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Pesquisas e Práticas Psicossociais
versão On-line ISSN 1809-8908
Pesqui. prát. psicossociais vol.11 no.2 São João del-Rei maio/ago. 2016
Educação de Jovens e Adultos e Psicologia: intervenções e saberes
Youth and Adult Education and Psychology: interventions and knowledge
Educación de Jóvenes y Adultos y Psicología: intervenciones y saberes
Marivete GesserI; Adriana BolisII; Denise CordIII; Leandro Castro OltramariIV; Rafael PereiraV
IGraduação em Psicologia pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (2003), mestrado em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2004) e doutorado em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (2010). Professora Adjunta da Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: marivete@yahoo.com.br
IIGraduanda do curso de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: adribolis@gmail.com
IIIProfessora Doutora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: cord.denise@gmail.com.br
IVProfessor Doutor do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: leandrooltramari@gmail.com.br
VGraduando do curso de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: rafael.warren@hotmail.com
RESUMO
A Educação de Jovens e Adultos (EJA) tem a finalidade de garantir o acesso ao ensino para aquelas pessoas que foram sistematicamente excluídas da escola regular. Devido às especificidades dessa modalidade de ensino, a formação dos profissionais que nela atuam é de grande importância. Diante disso, o trabalho ora apresentado teve como objetivo contribuir, por meio da perspectiva da Psicologia Escolar Crítica, com a formação de professores e gestores para a atuação na EJA. Os trabalhos foram desenvolvidos ao longo de dois anos na modalidade de Plantão Institucional e abrangeram, inicialmente, um grupo de 20 professores de dois núcleos de EJA e, no segundo ano, os coordenadores de todos os núcleos do município (11 pessoas). Foi possível verificar a importância da criação de espaços formativos e de reflexão para a formação humana e técnica de professores e coordenadores, assim como para o alinhamento de práticas e saberes com a proposta político-pedagógica da EJA.
Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos; Psicologia escolar; Formação de professores.
ABSTRACT
The goal of Youth and Adult Education (EJA) is ensure access to education to that people who were systematically excluded of the regular education. The professionals' preparation to act in this area is very important, due to the specificity of this teaching mode. The present work aimed to contribute, through Critical Educational Psychology, with the formation of teachers and managers to act on EJA. The work was developed during two years in the mode of Institutional Shifts; during this period has included, initially, a group of twenty teachers of two EJA nuclei, and has evolved, on the second year, to all municipal centers' managers (11 people). It was possible to verify the importance of creating formative-reflective spaces for human formation and technical training for teachers and coordinators, as well as the alignment of the practices and knowledge with the political-pedagogical proposal of EJA.
Keywords: Youth and Adult Education, Psychology, Teacher training.
RESUMEN
La Educación de Jóvenes y Adultos (EJA) tiene por objeto garantizar el acceso a la educación para aquellas personas que han sido excluidas sistemáticamente de la escuela ordinaria. Debido a las características específicas de este tipo de enseñanza, la formación de los profesionales que trabajan en ella es de gran importancia. Por lo tanto, el trabajo presentado en este documento pretende contribuir, a través de la Psicología Escolar Crítica, con la formación de los profesores y directivos para actuar en la educación de adultos. El trabajo se llevó a cabo durante dos años en el modo de servicio institucional y cubría inicialmente un grupo de veinte profesores a partir de dos núcleos de EJA y en el segundo año, los coordinadores de todos los centros municipales (once personas). Fue posible verificar la importancia de crear espacios formativo-reflectantes para el desarrollo humano y técnico de los profesores, así como la adecuación de las prácticas y conocimientos con la propuesta político-pedagógica de la Educación de Jóvenes y Adultos.
Palabras clave: Educación de Jóvenes y Adultos, Psicología escolar, Formación de profesores.
