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Pesquisas e Práticas Psicossociais
versão On-line ISSN 1809-8908
Pesqui. prát. psicossociais vol.12 no.1 São João del-Rei jan./março 2017
Internet, cultura do consumo e subjetividade de jovens
Internet, consumer culture and young people's subjectivity
Internet, cultura del consumo y subjetividad de jóvenes
Marisa Irene Siqueira CastanhoI; Terezinha José Inácio ZorzimII
IDocente e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Educacional, Linha de Pesquisa Processos Educacionais e Contexto Social e Político. Centro Universitário FIEO, Osasco, São Paulo. marisa.irene@unifieo.br
IIMestranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Educacional, Linha de Pesquisa Processos Educacionais no Contexto Social e Político. Centro Universitário FIEO, Osasco, São Paulo. terezinha.zorzim@unasp.edu.br
RESUMO
O objetivo deste artigo é o de apresentar resultados de uma pesquisa sobre a influência dos meios de comunicação - mídia-internet - na construção de subjetividades de jovens universitários com idade entre 18 e 29 anos. Foram analisados os conteúdos e as expressões trazidas por eles em questionários e em um espaço de conversação na modalidade de grupo focal. Os resultados mostram um perfil de jovem usuário da telefonia celular e de seus aplicativos como meios de comunicação; as vivências e experiências diante dos apelos midiáticos das tecnologias e das novas mídias marcam uma realidade na contraposição entre dois mundos, o "real" e o "virtual"; tais ambivalências não são negadas pelos participantes, que se dão conta de serem influenciados pelas mídias em sua vida diária, nas suas formas de relacionamentos e hábitos de consumo. Ao mesmo tempo, eles afirmam não se submeterem totalmente aos apelos consumistas facilitados pelas mídias, mas reiteram não ser possível vislumbrar um mundo sem internet.
Palavras-chave: processos psicossociais; subjetividade; jovens universitários.
ABSTRACT
This article aims to present the results of a research on the influence of the means of communication - the internet - in the subjectivity building of young university students aged 18-29 years. The contents and expressions used by these young people in questionnaires and in a focus group modality space where analyzed. The results present a profile of young users of cell phones and their applications as media; their usages and experiences with the appeals of technologies and new media point out a reality that contrasts two worlds, the "real" and the "virtual" one; such ambivalences are not denied by the participants, once these young people realize that they are influenced by the media in their daily lives and in their relationships and consuming habits. At the same time, they state that they are not totally subjected to the consumer appeals of the media, but emphasize that it is not possible to envisage a world without internet.
Keywords: psychosocial processes; subjectivity; college students.
RESUMEN
Este artículo pretende presentar los resultados de una investigación sobre la influencia de los medios de comunicación - internet - en la construcción de la subjetividad de jóvenes estudiantes universitarios de 18 a 29 años. Los contenidos y expresiones utilizados por estos jóvenes en cuestionarios y en un espacio de grupo de enfoque fueran analizados. Los resultados presentan un perfil de jóvenes usuarios de teléfonos celulares y sus aplicaciones como medios de comunicación; las vivencias y experiencias frente a las apelaciones de las nuevas tecnologías mediáticas marcan una realidad que contrasta dos mundos, el "real" y el "virtual"; tales ambivalencias non son negadas por los participantes, una vez que estos jóvenes se dan cuenta de que están influenciados por los medios de comunicación en su vida cotidiana y en sus relaciones y hábitos de consumo. Al mismo tiempo, afirman que no están plenamente sujetos a las apelaciones consumistas facilitadas por los medios de comunicación, pero reiteran que no es posible imaginar un mundo sin internet.
Palabras clave: procesos psicosociales; subjetividad; estudiantes universitarios.
Introdução
Uma pesquisa realizada com um grupo de jovens universitários sobre o uso de recursos tecnológicos, mídias e internet permite apresentar alguns resultados a respeito das influências desses meios na vida cotidiana, relações interpessoais e hábitos de consumo. O objetivo foi levantar informações que, por um processo construtivo-interpretativo de análise, possibilitassem uma aproximação aos sentidos produzidos por esse grupo a respeito das tecnologias e novas mídias a partir de suas experiências diante dos apelos midiáticos característicos da sociedade de consumo e que marcam uma realidade na contraposição entre dois mundos, o "real" e o "virtual".
As mídias alcançaram um lugar dominante no diaadia das pessoas, criando demandas e orientando costumes, incluindo em seu papel a divulgação de produtos, desempenhando a função de criar hábitos, modos de viver e de pensar (Barroso, 2006). Pode-se falar em uma "revolução" causada pela internet, tal a transformação radical nos processos de comunicação que ela provoca (Bessa, 2011). Para Santaella (2007, p. 214), no mundo "ciber", a grande metáfora é a dos universos paralelos: de um lado, o mundo real, e do outro, o mundo virtual. Santaella (2007) e Sypier (2007) afirmam que estar e não estar simultaneamente no ciberespaço demanda a construção de subjetividades duplas possíveis na interatividade entre o real e o virtual.
Uma preocupação que se apresenta neste estudo diz respeito a como se organizam os processos de subjetivação mediante o conteúdo apresentado pela internet, pelo acesso às tecnologias e mídias digitais. Interessou a esta pesquisa saber como o jovem age e reage, configurando sua existência perante o mundo atual da indústria da informação, da mídia digital - internet-, do consumo de bens culturais, de lazer, de moda e outros, dos relacionamentos interpessoais "midiatizados". Enfim, interessa saber como os jovens constroem sua subjetividade considerando as demandas e tensões características desse contexto atual.
A subjetividade como marca individual constitui-se no contexto histórico e cultural. O indivíduo vive na sociedade e é nesse contexto que ele produz novos sentidos e significações. Ao mesmo tempo, as ações do sujeito constituem um dos elementos essenciais das transformações da subjetividade social. Ou seja, a subjetividade individual e a subjetividade social ocorrem em momentos diferentes de um mesmo sistema, desenvolvem-se de forma processual e indissociável e se constituem de maneira recíproca (González Rey, 2005, 2007).
