagem Gestáltica e da Terapia Comunitária Integrativa e apoiam-se na prática de fazerCOM, inspirada na orientação metodológica do Laboratório pesquisarCOM/UFF. Dessa forma, o GAPsi caracteriza-se como um trabalho de prevenção e valorização da vida nas ações cotidianas, buscando beneficiar toda a comunidade nele envolvida.

Palavras-chave: cuidado; grupos de apoio psicológico; extensão; pesquisarCOM.


ABSTRACT

This article presents the experience and consequent reflections of the author about an extension project called "GAPsi -Groups of Psychological /Support" which aims /the/ care of the students from the psychology course of Psychology Institute/UERJ. The project supports that care is done in practice, it is do new it hand not about the other, in every day little practices, in the connections we make, in the establishment of partner ships, it is done by an ethics of care. The project develops through "care workshops", assuming that care is a paradigmatic /action of psychology courses. The workshops are based on work group devices based on the Gestaltic Approach and on the Integrative Community Therapy and is supported in the practice of do WITH, inspired by the methodological guidance of the Laboratory research WITH/FF. This way, the GAP is characterizes itself as a preventive work and valorization of life in daily actions, trying to benefit all community involved.

Key words: care; groups of psychological support; extension; researchWith.


RESUMEN

Este artículo presenta la experiencia y consecuente reflexión de las autoras acerca del proyecto de extensión denominado "GAPsi - grupos de apoyo psicológico" propuesto a cuidar de los alumnos de La carrera de Psicología del Instituto de Psicología/UERJ. Se toma como proposición que el cuidado se realice em la práctica, com y no sobre el otro, a través de las pequenas prácticas cotidianas, em las conexiones que hacemos, em el establecimiento de colaboraciones, se haceen una ética del cuidado. El proyecto se desarrolla a través de "talleres de cuidado", teniendo como premisa que el cuidado se constituye como una acción paradigmática para los cursos de Psicología.Los talleres basan el trabajo de grupo en el dispositivo de la Abordaje Gestáltico y Terapia Comunitaria Integrativa con apoyo en la práctica del hacerCON, inspirado en la orientación metodológica del Laboratorio pesquisarCOM / UFF. De esta forma, el GAPsi se caracteriza como um trabajo de prevención y valorización de las vidas em las acciones cotidianas, buscando beneficiar toda la comunidad involucrada em él.

Palabras clave: cuidado; grupos de apoyo psicológico; extensión; investigaciónCON.


 

 

Introdução

"Ouvir é como a chuva"... trazemos essa afirmação de Raquel Remen (1998), pois acreditamos representar bem o projeto ao qual nos dedicamos nos últimos anos e a experiência que iremos compartilhar. Remen se refere a sua crença na possibilidade de crescimento humano. Diz-nos ela que "o importante é que a chuva cai" (1978, p.191), ou seja, a possibilidade de crescimento está ali, mesmo nas épocas mais difíceis. Acreditamos nisso, não só na escuta, mas no compartilhamento de experiências, sentimentos, no levantamento de possibilidades e na força de um grupo. Utilizando a chuva como metáfora,a autora nos aponta para a importância da escuta do outro como elemento inerente ao reconhecimento de nossa condição de humanos, partícipes de um mesmo espaço/tempo em que a afirmação de nós mesmos passa pela "fertilização", "irrigação" de nossas relações, o que coloca essa função, a da escuta1, como uma das funções que falam de nossa condição de interdependência.

Ao ouvirmos na oficina a fala de Íris, "Falar também é uma forma de cuidado"2e ainda, "O GAPsi é o espaço separado para falar sobre questões que eu não falo lá fora... onde eu posso também refletir sobre o cuidado"3, em resposta à pergunta sobre que práticas de cuidado elas estavam "experienciando" na universidade, nos perguntamos o que nos faz calar? O que faz calar a todos nós: professores, alunos e funcionários envolvidos na graduação em Psicologia do Instituto de Psicologia da UERJ, já que, até onde conhecemos, não foi desenvolvido nenhum estudo a esse respeito? As falas reproduzidas nesse trabalho nos parecem apontar a importância de pensarmos sobre isso.

O GAPsi: grupos de apoio psicológico4 é um projeto de extensão cujas ações se orientam por um novo paradigma de cuidado (Mol, 2008; Mello & Nuremberg, 2012; Boff, 1999; Toro, s/d) que tem em seu cerne a definição do humano como ser interdependente, o que vemos como uma condição de enriquecimento de conexões no mundo, na multiplicação de vínculos e laços sociais e não de restrição de possibilidades. A Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) é nosso local de atuação e nossas práticas nesse projeto têm se constituído em oferecer à comunidade "uerjiana" e população a ela relacionada, espaços de acolhimento ao sofrimento cotidiano que nos assola e onde, com frequência, não se encontra o acolhimento, como nos serviços de saúde, dos chamados "sofrimentos difusos":

Sofrimento Difuso é um conceito cunhado por Valla (2001) para nomear queixas somáticas inespecíficas, tais como dores de cabeça e no corpo, insônia, nervosismo, problemas gástricos e estados de mal-estar não classificáveis nos diagnósticos médicos ou psiquiátricos, cujas múltiplas raízes podem se encontrar nas relações sociais, familiares, laborativas ou econômicas (Fonseca, Guimaraes & Vasconcelos, 2008).