Introdução
A Educação de Jovens e Adultos (EJA) tem se apresentado como um desafio e tem sido tema de uma série de publicações no Brasil. Esses estudos versam sobre a problematização dos índices de analfabetismo e do fracasso escolar via mecanismos de exclusão da escola (Santos, 2003; Davies, 2010; Friedrich, Benite & Benite, 2012); a situação de evasão de educandos da EJA (Pedralli & Cerutti-Rizzati, 2013); a "juvenilização" da EJA (Furini, Durand & Santos, 2011); práticas de letramento e processos de escolarização na EJA (Simões & Fonseca, 2015; Vargas & Gomes, 2013), e a formação de professores (Soares, 2008; Unesco, 2010, Laffin, 2011; Laffin, 2013).
Um estudo realizado por Schneider e Fonseca (2013), com o objetivo inicial de identificar a percepção dos professores sobre a inserção de jovens na EJA, identificou que as práticas escolares se caracterizam como espaços de inclusão e de exclusão de jovens e de adultos da educação básica, sendo que esse processo configura-se pelas tensões entre jovens e adultos no ambiente escolar.
O trabalho de Santos (2003), com base nas narrativas dos alunos egressos de um programa de EJA, buscou compreender as implicações que a vivência da exclusão precoce da escola e a de uma experiência de escolarização tardia produziram nas vidas de adultos das camadas populares, além de obter elementos para avaliar o papel da EJA como um mecanismo voltado à atenuação das consequências da exclusão social e promoção da cidadania. Como um dos resultados, identificou que, quando se consegue tornar a escola um lugar de acolhimento e ampliação da aprendizagem, a EJA se constitui como campo muito potente na ressignificação das identidades dos estudantes.
O trabalho ora apresentado visará contextualizar as intervenções e os saberes desenvolvidos ao longo de um trabalho na EJA, cujo objetivo foi o de fortalecer a formação continuada de professores e coordenadores dessa modalidade de ensino, visando à qualificação dos processos educativos. As ações foram realizadas ao longo dos anos de 2013 e 2014 por um projeto de extensão vinculado a uma Universidade Federal do sul do Brasil em parceria com a coordenação de Educação de Jovens e Adultos da Secretaria Municipal de Educação (SME).
O trabalho seguiu os princípios do Plantão Institucional (PI), o qual se caracteriza como uma modalidade de intervenção em Psicologia Escolar em que a equipe se dispõe a acolher demandas que, por vezes, são formuladas a partir de uma situação emergencial (Lerner, Fonseca, Sayão & Machado, 2014). Essa modalidade de trabalho potencializa a troca de experiências e propicia a reflexão e a criação de estratégias voltadas à compreensão e intervenção nas situações do cotidiano, considerando a complexidade de elementos que as constituem.
A estratégia do Plantão Institucional permite ainda, como apontam Pan, Zonta e Tovar (2015), que os participantes criem um espaço intersubjetivo de compartilhamento e ressignificação das queixas e dos problemas trazidos pelos participantes. Um dos resultados esperados consiste na produção de sínteses individuais e/ou coletivas capazes de engendrar novas ações, tanto dos participantes quanto da instituição da qual estes fazem parte.
Uma das questões fundamentais para as intervenções no Plantão Institucional é a possibilidade de os coordenadores acolherem, por meio da escuta, a queixa escolar dos participantes, ao mesmo tempo em que a fazem circular no grupo considerando suas múltiplas dimensões - pessoal, grupal e institucional (Machado, 2011). Lerner, Fonseca, Sayão e Machado (2014) afirmam que essa característica metodológica de intervenção contribui para a superação da forma comum de entendimento da queixa, a qual muitas vezes é compreendida como uma incapacidade momentânea de um sujeito, bem como para visibilizar as possibilidades de trabalho e as implicações desse fazer no contexto das práticas educativas.