A história de vida, embora seja singular, não é um processo interior independente da sociedade, pois o social constitui o subjetivo. Na sociedade contemporânea, caracterizada pela predominância das tecnologias da informação, pela realidade virtual, pela interação mediada pelas máquinas, o processo de identificação é mediado por imagens produzidas para a massa (Salles, 2005). Para Campos e Souza (2003), a contemporaneidade tem se caracterizado pelas relações de produção e de consumo permeando as interações sociais em um processo acompanhado de mudanças nas relações estabelecidas entre adultos e crianças, bem como do surgimento de uma nova produção da subjetividade em função da organização do cotidiano.
Lipovetsky e Serroy (2011, p. 42), analisando a cultura do mundo atual, caracterizam-na como a "cultura mundo" e afirmam que a técnica, ao invadir o planeta, estende-se a todos os domínios da vida, pela difusão instantânea das redes eletrônicas. A técnica, que antigamente era englobada pelas civilizações, tornou-se elemento estruturante que se infiltra em todas as dimensões da vida social, cultural e individual, trazendo consigo, para todos, maneiras de ser, de pensar, de viver. Ela é cultura global, é síntese.
Estudos como os de Silveira (2004) e Nicolaci-da-Costa (2005; 2006) analisam a influência da subjetivação e os impactos psicológicos em usuários da web, das salas de chats, das telefonias móveis, ressaltando a sensação de proximidade, de fazer parte da mesma turma eletrônica em uma prática na qual não há lugares nem tempo determinado para nada. Tudo passa fluido e liso, como é característico da pós-modernidade.
Este estudo integra-se às investigações sobre o perfil do jovem contemporâneo no que concerne ao uso das tecnologias, concordando com a afirmação de Birman (2000) de que a subjetividade é uma das matérias-primas do campo da educação e é em torno dela que os operadores e a engrenagem desse campo giram com suas práticas e seus propósitos.
Procedimentos metodológicos
A pesquisa desenvolveu-se em duas etapas, a partir de uma abordagem epistemológica qualitativa com base em González Rey (2005, 2007, 2011), visando a uma aproximação ao fenômeno analisado por meio da apreensão das significações produzidas pelos sujeitos diante da realidade vivida.
Na primeira etapa, a aplicação de um questionário,1 composto por questões abertas e fechadas, possibilitou construir o perfil sociodemográfico do grupo de 27 alunos de um curso de Psicologia (noturno) de uma instituição particular de ensino superior2, participantes da pesquisa. As questões abertas permitiram levantar informações sobre o tema de interesse: questões específicas acerca da utilização da mídia internet, hábitos de consumo, vivências e relacionamentos interpessoais mediados pelas tecnologias.
Na segunda etapa, foi criado um espaço de conversação na modalidade do grupo focal (Barbour, 2009). Para isso, foram escolhidos oito alunos dentre os 27 participantes. O critério para a escolha foi o de completude e qualidade de respostas do questionário. Entendeu-se que esse critério de inclusão se aproxima da consideração de Gatti (2012, p. 7), ao afirmar que um grupo focal "é um conjunto de pessoas selecionadas e reunidas por pesquisadores para discutir e comentar um tema, que é objeto de pesquisa, a partir de sua experiência pessoal". As respostas em branco no questionário ou excessivamente lacônicas foram consideradas como indicativas de pouca abertura ou disponibilidade para tratar do tema.
Foi realizada uma sessão de grupo focal cuja dinâmica das conversações se desenvolveu por meio de questões abertas projetadas em meio multimídia, formuladas tendo por base os principais conteúdos das respostas nos questionários. Assim, discutiu-se sobre as seguintes temáticas prévias: o jovem e sua apropriação dos recursos tecnológicos; o jovem, as tecnologias e seus relacionamentos sociais e interpessoais; o jovem, as tecnologias e o relacionamento familiar; o jovem, as tecnologias e a aprendizagem e o jovem, as tecnologias e o consumo pela internet. Como questionamento final foi feita a pergunta: como você acha que seria o mundo, hoje, sem a internet?
Os conteúdos e expressões dos participantes, trazidos tanto nos questionários como no grupo focal, foram transcritos e analisados de modo a se identificarem os indicadores (González Rey, 2011) que, por processo de aglutinação por semelhança, complementaridade ou contradição, se constituíram em núcleos de significação (Aguiar & Ozella, 2013), num processo interpretativo rumo às aproximações dos sentidos que os jovens constroem sobre si, perante as tecnologias e novas mídias, seus relacionamentos interpessoais e o consumo.
Resultados e Discussões
Os dados do questionário aplicado permitiram descrever o grupo quanto ao sexo, faixa etária, estado civil e local de residência.
Preencheram o questionário 24 mulheres, representando 88% dos respondentes, e 3 homens, 12%; quanto à faixa etária, 23 (85%) têm entre 18 e 23 anos, e 4 (15%), entre 24 e 29 anos; quanto ao estado civil, 23 (85%) são solteiros, 3 (11%) são casados e 1 (4%) declara outra situação; quanto ao local de residência, apenas 2 (8%) são residentes fora do município de São Paulo e estão na instituição em regime de internato.
Quanto ao nível de escolaridade dos pais desses jovens, as mães têm escolaridade um pouco mais elevada que os pais: 10 (37%) pais e 8 (29%) mães têm ensino fundamental, completo ou incompleto; 9 (33%) pais e 11 (40%) mães têm ensino médio completo ou incompleto; 3 (11%) pais e 5 (18%) mães têm ensino superior completo ou incompleto; somente 1 (4%) mãe tem pós-graduação e 1 (4%) pai tem ensino técnico.
Quanto à profissão dos pais, exercem profissões qualificadas 8 (30%) pais (funcionário público, auxiliar administrativo, polícia civil, gerente de compras, assistente técnico de ferramentas, técnico em eletrônica, vendedor no comércio e gerente da Sabesp) e 9 (34%) mães (auxiliar administrativa, administradora de empresas, professora, advogada, agente comunitária de saúde, tesoureira de caixa e teleoperadora). São trabalhadores não qualificados 2 (7%) pais (segurança e ajudante geral) e 12 (44%) mães (babá, doméstica, dona de casa e ajudante geral de cozinha); são autônomos 8 (30%) pais (eletricista, motorista, açougueiro, pedreiro e outros) e 2 (7%) mães (vendedoras de bijuterias, outros). A renda familiar declarada pelos respondentes não ultrapassa três salários mínimos e a maioria dos alunos não trabalha e depende dos pais para o próprio sustento.