Nos primeiros anos do projeto, trabalhávamos com "Rodas de conversa" e usávamos a metodologia da "Terapia Comunitária", proposta por Adalberto Barreto(2008), atualmente denominada "Terapia comunitária Integrativa". Trabalhávamos nos encontros não um problema individual e sim a temática correspondente escolhida pelos membros da roda e terminávamos com cada membro descrevendo os recursos que foram importantes para lidar com esse tema. Assim, era possibilitada a reflexão sobre o tema proposto e oferecida à comunidade recursos e experiências narradas por seus integrantes, que cada membro poderia usar ou não, ao se deparar com esse tema em sua vida. As soluções possíveis para as questões vinham da valorização do próprio saber da comunidade, fortalecendo seu empoderamento, formando vínculos afetivos e redes sociais de apoio.

Quando buscamos, no entanto, oferecer à comunidade boas práticas de cuidado (Mol, 2008), precisamos reconhecer as pistas que essa comunidade nos oferece no sentido de podermos identificar quais as demandas emergentes. O público do GAPsi varia bastante de tamanho. Nossos encontros podem ter de dois a quarenta membros, dependendo da ocasião. Percebemos que eleger temáticas e compartilhar uma variedade de experiências funcionava bem com grandes grupos, dinâmica pertinente à utilização da "Terapia Comunitária Integrativa" (Barreto, 2008), mas nem sempre era uma boa opção com grupos menores, que demandavam por outras formas de trabalho.

Decidimos então, em 2013, mudar o nome do projeto e a forma de trabalhar a partir das pistas que a comunidade nos oferecia. Passamos a chamá-lo de "GAPsi: grupos de apoio psicológico" a fim de lidarmos com uma maior liberdade metodológica. A partir dessa mudança, passamos a incluir no trabalho nossa experiência com grupos sob a luz da Abordagem Gestáltica, referencial teórico que orienta o fazer clínico da coordenadora do projeto. Tal abordagem valoriza a sensibilidade como forma de apreensão do mundo e possibilita ao facilitador do grupo propor intervenções a partir do que se configura5 no naquele momento. Isso favoreceu o trabalho com pequenos grupos de forma mais potente e flexível. Não abandonamos a metodologia da "Terapia Comunitária grupo Integrativa" como recurso, pois a entendemos como uma valiosa ferramenta, mas, assim como a nossa proposta é ampliar o campo e as possibilidades dos que buscam o GAsi, permitimos o mesmo ao projeto. A "Terapia Comunitária Integrativa" é o nosso recurso preferencial para grandes grupos, de forma que continuamos a utilizá-la nos momentos oportunos como, por exemplo, na recepção dos calouros ou "Semanas de Psicologia" na universidade.

Essas marcas metodológicas que orientam o dispositivo grupal: a Abordagem Gestáltica e a Terapia Comunitária Integrativa se fizeram num caminho de formação profissional de sua coordenadora e se fazem ação nessa prática clínico-institucional. A inspiração metodológica do Laboratório pesquisarCOM que, como veremos, perpassa todo esse trabalho, apresenta, a nosso ver, alguns pontos de aproximação com essas orientações teórico-metodológicas que orientam nossa prática nesse projeto e que são importantes de serem apontadas, embora uma análise mais profunda e detalhada das mesmas não seja objetivo do presente artigo. São elas:

. Afirmarum cuidado que se faz seguindo as pistas que aparecem no campo;

. Marcar a simetria nas relações pesquisador/pesquisado;

. Afirmar que a vida não está dada "a priori", se faz em decorrência das conexões presentes;

. Performar uma produção de conhecimento encarnada;

. Adotar um princípio de que o cuidado é algo que se faz em rede, envolve múltiplos elementos, não se dá de forma individualizada.

 

1. Abordagem gestáltica e relações simétricas

A visão de homem da Gestalt-terapia foi influenciada pelas ideias da fenomenologia e do existencialismo, assim, o homem é visto como um sujeito ativo, com potencialidades e possibilidades, isto é, ele se produz continuamente pela atualização do possível. Esse possível vai sendo atualizado, reconfigurado e é desta forma que olhamos para cada participante do grupo. Cada participante percebe o mundo a sua maneira, cada um tem suas próprias vivências e experiências, ninguém está certo ou errado e compartilhar suas experiências abre possibilidades para reflexão.

Uma das características fundamentais da abordagem gestáltica é enfatizar o processo de awareness (dar-se-conta, conscientizar-se), compreendendo que o Homem deve estar atento a si próprio, mantendo a presentificação da experiência e sua integração à ordem do vivido, através do fluxo de consciência (Prestrelo& Quadros, 2009).