O Plantão Institucional parte da ideia de produzir "encontros" para, a partir destes,
ter acesso às forças, às intensidades, presentes na formulação de uma queixa, de uma prática, de um fenômeno a ser investigado, de uma maneira de viver os acontecimentos. Para quê? Para, nessas forças, produzir encontros (somos forças também) que intervenham no enfraquecimento do grupal, do coletivo, entendendo como grupal um campo de problemas atravessado por questões sociais, políticas e desejantes. (Machado, 2006, p. 123)
Assim, pretende-se, com o Plantão Institucional, criar uma forma de trabalho na qual, por intermédio da dialogicidade e das reflexões circulantes, seja possível que os sujeitos, a partir de suas experiências expressas e das perguntas e dúvidas produzidas no contexto, ressignifiquem as queixas imobilizantes em novas possibilidades práticas de atuação.
Outro elemento central que é possível considerar no trabalho de formação de professores na modalidade de Plantão Institucional é a dimensão da subjetividade dos envolvidos no processo, compreendendo-se essa dimensão como constituída nas condições concretas de existência e na intersecção com os determinantes de classe social, raça, gênero, deficiência e demais marcadores sociais da diferença (Gesser, 2013). Isso é relevante porque, segundo Marcon, Prudêncio e Gesser (no prelo), quando o trabalho dos psicólogos não consegue atingir a dimensão da subjetividade, as políticas públicas, por mais que tragam avanços, não são incorporadas às práticas pedagógicas.
Diante do modo como se configura o Plantão Institucional, pode-se afirmar que essa modalidade de formação de professores caracteriza-se como um dispositivo não medicalizante de atuação do psicólogo na formação de profissionais da educação que atuam na EJA, uma vez que leva em conta a complexidade de elementos constituintes dos fenômenos presentes nas escolas. A medicalização consiste em um processo no qual questões históricas, políticas, culturais, econômicas e afetivas de um determinado fenômeno são reduzidas a supostos transtornos, doenças do indivíduo (Moisés & Collares, 2013; Guarido, 2010).
Destaca-se que, para romper com as práticas medicalizantes dos fenômenos no âmbito da educação, é necessário ter uma concepção crítica de educação e de psicologia escolar (Meira, 2000). Esta se caracteriza principalmente pelo rompimento com o modelo médico, o qual tende a compreender fenômenos complexos - entre eles as dificuldades de aprendizagem e de comportamento - como características intrínsecas ao indivíduo (Antunes, 2008). Além disso, a perspectiva crítica de Psicologia propõe que os fenômenos relacionados ao contexto escolar sejam compreendidos como complexos e multideterminados, sendo consideradas as dimensões históricas, culturais, institucionais e políticas que os constituem.
Diante desse cenário, é de grande relevância a atuação da Psicologia Escolar na Educação de Jovens e Adultos. No próximo tópico, serão apresentadas as estratégias metodológicas utilizadas para a realização dos encontros na modalidade de Plantão Institucional.
Método
Para contextualizar melhor a experiência ora apresentada, cabe primeiramente explicitar a organização da EJA no município em que a proposta foi implementada. A EJA tem como proposta a garantia da educação em um sentido amplo, com "um currículo onde conteúdos procedimentais e atitudinais são tão ou mais importantes que os conceituais" (SMEF, 2009, p. 7). Baseada nessa perspectiva de currículo, nesse município a EJA consolidou sua proposta curricular institucionalizando a Pesquisa como Princípio Educativo.
Visando adequar a modalidade de ensino à realidade dos sujeitos da EJA, a Pesquisa como Princípio Educativo prevê que o acesso ao conhecimento se dê por meio de pesquisas realizadas pelos estudantes, com temas do seu interesse, partindo do seu conhecimento prévio (Bolis, Cord, Oltramari & Gesser, 2015). O trabalho dos professores das diversas disciplinas - Português, Matemática, História, Artes, Educação Física, etc. - é realizado em conjunto na sala de aula, visando a uma atuação profissional interdisciplinar.