A trajetória acadêmica dos alunos, anterior ao atual curso superior, é de formação em rede pública, com baixo índice de reprovação. Esse perfil condiz com o de jovens provenientes de classes populares que têm prolongado seu tempo de escolarização quando comparados aos membros das próprias famílias, o que implica, segundo Aguiar e Ozella (2013), elementos significativos de seus motivos e necessidades. Estudos atuais, segundo Zago (2006), mostram uma tendência de reação de famílias populares de encontrarem na educação meios de ascensão social, o que tem levado jovens de classes menos favorecidas a buscar no ensino superior superação de desvantagens sociais. Confirmam essa suposição a constatação do nível de escolaridade dos pais e mães e as profissões exercidas.
Quanto ao uso de recursos tecnológicos, os respondentes indicam que o mais utilizado é o telefone celular, correspondendo a 37% das afirmações, seguindo-se o computador, em 33% das respostas. O índice constatado da utilização do celular coincide com a afirmação de Las Casas (2009, p. 83) de que os jovens, particularmente os universitários, "não só formam o conjunto de pessoas que mais têm celular, como são os que mais os utilizam como entretenimento e meio de socialização". Em relação a motivos e necessidades, pode-se apreender das respostas que o celular e o computador são os recursos tecnológicos mais utilizados para fins acadêmicos e de comunicação, embora os respondentes não deixem de apontar seu uso como lazer.
Em relação ao tempo de permanência na internet, o maior índice de respostas foi a alternativa cuja média é de 3 a 5 horas e o sentimento de satisfação após o uso, acrescido da vontade de continuar navegando após esse período. Esse é um resultado similar ao encontrado por Silveira (2004) sobre a satisfação do usuário ao trocar e-mails, colocar opiniões nas discussões da web e acessar as salas de chats.
Quanto ao tipo de conteúdo e atividades, os respondentes afirmam serem atraídos pelas redes sociais e notícias como uma forma de manter os relacionamentos, conectarem-se com a família, manterem-se informados e atualizados. Para eles, os relacionamentos garantidos pelas redes sociais contribuem para manter a aproximação com familiares e amigos, na falta de tempo de contatos pessoais.
Quando questionados em relação às influências que sofrem a partir da exposição à internet e mídia e como isso ocorre, 19 (70%) responderam haver influência, mesmo que moderada, nos relacionamentos, na moda, no vocabulário e na linguagem, por meio das notícias e propagandas, chegando a se sentirem dependentes. Mesmo assim, chamam atenção os 8 (30%) jovens que resistem em afirmar sobre as influências da internet e mídia em seus comportamentos e atitudes.
Esse conjunto de respostas indica uma participação no mundo atual influenciada pelas transformações nos processos de comunicação (Bessa, 2011); no entanto, os respondentes parecem querer imprimir uma marca de singularidade pautada no estilo moderado no uso dos recursos tecnológicos e das redes sociais, condizendo com a afirmação de Silva (2009) de que a subjetividade é o processo de tornar único e singular o que é universal.
O jovem não é o único membro da família a utilizar a mídia digital, pois são usuários outros membros, com maior índice de utilização por pai, mãe e madrasta, em 37% de respostas, seguidos por outros membros da família, como filha, tio, tia, avó, primo, irmãos, em 30% de respostas. Esses dados confirmam que as tecnologias estão presentes na vida das pessoas de forma intensa. Essa informação se contrapõe a estudo de Verza (2008), que investigou a trajetória do uso do telefone celular na intimidade dos lares no Brasil, Espanha, Índia, África do Sul e Noruega, do qual participaram 8.995 crianças com idade entre 12 e 16 anos e 4.381 pais. O resultado revelou que é uma tendência dos pais, nesses países, mostrarem-se menos interessados em envolver-se com aparelhos midiáticos do que seus filhos, e que a preferência dos filhos era trocar informações por meio desse aparelho com os amigos.
Em suas respostas, os participantes desta pesquisa demonstram ter consciência de que a internet atrapalha o relacionamento familiar (38% de respostas), pois dificulta a interação e a atenção, impede a comunicação, toma o tempo que deveriam dedicar aos membros da família e causa falta de sintonia com o que está ocorrendo ao redor.
Quanto ao círculo de relacionamentos mais amplos, com os amigos, as respostas apontam que a internet facilita e complementa a comunicação quando não é possível o encontro pessoal. Em 20 (74%) das respostas acontece a comunicação em duas formas: virtual e pessoal, devido à distância e falta de tempo durante a semana. Porém, os jovens afirmam fazerem questão do relacionamento pessoal nos fins de semana. Esse resultado confirma a conclusão do estudo exploratório de Barcelos (2010) sobre o consumo das novas tecnologias de comunicação pelos jovens. Segundo o autor, a comunicação significa, principalmente, a manutenção das suas amizades.
As respostas ainda apontam que o uso dos recursos tecnológicos em sala de aula tem como objetivo pesquisa para trabalho acadêmico, produção de trabalhos acadêmicos, leitura de livros, consulta nos conteúdos das aulas, estudo e pesquisas. Em relação ao uso de celular, sua utilização é para falar com outras pessoas e alunos de outras salas, enviar mensagens e ver horas, numa ênfase que leva a crer que o público pesquisado é dotado de equilíbrio na utilização dos recursos tecnológicos disponíveis.
Quanto aos professores, os respondentes afirmam que os docentes utilizam as tecnologias em sala de aula para projeção de slides com imagens e vídeos que apresentam o conteúdo de aula, ou ainda para apresentar a explicação da matéria e avaliação de trabalhos pelo modo virtual. As respostas induzem à posição de que esses jovens percebem a utilização dos recursos pelo professor por um viés mais acanhado do que poderia ser.
Sobre a frequência de consumo pela internet, 12 (44%) participantes responderam não comprar pela internet, sendo a qualidade do consumo moderada, em 15% das respostas. Esse resultado contraria dados de pesquisas atuais. Por exemplo, o estudo exploratório de Freire Filho (2008, p. 45) apresenta resultados indicativos de que os jovens brasileiros consomem muito, o que justifica serem chamados de "maquininhas do consumo". Quando questionados se as compras on-line os atraem, a maioria (59%) afirma que sim, por ser mais barato e pela comodidade. Um percentual de 85% afirma que as compras pela internet não afetam sua vida financeira.