Dessa forma, acreditamos que o movimento do grupo é no sentido de se autorregular e, quando necessário, a coordenadora do grupo e as estagiárias, através de pequenas intervenções, favorecem a expressão daquilo que mobiliza os participantes para que estes possam fazer contato com suas questões e para que o grupo como um todo também o faça com as reverberações do tema em cada um deles. São intervenções que denominamos, na Abordagem Gestáltica, de experimentos, que não reproduzem técnicas como um recurso artificial do fazer, destituído de sentido. O experimento emerge da relação, na tentativa de ativação de um continuum de consciência e da conscientização de possíveis.

A Gestalt-terapia compreende o grupo como um todo, que é sempre maior e diferente da soma de suas partes individuais. A cada novo grupo há uma nova configuração e uma nova interação, não somente dos participantes com os outros, mas também do coordenador e estagiários, estes também como membros integrantes do grupo. Como nos alerta Amatuzzi(2001),

Uma das coisas que caracteriza uma psicologia de inspiração fenomenológica é a importância dada ao vivido. Acredita-se que muitas vezes ele seja melhor guia para nossas ações concretas e para nossos pensamentos do que concepções ou ideias construídas mais ou menos artificialmente. (p.53)

O vivido seria nossa reação não mediada pela reflexão ou elaboração de conceitos, o que priorizamos como porta de entrada no trabalho com o grupo. A primeira aproximação do tema trazido se faz através da veia da sensibilidade, dos sinais recebidos por nossos orgãos de sentido, posteriormente elaborados racionalmente.

Para a maioria dos alunos que frequenta o projeto esta é a primeira aproximação com a Abordagem Gestáltica, senão a única, pois a disciplina de Gestalt-terapia, no currículo atual, só é oferecida no sexto período para alunos que escolhem a ênfase na clínica, não sendo obrigatória a todos. E a Abordagem Gestáltica com grupos só é oferecida, eventualmente, em disciplinas optativas, escassez relacionada ao reduzido número de professores dessa área assentados no Instituto de Psicologia e às limitações das demandas acadêmicas.

Os grupos duram de 1:00 a 1:30 hs e acontecem quinzenalmente. O trabalho é feito em grupos abertos, nos quais a frequência não é obrigatória. Cada um deve trazer para o grupo sua própria experiência, respeitando a vez do outro e, na sequência, é escolhido o tema de maior mobilização naquele dia. Esses encontros são divulgados pelas redes sociais através de nossa página no Facebook6, da comunicação por e-mail e por cartazes afixados internamente. Existem também aqueles alunos que chegam pela divulgação "boca a boca" do trabalho por membros mais assíduos do grupo. A proposta de nossa página é divulgar nossas atividades e material relativo ao tema: notícias que interessem à comunidade, reportagens, atividades e afins.

Da forma como se estrutura, o trabalho permite a construção de uma teia de relações sociais que potencializa o valor da troca de experiências e o resgate de habilidades para a superação das adversidades, desenvolvendo a identificação do poder individual e coletivo do grupo, se constituindo, portanto, num campo de suporte acadêmico, social e afetivo.

A valorização do que nos aparece como pistas e demandas da comunidade "uerjiana" fez com que o percurso do projeto de extensão tivesse uma história de amadurecimento envolvendo uma diversidade de momentos. Todos os anos alterações foram feitas para que melhor pudéssemos atender à comunidade. Oferecemos, anteriormente, espaço para acolhimento à comunidade interna e externa à UERJ com "Rodas de Conversa" quinzenais; em outro momento, desenvolvemos o projeto apenas para a comunidade discente da UERJ, abrindo espaço para a escuta de suas inquietações, onde acolhemos alguns fenômenos de sofrimento presentes na sociedade contemporânea: bullying; síndrome do pânico, ansiedade generalizada, etc. Nos dois últimos anos temos nos dedicado a acolher especialmente os alunos da graduação em Psicologia da UERJ e a fazer o trabalho de suporte a alguns grupos específicos de "cuidadores" quando somos solicitados.

Por se tratar de um projeto de extensão, além da atuação de suporte junto à comunidade acadêmica na promoção de saúde, o GAPsi possui duas outras importantes funções, a de gerar conhecimento e a de complementação da formação dos alunos envolvidos no projeto. Os estagiários bolsistas e não bolsistas se aproximam de uma forma de atuação do psicólogo que pode lhes servir em diferentes formas de trabalho, antes e depois de terminada a graduação em Psicologia. O GAPsi, nesse sentido, representa dentro da UERJ uma das poucas possibilidades de estágio com grupos e de uma prática através de um dispositivo onde se aprende atuando em conjunto com o coordenador, permitindo uma experimentação diferente das práticas individuais, mais solitárias e possibilitando também trabalhar a sensibilização do aluno aos movimentos e afetos presentes nas oficinas.

Quando falamos em gerar conhecimento, é importante frisar que acreditamos que essa produção acontece em conjunto, o nosso fazer se faz junto com os alunos. Assim, não aplicamos meramente técnicas, ou derramamos nosso conhecimento sobre eles, e sim valorizamos o saber que a comunidade discente possui e acreditamos que eles são sujeitos ativos dentro de nossos encontros. Oferecemos um espaço que é um campo de troca de saber, onde todos são agentes ativos de mudança. Compartilhando com Paulo Freire o entendimento de como se processa a aprendizagem (1985), entendemos que "Os homens, em seu processo, como sujeitos do conhecimento e não como recebedores de um 'conhecimento' de que outro ou outros lhe fazem doação ou lhes prescrevem, vão ganhado a "razão" da realidade." (Freire, p. 57).