A forma como a EJA é estruturada no município é coerente com a proposta idealizada. A estruturação em núcleos que operem nos bairros tem o intuito de facilitar o acesso aos estudantes. Assim, a EJA é composta por 11 núcleos distribuídos por bairros da cidade, de maneira a estar localizada próxima da população. Cada núcleo é composto por um coordenador e em média dez professores de diversas disciplinas, sendo que pelo menos um destes é professor alfabetizador. Alguns núcleos têm ainda uma segunda unidade de funcionamento, conhecida como "polo", que visa facilitar ainda mais o acesso aos estudantes por se localizar em pontos remotos dos bairros. Essas unidades costumam ser instaladas em centros comunitários ou em salas cedidas por organizações sindicais ou religiosas, havendo um polo que funciona em um barracão de coleta de material reciclado, por exemplo.
No que se refere à organização do trabalho, a gestão é distribuída entre os coordenadores dos núcleos. A atribuição do coordenador é a de gerir o grupo de professores, coordenar as ações interdisciplinares e promover a formação continuada em serviço, organizando e conduzindo as reuniões de planejamento, mediando os conflitos. Ademais, o coordenador também é responsável por gerir os recursos, gerenciar as matrículas e formaturas, acompanhar os alunos em suas trajetórias, divulgar a EJA no bairro em que o núcleo se insere, entre outras atribuições que podem ser delegadas aos professores, por estar sob o mesmo princípio do trabalho compartilhado.
Para gerir todos os núcleos, há a equipe da coordenação geral da EJA no município, que, além das atribuições administrativas e burocráticas, promove ainda encontros mensais de formação continuada com os professores e coordenadores de todos os núcleos, encontros regionais em que se reúnem as equipes de três a quatro núcleos, e a formação de coordenadores, na qual os autores deste artigo têm tido importantes contribuições, por meio da coordenação dos Plantões Institucionais.
O trabalho foi desenvolvido ao longo dos anos de 2013 e 2014. No primeiro ano, o Plantão Institucional foi realizado com professores de dois núcleos da EJA, totalizando 20 professores participantes. Já no ano de 2014, por solicitação da coordenação geral da EJA, o trabalho foi realizado com 11 coordenadores de todos os núcleos.
Em relação à periodicidade, os encontros ocorreram uma vez por mês, totalizando oito encontros por ano para cada um dos grupos. Quanto ao local e à duração, os encontros foram realizados na sala de grupos do Serviço de Psicologia da Universidade e duravam entre 2h30min e 3h.
No que se refere à operacionalização do trabalho, em ambos os grupos esta foi iniciada com um mapeamento das necessidades. No grupo dos professores, em 2013, foram contempladas as seguintes questões: 1. Quais são suas significações sobre a EJA? 2. Como vocês definiriam os sujeitos da EJA? 3. O que vocês pensam sobre o trabalho que desenvolvem na EJA? 4. Como vocês avaliam a relação entre professor e estudantes na EJA? 5. Como vocês organizam as práticas educativas? Já no grupo dos coordenadores, além das questões relacionadas à percepção deles acerca dos estudantes e professores, foram investigados também aspectos relacionados à gestão dos núcleos, além de questões institucionais.
Esse mapeamento foi sendo continuamente revisado, em uma perspectiva de acolhimento dos desafios enfrentados no cotidiano desses profissionais. A partir da identificação dessas necessidades, foram planejados os Plantões Institucionais. Assim, cada encontro poderia trazer novos objetivos e necessidades que deveriam ser abordados no próximo, mas sem perder o objetivo maior das ações, que era a formação continuada desses profissionais.
No que se refere às estratégias, foram utilizadas principalmente técnicas de grupos, algumas de base psicodramática como Role Play, ou ainda a partir de produções individuais e em grupo de painéis ou estruturas formadas com sucatas. Os trabalhos foram desenvolvidos por pequenos grupos de discussão com tarefas definidas para posterior compartilhamento com o grupo maior. Esta proposta teve um caráter formativo-reflexivo tanto para o grupo de professores quanto para o de coordenadores.