Como comentário geral sobre o assunto, a maioria argumenta que os recursos tecnológicos ajudam, mas é preciso ter controle em seu uso. Em relação à utilização da internet, o ideal é que seja moderado, pois ela corrompe e manipula. Quanto ao consumo, é muito facilitado. É só dar um clique, e já está comprado. Essa facilidade acaba comprometendo as pessoas. Em todos os sites existem ofertas, o que para muitas pessoas é tentador e, portanto, perigoso.
Como síntese dessa primeira etapa, é importante ressaltar que a análise feita se deu pela incidência de respostas ao questionário, constituindo-se como uma etapa prévia de identificação dos principais conteúdos sobre o cotidiano do contato com as mídias e tecnologias. As respostas dos sujeitos ao questionário foram consideradas como norteadoras dos passos que se sucederam no processo de pesquisa.
Por sua vez, as conversações em torno dos assuntos levados ao grupo focal permitiram identificar expressões reiterativas dos participantes. Sucessivos processos de aglutinação por similaridade, complementaridade e/ou contraposição levaram à organização de dez indicadores: 1. Efeitos dos recursos tecnológicos nos sujeitos; 2. Efeitos nas relações familiares; 3. Efeitos nas relações sociais/interpessoais; 4. Multifuncionalidade; 5. Tecnologias no trabalho; 6. Tecnologias na sala de aula; 7. Tecnologias e consumo; 8. O mundo sem a internet; 9. Recursos mais citados e aplicabilidade; 10. Prós e contras dos recursos tecnológicos.
1. Efeitos dos recursos tecnológicos nos sujeitos: agruparam-se neste indicador as respostas e expressões que indicavam sentimentos contraditórios de prazer, desprazer e alienação advindos do uso dos recursos, como na expressão de C.3: "Quando estou usando é como se as horas passassem super-rápido [...]. Não dá vontade de parar [...]. Sinto que suga de mim muito de meu tempo, muito de minha atenção". Assim, C., ao despender tempo com as tecnologias, desenvolve um sentimento de perda em relação ao que acontece quando está conectada. M. afirma: "Eu me sinto completamente desconectada da minha casa [...]. Deixo o mundo lá fora e fico completamente conectada". Apreende-se, pela fala de M., uma usuária em potencial, que ela parece estar mais conectada com o mundo virtual do que com o mundo real. Gallert, Loureiro, Silva e Souza (2016) afirmam, com base na abordagem histórico-cultural, que é possível compreender o social como produtor de espaços de significações em que se manifestam contradições e singularidades dos sentidos dos sujeitos individuais nesse tipo de pesquisa. Fortim e Araújo (2013) investigaram usuários que se declararam viciados em internet. Obtiveram como principais problemas relatados a dependência psicológica, que inclui um desejo irresistível de usar a rede, com incapacidade de controlar seu uso; irritação quando não conectados; euforia assim que conseguem acesso; e obsessão pela vida virtual, não se importando com a vida presencial. Embora não se possa afirmar uma dependência psicológica no caso dos participantes desta pesquisa, as expressões contraditórias são indicativas de uma sensação de pouco controle sobre o uso e os efeitos causados neles.
2. Efeitos nas relações familiares: neste indicador apresentam-se expressões indicativas de interferências nas relações familiares, demonstradas por C.: "Lá em casa, o pessoal senta para ver o filme e eu estou em um bate papo [...]. O filme acaba e a conversa não acabou [...]", bem como no controle exercido pela mãe de C. em seus relacionamentos virtuais: "[...] Pela necessidade compulsiva de minha mãe de descobrir o que estou falando e com quem estou falando". A falta de atenção para com o marido, no caso de M.: "Deixo de dar atenção ao meu marido e fico vendo coisas sem importância [...]. Tadinho do meu marido...". A facilidade de comunicação com os pais, por morarem longe, no caso de M., "Por meus pais morarem longe, ajuda", confirmada por I.: "Por eu morar longe, facilita a comunicação", e por W.: "Muitas vezes facilita a vida, ainda mais a gente que tem família longe". Mas, ao mesmo tempo, aparece a contradição em I., pelo fato de que, quando está perto, nas férias, deixa de dar a atenção e de entrar em sintonia com a família: "Atrapalha nas férias [...]. Distancia, porque estou aqui e lá ao mesmo tempo".
3. Efeitos nas relações sociais/interpessoais: neste indicador agruparam-se as respostas com ênfase nas facilidades de dizer ou comunicar algo por meio tecnológico em relação a dizer algo pessoalmente, como transparece nas expressões de C.: "Por não querer dizer algo no olho, fica mais fácil"; de M.: "Por telefone eu falo tudo"; de J.: "Acho melhor comunicar pela escrita, mensagem"; e a de I.: "É melhor comunicar por mensagem". Em contradição com a opinião de B.: "No interpessoal prefiro falar pessoalmente".
Como complemento dos comentários, concernentes às relações sociais e interpessoais, I. expressa que a falta de sintonia dela com o grupo atrapalha quando está utilizando o telefone celular: "Larga daí, conversa com a gente, interage com a gente". A opinião de J. anuncia uma interação: "Todos estão fazendo a mesma coisa [...]. A gente percebe que todos ao seu redor têm aquilo e está ali com você". A valorização de C. tanto do social quanto do interpessoal: "Para mim, auxiliam demais, tanto no pessoal quanto no interpessoal". A convicção de M.: "Você consegue trazer as pessoas que estão distantes para perto de você, mas as que estão perto você acaba deixando um pouco distante". J. considera que "É melhor ter amigos, sair com eles, do que ter amizade pela internet". Enquanto P. valoriza o vínculo pela internet, porque contribui para não se sentir sozinha e afirma que conversa mais pela internet do que pessoalmente: "Você cria um vínculo ali na internet, mais do que pessoalmente".
Essas formas de relacionamento são evidenciadas por Tapscott (2010), Almeida e Eugênio (2006), quando afirmam que os jovens interagem de várias maneiras - tanto pelo real quanto pelo virtual. Ou seja, face a face ou pelo computador, numa extensão de seu mundo social.
4. Multifuncionalidade: o efeito multifuncional no uso dos recursos, aglutinado neste indicador, é expresso por B. quando diz: "Gosto de estar conectada em três, quatro coisas ao mesmo tempo. Seja no notebook; com o iphone na mão respondendo e-mail; respondendo o whatsapp; vendo o que está acontecendo no facebook".