Como nos diz esse educador (obra citada), a educação é "duração', se realiza num jogo entre permanência e mudança e é nesse contexto que situamos nosso projeto de extensão e pesquisa7, o de estender para dentro e fora da universidade nossas práticas de cuidado. Uma postura política de defesa do acesso ao cuidado como direito, numa ação encarnada, interconectada entre experiência e produção de conhecimento, onde desdobramos nossas ações a partir do vivido nas oficinas.

Oferecer aos alunos a oportunidade de contato com o trabalho em grupo, como já dissemos anteriormente, amplia suas possibilidades de atuação profissional, pois há uma grande demanda no mercado de trabalho para a atuação de psicólogos com grupos em instituições como hospitais, empresas e escolas, porém, como já apresentado, as grades curriculares de muitos cursos de Psicologia não suprem essas demandas. Portanto, o GAPsi também é um espaço onde os alunos podem se aproximar dessa prática e mais, podem "experienciar" o lugar de participante dentro de um grupo.

 

2. A importância de olharmos o que nos faz fazer

Falamos, anteriormente no texto, sobre o percurso seguido por nosso projeto, mas gostaríamos de especificar o que nos fez direcionar um olhar mais atento aos alunos do curso de graduação em psicologia.

A fala de alunas como Lótus8: "Quando entramos na universidade temos que recomeçar a vida social toda de novo, recomeçar a reconstruir as relações sociais" e Hortência: "Nunca tive que socializar, já estava tudo pronto e agora vou ter que começar tudo de novo" (aluna que veio da Grécia e fala como está sendo para ela essa mudança de país e entrada na vida universitária) nos fez retomar a literatura no que ela nos apresenta de levantamentos já realizados sobre os temas de sofrimento dos alunos universitários.

A adaptação à universidade dos alunos ingressantes já foi alvo de pesquisas pelo seu potencial estressor (Teixeira, Dias, Wottrich & Oliveira, 2008), especialmente relacionado a temas voltados para a insegurança e à adaptação ao novo estilo de vida. O reconhecimento do período universitário como um momento de maior vulnerabilidade do ponto de vista psicológico vem motivando estudos sobre a saúde mental universitária desde a década de 50 nos EUA e na Europa (Cerchiari et al., 2005). Entre as principais demandas clínicas que esses autores encontraram em seu estudo sobre universitários que utilizavam um serviço de psicologia foram: "cansaço, dificuldades de aprendizagem e de concentração, esquecimento, perturbação do sono, sentimentos de fracasso, irritabilidade, inquietação, inibição, timidez, baixa autoestima, insegurança, desânimo e dificuldade nos relacionamentos interpessoais" (Cerchiari et al., 2005).

Quando falamos exclusivamente de alunos de psicologia, outras questões se apresentam, dadas as características do curso. O estudante de Psicologia está, a todo o momento, em contato com o outro, atento às relações interpessoais e à mobilização dos afetos, das angústias e sofrimentos dos que buscam o serviço. Outro estudo detectou elevados traços de ansiedade entre os alunos do curso de psicologia, em especial nos alunos do primeiro ano (Ferreira et al., 2009). Nos alunos dos cursos mais avançados, outras questões se mostram, como exposto por Paparelli e Nogueira-Martins (2007):

O medo e a insegurança incidiram no contato inicial com o paciente, associados à fantasia sobre "quem seria esse paciente", pelo receio que o aluno tinha de se perder, não sabendo como e quando falar, pelo temor de se confundir e não discriminar aquilo que seria seu com o que seria do paciente, pelo medo de se emocionar, de errar e de ser avaliado. Herzberg (1999), Aguirre et al. (2000), Telles e Wanderley (2000), ao discorrerem sobre o processo de construção da identidade do psicólogo para o desempenho de seu papel, alertam para o fato de que esse processo exigirá do aluno mais do que a compreensão teórica e técnica do fenômeno psicológico, e irá transitar na complexidade de sua subjetividade. (p. 72)

Esses trabalhos vão ao encontro de nossa experiência com os alunos da graduação que se apresentam extremamente ansiosos, muitas vezes num misto de solidão intensa como nos diz Bromélia: "Eu sinto que há dois meses eu estou me enganando e enganando ao mundo que está tudo bem (...) Eu me sinto muito sozinha. "9. E tendo medo de um futuro desenhado, como dizem outros, a partir de expectativas altíssimas, tanto suas quanto de suas famílias. Essas falas, assim como outras formas de expressão que estão presentes no campo e que se mostram como fluxos de movimentos, afetos, interações entre os atores, humanos e não humanos, são anotados em diários de campo10 e elaborados pelos membros do projeto presentes nas reuniões. Percepções que se passam também pela configuração das cadeiras, por como se segura uma bolsa, pelo lugar onde se escolhe sentar na sala ou por um objeto que não sai da mão, etc. Escrever o diário de campo é um exercício que não se restringe ao ato de recordar o que aconteceu naquele encontro, mas também um instrumento que possibilita ao pesquisador se perceber como alguém que está no campo, atuando e sendo atuado, afetando e sendo afetado pelos fluxos que ali acontecem.