O que chamamos de formação reflexiva tem uma relação direta com uma concepção do professor como sujeito e de sua formação como necessidade de refletir sobre a prática diária, visando identificar possibilidades de aprimoramento profissional (Ponce, 1996). Esse processo foi incessantemente incentivado nos grupos, especialmente porque os integrantes do projeto haviam se referido às atividades de formação continuada oferecidas pela SME como repetitivas em termos de conteúdo e bastante distanciadas dos reais desafios do seu cotidiano de trabalho. Cabe ressaltar que a ideia de cotidiano já tem sido explorada como um dos fundamentos especiais do bom desenvolvimento do conhecimento e da pesquisa, conforme aponta Spink (2008).
Assim, as situações trazidas pelos participantes nos PIs - referentes às dificuldades que eles enfrentavam no cotidiano da sala de aula ou da coordenação dos núcleos - eram problematizadas com o intuito de desafiá-los a construir novas estratégias de lidar com os fenômenos reproduzidos no cotidiano, sempre voltadas à perspectiva da construção de processos educativos inclusivos. Ademais, ao longo do desenvolvimento do trabalho, buscava-se ampliar a compreensão dos fenômenos presentes no contexto da EJA, sendo que estes, no início do trabalho, tendiam a ser compreendidos pelos participantes a partir de uma perspectiva individual. Todavia, à medida que o trabalho era desenvolvido, buscava-se trazer as dimensões grupal e institucional que os constituíam, conforme proposto por Machado (2011).
No segundo ano de trabalho, somente com os coordenadores, acrescentamos uma estratégia, desenvolvida a partir do segundo semestre de 2014. No fim de cada encontro estabelecíamos uma tarefa para eles realizarem e trazerem no encontro seguinte ou nos enviarem. Assim conseguimos otimizar o tempo dos encontros, além de comprometer os participantes com o encontro seguinte e mantê-los aquecidos para a temática durante suas vivências no cotidiano dos núcleos.
Resultados e discussão
No que se refere ao trabalho realizado em 2013 com os professores, com base no processo de mapeamento das necessidades, identificou-se que as principais questões deles estavam relacionadas às dificuldades em trabalhar com o público da EJA devido ao perfil dos estudantes, considerados pelos professores como mais "difíceis" do que os da escola regular.
Essas informações foram coletadas a partir de uma vivência na qual os professores, divididos em três subgrupos, interpretavam "cenas" que caracterizassem os sujeitos da EJA em situações de ensino e aprendizagem. Para tanto, eles se dedicaram a compor personagens e fizeram a cena fluir, caracterizando o que eles consideravam o "perfil" de estudantes da EJA. Muitas das cenas compunham "caricaturas" de comportamentos estereotipados, como o estudante violento, ou como aquele que somente transgredia as normas da escola. Entendemos que essas formas de representar os estudantes se estruturam como "queixas" ou discursos queixosos da escola sobre os estudantes (Machado, 2011).
Ao refletir sobre o conteúdo dramatizado, problematizou-se o fato de que a realidade social dos estudantes era vista como atravessamentos desafiadores, pois vários deles chegavam às aulas muito cansados depois de jornadas exaustivas de trabalho, muitos desistiam por não ter com quem deixar os filhos, alguns se encontravam em situação de liberdade assistida, entre outras peculiaridades. Além disso, as diferenças geracionais entre alunos mais "maduros" e os adolescentes que "não queriam estudar" tensionavam muito as discussões. Cabe lembrar que a EJA acolhe estudantes a partir de 15 anos e em média até 70 anos de idade. No segundo semestre de 2013, as temáticas estiveram mais voltadas ao método de ensino e ao processo de avaliação dos estudantes, com a preocupação de se considerá-los e seus modos de aprendizagem de forma singular. Isso porque, chegando ao fim do ano, eles precisariam avaliar os estudantes para formalizar as certificações, e ficou evidente, para o próprio grupo, como essas avaliações eram influenciadas pela subjetividade dos professores.