5. Tecnologias no trabalho: neste indicador, os participantes ressaltam a praticidade de comunicação, como na expressão de C.: "Você perde muito tempo para ligar para dez pessoas [...]. Manda um e-mail só [...]. "Padroniza a informação". F. aborda a facilidade para reuniões: "Reuniões ligadas à empresa e à igreja são reuniões assim, por conferência, ajuda demais". P. acha que fica mais fácil para atender às solicitações da mãe: "No trabalho, coloco o celular no vibrador para atender às solicitações de minha mãe [...]. Fica mais fácil [...]. Evita um certo nervoso".
6.Tecnologias na sala de aula: neste indicador, ressaltam-se os conteúdos trazidos pelos participantes, que assumem utilizar-se das mídias e tecnologias na aula. Alguns assumem usá-las somente se a aula estiver "chata". É o caso de W.: "Se a aula estiver chata, a gente vai logo para uma rede social [...]. Fez um barulhinho, deu uma piscada, você vai ver o que é".E C.: "É como o W. falou [...]. É uma escapadinha". F. comenta: "Você está assistindo à aula e perdeu um pouco... Chega a mensagem, você acaba olhando e por aí vai". Outra revelação, de I.:"O professor está dando aula. Toda hora estou lá. Apita, e estou lá". P. tem opinião diferente: "Eu procuro não levar a net para a sala de aula [...]. É muita tentação estar com o computador naquela telinha".
7. Tecnologias e consumo: neste indicador, foram agrupadas as respostas sobre as prováveis influências das tecnologias em hábitos de consumo. A maioria dos jovens respondeu não ser influenciado. W. afirma: "Acho interessante, mas não me influencia". M. comenta: "Não influencia; nunca fui de sair comprando". E quanto a I.: "Não me influencia, nunca comprei; gosto de visitar os sites, olhar as novidades". J. afirma: "Não sou consumista, não tenho paciência de comprar". No entanto, C. admite que: "Em casa acaba influenciando pela facilidade de comprar; economiza tempo e é mais barato". É interessante notar a ênfase em deixar transparecer que demonstram ter controle nas compras, como é o caso de F.: "Comprei um videogame [...]. Acho que pretendo comprar mais coisas [...]. Mas tudo controlado". Ou que não compram supérfluos, como no caso de P.: "Roupas, acessórios e sapatos, eu não compro".
8. O mundo sem internet: este indicador agrupa expressões contidas nas respostas que demonstram que alguns respondentes afirmam que não pararam para pensar, como W., ou que não podem imaginar o mundo sem internet, como I. O que chama a atenção são os exercícios de prognósticos que apresentam caso a internet parasse hoje: "Seria uma pane, pararia tudo; as empresas, sistema burocrático, hospitais, escolas" (C.); "Seria difícil se acostumar" (M.); "As pessoas sobreviveriam, o acesso seria mais lento. Tudo voltaria à moda antiga: estudar e o relacionamento" (B.);"Seria um caos" (F.); "Ia precisar de psicólogos soltos para todos os lados" (B.); "Ia ter gente morrendo por causa de hospital, morrendo porque ia perder dinheiro [...]. Não me vejo hoje sem as tecnologias" (F.); "Seria possível delinear o status das pessoas. Quem é pobre ia mostrar ser pobre. Acho que as pessoas acabariam sendo mais verdadeiras", comenta P.; "Seria muito difícil, pois querendo ou não a internet facilita a vida de todos" afirma J.
9. Recursos mais citados e aplicabilidade: neste indicador, o telefone celular é destaque nas expressões dos participantes. É o que se apreende da fala de W: "Com minha mãe, eu só converso pelo celular". A afirmação de C.: "Em um momento tão gostoso deles [família] eu poderia estar participando e acabo perdendo pelo celular". E a identificação de M. com essa tecnologia: "Eu me sinto mais à vontade de falar algumas coisas pelo celular [...]". A agilidade de B.: "E geralmente com o meu iPhone na mão, respondendo e-mail, respondendo whatsapp". O benefício desse recurso para I.: "Eu, sem o celular, fico incomunicável". A facilidade que esse aparelho proporciona a F.: "Então, quando você está no celular ou computador, fica bem mais fácil de se expressar". E a ênfase de P. no valor do celular: "Das maiores modernidades, a gente acaba se apegando mais é com o telefone celular". E a descrição de interação de J.: "É assim que eu me sinto com a internet e celular: vendo o que está acontecendo".
Destacam-se nas expressões dos participantes o uso do aplicativo whatsapp, como na fala de M.: "Meu marido sente-se incomodado e fala: 'Sai do whatsapp'". No caso de I.: "No relacionamento social, eu me relaciono muito com a questão do whatsapp". Já, F. faz uma avaliação: "Hoje, com o whatsapp é uma facilidade".
Ainda com relação aos recursos citados e aplicabilidade, os participantes afirmam usar o Facebook e a valorizar essa rede social, como na fala de M.: "Às vezes, eu fico estressada quando não vejo o meu Facebook". Também B.: "Vendo o que está acontecendo em meu Facebook". E a afirmação de J.: "No Facebook, você tem amigos, você tem como adquirir novos amigos".
Outros recursos são citados, como na expressão de M.: "Então você vem com o tablet, com o notebook e fica lendo o livro que o professor está explicando". E como afirma F.: "Eu vejo no Skype uma ferramenta que ajuda bastante".
O telefone celular é o recurso tecnológico mais citado, valorizado e utilizado para trocar e receber mensagens, responder a e-mails, atualizar informações, manter relacionamento nas redes sociais, pesquisar em sala de aula e tirar fotos. A popularidade do telefone celular e as facilidades proporcionadas por esse aparelho é destacada por Tapscott (2010), Bauman (2008), Santaella (2007), Barbosa (2013) e Almeida e Eugênio (2006). No entanto, alguns autores, tais como Lypovetsky e Serroy (2011), Nicolaci-da-Costa (2005), Guimarães (2009) e Sypier (2007), alertam para as consequências e ambivalências que ele poderá causar em seus usuários.