Estar atentas ao que está presente no campo de atuação com todas as suas reverberações é desenvolvermos uma atitude crítica constante àquilo que nos faz fazer, o que acentua o que nos lembra Haraway (1995), que não podemos mais ser inocentes, pois o conhecimento produz mundos! Em concordância com Moraes et al (2014), o corpo do pesquisador não se restringe ao físico, o que foi tão bem narrado por nossa ex-estagiária Araujo (2015) em sua monografia de fim de curso, em relação ao corpo do psicólogo clínico/pesquisador. Este corpo se faz como efeito numa atualização constante e a maneira como construímos as nossas pesquisas e as narramos nos fazem lembrar constantemente desse compromisso, numa tentativa de multiplicação de formas de ver e de viver no mundo. O engajamento numa forma de fazer ciência que poderíamos identificar como o fazer "ciência no feminino" (Stengers, 1989), uma ciência de múltiplas versões, um fazer que inquiete o universal o suficiente para fazê-lo progredir, que leve em consideração, na pesquisa, os pequenos acontecimentos (Chauvenet, Despret & Lemarie,1996), que acolha a afetação de todos os envolvidos na experiência e, principalmente, que fuja da armadilha de um conhecimento generalizável, valorizando a legitimidade de um saber localizado (Haraway,1995). Essa seria uma forma de fazer ciência que interfere na construção de um mundo diferente daquele em que vivemos.

Segundo Toro, seguindo o "paradigma do êxito, do poder, do ganhar, do acumular (s/d)" durante os últimos anos, chegamos a uma situação paradoxal: alcançamos um grau elevadíssimo de evolução tecnológica, mas corremos o risco de desaparecer enquanto espécie... Diz-nos ainda: "El 67 % de los jóvenes em el mundo que habitanlas grandes ciudades se sienten solos. Por eso la deprésion, la sadicciones, los suicídios. Hay que enseñar a tener amigos. Hay que enseñar a hacer relaciones de pareja (p.2)".11 Embora reconheçamos o forte traço determinístico dessa afirmação de Toro, trazemo-la aqui para chamarmos atenção para o acirramento de um fenômeno contemporâneo que nos diz respeito diretamente, a solidão dos jovens. E mais, a importância de olharmos para o que ela os faz fazer.

O trabalho do GAPsi é, a nosso ver, ao mesmo tempo um modo de lidar com o que nos sinalizam Lótus, Hortência e Bromélia e com o que nos diz Toro (s/d). Isso porque, ao apostar numa ação que se faz coletivamente, o GAPsi investe numa prática de cuidado que se tece em rede, fomentando conexões e fortalecendo vínculos. Seguindo algumas indicações de Mol (2008), investimos numa prática de cuidado que não despreza os detalhes da vida cotidiana, mas sim, que se faz e refaz, com e nesses detalhes. Através dos grupos realizados, procuramos exercer um cuidado que se dê de forma horizontalizada, acolhendo suas especificidades: no modo desses estudantes lidarem com o sofrimento diante do novo mundo universitário que se apresenta, na criação de novos laços e na manutenção dos antigos. A vida universitária frente a essas questões pode se tornar uma experiência muito estressora, é o que temos reconhecido em nosso trabalho. Assim, as principais expressões de sofrimento que acolhemos no GAPsi são relativas ao rompimento de laços, angústias pelas grandes mudanças no estilo de vida, medo de não dar conta, sofrimento diante de conflitos familiares, perdas, angústias com relação às escolhas curriculares e em relação à aproximação do fim do curso e início da vida profissional.

Trago para o texto um fragmento de diário de campo para narrar um pouco do que aparece nas oficinas: Início da oficina: falo um pouco sobre o propósito do nosso projeto e pergunto como faço com frequência, "Vocês têm algo que lhes está preocupando, alguma angústia?"

Violeta responde: "Serve uma lista?" Me sinto impactada por sua fala cheia de emoção, inquietação, seu olhar assustado. A tensão que sinto perpassar o grupo, como que numa corrente de cumplicidade...

Sempre me surpreendo com a força colocada pelos alunos em relação ao sofrimento presente, talvez porque os veja iniciando uma vida, tão jovens, talvez porque nutra uma expectativa que tenham uma maior leveza no viver (Diário de Campo de 07 de abril de 2015).