Já no fim de 2013, o foco nas questões institucionais - que interferiam na operacionalização da proposta pedagógica da EJA - e na necessidade de se trabalhar com a gestão foi ganhando evidência, visto que uma das questões que ao término de cada ano letivo mobiliza muitos professores é o caráter temporário de seus contratos. A maioria deles são professores em exercício temporário de um ano, o que faz com que não saibam se vão ou não trabalhar no mesmo lugar, mesmo que se identifiquem com o trabalho, pois precisam participar de novo processo seletivo anualmente, sem garantias de alocação na mesma escola.
Em 2014, trabalhou-se com os coordenadores de todos os núcleos e identificaram-se como questões do grupo a necessidade de discutir sobre aspectos relacionados à gestão da EJA na Secretaria Municipal de Educação e a apropriação da proposta político-pedagógica pelos seus atores. Nesse sentido, questões como a gestão das equipes de professores e a sua formação continuada, a definição do trabalho dos coordenadores dos núcleos e sua formação humana e técnica para a função foram as principais temáticas desenvolvidas ao longo do ano.
A fim de instrumentalizar os coordenadores para a solução de problemas, procurou-se promover a visualização das potencialidades e desafios nos âmbitos Individual, Grupal e Institucional, possibilitando identificar as áreas mais demandantes por intervenção. Para isso foram construídos, numa plotagem de 1,20 m por 0,80m, três círculos que tinham tamanhos diferentes e que estavam um no interior do outro, objetivando que fosse possível perceber distintas dimensões da realidade do trabalho de coordenador de núcleo. Foi então solicitado que eles elencassem características facilitadoras e dificultadoras de sua gestão nos três níveis. Foi possível observar que essa atividade potencializou a reflexão do grupo exatamente por propiciar um olhar sobre os aspectos subjetivos do exercício do papel de coordenador de núcleo e como era necessário superá-lo para alcançar resultados que refletissem o planejamento institucional da EJA. Segundo a avaliação dos participantes, os encontros caracterizaram aspectos de angústia e potência coletiva, possibilitando a emergência de estratégias singulares e coletivas de intervenção que se fizeram notar no cotidiano da prática pedagógica dos núcleos por eles coordenados e nos encaminhamentos feitos pela coordenação geral da EJA no município.
Tanto os encontros com os professores como também os com os coordenadores foram positivamente avaliados pelos participantes, uma vez que possibilitaram uma rica troca de experiências entre eles. No caso dos coordenadores, identificou-se que o trabalho contribuiu para a redução da sensação de isolamento e de solidão diante dos problemas cotidianos, na medida em que possibilitou o alinhamento de estratégias e ações para o enfrentamento das diferentes problemáticas vivenciadas nos núcleos.
Outro resultado alcançado a partir da abordagem Plantão Institucional foi a capacidade de criar um espaço dialógico de produção de conhecimento atrelado ao universo afetivo de todos os participantes (Pan, Zonta & Tovar, 2015). As inseguranças, os medos e mesmo dúvidas com relação às intervenções foram sempre entendidos como parte fundamental da produção de resolução dos problemas. Assim, aquele que postulava sua dúvida tinha nos colegas de grupo os potenciais sujeitos que iriam lhe auxiliar a resolver a própria questão. Para isso, primeiramente a "Queixa" era aceita no Grupo e pela coordenação do PI como uma queixa legítima e que precisava ser discutida (Machado, 2011). O campo intersubjetivo criado fez com que os sujeitos saíssem de uma suposta inércia técnica para procurarem, a partir dos discursos trazidos por eles próprios, sua resolução. Com isso, a intervenção ganhou organicidade e os participantes foram cada vez mais incorporando em seus problemas as suas possíveis soluções.