10. Prós e contras dos recursos tecnológicos: neste indicador, por fim, agruparam-se as respostas que demonstravam apreciação e valorização da tecnologia, ou senso crítico e de cautela em seu uso, como se percebe na fala de C: "Todos os recursos, sem exceção, são uma faca de dois gumes [...]. Depende de ponderação, saber usar, o que usar, quando usar, com quem usar [...]. É extremamente bom. Tudo está relacionado à internet [...]. Muita coisa seria perdida, muito do conhecimento, muito de cultura, muitas pesquisas [...]. Coisas que temos como base [...]. Porém, muita coisa é copiada, muitas pessoas passam por riscos e perigos de vida por não saberem usar". Já na expressão de M., nota-se uma reflexão contemplativa da vida: "Estamos acomodados [...]. Acho, se você deixasse um pouco da tecnologia e vivesse no mundo real, faria bem". Na expressão de B., o que se observa são os impactos causados e um alerta: "Acredito que, daqui a alguns anos, vamos ter doenças psicológicas em pessoas que têm a tendência de se isolar e só se infiltrar nas tecnologias [...]. Os psicólogos terão de estudar muito mais [...]. A internet é muito boa, mas ao mesmo tempo pode ser fatal". Na opinião de C., "A internet é muito boa, mas expõe muita coisa [...]. Muita gente posta e expõe sua vida pessoal". Já F. denota preocupação quanto a não perder o foco nos relacionamentos: "Não podemos perder a questão do abraço, do contato com o próximo, a família, o amigo, porque nada substitui isso [...]", mas também alerta: "Ter cuidado, porque ao mesmo tempo que ajuda, prejudica". A preocupação de P. é em relação ao futuro das novas gerações: "Cuidar da geração de hoje [...]. A geração de hoje é completamente touch [...]. Acho que deve ter uma certa limitação [...]". E reflete: "Você vive sem a internet [...]. Na realidade, tem muita gente aí que não mexe e está aí, viva [...]. E tem gente que está com saúde melhor [...]". J. afirma: "Pode se tornar um bom-senso ou vício para as pessoas [...]. Elas se esquecem do mundo e ficam focadas naquilo [...]. Usar com cautela [...]. Com bom senso".
Em seu conjunto, os indicadores possibilitam apreender uma postura de ambivalência em relação aos recursos tecnológicos pelos jovens participantes da pesquisa, pois ao mesmo tempo em que ressaltam a interatividade, a satisfação e a conscientização em seu uso, indicam também a presença de conflitos relacionados à maneira de utilização e consumo das mídias.
A organização dos indicadores por meio de aglutinações por proximidade, similaridade, complementaridade e contraposições resultou em quatro núcleos de significação.
Núcleo 1: Dependência e ambivalência entre o mundo virtual × mundo real foi formado a partir dos indicadores: Efeitos dos recursos tecnológicos nos sujeitos; Efeitos nas relações familiares e Efeitos nas relações sociais/interpessoais. As expressões dos jovens confirmam que as tecnologias fazem parte tanto das condições materiais como simbólicas em suas vidas. O sentido de valor atribuído pelos jovens às tecnologias e a expectativa das mensagens veiculadas por esses meios coloca-os numa posição entre o mundo real e o mundo virtual. W. revela que, com as tecnologias, se sente atualizado, informado. Mostra-se ansioso e na expectativa de chegar a casa e ver as mensagens deixadas em sua ausência: "Deixei meu celular em casa [...]. Vou chegar lá, vai estar bombando de mensagens". C. denota um sentimento de falta e estranhamento quando não está de posse desses recursos: "Sem os recursos, eu me sinto perdida [...]. É como se não estivesse acordada". M. manifesta indignação quando impedida do acesso às tecnologias: "Eu fico bem estressada quando meu marido não me deixa ver o meu Facebook". B. manifesta curiosidade e prontidão em responder às mensagens: "Se não vejo, fico ansiosa, porque não respondi à mensagem". I. percebe que, sem os recursos, fica incomunicável e que não consegue ficar sem as tecnologias. Aprecia estar conectada; no entanto, expressa sentimento de culpa por não dar atenção à família: "Eu, sem o celular, fico incomunicável [...]. Não consigo ficar sem [...]. Sinto-me bem por estar me comunicando com a minha família, mas, ao mesmo tempo, sinto-me mal por não dar atenção às pessoas ao meu redor". F. valoriza as tecnologias e afirma que não vive sem o celular, computador e videogame. Isso fica reforçado no momento em que se refere à bateria do celular que está acabando e demonstra não ver a hora de recarregá-lo. P. valoriza as tecnologias por elas preencherem o vazio de estar sozinho. J. valoriza os recursos tecnológicos por sentir-se atualizado sobre o que acontece ao seu redor e por poder interagir com as demais pessoas.
As expressões dos jovens sobre as relações familiares são variadas. No entanto, o que se nota é que, na sua maioria, tanto o jovem quanto os membros de sua família são usuários desses recursos para interatividade, comunicação, entretenimento e aproximação, como se observa na fala de F.: "Em casa, não vejo que nos afastou [...]. Estamos mais ligados [...]. Porque estou no trabalho, mando mensagens para a minha mãe. A gente passa quase o dia inteiro conversando [...]. Acho que a relação com a minha família ficou mais fácil [...]. Hoje, eu falo com a minha mãe umas duas vezes por dia". F. comenta como acontece a relação da mãe com o celular: "Minha mãe, depois que deram um celular para ela [...]. É incrível [...]. Eu falo: Mãe, por favor, não precisa postar isso também [...]. Quem comanda é a minha mãe". E, na fala de P.: "Volta e meia tem alguém com um celular para tirar uma foto [...]. Vem minha vó querendo que eu a ensine [...]. Acabo tentando ensinar quem não está conseguindo [...]. Então, é bom [...]. Não é só de aproximar, é de facilitar o contato".