Pensamos que essa fala de Violeta reforça o nosso fazer, pois acreditamos ser necessário "cuidar de quem cuida" - máxima paradigmática de nosso projeto, não só pela psicologia se constituir numa profissão de cuidado e também por acreditarmos no cuidado como um direito! Apesar de racionalmente todos aqueles envolvidos em profissões de cuidado concordarem com essa máxima, na "prática", no fazer cotidiano, com a cobrança de produtividade e a multiplicidade de demandas a serem realizadas ao mesmo tempo, isso fica relegado a planos cada vez mais remotos. Inseridos no Instituto de Psicologia da UERJ, entendemos, como nos fala Araújo (2015), que, por exemplo, ao cuidarmos dos clientes que atendemos no SPA (Serviço de Psicologia Aplicada) estamos interferindo numa rede de conexões,

A circularidade do cuidado, visto como uma lógica de cuidar, não fica restrita às redes descritas, mas extrapolam barreiras para redes nas quais essa cliente não se faz presente. Por se tratar de uma clínica escola, um SPA de uma universidade, esse cuidado vai reverberar no compartilhamento de experiências entre os alunos, em seus processos de formação como terapeutas, em seus próximos clientes e na própria produção de conhecimento científico sobre o assunto (p.41).

Entendemos, portanto, que o cuidado de quem cuida e de quem aprende a cuidar é de suma importância, pois assim como Mol (2008), acreditamos que o cuidado é algo que se dá em rede, envolvendo um time de pessoas e coisas. Acreditamos que, ao cuidarmos dos alunos de psicologia, também estaremos cuidando de toda a rede envolvida nas múltiplas atuações desses alunos. Aqueles que se sentem acolhidos podem se articular melhor para resolver questões envolvidas em suas atividades acadêmicas, em seus estágios profissionais, podem levar suas experiências para outros ambientes, podem acolher novos alunos, podem atender melhor seus clientes. Alunos e profissionais atentos para relações de cuidado são multiplicadores importantes na construção de um mundo mais respeitoso, mais justo.

Nas "oficinas de cuidado" acreditamos, assim como Mol (2008) que o cuidado não pode ser algo padronizado, é algo que se constrói nas relações, não pode ser algo dado "a priori", daí precisarmos estar com o outro, acolher o que é dito, expresso no corpo, pensado, sonhado, para efetivá-lo - e o dispositivo de oficinas grupais se constitui em excelente ferramenta de trabalho para isso.

2.1. A ação de cuidar

Necessário se faz apontar a noção de cuidado que nos orienta nesse trabalho. Inspiramo-nos em Annemarie Mol, filósofa e médica holandesa que nos alerta para o fato de que o cuidado é construído e se faz na prática e só podemos identificar as práticas de cuidado estabelecidas acompanhando-as no campo. Essa proposição nos oferece, num projeto de extensão especialmente, mas não só, a condição de pesquisar a ação de cuidado se fazendo, no caso aqui apresentado, na graduação em Psicologia do IP/UERJ. E essa orientação nos seduz mais do que estudarmos o cuidado numa perspectiva teórica distanciada de um fazer, exercício teórico que tem seu valor, reconhecemos, mas que não se coaduna com a proposta deste projeto.

Entendemos que as práticas de cuidado se originam e se desenvolvem em um certo lugar (Haraway, 1995), são marcadas por uma historicidade e pelas condições presentes e, então, o "bom" cuidado segundo esta autora, implicaria num fazer "com"12 - e é o que desenvolvemos com esse projeto. Se levarmos mais longe o sentido do fazer com, afirmamos que o cuidado é prática relacional e coletiva, envolve mais do que dois agentes: um que cuida e é ativo, outro que é cuidado e é passivo. Cuidar para o GAPsi é prática distribuída, isto é, envolve articular os mais diversos e heterogêneos atores, sejam eles humanos ou não humanos. Assim, no caso das pesquisas conduzidas pela filósofa e médica holandesa, trata-se de investigar as práticas de cuidado realizadas em um ambulatório de um hospital geral voltado para pessoas com uma doença crônica, a diabetes. Na perspectiva da autora, viver com diabetes é uma ação que exige cuidado, isto é, exige um trabalho de articular elementos tão heterogêneos quanto uma agulha, a insulina, o nível de açúcar no sangue, a vida social e amorosa da pessoa com diabetes, as meias e os sapatos a serem usados numa caminhada e mais uma série de outros elementos cuja articulação só pode ser tecida localmente. Cuidar envolve um trabalho, um esforço de fazer com que tais elementos se mantenham articulados, coesos. É nesse sentido que cuidar é prática relacional, envolve sempre mais do que um e, ao mesmo tempo, menos do que muitos. Em outras palavras, cuidar envolve mais do que uma pessoa, constituindo-se como prática coletiva. Isso não quer dizer que cuidar envolva muitos elementos, tomados como unidades díspares, isoladas ou como um conjunto de unidades discretas. Antes, é uma prática que envolve menos do que muitas unidades separadas, porque justamente o que está em jogo é a conexão entre tais elementos, as suas articulações, seus vínculos. Em última instância, a unidade mínima do cuidar é a relação, o vínculo entre elementos humanos e não humanos.

Assim, quando fazemos "com", buscamos uma simetria nas relações de cuidado, permitimos a construção coletiva e não pré-determinada, o reconhecimento do valor da experiência, das diferenças e uma aposta nas possibilidades do grupo de encontrar as próprias soluções para suas questões.