Destaca-se que o trabalho com os professores e coordenadores, conforme o proposto por Gesser, Oltramari, Cord e Nuernberg (2012), foi realizado visando ao acolhimento das dificuldades enfrentadas cotidianamente por eles. Dessa forma, conseguiu-se romper com a racionalidade instrumental que, segundo Sawaia (2005), produz a dissociabilidade entre as dimensões do pensar, sentir e agir. Ademais, avaliou-se que foi conseguido, conforme propõem Lerner et al. (2014), manter a coerência das estratégias propostas com os princípios do dispositivo do Plantão Institucional. Um dos pontos fortes do trabalho foi o papel potencializador de mudanças no nível da gestão da EJA no município. Muitos dos problemas emergidos nos PIs foram posteriormente discutidos e trabalhados com os professores em encontros regionais e gerais, que constituem um espaço importantíssimo de formação continuada tanto de professores como de coordenadores, organizado pela Coordenação Geral de EJA da Secretaria Municipal de Educação (SME).
Cabe ressaltar ainda o caráter de acolhimento que os Plantões Institucionais representaram para os participantes, bastante evidente em seus relatos. Os desafios da atuação profissional em educação no Brasil já são em si bastante ansiogênicos e, quando levamos em conta as particularidades da Educação de Jovens e Adultos, temos que considerar que essa modalidade sofre constantemente com seu caráter "temporário" de solução para o analfabetismo no País. Trabalhar com EJA se desvela como uma luta política, que se expressa no cotidiano militante de cada um de seus atores (alunos, professores e coordenadores). Nesse sentido, promover um espaço de reflexão, de compartilhamento e de problematização dos saberes e dos fazeres é também uma forma de fornecer continente às angústias geradas no processo de se (re)constituir coordenador ou professor de EJA.
Considerações finais
Nesses dois anos de trabalho, foi possível identificar alguns pontos importantes, os quais corroboram o êxito do PI. Um deles se refere à aposta da Secretaria Municipal nessa modalidade de intervenção em Psicologia Escolar, fazendo com que os encontros fossem considerados horas de trabalho para a formação tanto dos professores quanto dos coordenadores. Outro ponto está relacionado ao enriquecimento dos encontros com problemáticas das mais diversas, trazidas pelos participantes, desde as dificuldades com os estudantes até os desafios em construir e compartilhar leituras e práticas interdisciplinares, no caso dos professores.
Em relação ao trabalho com os coordenadores, destaca-se que eles puderam expressar as dificuldades em liderar uma equipe ou mesmo cobrar dos profissionais que eles desenvolvessem suas atribuições com zelo e criticismo, de acordo com a proposta pedagógica da EJA no município, bem como construir estratégias de enfrentamento dessas dificuldades.
Outro aspecto a considerar é que, a partir das intervenções, identificamos mudanças na prática profissional dos sujeitos. No caso do trabalho realizado em 2013 com os professores, este contribuiu para um deslocamento da queixa escolar (de centrada no estudante para centrada nas relações). Em relação à SME, identificamos que, com base no trabalho realizado em 2013, houve uma mudança que se refere ao oferecimento de cursos de formação continuada para os professores da EJA no ano de 2014, de modo que estes estivessem mais afinados com a proposta político-pedagógica da EJA e com os desafios cotidianos de sua consolidação. Houve alguns problemas nos quais não foi possível intervir, mas que foram objetos de discussão e reflexão por parte do grupo. Dentre outras, destacam-se as questões institucionais que dificultam a realização de um trabalho mais permanente na EJA, como, por exemplo, a modalidade de contratação dos professores - que são, quase em sua maioria, temporários, o que causa vários conflitos decorrentes da descontinuidade dos trabalhos.
Ao longo do desenvolvimento dos Plantões Institucionais, foram se evidenciando as costuras entre os saberes-fazeres de cada núcleo de EJA, e entre os discursos e práticas de cada um dos níveis de funcionamento dessa Política Pública. Com as intervenções, foi possível que coordenadores, professores e estudantes, paulatinamente, se envolvessem em ações mais integradas entre si, alinhavando objetivos e metodologias, buscando coerência com a proposta político-pedagógica. Ficou evidente um funcionamento mais orgânico da EJA como um todo, em que cada núcleo conservou sua particularidade, assim como cada sujeito que a compõe, tornando possível (e agora incentivando) um diálogo entre eles.
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Recebido em 15/02/2016
Aprovado em 16/07/2016