Nas relações sociais e interpessoais, os jovens demonstram suas preferências em relação ao real e ao virtual. I. valoriza o celular e o relacionamento com o grupo por meio do whatsapp: "Eu gosto de falar ao celular [...]. Eu relaciono muito bem com o whatsapp, assim no grupo". P. valoriza a internet: "Adoro mexer, porque é um vínculo que você tem com as pessoas [...]. Acaba conversando mais com as pessoas da internet do que pessoalmente". W.: "Você tem um vínculo maior com quem está longe do que com quem está perto". Na opinião de J., "No Facebook, você tem amigos, você tem como adquirir novos amigos [...]. Isso é algo bom. Você se relaciona por lá". Outros contrapõem afirmações, como no caso de M., quando assim se expressa: "Você consegue trazer as pessoas que estão distantes para perto de você, mas, os que estão perto, você acaba deixando um pouco distante" e de B.: "em alguns momentos, te aproxima; em outros, distancia a gente"
Núcleo 2: Dispersão × Garantia da atenção foi composto pelos indicadores Multifuncionalidade, Tecnologias no trabalho e Uso das tecnologias em sala de aula. O aspecto multifuncional e a suposição de garantia de atenção foram notados na fala de B.: "Gosto de estar conectada em três, quatro coisas ao mesmo tempo". Nesse caso, pode-se supor que sua dispersão da atenção, por estar sintonizada em várias coisas ao mesmo tempo, é, para ela, a garantia de não perder nada, ou seja, "estar antenada" (na linguagem da jovem). Já, na expressão de P., quanto ao uso da tecnologia no trabalho: "No trabalho, coloco o celular no vibrador para atender às solicitações de minha mãe [...]. Do que sair do trabalho para atender [...]. Fica mais fácil [...]. Evita um certo nervoso [...]. Acho que é mais fácil resolver os problemas". A utilização supõe uma garantia de atenção pela situação vivenciada em relação aos contatos com a mãe. Em sala de aula, a dispersão é caracterizada na fala de M.: "Você entra no Facebook, tira sua atenção, sabe lá quando você vai sair", e na fala de F.: "Você está acompanhando a aula, perdeu um pouco, chega uma mensagem, você acaba olhando, e por aí vai".
Núcleo 3: Tecnologias, mídia e consumo ou Consumo de tecnologias e mídias? Este núcleo foi composto pela aglutinação dos seguintes indicadores: Tecnologias e consumo e Recursos mais citados e aplicabilidade. Apreende-se pelas expressões dos jovens que a mídia não os influencia, salvo a exceção de compra pela família e o gosto de visitar alguns sites de compras para ver as novidades. Esse resultado contradiz a pesquisa de Freire Filho (2008), cujo resultado leva a afirmar que os jovens consomem muito. As expressões são diferenciadas e refletem que alguns participantes acreditam que a mídia tem poder, mas não se deixam influenciar, como na expressão de F: "Comprei um videogame [...]. Gostei [...]. Acho que pretendo comprar mais coisas [...], mas tudo controlado [...]. Acho que não me perco nesta questão [...]". No entanto, o consumo de mídias é transparente, como nas redes sociais e aplicativos. Os jovens viajam por caminhos lineares, trocam e-mails, enviam mensagens, mantêm diálogo no Facebook, WhatsApp, Instagram e utilizam o celular como se fosse para se manterem em constante sintonia com o real e o virtual, num rompimento da relação tempo e espaço.
Núcleo 4: Futuro sem internet foi composto pelos indicadores O mundo sem internet e Prós e contras dos recursos tecnológicos, os quais, como já apontado anteriormente, deixam transparecer que, para esses jovens da pesquisa, o mundo sem a internet tem prognósticos assustadores, como o de pane, falha no sistema econômico, no contexto das relações sociais, nos serviços e na comunicação. No entanto, na opinião de alguns, seria possível sobreviver sem a internet, mesmo porque, fazem questão de ressaltar, numa visão mais idealista, há prós e contras no uso dos recursos tecnológicos. Assim, ao mesmo tempo em que os jovens valorizam as tecnologias e mídias, ficam na defensiva de que é preciso saber usá-las e ter cautela.
Considerações finais
Esta pesquisa possibilitou uma aproximação aos sentidos produzidos por um grupo de jovens universitários, na maioria mulheres, estudantes de Psicologia de uma instituição particular, na faixa etária de 18 a 29 anos. Inicialmente, com base em respostas a um questionário e, posteriormente, por meio de conversações em um grupo focal, foi possível identificar expressões a respeito da mídia e uso de tecnologias digitais, a partir das próprias vivências e experiências.
Um estudo da literatura trouxe suporte para as análises de impactos das tecnologias e das novas mídias digitais na vida dos participantes, no cotidiano das relações, nas aprendizagens, no trabalho e nos hábitos de consumo.
Quanto ao uso dos recursos tecnológicos, o celular é o protagonista da pesquisa, pois dos 27 participantes, 23 (85,2%) afirmaram ser usuários desse recurso, sendo as redes sociais e as notícias as atividades preferidas da maioria, para manter relacionamentos, obter informações e conectarem-se com amigos e familiares. Chama atenção a ênfase que os participantes trazem ao referirem-se a seus hábitos no uso da internet e das mídias, afirmando que tais hábitos atrapalham o relacionamento familiar e interpessoal, pois impedem uma completa interação, desviam a atenção e sintonia com as pessoas a sua volta. No entanto, afirmam que não conseguem ficar sem seus celulares, uma vez que, contraditoriamente, apontam o valor da comunicação virtual como forma de se manterem em sintonia com os amigos e familiares. Já nos fins de semana, eles valorizam o contato e os encontros pessoais. Os participantes da pesquisa justificam também o uso dos recursos de mídia em sala de aula para pesquisa, produção de trabalhos acadêmicos, acompanhamento da aula e leitura. E, quanto a hábitos de consumo, em sua maioria, não compram com frequência pela internet e afirmam que não são influenciados por ela no aspecto financeiro.
Esses aspectos, levados para discussão em um grupo reduzido, na segunda etapa da pesquisa, serviram de base para a ativação de um espaço de conversação na modalidade de grupo focal, do qual participaram oito alunos, selecionados a partir de critérios de inclusão de completude e qualidade de respostas ao questionário, considerando-se a possibilidade de maior aproximação aos sentidos produzidos por eles.
Tendo como apoio e referencial a Psicologia Histórico-Cultural, que considera os participantes e suas vivências no contexto social e cultural, e considerando as categorias de sentido e significado na investigação psicológica, conforme propostas de González Rey (2005, 2007, 2011) e de Aguiar e Ozella (2013), evidenciaram-se quatro núcleos de significação como sínteses das aglutinações dos indicadores identificados nas respostas dos participantes na primeira etapa da pesquisa e nas expressões e falas da segunda etapa.
O primeiro núcleo de significação opõe o mundo virtual e o mundo real. Surge nas expressões dos jovens que denotavam um valor positivo por se sentirem atualizados e informados, e um sentimento negativo de falta de direção, de desorientação e indignação quando as condições não lhes possibilitam estar em contato com as redes sociais. A sensação de ficar incomunicável sem esses meios alia-se ao forte sentimento de só estar vivo quando em sintonia com os meios de comunicação. Alterna-se aí a satisfação de se comunicar com os familiares e, ao mesmo tempo, o sentimento de estar em falta por não lhes dar a devida atenção; a valorização de acesso ao grupo por meio dos aplicativos contrapondo-se à constatação de que, em alguns momentos, as mídias aproximam as pessoas e, em outros, as distanciam.