(...) o que podemos ver é que a simetria articula, na verdade, é uma harmonização e democracia das diferenças. O importante não é ser igual, é manter as diferenças; pois estas diferenças não se traduzem em desigualdades. Ao contrário, elas aparecem como a evolução inevitável das identidades. (Helayël-Neto, 2006)

Quando trazemos para nosso trabalho a inspiração da noção de simetria, advinda da física, acreditamos, em concordância com Helayël-Neto, que ela muito pode acrescentar ao campo de estudos das ciências humanas, no que corresponde ao trabalho com direitos humanos, mediação, deficiências e muito mais. Porque, como diz Latour (2012), não há como negar as assimetrias no mundo em que vivemos, o que interessa é, ao invés de pararmos em suas adjetivações, podermos substanciá-las, mapeá-las, seguir seus rastros, ver como se produzem. E mais, no caso específico de nosso trabalho, pensamos, marcar uma outra forma de produção de existência fomentada numa horizontalidade de poderes nas relações.

Essa potência de acreditar nas possibilidades do grupo ultrapassa a sala onde os encontros acontecem e permite que o grupo se apodere da responsabilização pelo cuidado de si. Mol (2008) enfatiza em seu trabalho que aquele que busca o cuidado nunca é passivo, ele é ativo no próprio cuidado, e mais que isso, é membro crucial da equipe de cuidado. Ao fazermos "com", apostamos nisso, num cuidado compartilhado que não ficará restrito à sala onde as oficinas acontecem, ao apoio de um coordenador de grupo ou a uma referência teórico-conceitual.

Com essa orientação no trabalho, gostaríamos de ressaltar a importância de afirmarmos o cuidado como um direito e como uma prática, de homens e mulheres, humanos que somos no reconhecimento de nossa condição de interdependência com os mais heterogêneos elementos. O cuidado assim é parte de uma condição ontológica, é nosso destino. E o fazemos, no GAPsi, numa clínica que se faz numa vida vivida, uma clínica de afetações, feita nos detalhes de uma vida cotidiana que se faz e refaz, vale repetir, com e nos seus detalhes, como expressa a ansiedade perante o novo expressa por Hortência e a identificação da importância se ser ouvida em coisas que não diz "lá fora", como ressalta Íris. Essas são expressões que nos fazem mais ou menos atentos a cuidar de forma coletiva e distribuída. Cuidar "com" e não "de". Cuidar como verbo e não substantivo (MORAES, 2011), eis aí a aposta de nossa ação.

 

3 Considerações finais

Em seu percurso, acreditamos que o GAPsi, até o presente momento, traduz a experiência de amadurecimento e transformação de uma prática psi no contexto universitário de múltiplas formas. Enquanto projeto de extensão, ele atende a diferentes demandas, integrando três componentes da educação universitária: a oferta à comunidade do que se produz com o saber acadêmico, o ensino, a partir do que o aluno aprende ao participar do projeto e a produção de novos conhecimentos a partir do contato entre a academia e a comunidade atendida.

Através dos conhecimentos adquiridos durante a formação acadêmico-universitária, é possível compreender e atuar como facilitadores das formações de redes que irão se desdobrar como suporte acadêmico-afetivo dos futuros cuidadores em psicologia, numa proposição política de fazer COM o outro. Não fazer sobre nem fazer para, fazer junto, compartilhando fazeres e dizeres. Entendemos que o cuidado não se restringe a uma prática clínica, mas a uma maneira de estar na profissão, no mundo, de olhar as relações e o que se produz a partir delas, quer seja em uma empresa, hospital, escola, na psicologia do esporte ou de trânsito, enfim, em qualquer desdobramento de um fazer.

A participação nesses grupos demonstra também a oportunidade de desenvolvimento de uma reflexão crítica sobre as experiências vividas, a responsabilização de seus atos, um engajamento maior para o cuidar de si, uma ampliação das possibilidades para superar as adversidades e um novo olhar para a realidade. Como nos disse Jasmim, ao término de uma oficina: "Naquele momento que estava "quadrada", eu vim ao GAPsi e isso fez com que identificasse a mim mesma (...) e mais, "Ouvir as experiências de outras pessoas, ouvir visões dos outros me ajudou."13 Estar próximo e ouvir histórias de pessoas que solucionaram questões similares que, por vezes, são encaradas pelos alunos como profundamente angustiantes e até mesmo sem saída, permitem ao aluno novas perspectivas para seus impasses, ampliando não só seu repertório de ações, mas principalmente, voltar a acreditar em suas possibilidades de superar angústias e criar suas próprias soluções, desenvolvendo redes sociais de apoio. Em última instância, estar em grupo, ouvir histórias de outros abre a possibilidade de se fazer novos laços, novos vínculos. Se o ingresso na universidade é, muitas vezes, experimentado como um rompimento com laços anteriores, o investimento do GAPsi é uma aposta na tessitura de novas conexões, no fortalecimento daqueles vínculos que existem e que, de uma forma ou de outra, produzem efeitos de pertencimento, seja ao curso de Psicologia, seja à Universidade.