O segundo núcleo, da dispersão versus garantia de atenção, reflete a posição ambivalente apontada pelos participantes por estarem conectados em múltiplos recursos ao mesmo tempo, mantendo, com isso, a atenção para si no uso dos múltiplos aplicativos da mídia, o que os faz suporem que a comunicação se efetiva.
No terceiro núcleo das tecnologias, mídia e consumo versus o consumo de tecnologias e mídias, os participantes parecem querer mostrar que não são dominados pelo consumo excessivo, tampouco que se deixam atrair pelas facilidades de compra pela internet. No entanto, são consumidores inegáveis de mídias e tecnologias, em especial o celular e o computador, cujas atividades mais atrativas são predominantemente as redes sociais, com destaque para os relacionamentos mantidos e garantidos por essas redes.
Esse perfil de consumidores condiz com a denominação de "geração e", como grupo de jovens que baixa música para escutar em seu mp3 portátil, comunica-se com amigos por chats e tem grande parte de seu dinheiro investido em dispositivos tecnológicos (Román, Mesones & Marinas, 2007, p. 2). Rifkin (2004, p. 162) os caracteriza como "geração.com", uma geração, segundo o autor, cujo sentido do self está ligado menos a quanto resultado eles produzem e quantas coisas acumulam e mais a quanta experiência vivida e relacionamentos eles têm acesso. E ainda, o perfil traçado por Tapscott (2010, p. 19), que lhes atribui o título de "geração internet", que interage com várias mídias ao mesmo tempo, assiste a filmes, usa celular para tirar fotos, faz vídeos e envia mensagens de textos, navega na internet para encontrar endereços, mantém colaboração com pessoas do convívio ou não e entra no Facebook quando é possível, inclusive no trabalho. Essa geração usa a internet para se comunicar, entender, aprender, achar e fazer várias coisas, tem habilidade no mundo digital e está mais interessada em criar e compartilhar.
Em relação ao quarto núcleo de significação, referente ao futuro sem a internet, os prognósticos são variados, com ênfase na quase impossibilidade de se imaginar um mundo sem tecnologia, uma vez que todos os espaços sociais e institucionais se movem pelas mídias e novas tecnologias, segundo os jovens.
As análises feitas levam a considerar que a subjetividade dos jovens participantes deste estudo sofre influências do uso de tecnologias e de mídia, confirmando pesquisas como a de Barcelos (2010), que encontrou, como principais motivações sobre o desempenho e a socialização de um grupo de jovens estudantes de um colégio militar na cidade de Porto Alegre, a apropriação das novas mídias, a conectividade, o entretenimento, a autoexpressão e a construção da imagem e, como influências mais marcantes, os amigos, além da família, em certas situações.
As informações obtidas sobre a disseminação do uso das mídias e tecnologias em âmbito familiar mais amplo, incluindo pais, mães, irmãos, tios, avós, primos e, sendo o grupo pesquisado pertencente a segmento populacional de rendimento familiar abaixo de três salários mínimos, parecem confirmar que as tecnologias estão presentes na vida das pessoas, em geral. Silveira (2004), em pesquisa sobre os efeitos da globalização e da sociedade em rede via internet na formação de identidades contemporâneas, afirma que a internet é um meio de comunicação de massa interativa, diferente das massas convencionais, mas com alcance e penetração semelhantes e potencialmente mais abrangentes entre os jovens, envolvendo direta ou indiretamente atividades e organizações em todos os níveis da sociedade.
Em relação à forma como os jovens se dizem influenciados em seu modo de viver, seus relacionamentos e consumo, encontra-se ressonância em Rocha e Silva (2016), em pesquisa que busca estabelecer relações entre o consumo cultural e a constituição da subjetividade de jovens de 15 a 24 anos em Natal, Rio Grande do Norte. Expressões dessa subjetividade nas descrições do cotidiano indicam que a imagem dos pais, o consumo simbólico, a mídia eletrônica e a internet são referências importantes da ação e de comportamentos compartilhados. As análises realizadas a partir das expressões dos participantes desta pesquisa os aproximam de traços, ao mesmo tempo singulares e universais, de uma cultura juvenil complexa e ambivalente, por natureza definida pelas percepções de si em relação a seus hábitos e comportamentos.
Pela complexidade do tema, considera-se que muito mais poderia ser explorado na apreensão dos sentidos produzidos pelos jovens participantes da pesquisa, indo além do que foi pesquisado em um tema tão atual. Esse conhecimento não se esgota aqui, devendo ser explorado por outros, visto que as tecnologias e mídias são uma realidade presente no contexto global. No que tange às novas tecnologias ou ao momento atual de desenvolvimento e disseminação de tecnologias, a despeito da ampla literatura sobre o assunto, muito há ainda a se discutir a respeito das identidades e subjetividades que se constroem por aqueles que pertencem às chamadas gerações de "nativos digitais", na expressão de Tapscott (2010).
Analisar o sujeito em sua totalidade compreende observar um conjunto de sentidos presentes em seu mundo, o que vai ser demonstrado em suas ações, necessidades e afetos e transparece na forma como se vê e se percebe diante do mundo vivido. Em busca da realidade dos participantes, ou seja, dos jovens universitários participantes deste estudo, uma continuidade ou aprofundamento da análise poderia indicar a força da expressão de uma subjetividade que não quer se mostrar totalmente subjugada pela força de influência das tecnologias e mídias.
Referências
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Recebido em 29/08/2014
Aprovado em 21/11/2016
1 Os procedimentos relatados estão em consonância com o projeto de pesquisa aprovado por parecer consubstanciado do CEP nº 317.532, de 26/05/2013.
2 A instituição e curso foram escolhidos por interesse e conveniência de pesquisa. Os alunos foram os que se disponibilizaram a participar. Trata-se de instituição confessional, filantrópica, sem fins lucrativos, que funciona em regime de internato e externato, atendendo a uma população de classe média baixa - alguns alunos são beneficiados com bolsas.
3 As letras maiúsculas correspondem à abreviação do prenome dos participantes, como forma de preservar sua identificação.