Consideramos que produzir conhecimento e falar tanto sobre o cuidado quanto sobre o sofrimento dos alunos ingressantes na universidade possui pouca visibilidade nos sistemas de saúde. Por isso, a ação do GAPsi é uma afirmação política de fazer ver os pequenos acontecimentos, aquilo que não é valorizado pela produção científica tradicional e que é desvalorizado na produção do conhecimento acadêmico, é se colocar diante do que nos aparece e como aparece (Moraes et al., 2014), no caso deste projeto, a demanda dos alunos de graduação em Psicologia do IP/UERJ. É uma forma de atuar numa realidade que se mostra dentro da própria Psicologia e que não pode ser por ela ignorada. Descrever o nosso campo e torná-lo visível através da produção de conhecimento é uma forma de transformá-lo e alterá-lo em seu saber e seu fazer, constituindo-se, portanto, numa intervenção política.

O GAPsi caracteriza-se como um trabalho de prevenção e afirmação da vida, reconhecido pelos próprios alunos, recentemente, através de entrevista realizada para uma disciplina curricular. Além de ser um projeto que perpetua a noção de indissociabilidade entre pesquisa-ensino-extensão, ajuda a universidade pública a cumprir seu papel social, beneficiando todos os membros nela envolvidos. Para finalizar esse trabalho nos remetemos a mais uma pontuação de Remen(1998) sobre o ouvir,

Ouvir é o mais antigo e talvez o mais poderoso instrumento de cura. (...). Quando ouvimos, oferecemos com nossa atenção uma oportunidade para a integridade. Nossa atenção cria um santuário para as partes sem lar que existem dentro da outra pessoa. As que são negadas, desprezadas, desvalorizadas por ela mesma e pelos outros. As que estão ocultas. Nesta cultura, a alma e o coração com frequência ficam sem lar. (pp. 190-191).

Nosso trabalho inclui ouvir histórias, muitas histórias. E pelo que trouxemos aqui, esperamos ter deixado claro que ouvimos não no sentido de ficar passivo ao que vem de fora e sim o fazemos no intuito de multiplicar mundos. Ao ouvirmos, somos afetados pelo outro, afetamos o outro. Ouvimos como forma de tecer laços, mobilizar vínculos. Ouvimos como uma prática de cuidado.

 

Referências Bibliográficas

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Recebido em 08/12/2015
Aprovado em 27/04/2016

 

 

1 Nesse texto, não estabelecemos distinção entre ouvir e escutar, termos que recebem, por vezes, distinção no campo da Psicologia, pois, assim como Moraes et al, 2014, seguimos com Latour, 2007 e Haraway, 1995, o exercício de pensar fora de referências dualísticas, característica de uma forma de pensar própria de uma ciência "moderna".
2 Fala retirada do Diário de Campo de 19 de maio de 2015.
3 Escolhemos marcar as falas dos alunos com um tipo de letra diferenciado a fim de facilitar ao leitor sua identificação no corpo do texto.
4 A partir daqui sempre que nos referirmos ao título do projeto utilizaremos apenas a sigla "GAPsi".
5 Utilizamos essa expressão para marcar que trabalhamos com o que emerge como figura, numa relação perceptiva figura-fundo decorrente não apenas de uma percepção individual e sim uma figura que emerge no grupo, numa relação COM o outro, proposição de construção coletiva daquilo que aparece como demanda de acolhimento. Para ver melhor sobre o tema figura-fundo ver Perls, 1977; D'Acri, Lima e Orgler, 2007 e Ginger e Ginger,1995, dentre outros.
6 Link da página de Facebook do GAPsi: <https://www.facebook.com/gapsi.uerj?fref=ts.>.
7 Essa pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense/FM/UFF/HU, sob o parecer de número 827.956/2014.
8 Os nomes de alunos utilizados neste trabalho são fictícios com o intuito de preservá-los de eventuais exposições dentro da instituição. Escolhemos nomes de flores, ilustração que temos usado nas apresentações de nosso trabalho em PowerPoint, numa exploração da relação de interdependência destas com a chuva necessária a seu processo de crescimento.
9 Diário de Campo de 14 de outubro de 2014.
10 O Diário de Campo entra como uma forma de registro de pesquisa que inclui não só a anotação das falas dos alunos como também as percepções e afetações sofridas pela equipe, pois, como já apontamos anteriormente, acreditamos, seguindo a inspiração metodológica do PesquisarCOM, sermos todos atores numa pesquisa.
11 Tradução livre das autoras: "67% dos jovens do mundo que moram em grandes cidades se sentem solitários. Por este motivo, a depressão, as dependências, os suicídios. Há que ensiná-los a ter amigos. Há que ensiná-los a ter relações de parceria".Toro, B. http://www.youtube.com/all_comments?v=5nivihNqbXk em 30 de nov. 2013.
12 Indicação de um fazer que se refere ao "pesquisarCOM" cunhado por Márcia Moraes (2010) ao apresentar sua perspectiva acerca da relação entre pesquisador e seu objeto de pesquisa onde ambos se afetam mutuamente.
13 Fala retirada de um Diário de Campo de 09 de dezembro de 2014.

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